Frenesi III

     Depois do momento de uma realização de outro mundo, saí correndo para meu quarto, deixando meus pais atordoados e imóveis para trás. Lágrimas já começavam a se manifestarem em meus olhos.

     Logo que cheguei, fechei com força a porta atrás de mim por um impulso. Já era possível de ser ouvida a conversa agitada de Aniela e Etorre no outro cômodo. Segurando a maçaneta com um aperto forte, virei meu rosto lentamente para trás, como se estivesse com medo de outra mudança. Mas o meu antigo e normal quarto era tudo o que vi entre minhas mechas bagunçadas de cabelo.

     Havia um espelho no lugar, perto do armário ao lado contrário da cama. Com passos lentose sorrateiros cheios de medo, vi aquilo: uma mulher no meio de seus 40 anos me encarava. Observei a pele flácida e velha, olheiras protuberantes, unhas sujas, olhos sem brilho e fios brancos que já se revelavam sutilmente nas raízes dos cabelos castanhos desgastados e naturalmente desarrumados que se refletiam em meus olhos arregalados.

     De um jeito quase absurdo, não fiquei tão aterrorizada quanto antes, mesmo continuando bastante assustada. Não havia mais nada dentro de meu corpo para ser perturbado e então derrubado. A única coisa que vi indo para baixo sendo o reflexo brilhante de lágrimas no espelho sujo que brotavam daqueles olhos desconhecidos, não os meus.

     Não pude mais aguentar aquela visão; me joguei na cama com meu rosto afundado no travesseiro e me pus a chorar com meu pequeno coração emocional de criança. Tentava racionalizar pensamentos em meio a puro desespero. Talvez meus pais houvessem batido na porta, e eu não tenha escutado.

     Meus olhos molhados e pressionados contra a escuridão me faziam sentir como se estivesse em outra dimensão de sofrimento, incapaz de ser alcançada pela nossa. Eu amava tanto Florentina, e era como se ela houvesse subitamente morrido, mas adicionado o fato de que ninguém se lembrava dela, o que só tornava tudo ainda mais doloroso. A existência de uma gentil e honrosa garota sendo totalmente ignorada. Porém, afinal, Florentina havia simplesmente desaparecido completamente de qualquer lugar, ou ela ainda continuava andando para casa no mundo de antes? Se ela desapareceu desse jeito, então isso quer dizer que a mesma coisa aconteceu com o vilarejo, meus pais e todo o mundo! Mas talvez eles ainda existam! Mas se eles continuam existindo normalmente, como eu existo com eles? Se eu estou controlando meu corpo aqui, quer dizer que ele desapareceu lá ou continua vivo de alguma maneira?

     Todas as opções que imaginei no momento foram horríveis, e as que imaginei tempos depois foram ainda mais. Caso o mundo de antes ainda esteja existindo como sempre, todos ainda estariam vivos, mas pode ser que eu tenha desaparecido totalmente dele, deixando todas as minhas amigas e família para trás, para sempre lutando contra a dor da perda, ou,ainda pior, meu corpo poderia continuar existindo, porém de alguma outra forma sendo controlado como um fantoche para o uso da pessoa que me prendeu aqui, assim usando de minha pessoa para algum objetivo, provavelmente maligno, considerando o que fez comigo para obter um receptáculo, porém essa segundo teoria sempre me pareceu extravagante demais e bastante improvável, mesmo havendo uma chance dela ser verdade, e eu não ignoro nenhuma probabilidade do que poderia ser a razão daquilo tudo. Se meu mundo antigo foi totalmente apagado, quer dizer que todos "morreram"? Ou haviam mesmo morrido? Todos ainda estão aqui, mas são mesmo eles? Seriam como marionetes manipuladas por um encanto? ou ainda poderiam conter a essência de suas almas de verdade? De qualquer jeito, jurei a mim mesma que não confiaria totalmente neles. Aqueles olhares estranhos na rua me perturbaram desde o começo, por mais que me doesse não confiar em meus próprios pais, que eu tanto amava. No entanto, se todos estavam iguais e supostamente ainda vivos, como isso explicaria o desaparecimento de Florentina? Seria por que eu a vi quando o feitiço começou? ou poderia ter algo haver com os anos de nossos nascimentos e a idade de minha mãe? Já que ela é minha irmã mais velha, existir nesse mundo provavelmente faria minha mãe ser mais velha,fazendo com que o ponto de tudo ser aparentemente e visualmente como antes ser quebrado,mas se a segundo opção fosse verdade, para mim, de algum modo, isso implicaria que há mesmo algum tipo de vilão por trás disso, provavelmente um feiticeiro profano, mas também... talvez... poderia ser que aquele mundo não foi criado por ninguém além da pura força da maldade que sai da terra, como as bestas naturais que vagam na escuridão, longe dos olhos humanos, sem nenhuma mente realmente maligna por trás delas.

     Eu não parava de mergulhar em lágrimas e ideias, cada vez ficando mais desesperada com a complexidade da situação. Eram tantos 'mundos antigos' e 'mundos novos' que invadiram minha mente não desenvolvida e emocionalmente frágil que o trauma nunca saiu de minhas costas. Eram tantas incertezas e inseguranças que me faziam não poder confiar em ninguém, destruindo aquele meu antigo 'eu'. O antes parecia tão simples: Respostas concretas,sempre com alguém para poder depender... felicidade... tudo que uma criança precisa para querer viver, porém, como se arrancando o doce dela, aquilo a despedaçou.

     Eu não conseguia parar de tremer.

     Já me sentindo fria e solitária o bastante, senti uma mão gelada ou coisa parecida tocar meu ombro em um aperto firme. Me virei para trás em espanto, mas não vi nada, nem meus pais. Foi a primeira vez que considerei realmente a ideia de que algo havia acontecido comigo mentalmente, porém não dei muita atenção ao pensamento.

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