Há morte sob o céu
Pela segunda vez na vida a morte se aproximou de Betânia, tocou em sua face com toda a força e ao mesmo tempo autoridade que não poderia ser contestada.
Lembrou-se da paciência do velho urso que costurou seus ferimentos, Tino que lhe provou que a superação está dentro de nós, Marvin que lhe "disse" sem palavras que podemos habitar no inferno e sermos bons, sua mãe que lhe deu a vida e o direito de escolher como vivê-la. Sempre seria grata a eles se continuasse viva.
A cabeça de Duque deve ter sido decepada recentemente, pois fez um rastro sangrento por onde rolou até seus pés. Ergueu seus olhos da cena horrível e encontrou o olhar de Rafael, era de deboche e diversão.
— Tola.
Marvin e Tino, ajoelhados de frente para ela, tinham o olhar erguido mesmo com o cano das armas encostadas em suas cabeças. Um rugido estranho foi ouvido pela segunda vez, os cinco homens que acompanharam Rafael e seu pai se entreolharam.
— O que foi isso? Alguém vá lá fora e olhe, você prepara o carro, você aí amarre os dois na traseira do seu veículo e os arraste. Mataram o pastor alemão?
— Sim!
Os irmãos Tino e Marvin foram arrastados até o lado de fora da propriedade tendo as mãos e os pés amarrados, Betânia foi obrigada por Rafael a ir rastejando, para que um de seus irmãos não perdesse a vida.
Bill caído perto da porteira parecia morto, seu rosto tinha uma expressão de paz a iluminar-lhe. Perto dele, Urso jazia da mesma forma e outros animais que não conseguiram escapar haviam sido abatidos.
Betânia teve certeza de ter escutado o latido de Touro e o motor estranho do carro de Serafim, mas eles não estavam ali. Onde estavam? Não era real aquilo. Bill...
— Bill levanta... — Betânia desobedeceu Rafael e rastejou até o homem. Sabia que chorar não o "acordaria" então pediu-lhe perdão. — Me perdoa, eu te desobedeci, mas achei que você...
Um comparsa de Rafael a arrastou, gritos desesperados machucaram os ouvidos dos anjos no céus. Um rugido estranho e um novo latido foi ouvido. Tino e Marvin foram amarrados em dois carros para serem arrastados até a morte e Rafael com seu pai, aguardavam sentados no banco traseiro do carro com a porta do porta malas aberta, para que jogassem Betânia ali dentro.
O som de uma acelerada novamente assustou os homens.
— Andem logo com isso. Joga essa puta no carro. — Rafael ordenou irritado, seu motorista deu a partida e o outro homem a jogou sobre seus ombros, faltavam trinta metros para que ela fosse levada ao inferno novamente.
Um latido alto, seguido de outros, alertaram todos para a presença daquela criatura que morava na gruta. Touro saiu das trevas onde escolhera para habitar em paz, mostrou-se àquelas pessoas e rosnou. Ele era quase tão grande quanto um cavalo, era amedrontador, dois peitorais brancos destacavam-se do pelo marrom escuro, duas cabeças e suas bocas enormes latiram e uivaram. Touro caminhou lento até Bill e o cheirou, lambeu-lhe a face.
Rafael ordenou que arrancassem com o carro, que por sorte não tinha nenhum dos irmãos amarrados. Os homens tentaram abrir as travas dos carros e não conseguiram, acabaram quebrando vidros e entraram em desespero pois nada funcionou. Betânia foi jogada no chão pelo homem que correu com medo de Touro.
— Touro, pega! — Marvin falou.
Touro furioso pulou sobre o homem, pisando com suas quatro patas dianteiras sobre o corpo e arrancando-lhe um braço, aquele que segurava a arma. Os demais homens se embrenharam na mata fechada.
— Meu Deus... ahhh... me ajuda...
Serafim e Lúcifer chegaram caminhando e uma tempestade se formou escura e densa.
— Pai, Urso levantem! — Lúcifer falou com mansidão e se ajoelhou perto de Betânia. — Tão bela quanto Lola. Marvin se solte e ajude-a.
Marvin prontamente o fez. Tino estava furioso com Serafim que o desamarrava.
—Burro, animal! Quase mataram seu pai e você aparece arrastando os fundilhos das calças no chão, desgraçado. Eu tenho vontade de socar sua cara, te matar. Aposto que você teve a ideia de usar a Betânia como isca. Olha em volta, os bichos todos assustado. Seu, seu puto!
— Bezerrinho do Bill, não brigue com meu menino. — Bill sentou-se com a mão na altura do coração onde o sangue escorria e Urso levantou cambaleante com sangue no alto da cabeça.
Uma das bocas de Touro roía o braço arrancado e o homem desesperado corria, deixando a trilha de sangue como pista a ser seguida. Outros animais que estavam caídos levantaram.
— Achei que estavam todos mortos. Ninguém morreu?
— Eles não morrem, minha princesa...
— Ainda não. — Serafim encarou seu pai. O olhar suplicava que Bill lhe permitisse fazer justiça. —Já morreu muita gente devido à essa Máfia de órgãos, crianças, jovens... Pai eles querem matar Betânia porque imaginam que ela sabe de algo. Eu estou de saco cheio dessas pessoas.
— Serafim, hoje é isso, amanhã é uma guerra, depois de amanhã o ser humano encontrará outras maneiras de se destruir. Não conseguirá acabar com a maldade, matando meia dúzia de pessoas.
— Mas não me conformo, foi o senhor que me ensinou que justiça é tratar com igualdade.
— Parece que só aprendeu isso. Busque-os e traga-os para Betânia, ela que decida o que fazer com eles.
— Mas...
— Isso que é justo, Serafim. Entrem meu filhos, faz quase um século que não tomamos um café com a família reunida.
Marvin sorriu para Betânia e fez um carinho em seu rosto com as costas da mão. Sussurrou em seu ouvido.
— Não chore mais...
— Sua voz é tão bonita. Marvin... eu achei que matariam vocês e a culpa é só minha.
— Bill nunca deixaria isso acontecer, o problema é que Serafim adora essas entradas dramáticas. — Tino destilava com raiva. — E você senhor Marvin, vou logo avisando que se começar a tagarelar demais, colo um esparadrapo em sua boca.
Marvin revirou os olhos e foi preparar o café. Betânia achou estranho o fato de dois delegados simplesmente deixarem os bandidos escaparem. Não sabia que Serafim gostava de caçadas lentas e que Lúcifer prometeu que não o acompanharia.
— Tome seu café antes. — Bill falou autoritariamente ao seu primogênito.
— Você que é a Betânia então, sou Lúcifer Motta... Sua mãe é uma grande mulher, ficará feliz em vê-la novamente.
...
Na casa de Lúcifer, um homem habilidoso abriu a porta de trás sem ruído algum. Fora enviado para assassinar quem ali estivesse. Anoitecera e nessas horas os perigos se tornam ainda maiores.
Estavam de vigia naquela casa. Alguém próximo de Lúcifer fora o informante, ele sabia exatamente o momento em que seu chefe não estaria em casa e tudo ficaria desprotegido. Cesar, o assistente sempre confiável.
Colegas receberam dele todas as dicas de como e quando invadir. Eles o fizeram, seguiram à risca. Um sorriso transpassou a face de Cesar. Choro de bebê indicavam que as vítimas estavam onde deveriam estar. A cozinha estava vazia e escura, ainda não havia quem prepararia a janta por ali.
— Mama... — Uma criança balbuciou e o som vinha do quarto. Foi para onde os homens armados olharam. Pisadas leves no chão pegariam todos de surpresa. Cesar comentou que Lola ali estava e por isso Rafael mandou que ninguém fizesse nada até que ele chegasse. Dois policiais armados pararam perto da sala e ali esperavam, até que um carro parou em frente a casa.
O choro alto da criança excitou Rafael quando ele entrou. Já soubera o que havia acontecido com José. Riu dele por estar com dedos cortados nos pés como foi ordenado que fizesse com Betânia. A mulher do padeiro enforcada no quarto, o fez erguer a sobrancelha e voltar para a cozinha, onde eliminou o jovem com um tiro no centro da testa.
Ele acabaria com a semente do homem que lhe rejeitara, mas antes mostraria a vadia com quem Ramiro se casou que seus filhos sofreriam como ele sofreu por anos. Betânia ainda morreria, assim como Deise, mas antes daria um cabo em Lola. Sabia que ela ali estava. Entrou na sala tendo em suas mãos uma maleta com ferramentas cirúrgicas. Feliz estava por ter três crianças para brincarem com ele. Brincaria muito. Gostava do choro de medo. Do olhar assustado. Gritos de dor. Súplicas da mãe deles... Sim. Haveria uma grande orquestra na noite. Era grato ao delegado por morar tão isolado. Nada o atrapalharia.
Havia luz e movimentação num dos quartos, choro e uma tentativa vã da mãe em acalmar aquele choro irritante. Seu sorriso ficou tão largo que desfigurou sua face. Sequer humano pareceria a quem o olhasse. Era a loucura, ódio e crueldade exteriorizadas em sua face.
Não tinha pressa e por isso caminhou lentamente até aquele quarto. Girou a maçaneta devagar e entrou.
— Oh meu Deus, Rafael! — Deise o reconheceu imediatamente. Segurava em seus braços o mais novo dos filhos, amamentando-o. No colchão que estava no chão, seus dois filhos recém devolvidos choravam tão alto que levou o policiais a colocarem as mãos em seus coldres. Aquilo não era justo. Ela recém tinha recebidos seus bebês de volta e agora eles seriam assassinados em sua frente. — Não, por favor, doutor! Nunca lhe fiz mal algum, nem meus filhos. Não nos machuque, por favor.
Rafael sabia de seu controle absoluto da situação. O bebê mais novo foi arrancado dos braços da mãe e colocado no chão junto com os outros. Danilo o mais velho ficou preso sob o coturno de um dos policiais e Denise do outro. Rafael espalhou seus artefatos sobre a cama de casal ao lado da mulher e ouviu um sibilo...
Deu a volta na cama e sob os pés dos policiais encontrou cobras... Víboras pretas venenosas agarradas às panturrilhas dos homens terminavam de inocular sua seiva mortal. Ambos caíram em sua frente e ao se virar para a cama, Deise não estava mais ali e sim um grande cobra que deu-lhe um bote certeiro.
Rafael sentiu todo o seu corpo desobedecer a ordem direta de seu cérebro que era ficar de pé, forte, firme... Tudo girava e girava, vira tantas imagens confusas que sabia, no seu amplo conhecimento medicinal, que aquilo tratava-se de uma vertigem, antes da queda. Caiu aos pés de alguém. Um par de sapatos muito lustros que indicava um dono vaidoso. A doce voz cantarolou em sua orelha, entrou bailando pelo canal auditivo e acariciou os tímpanos, martelo, bigorna, estribos e os nervos auditivos, antes de chegar ao cérebro e informar que seu dono era o próprio Cesar.
— Imagina, em sua arrogância e ignorância que alguém como eu, trairia Lúcifer? Eu o acompanho à tanto tempo, doutor. Não seria certo morder a mão de quem me alimenta. Inoculei uma quantidade pequena, não vai morrer por isso.
Rafael levantou os olhos que enxergavam de forma confusa aquele rosto. Observou Cesar dizer a última palavra e ela ainda se propagava no ar como um eco. "Isso, isso, isso" parecia ter uma quantidade elevada de letras "esse" na pronuncia e a língua negra bifurcada ainda estava dançando para seus olhos fora da boca do homem.
Alucinações podem levar um homem mentalmente estável a enxergar coisas, mas se estiver fora do juízo como era o caso de Rafael, não se tratavam de alucinações e sim imagens reais.
Cesar sentou numa cadeira que trouxe para o quarto e cruzou as pernas diante de dois homens agonizantes pelo veneno e um médico desmaiado, ignorante ao fato de que a morte lhe cairia bem. Seria bom acabar morto como os dois camaradas no chão antes de Serafim levá-lo.
...
Na casa de Bill, Tino mastigava seu pão olhando furioso para Serafim. Serafim apenas bebericava seu café enciumado por Marvin estar cuidando do ferimento de seu pai, Marvin concentrava-se apenas em cuidar do urso, Bill olhava para Betânia que observava seu filho Lúcifer.
— Conheceu ela? — Betânia perguntou a Lúcifer enquanto ele mexia seu café calmamente. Serafim levantou-se da mesa e ajoelhou-se na frente de seu pai, ganhando um beijo no topo da cabeça. Bill ganhava cuidados de Marvin que extraíra a bala com a pinça de pegar brasa e costurava seu corte.
— Conheço, meu jovem ou minha jovem. Na verdade eu a trouxe comigo e ela deve estar furiosa em ter que ficar esperando no carro...
....
Oiiiii Pessoal, mais um revisado de postado! \☺/
Espero que estejam curtindo esse trocinho, eu tô muito feliz compartilhar com vocês. Obrigado pelo apoio, me motiva muito para melhorar a escrita, tô tomando um suador kkkk
Beijos e um bafinho de gato. Ótima semana a todos!
:D
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