The manuscript
Jude:
Dez anos depois daquele exílio, pensei que nunca haveria um momento em que fosse ficar bem. Mas, por mais doloroso que seja, o tempo é um grande aliviador de feridas.
O mundo é cruel, todos os mundos, mortal ou não. E eu, Jude Duarte, decidi que minha resposta a crueldade que fui submetida, seria fazer uma fornada de cupcakes nesse dia, o dia que em anos atrás seria o primeiro de casada, e o primeiro de exilada.
No reflexo do micro-ondas percebo que tudo mudou, inclusive meu rosto. Dez anos mais velha, mais sábia e talvez mais medrosa.
Enquanto os cupcakes assam, escolho relembrar o passado, a minha sede de poder e como achei que precisava me encaixar naquele mundo depois de ser raptada por Madoc. De como me coloquei em tantas situações que ameaçaram minha vida em nome de ter o poder, de me sentir invencível.
Fui tão longe nessa estrada que me casei com meu maior inimigo.
Lembro-me da última carta que escrevi para o Grande Rei de Elphame, mas que nunca enviei. Provavelmente na mudança do apartamento de Vivienne para minha antiga casa a perdi, estive sempre correndo como uma fugitiva, perdi muitas coisas no caminho. Em alguns momentos pensei que tinha me perdido, mas a carta é o que menos importa, eram apenas palavras amargas de uma jovem que sentia que perdeu tudo.
O desespero de ter saído do mundo em que construí uma vida, e encarar o mundo mortal. Era como me encarar no espelho pela primeira vez, sem magia e sem barganha, era eu contra mim mesma.
E uma vida tão chata não poderia ser a minha, mas a única vez que realmente me senti corajosa foi quando decidi ir embora do mundo das fadas para sempre, e fugir do Grande Rei.
-Querida, cheguei. -Ouço a voz de Peter, que me tira dos devaneios, e guardo esses pensamentos no fundo da minha mente. A única coisa que restou daquela vida.
-Chegou cedo. -Digo ao abraçar meu marido.
-Estava ansioso para te ver. -Peter é carinhoso, e me proporciona uma paz que nunca tive, e aqui em seus braços aceito que posso ser apenas Jude, sem nenhum codinome a mais. -Isso são cupcakes?
-Estava em um bom dia. -Sorrio para ele, que me beija e se despede, indo se banhar.
Encaro a janela, além dessas árvores, existe um mundo que conheço tão bem. Um mundo que almejei conquistar.
Mas não importa mais, essa história não é mais minha.
Cardan:
Que dia patético para ser eu. Assim como todos os outros.
Me jogo na cadeira, tão conhecida, do meu quarto, o quarto do Grande Rei.
Dez anos se passaram desde que perdi meu doce nêmeses. Um exílio que era apenas uma medida para protegê-la de ser condenada por assassinato, e de certa forma, para impressioná-la.
Jude Duarte, que sempre teve suas artimanhas na manga, e me enganou tantas vezes. Não pensei que desistiria tão fácil ao ser enganada uma única vez. Ela com certeza é uma má perdedora.
-Grande Rei, posso entrar? -Barata aparece e o deixo me ver. -Hoje é um dia péssimo, quer ir beber com a gente?
-Prefiro beber sozinho. -Digo sem esconder minha melancolia.
-Quer saber sobre ela? -Ele pergunta e alfineta meu coração que é apenas frangalhos.
-O que teria para saber? -Minha curiosidade sempre vence.
-Jude se casou. -Encaro Barata atônito.
Não é como se não soubesse de seu relacionamento, mas não esperava isso nesse momento.
-Me deixe. -É tudo que posso dizer, e ele entende meus sentimentos, me deixando.
Respiro fundo e recorro a sua última carta.
Há alguns anos fui até o mundo mortal recuperar minha esposa, e fazê-la entender o que tinha feito realmente, mas Barata me trouxe essa carta, e não pareceu digno que eu atrapalhasse.
"Ao grandioso filho da puta, que é o Grande Rei de Elphame, aquele que coloquei no trono.
Vivienne me disse que colocar meus sentimentos em palavras poderiam ser mais saudáveis que entrar no breu da noite, apenas com uma espada, para aliviar a raiva. Não consigo entender como palavras poderiam suavizar meu interior, mas por ela, decidi tentar.
O ato de escrever para ti é assustador, e lembrei do dia que roubei o livro de sua estante "Alice no país das maravilhas", quão irônico era você ter esse exemplar lá? E o quão surpreendente foi saber o tipo de vida que levava? Os abusos constantes.
Às vezes, queria que tudo fosse diferente, que tivesse entendido que Belekin merecia morrer, e eu te fiz um favor em matá-lo. Até o último momento ele te feriu, e posso ser incrivelmente dura, mas aqueles sentimentos impossíveis de compreender ou parar que você tem por mim, também tenho por ti. E vê-lo sem vida por minha espada foi formidável, uma sensação de dever cumprido.
Mas você é idiota demais, e me exiliou.
Cardan, o garoto que sempre correu por aí buscando atenção e afeto. O quão triste tinha que ser seu final? Expulsar a única garota que realmente se importava contigo.
Devo confessar que uma parte de mim está tão motivada a te enviar essa carta, e arrumar uma forma de entrar na sua corte, e mostrar do que um mortal é feito, mas ao me encarar no espelho, não vejo como chegaria a isso.
Talvez haja um jogo de palavras, e eu possa retornar, mas o que isso me trará? Estive pensando sobre a minha existência, e desde o momento em que meus pais morreram em frente aos meus olhos, não sei se sou alguém inteiro realmente.
Uma vida de abusos, buscando validação de um padrasto cruel, que ao invés de me ninar com canções, me contava estratégias de guerra.
De que toda essa agonia me serviu?
Sabe, Cardan?! Acho que somos feitos da mesma merda. Uma família disfuncional, sem entendimento de como faríamos um relacionamento funcionar, e de como seríamos governantes decentes.
Um dia te prometi que seria sua maior vergonha, e não sei se estou mais disposta. Cheguei aos vinte com minha carne cansada, amaldiçoada por todos aqueles que matei por poder. E extremamente ferida por aquele que achei que me amava, ao menos um pouco.
Eu cai em seus truques de fada, e mesmo não podendo ser enfeitiçada, agora mesmo, parece que só consigo pensar na sua existência.
Acho que preciso ser sincera, e juntar aqueles pedaços de coragem que me restam e ao invés de colocar minha vida em risco e morrer pela espada de um feérico que não entende que a vida de um mortal possa ser preciosa, prefiro fugir.
Apesar de nunca ter entendido minha mãe, que fugiu de Madoc e nunca olhou para trás, não quero mais viver amaldiçoada. Tenho medo de você, como sempre tive, e de que um dia surja na minha porta exigindo minha vida como recompensa por nossos jogos, mas aqui vai uma verdade inegável: eu sempre fui mais inteligente.
É hora de dizer adeus, e entender que nunca poderíamos ser.
Não seriamos bons governantes, e não consigo imaginar se essa obsessão que sentimos poderia nos levar tão longe, e nem ao menos consigo cogitar filhos.
Serei sempre a rainha exilada, mas você não será mais meu marido.
Adeus, Cardan Greenbriar."
Minhas cartas, que foram lançadas ao fogo e nunca chegaram em suas mãos seriam uma bela resposta.
Minha "obsessão" durou até os dias de hoje, mas não consigo encarar que eu a magoei. E não seria justo atrapalhar o que ela construiu.
-Adeus, minha doce nêmeses. -Lágrimas escorrem, e não faço questão de enxugá-las.
(Carta que Cardan enviou anos atrás, e que Lady Asha atirou ao fogo antes que Jude pudesse ler)
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