Capítulo 19: Bruce
Spoiler: O tempo guarda segredos, mas sempre encontra uma maneira de revelá-los.
Canyon... Eu estava no canyon...
Era um final de tarde, e o céu se tingia de laranja, refletindo a cor das rochas ao meu redor. O clima esfriou de repente, arrepiando minha pele. Um gavião de cauda vermelha surgiu sobrevoando e, sem aviso, mergulhou em minha direção. Curvei-me instintivamente, mas o maldito bicava meu ombro e meu pescoço sem piedade. Tentei fugir, olhando ao redor à procura de algo que pudesse usar para me defender. Nada. O desgraçado sumiu por um instante, e eu soltei um suspiro de alívio. Mas ao me virar, lá estava ele novamente, vindo direto contra mim. A força do impacto me derrubou no chão.
Cobri o rosto com os braços, tentando evitar que ele me ferisse. Uma cicatriz poderia ser um charme, mas várias? Um verdadeiro estrago. Foi então que senti um beijo no pulso. Um beijo? Estranhei, porque, até onde sabia, gaviões não beijavam. Outro toque quente roçou minha mandíbula. Depois, meu abdômen.
— Acorda, Brooh...
— Ahn?
— Acorda, cowboy...
Abri os olhos devagar e encontrei Kathy com os braços apoiados no meu peito, um sorriso escancarado iluminando seu rosto. Pisquei algumas vezes, desnorteado.
— Ah, você é o gavião... — murmurei, bocejando.
— O quê? — Kathy franziu a testa, obviamente sem entender nada.
— Eu estava sonhando que um gavião me atacava... Eu estava no... — hesitei, pensando se valia a pena dizer o local onde acontecia o sonho — Canyon.
A risada dela explodiu pelo quarto, e foi impossível não acompanhá-la. Antes que pudesse se recuperar, puxei-a pela cintura e a abracei por trás, ficando de coxinha.
— Esse sonho diz muita coisa, Brooh — falou, em meio às gargalhadas.
— Ah é? Que coisas? — retruquei, sem levar muito a sério.
— Acho que sente falta de quando eu era a chata que te atacava. Quer que eu volte a ser ela?
— Você nunca foi chata, só insuportável...
— Brooh? — Ela afastou meus braços e me empurrou, fingindo indignação.
— Você era a garota mais irresistível que eu pensei que nunca iria me olhar...
Kathy mordeu o lábio e, com um movimento ligeiro, subiu sobre mim, puxando a coberta até os ombros.
— Sabe, Morgan, tem um grande detalhe que você não falou sobre gaviões... Eles se alimentam de cobras.
— Ah, é mesmo?
Ela se inclinou, os lábios roçando os meus antes de aprofundar o beijo.
— Sim. — Minha voz saiu entrecortada.
Kathy começou a rebolar devagar, me deixando excitado.
— Tem certeza? Porque acho que acho que encontrei uma aqui embaixo.
Sorri de um jeito fraco, ainda era difícil acreditar que estava com ela. Kathy percebeu quando me distanciei, não dela, exatamente, mas nos meus próprios pensamentos. Lembrei do dia em que meu pai me perguntou se eu gostava da minha inimiga da faculdade. É claro que neguei. Eu não podia estar apaixonado.
— O que foi, Bruce? — Ela deslizou para o meu lado e deitou a cabeça em meu peito.
— Olhando você agora, me veio uma frase na cabeça. "O tempo pode ser o nosso amigo e revelar muitas coisas."
— O que significa? Quem disse isso? — perguntou, traçando pequenos corações em meu abdômen com a ponta do indicador.
— Não sei direito o porquê, mas meu pai de algum jeito sabia que eu gostava de você. E que o tempo podia ajeitar tudo. Foi ele que me disse essa frase.
Kathy ergueu a cabeça rapidamente. Como se tivesse lembrado de algo importante. Ficou alguns segundos parada, me encarando sem piscar os olhos. A íris verde nunca ficou tão clara.
— Bruce, quem é Star?
Minha respiração falhou.
— O quê?
Quem falou de "Star" com ela?
Morgan arqueou as sobrancelhas, parecendo angustiada.
Bufei, estava sem graça. Eu tinha um segredo de quando era mais jovem. Não queria contar.
— Essa garota existe, Brooh?
— Onde ouviu sobre ela?
Kathy fez um semblante de decepção, ela estava entendendo tudo errado.
— Me sinto uma idiota, guardando uma coisa que nem era para mim...
Arregalei os olhos, me perguntando do que ela falava. Sentei de frente a ela e me inclinei um pouco, tentando ver seu rosto, que esquivava da minha direção.
Kathy, revoltada, jogou a coberta para longe.
— Eu vou descer um pouco... — resmungou. Tentou sair da cama, mas antes que conseguisse, segurei seu pulso.
— Vai fazer o que lá embaixo?
Ela respirou fundo.
— Eu estou com sede, vou... vou pegar uma água — falou, sem me olhar.
Soltei-a e a observei caminhando bem devagar até a porta. Era como se tivesse esperança de que eu a impedisse. E foi exatamente o que fiz.
— Tem como trazer um pouco para mim, minha estrelinha?
Kathy parou no meio do caminho, virou-se com um sorriso contido e cruzou os braços, balançando levemente o corpo enquanto batia a ponta do pé no chão.
— Ah, então agora sou sua empregada?
Levantei da cama e fui até ela. Minhas mãos encontraram sua nuca, os dedos enroscando nos cachos loiros.
— Você é a minha Star. — Beijei o cantinho dos seus lábios, depois seu queixo, sentindo-a se desarmar com meu carinho. — Para mim, você sempre foi a única estrela naquele lugar. A atriz mais completa... — Esfreguei a barba suavemente contra seu pescoço, e ela arfou. — Eu sempre te admirei e torci para te ver brilhar.
Os olhos dela se encheram de lágrimas.
— Brooh... Se você soubesse como me sinto apagada.
— Não, não, Kathy... Você não pode. Vem cá. — Sentei-me na beira da cama e a puxei para o meu colo. — Uma vez escrevi uma música que falava sobre nós... Sobre o brilho natural que você tem...
— Então não era só um poema? — Ela sussurrou. Aquilo estava muito esquisito.
— Kathy, como sabe de tudo isso? — Enquanto eu a perguntava, a minha mente se abriu. Fiquei impactado com a única possibilidade que existia. — Foi meu pai, não foi?
Ela assentiu.
Fechei os olhos, os momentos se passando na memória. O caderno que sumiu. A folha da música arrancada. Meu pai me perguntando Kathy. O jeito enigmático como ele sorria ao falar do tempo revelando segredos.
— Você viu ele? Falou com ele?
Minha garganta apertou. Qualquer coisa relacionada ao meu pai aquecia meu peito, mas também doía.
— Não, Brooh. Ele foi ao escritório do meu pai e deu a sua música como prova de que você me amava, para que a gente cancelasse o processo.
— O quê? — Minha voz saiu mais rouca. — Como assim? Essa foi a minha defesa?
Minha cabeça girou. Meu pai sempre foi o porto seguro de todo mundo. Agia com calma, sem pressa, com a confiança de que no final daria tudo certo. Como ele teve esperança de que os meus rabiscos inocentes teriam valor?
— Nossa! Que vergonha! Não era para ninguém ver.
— Nem mesmo eu? — Kathy acariciou os meus cabelos, com uma expressão serena no rosto.
Neguei com a cabeça.
— Mas foi por causa dela que eu implorei ao meu pai para parar tudo.
Fiz uma careta imaginando o que ele achou daquilo.
— Brooh, e se eu disser que eu sei o poema de cor? Você canta para mim?
— Não! Isso é mentira! Duvido. — Soltei uma risada abafada. Ela se ajeitou, colocando as pernas em volta do meu tronco.
— E se eu disser que eu plastifiquei a folha, depois que eu derrubei café com leite e fiquei com medo de perder ela para sempre?
— Nossa! Você gosta tanto de mim assim?
— Não. Claro que não, eu te odeio... Só queria me gabar de que eu tinha o poder sobre o meu inimigo.
Estreitei os olhos e sacudi a cabeça.
— Engraçadinha.
— Vai cantar para mim?
— Nunca! — Sorri. E ela me deu um selinho demorado. — E em pensar que até o apelido "Star" Tobby quis usar para te chamar... Tive que inventar que eu já tinha te mostrado a música.
Kathy ficou séria no mesmo instante.
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