24 de Setembro, 2018 - Segunda (7h15)

Você sabia que existem alguns segredos para a criação dos personagens de uma história?


Depois que ler este capítulo, dá uma olhada na dica que deixei lá no final 😍



24 de Setembro, 2018 – Segunda (7h15)


De: [email protected]
Para: [email protected]
Assunto: Acho que meu namoro com o Nick já era


Amiga, este final de semana pareceu um pesadelo daqueles que, quando acordamos, damos graças a Deus por não ter sido real. Mas não tenho esse luxo, já que a cada minuto que passa mais consciente fico de que aquela merda toda aconteceu de verdade.

Fico repassando em minha mente, procurando por algum indício de que tudo não passou de um engano, na esperança de que eu perceba que aquilo tudo foi apenas uma alucinação pelo excesso de maconha. Mas não foi.

Neste momento estou no primeiro ônibus que vai me levar de volta para Vale do Ocaso, e minhas mãos estão tremendo... Mal consigo digitar isso para você, amiga...

É que recebi uma mensagem dele... Acho que ferrei com tudo. Destruí a única coisa boa em minha vida...

Mas antes de eu atropelar tudo começando pelo fim, quero contar como foi ontem, assim que saí do terminal.

O caminho até a casa de minha avó foi meio automático. Sabe quando parece que seus pés te levam sem que você note por onde anda? Então. Era como se eu estivesse sonâmbulo, porque não lembro de muita coisa. Acho que as merdas que usei ainda estavam fazendo efeito em minha cabeça, porque quando percebi já estava pulando o portão lateral que dá na casa de minha avó.

Quando ela me viu passando pelo corredor que leva aos fundos, levou um susto. Não sei se pela surpresa de eu estar ali sem aviso, ou por minha aparência, que estava horrível. Mas tem também o fato de que nós não nos vimos desde Abril, quando me mudei (apenas conversei com ela via telefone). Depois de ter notado meus arranhões, ela disse: "Isaac, meu Deus, o que fizeram com você? Ah, minha nossa... E seu cabelo?".

Eu demorei um pouco para entender. Achei que tinha algo preso nele, ou que estivesse muito emaranhado, mas depois me liguei. Ela estava se referindo ao comprimento. Desde que saí da casa de meus pais, não cortei o cabelo. E, nestes exatos cinco meses ele cresceu consideravelmente. Quase não dá mais para ver minhas orelhas, porque ficam cobertas pelos fios. E meus olhos só ficam visíveis porque não deixo a franja cair sobre eles.

Bom, para minha avó isso é terrível. Homens com cabelo comprido? Cruzes, deve ser o demônio tomando conta.

Se bem que... Depois desse fim de semana, eu não negaria um exorcismo caso ela viesse com cruz e água benta para cima de mim. Mas ela não fez isso. Ela segurou meu rosto entre as mãos e perguntou: "Quem foi que machucou o meu menino?". Respondi: "A pessoa que fez isso em meu rosto não presta, vó... Não se preocupe com isso, por favor". Então ela me abraçou sem mais perguntas. Apenas comentou que eu parecia mais velho e mais triste que nunca.

Olha, eu sei que ela pensa aquelas coisas de mim, sobre eu ter o demônio no corpo por ser homossexual e sobre eu ser "estranho" por não estar no padrão de garotos comuns por causa de minha aparência meio andrógina. Mas naquela hora tudo o que eu precisava era daquele abraço quente de minha avó. Ela começou a passar a mão em minhas costas, como fazia quando eu me machucava, quando pequeno. E notar que eu era bem-vindo ali depois do que fiz fez eu amolecer (não que ela soubesse), e acabei chorando.

Eu achei que teria vergonha de te contar isso, amiga. Sobre eu ter chorado como uma criança boba no colo da avó... Mas agora que estou escrevendo, estou de boa. Nada no mundo vai ser tão vergonhoso quanto o que fiz na noite de sábado.

E não quero nem pensar que ainda vou ter que explicar ao Nicolas. Sério, não quero MESMO pensar nisso agora, senão é capaz de eu passar mal no ônibus.

Enfim... Minha avó me soltou do abraço e perguntou se meus pais sabiam que eu estava ali. Isso me deixou alerta, e eu pedi... Aliás, eu implorei para ela não contar a eles. Já tinha sido difícil ir até a casa dos fundos sem fazer barulho, e eu não queria mais problemas. E foi quando ela perguntou o que estava acontecendo. Obviamente que eu não iria contar detalhes, mas respondi: "Estou passando por um momento difícil com meu namorado".

Eu falei "meu namorado" de propósito. Não para incomodá-la, mas para ela saber que eu ainda era eu, entende? Notei que ela ouviu aquilo com certo nojo, e perguntou: "Foi ele que fez isso com você?".

"Não, de jeito nenhum! Ele nunca faria isso, vó! Sei que ainda não aceita, mas... Meu namorado é uma boa pessoa, de verdade".

Ela me puxou para dentro de casa, como se não quisesse que ninguém nos visse ali, e fez o sinal da cruz para se proteger. "O demônio nos tenta", ela disse. "É por isso que você está assim, Isaac... Ah, coitado do meu menino", e me acariciou na nuca. "Você andou bebendo... Está com o mesmo fedor que seu pai tem às vezes, de pinga e vômito".

Eu não contestei. Na verdade, quase nem conversei ontem, enquanto ela cuidava de mim. Apenas aceitava o que acontecia: peguei a toalha, fui para o banho... Comi as coisas que ela serviu na mesa... Eu estava mergulhado no que chamam de "larica" há quase um dia, então praticamente devorei tudo: pão, sopa, um resto do assado de sábado... Parecia que eu não colocava nada no estômago há semanas.

Enquanto eu comia, ela me contou (quase como um alerta) que meu pai andava falando sobre o dinheiro que eu usei para comprar minha casa. Pelo que eu soube, ele fica reclamando para as paredes em voz alta quando está bêbado, e como minha avó mora nos fundos acaba ouvindo tudo. Diz ser "herança" dele por direito, e a lógica na cabeça daquele traste é que: a mãe dele é que fez a poupança, e eu não tenho responsabilidade para ter tanto dinheiro nas mãos.

Verdade seja dita, o dinheiro nem era tanto assim. Só consegui comprar aquele lugar porque era um casarão abandonado e decrépito, com péssima fama no bairro todo, então a imobiliária estava doida para se livrar do palco onde o antigo dono foi devorado pelos próprios cães. Mas para meu pai, qualquer centavo que minha avó der em minhas mãos é visto como desperdício, já que ele me vê como um aborto mal executado.

Eu ia comendo e apenas ouvindo enquanto ela falava, baixinho. Não tinha nenhuma novidade naquilo. Sei que se eu topar algum dia com meu progenitor (vulgo "pai") ele ainda vai me encher o saco por conta daquele dinheiro (que nem existe mais). Minha avó disse para eu não me abalar caso ele falasse algo, mas garanti que não iria visitá-los (e não fui mesmo).

Assim que fiquei satisfeito ela pediu para que fôssemos até o quarto dela rezar, na intenção de afastar os demônios de perto de mim. A parte cansativa é que não era uma oração ou duas: usamos toda a manhã de domingo para rezar o rosário in-tei-ro. Mas, sinceramente? Àquela altura, eu não tinha do que reclamar. Fiz merda no fim de semana, e cheguei na casa de minha avó como um galo de briga estropiado – e fedendo –, então fazer as orações ajoelhado ao lado dela era o mínimo que um neto grato poderia oferecer.

Mas houve uma coisa que ela quis fazer, e eu não permiti: cortar meu cabelo. Após as orações ela pegou pente e tesoura, e pediu para que eu me sentasse numa cadeira. Quando entendi do que se tratava, neguei com todas as forças.

Antes eu mantinha meus cabelos sempre curtos porque estava "preso" na casa de meus pais. Eu dependia deles. Já era o inferno o fato de eu não ter barba e ter que ouvir desaforo do meu pai por conta disso. Então eu cortava o cabelo para evitar dar mais motivos para me criticarem.

Mas não agora.

Podem me criticar pelos meus atos irresponsáveis de um bêbado descontrolado. Podem me chamar de suicida escroto depressivo. Podem até me bater por ter traído a única pessoa que realmente amo na vida... Mas não deixarei que me critiquem por eu gostar de cabelos compridos e roupas justas. Em poucos meses isso já se tornou tão parte de mim que se eu permitir que invadam esse pequeno espaço vou achar que não tenho direito a mais nada.

E tem mais: o Nicolas sempre gostou. Isso para mim já é o suficiente.... Se bem que não sei se vamos continuar juntos depois da mensagem dele.

Enfim... Depois de convencer minha avó a deixar meu cabelo em paz, deitei no sofá e despenquei no sono. Só fui acordar hoje cedo, com o cheiro de café recém coado que ela sempre faz. Depois de tomar o café da manhã fui olhar minhas mensagens, e descobri a desgraça: a Hellen deu um jeito de conseguir o número do Nick, e mandou uma mensagem para ele. Não sei o que aquela desgraçada escreveu, mas ficou claro que contou algo sobre esse inferno de final de semana.

Ainda falta metade do caminho até chegar em Vale do Ocaso, e isso significa que ainda ficarei no ônibus umas duas ou três horas. Quanto mais perto fico de casa, menos quero chegar. Minha barriga está doendo, e meu peito já começou a arder. Amiga, estou com medo de olhar para o Nicolas. Medo do que vou ver nos olhos dele...

Em vez de explicar mais, vou colar aqui a mensagem que recebi dele hoje pela manhã:

***

Eu nunca estive num relacionamento serio antes, e não achei que fosse ser assim. Pensei que você estaria comigo em todos os momentos, bons ou ruins, assim como eu sempre estou ao seu lado quando a corda aperta em seu pescoço. Não consigo pensar em outra coisa a não ser que vc abandonou eu, a Jack e o Lucas no momento em que mais precisávamos de sua companhia.

Sabe por que eu tô mandando essa mensagem? Acontece que recebi algo de sua colega Hellen contando sobre uma coisa que supostamente aconteceu entre vocês no sábado. Sei que quando vc bebe faz coisas além de sua consciência, mas o que ela contou é insano demais. Então não sei até que ponto aquela menina contou a verdade.

Zak, estou rezando para que as palavras dela tenham sido tão vazias quanto as cantadas dela para cima de mim. Mas se forem verdade, vamos precisar ter uma conversa bem séria sobre nosso relacionamento.

Não é isso que quero para mim e o Lucas, e tenho certeza de que você também não quer isso. Eu não mostrei a mensagem de sua amiga para minha irmã, senão ela surta. A Jack já está muito chateada com você, e não quero acrescentar isso à onda de desgosto que estamos passando por conta da Sônia e de sua fuga egoísta.

***

Amiga, eu já reli essa mensagem tantas vezes... Tantas vezes... Que devo ter decorado. Acho meio besta e desnecessário falar que meus olhos estão inchados e ardendo de tanto chorar. Mas enfim... Acabei de dizer.

Fico procurando nas entrelinhas algum indício do que a Hellen possa ter dito, ou pistas sobre ele querer terminar comigo, mas minha cabeça já não está funcionando bem... Tudo o que vejo à minha frente é desgraça.

Eu juro: preferia levar outra canivetada na barriga do que ter que me separar do Nicolas por causa das besteiras que eu mesmo fiz. Eu sei que é drástico demais dizer isso, e talvez você até me repreenda, mas é verdade.

Mas enfim... Desgraça a gente não escolhe, né... Ou escolhe? Não sei... A Jack diz que o plantio é opcional, mas a colheita é obrigatória. Então ultimamente meus plantios têm sido só de desgraça... Ahhh, como isso dói, meu Deus... Nem sei o que dizer, amiga. Não sei o que vou fazer de minha vida se ele realmente terminar comigo. Eu não conseguiria continuar morando ali tendo ele como vizinho. Precisando vê-lo todos os dias, e sabendo que estraguei uma vida que poderia ter sido perfeita ao lado de um cara incrível.

Eu amo aquele homem. Amo mais do que nunca imaginei ser possível amar na vida... Mas eu o deixei na mão quando mais precisou. Tá certo que ele ficou me repelindo, e tudo o mais... Só que, no fim das contas, eu deveria ter insistido. Mesmo que ele se fechasse, mesmo que ele mandasse eu parar de rodeá-lo, mesmo que ele gritasse comigo por eu ser muito pedante... Eu deveria ter ficado lá. Nunca deveria ter vindo, nunca!

Com isso em mente, sei que meu arrependimento não é só por ter transado com a pessoa errada, mas também por ter saído de perto do Nick. Eu achei que estava fazendo o melhor para ele ao me afastar e levar a Hellen embora... Naquele dia realmente pareceu a melhor coisa a se fazer, Mas... Ah, como eu sou burro... Idiota... Um namorado inútil que nem como apoio serve!

No fim das contas, se o Nicolas quiser terminar, ele vai ter toda a razão do mundo. Ah, merda... Não quero pensar nisso... Não quero, amiga... Parece que meu coração vai rachar de tanto que está doendo...

Acho melhor eu me acalmar... Pensar em outras coisas... Algumas pessoas no ônibus já estão me olhando torto porque estou fungando e secando os olhos a cada cinco segundos.

Apesar de não estar frio, estou de cachecol. Mas sei que isso não é suficiente para esconder as marcas que fiz, já que dessa vez arranhei o rosto também. Obviamente o Nicolas vai notar, e vai saber que perdi a cabeça outra vez. Ele vai saber como sou fraco, em todos os sentidos...

Talvez isso faça ele perceber que se afastar de mim é a melhor opção.

Mas não quero isso. Não quero isso. Não quero isso. Não quero isso! Merda!

Não sei o que fazer! Não sei o que pensar! Se eu continuar assim, não vou conseguir me acalmar até Vale do Ocaso... Ah, meu Deus...

Já estou vendo os prédios de Eloporto, ao longe. Agora o ônibus vai demorar cerca de uma hora até chegar em Vale do Ocaso.

Preciso criar coragem, mas ainda não sei como... Tchau, amiga...



OS SEGREDOS DA CRIAÇÃO DOS PERSONAGENS:

bit.ly/Vilto-CriarPersonagens



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Se estiver com um tempinho, poderia responder a estas perguntas?


1) No geral, o que achou do capítulo?

2) Tem algo NA ESCRITA que poderia melhorar? Me deem dicas para a revisão ^_^

3) Votaria neste capítulo para me ajudar?


Muito obrigada por acompanhar meu trabalho! ^_^



K I S S E S ~ K I S S E S

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