CAPÍTULO 21 - ALGEA
Me virei rapidamente, um guarda grande e barbudo me observava. Ele levou a mão a espada. Imediatamente dei-lhe um chute no meio das pernas, o homem se curvou, aproveitei para soltar minhas sombras sobre ele, elas agarraram seu pulso e ele soltou a espada. Se os outros me visse ou ouvissem eu estaria perdida. Ordenei as minhas sombras para matá-lo silenciosamente, de dentro para fora.
O rosto do homem ficou roxo e sangue começou a escorrer de seus ouvidos, nariz e boca. Até que ele parou de respirar. Segurei-o antes que seu corpo caísse no chão e o arrastei para mais longe o possível até a visão dos campos de Algea desaparecer. Peguei umas pedras na esperança de fazer surgir uma faísca, então deixei o corpo queimar e o caminho que fizemos pegar fogo; torci para que pensassem que fosse um incêndio.
Corri até a borda floresta onde o cavalo estava, soltei-o e montei. Cavalguei o mais rápido possível de volta ao castelo.
***
Senti meus pulmões apertarem e o ar me faltava para respirar, o cavalo galopava rapidamente cortando o vento. Ainda não me acostumei a matar, mesmo sendo quem sou, mas depois de ver aquela cena, a vontade que eu tinha era de destruir todo o castelo dos arqueiros, sem me importar com quem estava dentro, mas eu não podia, Leozinho estava lá, Zack, Bell e Dylan. Minutos depois avistei os fundos do castelo.
O guarda estranhou ao me ver entrando, desci e guiei o cavalo até os estábulos. Deixei-o exatamente em sua baia e fiz-lhe uma carícia em agradecimento. Me afastei e senti a bile subir-me novamente a garganta e vomitei. Ouvi passos vindos de trás de mim, mas não consegui levantar a cabeça para ver quem era. Duas mãos gentis afastaram meus cabelos do rosto. Lucas permaneceu em silêncio até que eu me sentisse melhor.
Ele me trouxe um pouco de água e nos sentamos em um banco do lado de fora dos estábulos observando a pastagem. Ele colocou as mãos em cima dos joelhos.
– E então, o que aconteceu?
Respirei fundo pensando no que responder, acho que não consigo contar a verdade. Como ele reagiria se soubesse que o pai possui pessoas trabalhando em condições de escravidão? Lucas já tinha problemas demais para tentar resolver.
– Eu só não conseguia dormir mais, estou me sentindo presa, precisava respirar um pouco – respondi, o que, por parte não era toda mentira.
– E por isso pegou o cavalo mais arisco do estábulo? – ele perguntou sorrindo.
Pisquei encarando-o. O sol da manhã iluminava seus olhos, fazendo-os brilhar como safiras e seus cabelos castanhos salpicavam de dourado. E ele estava preocupado comigo, e não com o que eu tinha ido fazer.
– Me desculpe, alteza. Fui imprudente. Na verdade, eu... eu não quero ser princesa, quer dizer, isso nunca esteve nos meus planos.
Nunca mesmo.
Lucas pareceu, por um momento, chateado com a revelação.
– Eu não devia tê-la incluído nisso, me perdoe, mas... – ele pigarreou e senti meu estômago embrulhar outra vez. – Eu até que gostei da ideia de ter alguém com quem posso conversar sinceramente sobre a competição.
Não consegui conter o sorriso. O príncipe podia ser uma carta ao meu favor nesse jogo. Ele me acompanhou pelo castelo, o meu braço apoiado no seu, como se estivéssemos acabado de chegar de uma cavalgada pelo castelo, como se eu fosse a coisa mais rara do mundo. Ele parecia orgulhoso e feliz.
***
Não demorou muito e rumores de um possível ataque rebelde em "uma das propriedades" do rei se espalhou pelo castelo. Ainda não se sabia ao certo, mas um soldado desapareceu, tendo seu corpo encontrado incinerado, não se sabe se foi proposital ou um incidente natural. Mas é claro que o rei optaria por colocar a culpa na união libertadora para transformá-la em vilã.
Ri comigo mesma no quarto, o primeiro momento de alegria do dia. Ser um pivô de inimizade de duas pedras no meu caminho, seria interessante, enquanto isso minhas ações seriam encobertas inocentemente pelos rebeldes. Imagino que a união libertadora esteja sem entender nada e o rei, morrendo de ódio. Gargalhei novamente.
***
Agora como candidata a Coroa precisei abrir mão do meu tempo de leitura para aulas além das de história e de etiqueta. Madame Ludi estava adorando me humilhar. A tarde comecei as aulas de pintura, escrita, dança e música e que minhas sombras me ajudassem! Estava até que gostando das aulas de escrita e pintura, nessa última me deparei com Camila, metade de seus cabelos longos e pretos estava presa num coque.
Enquanto pintava meus sentimentos numa tela branca, Camila pintava uma obra prima digna de museu. Me pegou olhando de esguelha duas vezes.
– Não se intimide – ela disse – com o tempo você se acostuma. Tentei me sentir reconfortada.
– No seu reino também tem revoluções rebeldes? – perguntei a fim de quebrar o gelo e descobrir mais coisas sobre o reino de Ignis, apesar de já ter lido muita coisa sobre ele.
– Se acontecesse, meu pai mascara muito bem – ela respondeu sem tirar o pincel da tela, como se já estivesse acostumada a fazer várias coisas ao mesmo tempo.
– Já ouviu falar de alguma?
Um suspiro.
– Claro, a maioria foi contida.
Ela emanava uma tranquilidade tão grande que chegava a ser desconfortável. Olhei sua pintura, uma mulher dançando ao redor do fogo da guerra. Parecia uma dança vitoriosa, mas a mulher chorava. Tentei me concentrar na minha tela rabiscada.
– O que acontece com os rebeldes depois que perdem?
– Os que não morrem são queimados em praça pública, são as fogueiras da Nêmesis. E os que ainda sobrevivem são mandados para campos de mineração subterrâneos.
Então por isso não vi muito dos campos de Algea e estranhei serem tão próximos do castelo, tudo acontecia embaixo dos nossos pés. Imaginei quantos mais existiam.
– Agora, - ela pousou o pincel na paleta – já que fez tantas perguntas sobre meu reino, posso perguntar algo a você?
Observei sua pintura novamente e permaneci em silêncio. Uma resposta afirmativa.
– Por que está aqui?
Senti minha mão tremer. Era uma pergunta muito genérica, e que também poderia significar muita coisa. Veremos, para matar o rei? Assassinar o príncipe? Roubar Levi? O que princesa do fogo poderia saber sobre mim?
– Apenas para amenizar a revolução – respondi com base no que Lucas me disse. Era para isso que eu estava sendo usada.
Camila avaliou a sua obra como se enxergasse uma imagem viva nela.
– Isso não responde. Você me parece uma garota inteligente e ambiciosa demais para aceitar isso – Camila disse simplesmente e deu a obra por concluída.
Revirei os olhos.
– E você, - retruquei – porque está aqui? Você me parece inteligente demais para participar de uma competição tão mesquinha.
Ela parou ao descer do banquinho. E me olhou de soslaio. Um olhar indecifrável, mas tranquilamente furioso. E continuou andando. Observei-a retirar o avental, desamarrar o cabelo e sair do estúdio de pintura, como se tivesse e transformado em outra pessoa.
Quando terminei minha obra, oras depois, levei meu quadro comigo. Caminhei de volta para dentro do castelo, passando pelo hall e me encontrando com Levi, com suas longas túnica e sua longa barba amarrada com um tira dourada.
– Boa tarde, senhorita. Me desculpe estar tão ausente com as suas aulas de história.
O modo como ele disse foi tão casual que quase me esqueci que ele era o maior mago de Anelin e meu inimigo também.
– Está tudo bem – falei – estou lendo no meu quarto e participando de outras aulas.
– Posso dar uma olhada? – ele perguntou olhando o quadro que eu carregava escondendo a pintura.
Tirei o quadro debaixo do braço e o segurei com as duas mãos. Levi olhou fixamente para o quadro, olhou tanto que me perguntei se havia ficado tão ruim assim. Ele observou a imensa cachoeira que despencava de uma montanha a um lago cristalino. Era o lugar onde eu vi minha mãe em sonho e decidi tentar pintá-lo. Obviamente não ficou idêntico, mas sempre que eu o olhasse eu me lembraria. Os olhos de Levi se estreitaram.
– Você conhece esse lugar? – perguntei insegura.
– Você conhece? – ele retrucou.
Mantive a boca aberta prestes a responder que sim, mas a fechei e balancei a cabeça negativamente.
– De qualquer forma, é um belo quadro.
E assim ele passou por mim. Encarei suas costas. Ele não me respondeu, mas também não negou, ele tentou esconder algo, mas não de mim. Segui para o quarto, pendurei o quadro na parede, ao lado da porta. Ivy preparava o meu banho e quando saiu o admirou.
– Que lugar lindo! – ela exclamou – As aulas de pintura estão dando certo.
Dei-lhe um sorriso e me desculpei por ter saído de repente e tão cedo.
– Espero não ter te deixado encrencada – falei.
– Ah, não, Bell me ajudou.
– Me sinto com sorte por ter vocês.
Segui para o banho a água estava quente e com bastante espuma, fechei a porta, retirei meus sapatos, o vestido pesado e a roupa íntima. Entrei e me deitei na banheira, o banho tinha um sutil aroma de pétalas e ervas refrescantes. Depois fiquei deitada pelo que pareceram horas e me lavei.
Quando sai vesti o roupão e fui ao closet. Escolhi um conjunto de cetim e pantufas. Ao sair, observei Leozinho em cima da minha cama observando algo, me aproximei e arregalei os olhos, era o mapa que eu copiei da biblioteca. Como ele achou isso? Ele se virou ao notar a proximidade.
– Por que você pegou isso?
Pensei em milhares de respostas para dar, mas nenhuma pareceu ser a certa. Seu olhar me dizia que estava desconfiado de algo, que estava perdendo a confiança em mim. Me sentei na cama.
– Quando encontrei esse mapa, notei locais que não haviam nos mapas dos livros que Live me dava para estudar. E... e quando vi o nome campos de Algea, em lembrei que você me disse que veio de Algea, só podia ser esse.
– E foi só por isso? – ele perguntou.
– Eu... eu queria ver com os meus próprios olhos – falei.
Ele se levantou num pulo.
– Então o incêndio e o soldado morto! – Leozinho me interrompeu e foi se afastando.
Eu não esperava que ele ligasse as pontas tão rápido. Mentir, mais, só pioraria as coisas.
– Não era a minha intenção – expliquei – eu fui para ver o que era e um soldado me achou. Se eu não me defendesse eu seria presa, expulsa do castelo e... eu não poderia mais cuidar de você. Também senti muito ódio ao ver o acontecia lá, mas não fiz por querer.
Na verdade, eu incineraria todos os soldados daquele lugar sem dó nem piedade. Talvez surja alguma outra oportunidade.
Leozinho me encarou a procura de alguma mentira. Por fim ele se sentou na cama e se aproximou.
– Como você foi parar lá?
– Eu morava na aldeia de Calicute, mais ao norte, na divisa de Ignis com Glacies, éramos muito pobres, mas conseguimos nos manter com o dinheiro que meus pais ganharam quando trabalharam nos montes Cibeles.
– Com os criadores?
– Sim, minha mãe faleceu quando eu tinha quatro anos. Ficamos só eu e meu pai, até que uma noite guardas reais nos pegaram e nos levaram para os campos de Algea.
– Por quê?
– Eu não sei. Nos campos meu pai encontrou antigos amigos também dos montes Cibeles. Eles planejaram uma fuga, mas não deu muito certo – os olhos dele ficaram marejados e lágrimas escorreram – Meu pai morreu para que eu conseguisse fugir.
Me permiti abraçar Leozinho e ouvir seu choro estridente e senti duas lágrimas e o nariz escorrendo molhando o tecido da minha blusa. Depois enxuguei-lhe o rosto e dei-lhe um beijo no topo da sua cabeça.
– Enquanto você estiver comigo, nada de ruim voltará a acontecer com você. Eu juro – falei acariciando os cabelos.
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