XVIII
❥ CAPÍTULO 18
— Agora você vai vim pro único lugar onde eu tenho paz e justo quando eu tô com meus amigos? — Olho para Francis, deixando ele enxergar a raiva em meus olhos. — Meu dia tava sendo ótimo até agora.
— Eu te liguei, você não atendeu. Por alguma razão você está me ignorando. — Ele começa a falar. Franzo o cenho, olhando para ele indignado. Como uma pessoa pode ser tão dissimulada?
— Qual o seu problema?— Aumento meu tom de voz, não aguentando mais segurar nada. — Eu sou um adulto, eu tenho minha própria vida e não preciso te atender quando você quer. Se eu não falei com você foi porque eu não quis, você não tem o direito de vir até aqui como a vítima.
— Você não tem que gritar comigo. — Ele repreende, com a voz calma. Essa merda de calma me irrita pra caralho. — Você tem que me respeitar, e como seu pai eu tenho todo direito de saber sobre você, sendo você adulto ou não.
— Você perdeu o direito de ser pai quando me espancou pela primeira vez. — Falar e lembrar disso é uma forma de acionar um gatilho mental, que me faz visualizar perfeitamente bem o punho dele vindo em direção ao meu rosto de nove anos de idade.
— Não vem falar de algo que aconteceu há anos atrás. — Em um momento súbito de fúria ele segura meu braço com força, fazendo questão de apertar seus dedos na minha carne. — Você é meu filho independente de qualquer coisa, você vai continuar me ouvindo. Não pode virar as costas pra única pessoa que você tem.
Consigo me livrar de sua mão, sentindo a região que ele apertava segundos antes dolorida, e solto uma risada sem humor nenhum.
— Acredite, o único sozinho aqui é você. — Apesar da raiva que estou sentindo, formo um pequeno sorriso de lado nos meus lábios. — Eu tenho amigos e pessoas que se importam, ao contrário de você, que afastou todos da sua vida. Minha mãe te odiou até o último suspiro de vida dela, sua irmã não suporta olhar pra você, seus funcionários sumiram, eu não sou mais uma criança debaixo das suas asas. Me diz agora, quem você tem?
— Aquela garota bonitinha também se importa com você? — Ele abre um sorriso maldoso, que costumava me perturbar nos pesadelos. Meu sorriso se fecha, assim como minhas mãos em punho, e sinto minha respiração pesar somente com a menção de Evie.
— Minha vida não é da sua conta. — Faço menção de sair de seu carro, colocando a mão na tranca da porta, mas Francis me impede.
— Vai, me diz, ela é minha nora? Seria um prazer conhecer ela. — Respiro fundo tentando não perder o controle. Poderia usar essa fúria para lhe dar uns socos, mas estou com a força esgotada depois do jogo e não sei se conseguiria vencer dele em uma luta mano a mano. Odeio admitir, mas Francis é muito mais forte que eu. — Não adianta desmentir, eu vi vocês dois no corredor lá dentro no primeiro intervalo. Ela me lembra sua mãe.
Foi a gota d'água.
As lembranças nada boas da minha infância, a menção da Evie e agora a minha mãe foram o empurrãozinho necessário para meus punhos irem de encontro ao seu rosto, sem me importar com as consequências.
Apesar de anos, a memória da minha mãe ainda vive bem clara na minha mente. Algumas coisas foram se perdendo em um vazio escuro, como sua voz, que eu gostaria de lembrar como era com mais clareza. Apesar disso, seu olhar, seu sorriso e sua risada ainda permanecem fixos em mim, e eu espero que permaneça assim por mais um longo tempo.
— Não fala da minha mãe, não fala dos meus amigos e não vem querer fazer papel de pai. — Esbravejo tudo em seu rosto. Ele tira sua mão do nariz me dando a visão de sangue saindo das suas narinas e um formato feito do osso aparentemente quebrado. — Minha paciência com você esgotou há bastante tempo e eu não vou mais me segurar quando quiser acabar com a sua cara. Agora é um nariz quebrado, mas eu juro que mais uma provocação sua eu faço você ficar irreconhecível.
— A academia serve pra alguma coisa. — Francis grunhe de dor, pressionando a mão no nariz. — Mas você deve usar isso nos outros, não em mim. Continuo sendo mais forte e experiente que você, toda essa marra não adianta de nada se eu quiser revidar esse soco.
— Faz o que quiser, mas eu não volto a te escutar e nem a fazer o que você pede. Já passei desse tempo. — Destravo a porta, me preparando para abrir e meter o pé daqui. — Não volta aqui, e não procura nenhum dos meus amigos, porque se for comigo eu não me importo, mas mexendo com eles é uma coisa que muda completamente de nível. Eu espero mesmo que você não apareça aqui, porque eu faço questão de chamar a polícia.
Quando estou prestes a abrir a porta, sinto sua mão fechando a mesma de volta com tudo e travando novamente. Tudo tão rápido que eu não tenho tempo de raciocinar como aconteceu exatamente.
Uma de suas mãos puxa a gola da minha camiseta ao mesmo tempo que a outra vem em direção ao meu rosto, acertando em um golpe certeiro e forte no meu olho. Sinto minha cabeça doer, a região latejar e minha visão ficar turva. Tento me soltar de suas mãos, mas ele tem o total controle, me jogando contra a janela escura e fechada da porta do carro e batendo a lateral da minha cabeça ali.
É como se eu visse estrelas dançando diante dos meus olhos, me sinto zonzo.
Grunho de dor, agarrando seu pulso que segura meu pescoço e me soltando de sua mão forte, o empurrando. Francis volta a segurar a gola da minha roupa, agora com as duas mãos, e aproxima o rosto do meu, esbravejando com toda a fúria do mundo.
— Não se atreva a fazer isso de novo ou gritar comigo do jeito que você acha que pode. — Ele me sacode, piorando minha tontura. A essa altura não consigo reagir. — Não use chantagem contra mim, eu faço o que eu bem entender. Agora você vai embora pra sua casa tomar um banho, vai ficar com seus amigos comemorando a vitória e vai dizer que se meteu em uma briga normal com alguém do time adversário. Não vai contar pra sua tia e nem pra ninguém nada do que aconteceu aqui. Se eu souber que fez o contrário, vou com prazer fazer uma visitinha a seus amigos ou até mesmo descubro mais sobre sua amiguinha gentil de mais cedo. Ela parece legal.
Não respondo ele, não quero que ele ache que Evie é muito próxima de mim. Mesmo que ele diga ter visto nosso encontro mais cedo nos corredores, aquilo pode ter várias interpretações e eu espero que ele não pense muito nisso. A ideia do Francis saber algo a mais da minha relação nada convencional com Evie é perturbadora, ele não mede esforços para fazer um inferno na vida das pessoas, e eu não gosto nem de pensar nele perto dela.
No momento que ele me solta eu saio do carro, batendo a porta com força e ouvindo sua risada sarcástica. Rapidamente saio de sua visão, me apoiando nas paredes por conta da tontura até ficar onde ninguém possa me ver.
Ainda estou no campus, ele me fez entrar em seu carro e dirigiu até uma parte mais afastada onde era o antigo pátio, que agora está fechado para reformas, mas isso não impediu ele de vir aqui já que não tem nenhum segurança por perto no momento.
Me encosto no tronco de uma árvore, permitindo meu corpo desabar até eu estar sentado no chão, com a cabeça encostada na árvore, minha respiração desregulada, a dor na minha cabeça e o ruído nos meus ouvidos.
Meus dedos se enroscam nos meus fios de cabelo quando abaixo minha cabeça e apoio minha testa nos joelhos.
— Filho da puta. — Xingo em um sussurro, sentindo um grande nó se formar em minha garganta e uma pontada de dor surgir em meu coração. Seguro as lágrimas que se acumulam em meus olhos, tentando fazer minha respiração voltar ao normal.
Fazia um tempo que eu não chorava, ou que eu ficava abalado demais por alguma coisa, estava começando a melhorar em alguns aspectos e Francis veio e contribuiu para que eu voltasse ao fundo do poço.
Pego meu celular no bolso, com dificuldade, e ligo para a primeira pessoa que me veio à mente.
— E aí, cara. — Justin atende, com uma voz animada. — Onde você tá? Pensei que tava vindo pra casa.
— Tá ocupado?— Pergunto, tentando manter minha voz normal sem falhar, e com o tom baixo. Sinto que se eu falar demais vou desabar em precipício sem fim.
— Tô me arrumando pra festa de comemoração. Você não vai, mas eu vou. — Ao mesmo tempo em que ele fala consigo perceber que ele se mexe, andando de um lugar para outro. — Por que?
— Você pode vir com o carro até o antigo pátio? Eu não vou poder ir com a moto. — Do jeito que eu estou é muito provável que eu sofra um acidente no meio do caminho.
— Iih, cara. O que aconteceu?— Seu tom de voz muda completamente para um preocupado e mais sério. — Não pode dirigir por que tá bêbado?
— Só vem até aqui, Justin. Por favor. — Suspiro, cansado e com dor.
— Tá, já tô indo. — Consigo perceber que ele começa a andar um pouco mais rápido pelo som de seus passos. — No antigo pátio, né?
— Isso, eu tô perto de uma árvore. Você vai me ver quando chegar. — Ele concorda e desliga em seguida, no momento que ouço uma porta batendo no outro lado da linha.
Coloco o celular ao meu lado no chão, e fecho os olhos, respirando fundo. Sentindo a dor piorar e meus pensamentos se afundarem em um oceano escuro e imensamente fundo, vazio e assustador.
Não é primeira vez que fico assim por causa do, denominado, meu pai, mas a última vez que ele me fez ficar tão mal assim e me bateu faz alguns anos.
A primeira vez que ele me machucou eu tinha nove anos de idade. Minha mãe havia descoberto o câncer há pouco tempo e o Francis estava nervoso e estressado demais naquela época.
Tinha chegado da escola, tomado um banho, fiquei no meu quarto jogando videogame esperando o jantar, até ele aparecer com uma prova minha em mãos. A única prova em que eu havia tirado uma nota abaixo da média, um único erro e ele ficou furioso. Me insultou mais do que ninguém já havia feito e se revoltou quando eu pedi desculpas.
Eu tinha nove anos, pedi perdão por uma mísera nota baixa e ganhei dezenas de hematomas e um braço quebrado em consequência disso. Francis já estava estressado demais naquele tempo, só precisou de mais um desapontamento para explodir de uma vez, e foi justo comigo.
Depois disso foi acontecendo cada vez mais. Ele se estressava e me espancava até me ver sangrando ou com algo quebrado. Tive que inventar uma desculpa diferente cada vez, estava começando a jogar no futebol então tinha desculpas para alguns hematomas, mas nem sempre.
Depois de um tempo de questionamento das pessoas e uma visita do conselho tutelar que não resultou em nada, ele fez questão de bater onde menos aparecia: nos meus braços, pernas, estômago, costas. Minha mãe tinha noção do que estava acontecendo, mas não conseguiu fazer nada, pois meu pai decidiu interná-la no hospital com a desculpa de que ela iria ter cuidados vinte e quatro horas por dia.
Lógico, ela teve a oportunidade de denunciar ou impedir meu pai algumas vezes, mas tinha medo dele e quando notava ele estressado tentava fazer com que ele não viesse até mim, todas tentativas inúteis. Reconheço que minha mãe me amava, que ela queria me ver bem e que tinha medo, mas não a perdoo por todas as vezes que viu ele jogando algo em mim ou me machucando com sua mão pesada e palavras agressivas.
Uma criança de nove anos, que sofreu com isso por mais oito anos, até que ele viu que eu estava grande e forte o suficiente para revidar seus socos.
Tenho essas marcas até hoje, na minha mente, meu coração e no meu corpo. Cicatrizes e marcas que nunca saíram. Por isso quando digo que me odeio e me acho um burro por ir sempre que ele chamava na sua casa para ouvi-lo falar besteiras, eu realmente me odeio por fazer isso. Ele não merece um por cento da minha compaixão e empatia, e isso eu consigo finalmente fazer meu coração entender.
Essa foi a última vez. A última vez que ele me machucou. A última vez que deixo ele fazer o que quiser. A última vez que me deixo afetar por ele. E a última que ele controla algo. Fecho meus sentimentos para ele, faço meu coração entender isso, mesmo que já esteja estilhaçado por esse desgraçado.
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