Capítulo 1

Já estava no começo do meu segundo ano da faculdade de artes.
As coisas não estavam sendo tão mágicas quanto eu pensava que seria, estava tudo rápido demais, ao ponto de ter em meu ateliê um bloco de dois metros e cinquenta centímetros pousada em meio a sala cheia de cavaletes.
Eu suspirava exausta, apoiada no balcão de madeira da cafeteira, olhando para os clientes que iam e vinham durante várias horas do dia.
Não tinha outra opção para pagar a faculdade, raramente conseguia vender minhas artes, por isso as fazia durante a manhã, para estar na cafeteira a tarde e ir para a faculdade no fim do dia. Era uma rotina cansativa que por um tempo seguia, desde que me separei de meus pais após me assumir independente.
Em uma das mesas ao lado da vitrine estava um grupo de jovens da minha idade, eles vinham aqui com frequência e sempre ficavam um bom tempo por lá enquanto conversavam e tiravam sarro entre si. Eu invejava a tão bela amizade do grupo de três meninas e dois meninos. E entre os dois meninos, um que tinha os cabelos encaracolados e ruivos, sempre teve seus olhos fitando o balcão aonde eu geralmente fico enquanto espero por novos pedidos. Seus olhos esverdeados me olhavam enquanto desenhava no bloco de pedidos com a caneta personalizada do local. Nunca tive coragem de devolver o olhar, e acabava gaguejando quando ele vinha todos os dias para comprar o mesmo café de sempre enquanto tinha um sorriso meigo em seus lábios. Talvez eu esteja me iludindo com a ideia sobre ele estar gostando de mim secretamente, eu mal sei seu nome, mas sei que assim como eu, ele é um amante de artes, ao menos é o que aparenta quando ele faz uma posição em que segura suas mãos enquanto cobre metade do seu rosto com seu biceps coberto, fechando seu olhar enquanto imita o quadro de Alexandre Cabanel, ele era idêntico ao anjo caído quando fazia isso para tirar sarro de sua amiga cristã. Ele faz isso com muita frequência quando ela começa a julgar as ações do ruivo, apontando que tudo que ele fazia era digno do inferno, e ele usava essa posição como resposta.
Olhando hipnotizada para o misterioso Lúcifer sem perceber que havia chegado um grupo de rapazes no balcão.
Eu rasguei o papel do bloco de notas, dobrando o desenho do garoto para guardar em meu bolso enquanto me preparava para anotar os pedidos dos homens que exalavam um forte e desagradável odor de álcool. Eles pareciam estar infelizes pelos poucos segundos que não havia ignorado a presença deles ali.
-- Em que mundo estava, sua vadia?! - Um deles grita em minha direção, para meu desespero.
-- Me desculpe, é que- Logo fui interrompida, com certeza não ouviram uma única palavra que eu disse.
-- Não precisamos de suas desculpas, precisamos da porra dos nossos pedidos! Tá me ouvindo, garota?! - Um outro se inclina no balcão, me repreendendo.
-- Certo, deixe-me anotar seus pedidos. - Disse com minha voz trêmula, naquele momento só queria chorar enquanto coloco minha cabeça em um buraco. Eu queria isso até ouvir uma voz doce gritar detrás do trio de de bêbados.
-- Vocês não têm o direito de tratá-la desse jeito, seus imundos! - Era ele, o anjo caído que chamou atenção dos rapazes como forma de me defender. - Ela está aqui para cumprir seu dever, não ficar dando moral para gente ignorante como um grupo de bêbados de bares de esquinas!
-- Não se intromete, moleque. Ninguém te chamou aqui. - O rapaz que se optou a dar sua atenção ao ruivo não deixou de tentar intimidá-lo. - Quem você pensa que é?
-- Não te interessa quem eu sou, ao menos que eu deva te mostrar outro jeito de descobrir. -- Ele encarava sem medo os olhos de cada um, mesmo que eles deem o dobro de si.
Olhei para trás, vendo o gerente marchando furioso na direção do grupo de bêbados, os repreendendo e os fazendo deixar o café a força.
Vendo a saída do trio, o mais velho me olha aliviado.
-- Me desculpa por isso, não é a primeira fez que eles fazem isso por aqui, havia me esquecido de te avisar. - O gerente pede pelo meu perdão, levemente preocupado.
-- Tudo bem, não aconteceu nada. - Eu digo, com pressa de agradecer ao ruivo.
-- Me diga se algo a incomodar, sabe aonde fica minha sala. - O gerente, com uma piscada confiante deixa o balcão, indo até a sala mencionada.
Olhei para o ruivo que olhava furioso para os bêbados do outro lado da rua, eu tentava tomar coragem para falar com ele nesse meio tempo.
-- E-Ei, muito obrigada por me defender. - Eu digo, tentando não parecer ser uma idiota sabendo que ele ouviu com clareza a vez que eu gaguejei.
-- Não precisa me agradecer, senhorita. Você está bem? - Ele pergunta, relaxando sua expressão enquanto apoiava seus cotovelos no balcão.
-- Graças a você. - Eu disse por impulso, me arrependendo quando percebi minhas bochechas ardendo levemente, tirando um sorriso do rapaz.
-- Que bom. - Ele diz, olhando em meus olhos. - Sabe, faz um tempo que ando te observando, é bom que tenha aparecido essa oportunidade para me aproximar. Meu nome é Tom, muito prazer.
-- Tom? - Eu pergunto por insegurança de chamá-lo assim.
-- Ah, é Thomas, mas Tom me parece mais íntimo, se é que me entende. - Ele olha para o lado, aparentemente não é bom em flertar olhando nos olhos, mas pelo menos ele consegue.
-- Oh... Prazer, Tom, me chamo S/N. - Eu digo nervosa, nunca pensei que o "Muso" inspirador esteja cara a cara comigo, ainda mais flertando comigo, ou ao menos tentando.
-- Que nome bonito. - Ele diz, enfim voltando seu olhar a mim. - Ele faz jus a dona.
-- N-Não sei não! - Eu tento disfarçar o rubor do meu rosto, mas não tem nenhuma forma de fazer isso, vou deixar que ele tire sarro de mim.
-- Não está acostumada a receber elogios, aparentemente. - Ele diz, não percebendo meu desconforto com esta frase.
-- Na verdade, não sou acostumada a conversar com as pessoas. - Respondo, fazendo o possível para voltar a olhar em seus olhos.
-- Oh, me desculpe, acho que entendi o seu problema. - Ele diz, não parecendo ter segundas intenções, pelo meu alívio.
Ele estendeu um cartão no balcão, o arrastando com os dedos em minha direção. Segurei a o mini retângulo em kraft grosso, olhando para o verso da peça, era seu número de telefone e com um título que chamou minha atenção.
"Thomas Smith, Modelo vivo particular".
-- Modelo vivo? - Eu disse, tentando não levar a mão a minha boca na tentativa de demonstrar surpresa. Eu poderia pagar para desenhá-lo nú? Essa imagem ficou na minha cabeça por questões de segundos antes de ele dar uma gargalhada baixa.
-- Não me leve a mal. - Ele diz, ficando envergonhado.
-- N-Não, nunca te levaria a mal, eu... Eu sou uma artista. Eu reconheço e nunca desmereceria seu trabalho. - No calor do momento eu afirmo.
-- Artistas são muito fodas, eu admiro muito a capacidade deles de fazer o que eles fazem... Espera aí, você não é a dona do ateliê Sunflower Season? - Ele pergunta, para a minha surpresa conhecendo o meu ateliê.
-- Sim, sou eu. - Confirmo, percebi que ele estava tão surpreso quanto eu.
-- Caraca! Minha mãe tem vários quadros seus espalhados pela casa, nós amamos de paixão seu estilo renascentista. Seu trabalho é maravilhoso. - Ele diz, sem nem tentar evitar de demonstrar sua felicidade excessiva, logo segurando minhas mãos com as suas. - Eu sempre me perguntei como eu ficaria no seu estilo de arte.
-- Bom... Talvez sentado sobre rochas com espinhos, asas e um olhar furioso enquanto cobre a metade do rosto com o braço. - Eu digo, fazendo a referência que ele esperava.
-- Então você presta atenção em mim também? - Tom pergunta um pouco convencido.
-- Não tem como não reparar nas imitações que você faz. - Eu aperto na mesma tecla. - Vocês são idênticos, eu diria.
-- E você? Gosta desse quadro? - Permanece me questionando de forma curiosa.
-- Oh, sim. Tenho uma certa fonte de inspiração pelo pintor. As obras de Alexandre Cabanel são magníficas. - Eu digo, sonhando alto. - Eu gostaria de vê-la pessoalmente, mas o museu é tão longe.
-- Quem sabe se você aceitar ser minha amiga, um dia poderemos ir juntos. - Ele menciona esta oferta um tanto tentadora.
Eu olhei para seu grupo de amigos, todos pareciam tão brilhantes e extrovertidos, não me vejo sendo amiga dele sendo que todos eles são totalmente diferentes de mim. É como a história do patinho feio, mas sem nenhum cisne no final.
-- Ah... Não se veja na obrigação disso. - Minha voz começa a estremecer de novo.
-- Você é quem sabe. Você tem meu número caso aceite minha proposta, prometo que não vai se arrepender. - Com seu sorriso reluzente, ele coloca uma certa quantia de dinheiro no balcão, pagando o café de todos os seus amigos antes de voltar para sua mesa.
Ah... Sinto que ele vai me deixar louca.

[...]

Depois de um banho quente e relaxante, passo pelo meu ateliê, que era um cômodo da minha casa que era aberto ao público assim que desejasse, era normal andar por lá para ir do quarto até a cozinha.
Eu olhei para a grande peça de mármore coberta por um tecido branco todo sujo, já estava na terceira semana no processo de quatro meses para esculpir essa estátua. Em meu esboço, era um ser em pé, aproveitando cada centímetro do mármore. Era um incubo, mas sem boca e de olhos fechados. Tinha um corpo afeminado e bem musculoso, como uma cintura fina, um grande peitoral e coxas grossas. Tinha um de seus chifres quebrado de propósito e tinha uma longa cauda. Tinha cabelos enrolados não tão grandes e seu corpo estava totalmente nu.
Mas, havia esculpido somente seu busto bem detalhado até agora. Esculpir mármore não é nada fácil, muito menos é coisa para ser esculpida em quatro meses tendo o dia todo ocupado.
Olhei para a peça, tocando seu abdômen com as mãos. Aquilo era o suficiente?
Suspirei pesado, assim então voltando meu rumo ao quarto para me trocar e ir para a faculdade.

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