46. ESTRELA DE SATURNO

"Tem certeza de que você está bem com tudo isso?" Pergunto para Caellum, olhando-o com atenção em busca de evidências que provem o contrário. "Acredite, eu sei muito bem o quanto a minha mãe pode ser inconveniente. Não seria surpresa alguma que você se sentisse invadido pela presença dela aqui, ditando tantas regras".

Meu noivo, que está escovando os dentes, apenas me olha por um momento através do espelho sobre a pia. Depois, balança a cabeça em negação, termina de se escovar e se volta para mim com uma expressão acusatória:

"Por que eu tenho a sensação de que é você quem está se sentindo invadida, Miranda Miller, mas quer que eu assuma o sentimento para não se sentir culpada?" Ele rebate, jogando sobre mim a incontestável verdade.

Apesar de me surgir uma expressão indignada por um instante, Caellum me olha com tanta convicção que suspiro, incapaz de negar.

"Certo, eu confesso!" Respondo, desencostando-me do meu lugar na soleira da porta. "A minha mãe desistiu de não agir mais como a mãe controladora que é e está me sufocando, mesmo fazendo apenas três dias que ela está aqui. Entendo que seja pelo meu bem, mas fiscalizar até o que eu posso comer em cada refeição e não me deixar chegar perto de nada minimamente docinho, além de frutas? Isso é cruel, Caellum. Quero a minha liberdade recém conquistada de volta!".

Diante do meu drama, o meu noivo faz o que, provavelmente, qualquer um com seu senso de humor infantil faria: ele ri.

"Para, Caellum!" Meu emocional perturbado me traz lágrimas aos olhos, porque realmente estou frustrada com isso tudo. "Você não faz ideia do quanto estou sofrendo para carregar esses dois aqui com meus pés inchados, minhas costas doendo e as fisgadas na minha lesão da perna. É muito fácil ser o dono dos espermatozóides! Não tem que sofrer os sintomas, fazer exercícios de manhã cedo, ter sua mãe fiscalizando comida ou ser aberto por um bisturi...", dito com o dedo em riste, acusando-o de seus privilégios paternos. "Tudo o que eu queria era um pouco de chocolate. Apenas um pouco. Mas como posso ter com a minha mãe me vigiando feito um cão de guarda?".

O idiota ainda esbanja uma expressão de divertimento acerca do meu sofrimento, mas parece compreender que não estou brincando e acaba cedendo:

"Está bem, Mimi", ele tenta me consolar com um abraço, mas o contenho ao colocar uma palma em seu peito, afastando-o. Caellum suspira. "Se eu pegar um chocolate para você, você para de me atacar?".

"Mas como pretende passar pela minha mãe?" Olho-o com desconfiança.

Juliana tomou para si o posto de guardiã dos armários e das geladeiras, saindo da cozinha apenas quando tem certeza de que estamos dormindo.

"Não pretendo", Caellum responde. "Mas sou um lorde, Miranda. Posso conseguir um chocolate em cinco minutos, da marca que quiser".

"Exibido".

Meu noivo revira os olhos.

"Vai aceitar a oferta ou não?".

"Claro que sim!".

Caellum então me dá um beijo na testa e limpa os vestígios das lágrimas em meu rosto.

"Nesse caso, fique quietinha para não levantar suspeitas", ele diz. "Eu volto logo".

Acompanho Cal sair do banheiro e, em seguida, do quarto. Depois, vou para a cama e fico tão quieta quanto posso até que ele volte poucos minutos depois com uma expressão desconfiada e nenhum chocolate à vista.

"Sabia!" Acuso antes que ele possa falar qualquer coisa. "Não conseguiu enganar a minha mãe, não foi? Vou ficar sem chocolate e as crianças vão nascer com cara de bombom...".

"Como é que é?" Caellum não esconde o riso.

"Outra superstição brasileira da Aeryn".

"Você precisa parar de dar ouvidos à Aeryn", ele me censura, mesmo não tendo direito disso. Ainda rindo, meu noivo ocupa um lugar na ponta da cama e complementa: "E parar de me acusar também".

Antes que eu possa falar algo, ele retira uma barra de chocolate de trás do cós da calça de pijama, onde escondeu com a camisa.

"Aqui está o seu chocolate, rainha do drama".

Pego a embalagem com a afobação de quem deseja por isso há três dias, abrindo-a e deliciando-me com o sabor do cacau amargo.

"Mereço um pedido de desculpas agora, você não acha?" Caellum me olha como quem sabe que é o dono da razão.

E embora eu deteste quando ele faz isso, sei que fui carrasca. Por isso, dou batidinhas no colchão para que ele ocupe o lugar ao meu lado.

"Vem aqui".

Sem pensar muito, ele faz o que peço e me olha com expectativa. Porém, apenas lhe dou um beijo na bochecha, que faz as suas deliciosas covinhas surgirem.

"Aí não", Caellum diz e leva um dedo a sua boca, dando batidinhas no lábio inferior. "Aqui".

É claro que tenho o meu orgulho, mas não penso muito antes de acatar o seu pedido e beijá-lo para valer, roçando nossos lábios com a voracidade que tentamos conter, porque, bem... Eu estou inegavelmente grávida demais, em um ponto em que tudo se torna um obstáculo para sermos um casal.

Inclusive...

"Ai!" Afasto-me de Caellum com um sobressalto, sendo inesperadamente atacada por uma pontada tão forte que me rouba o ar.

"O que foi? Eu te machuquei?" Ele me olha com pânico nas íris quase douradas de um castanho claro.

"Não, eu...", analiso a situação, percebendo que tudo voltou ao normal e que foi apenas um susto. "Senti uma dorzinha, mas deve ter sido pela posição...".

"Você tem certeza?" Caellum, ainda assim, me olha com certa preocupação, sondando-me.

"Tenho, não foi nada", busco sorrir para provar o meu ponto. "Onde a gente estava mesmo?".

"Em um beijo ótimo, mas que, claramente, não deve continuar. Hora de dormir, Miranda".

Caellum dá o comando para que o sistema da casa apague as luzes do quarto. Eu estou prestes a protestar pela sua decisão, mas é bem quando sinto uma nova pontada, que surge junto de um líquido entre as minhas pernas.

"Levanta agora, Caellum", minha voz soa sufocada em meio à dor, mas é suficiente para que o medo triplique na expressão do lorde, mesmo na penumbra. "Chama a minha mãe. A bolsa estourou".

A bolsa estourou.

Depois de ouvir isso, as coisas foram como um borrão até estarmos dentro do carro, rumo ao hospital enquanto ligo para a doutora Laurent. Lembro-me apenas de pegar Miranda nos braços e de sair pelo apartamento gritando por Juliana, que prontamente correu para pegar as bolsas dos bebês e nos encontrar no estacionamento.

Ao verem tanta agitação, os guardas logo se puseram em seus lugares e, estando eu incapaz de dirigir com tanta ansiedade me tomando, Agnes se ofereceu para nos levar.

Agora estamos os quatro no meu carro: Agnes como motorista, Juliana dando ordens para Miranda no banco do passageiro e eu e minha noiva no banco de trás enquanto ela esmaga a minha mão, chora de dor e mal me deixa ouvir as instruções da médica.

Quando encerro a ligação, ainda estamos parados no trânsito. É um azar incalculável que justo hoje o trânsito de Dominique tenha resolvido que teria um grande engarrafamento.

"Eles já estão preparando tudo por lá", falo para Mimi, que nem parece me ouvir. "Fica calma, meu amor".

"Uma pinóia, Caellum! Eu estou quase parindo aqui!".

"Não está não. As contrações estão espaçadas ainda. Não seja dramática, Miranda", Juliana a repreende, e noto minha noiva revirar os olhos.

Apesar de tudo, sei que a presença da mãe a acalma. Foi ela quem Miranda me mandou chamar primeiro, afinal.

"Enquanto não chegamos, vou mandar mensagens para os outros", aviso para Miranda, o que não é tarefa fácil de se fazer com apenas uma mão, já que a outra está sendo esmagada por ela.

Ainda assim, aviso meus avós, minha mãe, meus irmãos, meus amigos, Elio e o pai de Miranda com a mesma mensagem encaminhada em tom de desespero: "OS GÊMEOS ESTÃO VINDO. ESTAMOS INDO PARA O HOSPITAL AGORA!".

Quando chegamos ao estacionamento do hospital King, mais uma sucessão de acontecimentos borrados ocorre: retiro Miranda do carro, pego o elevador e, no quarto andar, somos saudados por uma equipe comandada pela dra. Laurent.

"Coloque a Miranda na maca, sua alteza", ela não deixa as formalidades de lado nem em momentos cruciais. "Vamos avaliar a situação para encaminhá-la para a sala de cirurgia. Enquanto isso, aguarde um momento".

Eles somem com ela bem quando Juliana aparece com as bolsas dos gêmeos a tiracolo.

"Eles a levaram para a avaliação", informo a mulher, que assente com uma expressão meio atordoada pelo choque de adrenalina.

"Vai dar tudo certo", não acho que ela diz isso para mim, e sim para si mesma em uma tentativa de se convencer. Apesar de parecer uma muralha, ninguém deve estar temendo mais esse momento do que Juliana, talvez exceto pela própria Miranda.

"Vai sim", busco me convencer também.

xXx

A relatividade do tempo se faz sentir. Depois do choque de adrenalina em que tudo foi um borrão, o tempo parece passar devagar enquanto esperamos por alguma notícia. Apesar do meu relógio indicar terem se passado apenas vinte minutos, foi tempo o suficiente para sermos encaminhados para uma sala de espera VIP com a chegada dos meus avós Feng, de mamãe e do pai de Miranda com sua irmãzinha.

"Vai ficar tudo bem, meu amor. Fica calmo", mamãe tenta me dar um afago, o que não recuso. Nem me lembro de que, até hoje cedo, ainda guardava certo rancor por tudo o que aconteceu entre nós. Meus pensamentos estão todos em Miranda e nos gêmeos.

"Por que eles estão demorando tanto, droga?" Explodo de repente, bem quando batidas soam na porta da sala privativa.

Mabel, que também veio com a minha mãe, se apressa para atender e uma enfermeira se faz notar.

"Com licença", ela se curva em demonstração de respeito, sem parecer saber muito bem o que está fazendo. De qualquer modo, seus olhos ansiosos se encontram em mim. "Vim para levá-lo até a sala de cirurgia, sua alteza. Por favor, me acompanhe".

Entro em parafuso e me sinto como um telespectador ao assentir e não sair do canto.

"Vai acabar rápido, filho. Logo voltará com meus netos", mamãe me abraça e me dá um beijo no rosto. "Agora vai. A Miranda precisa de você. Ela deve estar assustada".

É somente com a menção a ela que me movo e acompanho a enfermeira pelos corredores do hospital, mesmo ainda me sentindo um estranho no meu próprio corpo. Uma sensação que não passa nem mesmo após trocar de roupa, passar pelos procedimentos de higienização e entrar na sala, onde encontro Miranda deitada enquanto conversa com a doutora Sabrina.

"Olha só quem chegou", a médica é a primeira a me notar. "Agora vamos poder começar. Como eu estava dizendo, tem tudo para ser um procedimento tranquilo, apesar do susto com o rompimento da bolsa e as contrações. A pressão da Miranda agora está bem e logo Caeli e June estarão aqui. Fiquem tranquilos, papais, com licença".

Sabrina passa por mim e vai falar com os membros da sua equipe. Enquanto isso, encontro o olhar minguado pelas lágrimas de minha noiva, que me oferece uma mão.

"Não sinto mais dor por causa da anestesia, mas estou com medo", ela me confidencia quando amparo sua mão na minha.

"Vai ficar tudo bem", repito a mesma frase pela milésima vez em busca de algum conforto para nós. "Nossa Estrela e Saturno logo estarão com a gente".

Incapaz de rebater, Miranda apenas fecha os olhos e assente. Enquanto isso, ouço a doutora Laurent dizer:

"Vamos começar o procedimento".

Para além de relativo, o tempo fica suspenso.

O silêncio reina na sala, cortado apenas pelo andar da equipe e o bater de metal contra metal no movimento de equipamentos cirúrgicos.

Até que um grito rompe o silêncio.

Um grito de choro, mas não qualquer choro.

"Quanta força em seus pulmões, Lorde June Maximoff", ouço a médica falar ao erguer uma coisinha azulada, a qual entrega para uma das enfermeiras com um cobertor. "Bem-vindo ao mundo".

"Olá, papais", a enfermeira diz ao colocar a bebê perto do rosto de Miranda, que chora com ainda mais vontade.

"June", Miranda murmura, tocando em seu rostinho. "Tão lindo, Caellum".

Mal tenho tempo de absorver este pequeno milagre até que outro choro rompa na sala, fazendo-me perceber que eu próprio me debulho em lágrimas.

"Bem-vinda, Lady Caeli Maximoff", Sabrina repete o mesmo gesto de erguer o neném ao passá-lo para outra enfermeira, que o traz até nós. "São pequenos, mas parecem tão saudáveis quanto tomamos o cuidado de que fossem ao nascer", ela nos informa. "Agora vou fechá-la, Miranda. Ficarão com os bebês um momentinho, mas logo eles serão levados para UTI neonatal para exames, apenas por procedimento padrão".

Mal ouço suas palavras e creio que Miranda também não. Apenas contemplamos os tão aguardados Caeli e June, que agora demonstram calmaria enquanto se reconhecem como pessoas no mundo. Minhas pequenas pessoas.

"Temos que levá-los agora", informa uma das enfermeiras, sem fazer ideia de que está atrapalhando o momento mais mágico das nossas vidas. "Logo poderão vê-los de novo, não se preocupem".

Miranda parece tão propensa a protestar quanto eu, mas as enfermeiras são rápidas e logo os levam, deixando-nos com uma sensação nova de preocupação e falta.

"São uns bebezinhos lindos, apesar das carinhas de bombom", não perco a oportunidade de arrancar um sorriso de Miranda, cujos olhos ainda se derramam em lágrimas.

"Caellum!" Ela me censura, mas consigo o que quero: faço minha Mimi sorrir.

E, apesar de não ser algo novo, deixa-me com o coração flutuando e roubo um beijo de Miranda, de repente me sentindo o homem mais feliz que já pisou na Terra.

"Amo você", falo. "Nenhuma outra coisa traduzirá o quanto estou grato por tudo isso, Miranda. Só amo você".

"Também amo você, Caellum".

XxX

Depois do fechamento da cesária, Miranda é levada para o quarto, onde se preparará para receber os nenéns para a primeira mamada. Já eu, nesse meio tempo, dispo-me das roupas de hospital e vou encontrar o pessoal na sala de espera.

Há mais pessoas reunidas agora. Além dos meus avós, da minha mãe e da família de Mimi, meus irmãos e meus primos chegaram, além de Theo, Tobias e os Kannenberg.

"Caellum!" Juliana exclama ao ser a primeira a me notar, logo chamando a atenção de todos. "Como foi, querido? Deu tudo certo? Estão todos bem?".

Minha sogra me sonda em busca de respostas, mas não é para ela que olho quando dou a notícia.

"Mãe", eu digo, olhando nos olhos de uma das pessoas que mais amo no mundo, apesar de tudo. "Eu sou pai agora. De uma linda garotinha e um rapazinho muito chorão".

"Ah, Caellum!".

Katherine me abraça e, em seguida, sou agraciado por uma série de felicitações sem fim. Entre abraços, beijos e apertos de mão, todos me perguntam sobre Miranda e os gêmeos enquanto respondo que todos estão bem e que os bebês se alimentam agora.

Quando a comoção enfim cessa, a enfermeira surge para nos dizer que os bebês estão devidamente alimentados e que todos podem ir em pequenos grupos ver Caeli e June na maternidade, coisa para a qual nossos parentes e amigos não perdem tempo. Enquanto isso, vou para o quarto em que Miranda repousa, encontrando-a um tanto sonolenta, mas ainda acordada.

"Eles são comilões", ela me informa. "Principalmente o June".

Aproximo-me da minha noiva e ocupo a cadeira ao seu lado, disposto a ouvir com atenção tudo o que ela tem a dizer. É como se tivéssemos adentrado em uma nova realidade de repente, em que não somos apenas Caellum Maximoff ou Miranda Miller, mas os guardiões de duas vidas preciosas que acabam de nascer.

"Ainda me sinto estranha sobre eles estarem fora de mim agora", Mimi diz depois de discursar sobre a experiência de dar de mamar pela primeira vez. "Sinto-me ansiosa, querendo checar se está tudo bem. Vai ser sempre assim agora?".

"Acho que é coisa de pais de primeira viagem", respondo. "Também me sinto assim. Tenho medo de errar, mas algo me diz que vamos errar muito, então...".

"Nada será como antes, não é?".

"Não. Éramos dois de manhã e agora somos quatro. Obrigada por não ter me mandado embora naquela noite de ano novo, Miranda. Foi uma trajetória difícil, mas ela nos trouxe até aqui".

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