Q U I N Z E
Enquanto Angelina conversava com Enzo, David e Steven saíram de fininho da Scotland Yard, todos querendo evitar que a responsabilidade de levar Harry nas investigações caísse sobre eles. Os dois gostavam muito do amigo, mas, infelizmente, Angelina era a única que sabia lidar com o detetive. Steven e David nunca poderiam consertar as reações negativas que White provocava do mesmo jeito que Angelina costumava fazer, então optavam sempre por evitar problemas.
Daquele jeito, os dois foram para a casa dos Norton um tanto aliviados por não estar com White. Eles chegaram à residencia já se lembrando dos costumes da casa e esperando pacientemente para serem atendidos por Aidan, na porta de entrada.
Quem os recebeu, porém, não foi o homem. Na verdade, a cadeira de rodas elétrica os surpreendeu quase tanto quanto a pessoa sobre ela. Os dois, claro, deduziram que a mulher deveria ser Greta, mãe de Jared.
— Aidan não está — disse ela depois que os homens se apresentaram. — Posso ajudá-los?
— Só queríamos que ele desse uma olhada em algumas fotos — disse Steven.
Trazia consigo uma pasta repleta de diversos possíveis Charlie's, esperando que o velho Norton pudesse reconhecer algum. Ajudaria muito se tivessem sucesso, apesar da falta de fé deles naquela ação. Reconhecimento quase nunca ajudava.
— Ele chega em algumas horas. Se quiserem entrar, fiquem à vontade para esperar.
Steven e David se entreolharam. Então disseram que podiam voltar depois e saíram da casa depois de agradecer a atenção da mulher. Internamente, haviam achado suspeito. Até onde sabiam Aidan era um homem de idade que não fazia muitas coisas da vida. Passava a maior parte do tempo em casa, lendo e cuidando de negócios por telefone.
Era estranho pensar que Greta poderia estar mentindo para os detetives, mas aprenderam, na academia mesmo, que pessoas eram capaz de tudo. Não tinham garantias de que os pais de Jared não estavam envolvidos no assassinato do filho, então desconfiar era sempre uma opção.
Sendo assim, decidiram esperar algum tempo, escondidos dentro do carro da Scotland Yard, do outro lado da rua de paralelepípedo isolada onde residia os Norton. Se vissem qualquer indício de que Aidan estava por ali, poderiam suspeitar com fatos. Se não vissem, esperariam até que o homem chegasse e mostrariam as fotos a ele. Não era como se os dois tivessem muitas coisas para fazer em relação ao caso. Tudo dependia das fitas de Sofia, que ainda não estavam nas mãos da policia.
Enquanto esperavam, o celular de David tocou. Era Enzo, querendo que eles se juntassem à Angelina e Harry na tarefa de buscar as fitas. West não confiava em White para ter posse delas e sabia que Angelina, em algum momento, se distrairia.
Os dois suspiraram, pensando em como Enzo não queria um escândalo envolvendo o caso. O chefe provavelmente pensava que White iria fazer com que as gravações parassem na mídia, mas David e Steven duvidavam. Por mais que Harry odiasse os Spilman, Sofia era uma vítima e merecia respeito.
— Tudo bem, eu sei que não deveríamos nos separar, mas eu vou — disse Steven. — Você fica aqui esperando por Aidan. Não podemos arriscar perder um suspeito, muito menos a chance de saber quem é esse Charlie.
David concordou com a cabeça, mas já se sentia entediado. Steven saiu do carro e seguiu para o centro, que não era muito longe, onde pegaria o metrô para encontrar os outros dois companheiros de equipe.
...
Harry e Angelina chegaram ao consultório de Louise cerca de vinte minutos depois que saíram da Scotland Yard. Angelina, como sempre, assumiu a direção. Harry ficou quieto no banco de carona, mas teve medo da mulher durante cada curva que ela fazia, virando o volante com certa brutalidade. White sabia que ela estava brava com alguma coisa, mas seu cérebro, apesar de bem treinado, não conseguiu elaborar uma teoria suficientemente boa para justificar toda aquela fúria.
O caminho foi mais longo do que ele esperava, mas eles chegaram. O lugar onde o consultório ficava parecia uma grande espécie de clínica que, Harry suspeitou, cuidava de todos os tipos de doenças psicológicas. Um prédio em formato de caixa; branco, quadrado e cheio de vidros. Ainda era cedo e o lugar não estava aberto, mas eles combinaram com Louise e o dono da clínica de passar por lá e pegar as gravações antes do horário de funcionamento, para não causar alarde. Tudo por ordens de Enzo.
O largo estacionamento estava vazio, contendo apenas três veículos: o de Harry e Angelina, o do dono da clínica e o de Louise, que, por sua vez, era uma moto. O dia estava frio e nublado, com nuvens cinza tomando todos os espaços disponíveis no céu. Angelina caminhava com suas botas barulhentas ao seu lado, mas Harry não teve coragem de reclamar daquilo para a mulher.
Louise desceu de sua moto, tão pequena que parecia um daqueles veículos de bonecas, e tirou o capacete, fazendo os cabelos castanhos caírem em ondas pelos seus ombros. O dono da clínica também parou o grande automóvel preto que dirigia. Ele era careca, baixinho e um pouco rechonchudo.
Os três pontos, no estacionamento, formavam um triângulo. Com alguns passos, todos os presentes se encontraram no centro dele.
Ao observar melhor, Harry notou que Olsen, o dono da clínica, deveria ser muito rico. Ele vestia um sobretudo de linho verde, botas negras e camisa social por baixo. Já Louise, com seu cabelo queimado de sol, o fazia ter a sensação de que não pertencia àquele lugar.
Angelina cumprimentou os dois com um aceno de cabeça e algumas poucas palavras. Olsen esbanjou simpática — forçada — enquanto Louise sorriu fraco, e, Harry, claro, manteve o semblante sério, nem um pouco disposto em emanar simpatia. Ele só queria pegar as gravações e sair logo dali.
Paul Olsen, como se apresentou ao cumprimentar todos, buscou o molho de chaves no bolso e começou a andar na direção do prédio. Ele tagarelava sem parar, falando sobre como as coisas funcionavam na clínica como se Harry e Angelina fossem pacientes em potencial. White começou a ficar com uma de suas características dores de cabeça em poucos segundos, rezando para que o homem calasse a boca. Ele não queria falar algo que fizesse Angelina ficar ainda mais brava, mas, todas as vezes que Paul proferia uma única sílaba, seu estômago revirava.
Ele não queria saber da graduação dos funcionários; não queria saber quem fora o arquiteto que planejou o prédio; não queria saber se era um patrimônio familiar passado de geração em geração.
— Esqueci uma coisa no carro — Harry disse para Angelina e todos pararam.
— O quê? — ela perguntou.
— Meu isqueiro.
Angelina estreitou os olhos.
— Tenho um aqui.
Ele percebeu que ela entendia o que estava acontecendo. Angelina sabia que aquilo era só uma desculpa para ele poder voltar para o carro e se trancar lá. Afinal, não era preciso duas pessoas para recolher uma dúzia de gravações. Angelina podia fazer sozinha.
— Esqueci o maço de cigarros.
— Temos tratamento para o vício em nicotina também. — Paul parecia orgulhoso. — Se quiser, pode marcar uma hora.
Harry sorriu na mais falsa das simpatias. Sua língua coçava para mandar aquele homem ir aos infernos, mas Angelina olhou-o apreensiva e ele se segurou.
— Vou pensar no assunto.
Desmanchou o sorriso assim que virou para Angelina e apenas ela podia vê-lo. A mulher exibia uma expressão de pura vitória, o que fez Harry pensar, por um segundo, que talvez ela já estivesse satisfeita com toda aquela cena. White passou por ela e começou a andar na direção do carro, ainda inconformado com aquele sujeito, Paul, e com Louise, que não abriu a boca um único segundo.
Ela o irritava, de certa maneira. Deixava-o desconfortável com aqueles olhos castanhos e a pouca fala. White não sabia o porquê, mas sua desconfiança em relação à psicóloga aumentava cada vez mais; quase incontrolável. E o pior era que Harry nem ao menos tinha um bom motivo para todas aquelas suspeitas.
Chegou ao carro depois de alguns poucos segundos, buscando as chaves nos bolsos. O reflexo era limpo e claro, diferente do vidro de seu Charger Dodger, que ficara na garagem naquela manhã. Ele notou o aspecto cansado de sua expressão, imaginando como podia se sentir tão esgotado com apenas 36 anos de idade.
Então Harry foi subitamente retirado de seus pensamentos. Um som extremamente alto o assustou e as chaves do carro caíram de sua mão. Ele virou para a direção contrária, tentando entender o que acontecia, seguindo o som que fizera seus ouvidos ficarem ensurdecidos por alguns segundos. Então, enquanto abaixava os braços — que durante o susto foram instintivamente para a cabeça, a fim de proporcionar algum tipo de proteção —, ele viu o prédio do consultório ardendo em chamas. Procurou por Angelina, Louise e Paul, encontrando-os no chão, provavelmente arremessados pela explosão.
Harry não se importou em recolher as chaves e começou a correr na direção dos três, mas caiu no chão quando uma segunda explosão causou um solavanco capaz de derrubá-lo. Ele estava mais longe do prédio que os outros e não sofreu nenhum tipo de dano por causa do fogo, mas pôde ver Angelina abraçando o próprio corpo enquanto tentava inutilmente se levantar.
Ele correu em direção a ela, ajoelhando-se ao seu lado. Não queria tocá-la, por medo de que pudesse piorar alguma coisa, mas pegou o telefone dos bolsos da calça e começou a discar o número de emergência.
Angelina puxou a manga de seu casaco, fazendo-o prestar atenção nela, e então apontou para algum ponto adiante. Ela tinha uma expressão de dor que desnorteou o homem por um ou dois segundos, mas logo ele seguiu a indicação e tentou achar a direção em que ela apontava. Seus olhos marejavam pelo fogo, perto demais, mas ele pôde ver uma figura encapuzada correndo na direção contrária da deles. Harry olhou uma última vez para Angelina, que ainda parecia sentir dor, mas levantou-se e foi atrás do fugitivo assim que ela assentiu com a cabeça, mandando-o seguir em frente.
Naqueles segundos Harry White usou toda a condição física que o álcool e os cigarros ainda não haviam estragado, correndo por entre alguns escombros em chamas que eram lançados do prédio, tentando chegar até a pessoa que, em um curto raciocínio, sabia ter sido a responsável pela explosão.
...
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