Capítulo 1 - parte 3 (rascunho)
Andou por algumas horas e, direção a uma montanha próxima e, então, começou o resto dos fatos que culminaram no encontro com o sujeito do passado.
Agora, enquanto retornava, lembrou-se da conversa com Mônica e ficou curioso, além de sentir que havia algumas lacunas. A saída do vale estranho aconteceu sem que se desse conta, de tão envolvido estava nos seus pensamentos, e já andava pela planície. Pela primeira vez desde que deixou a caverna do mago, atinou-se que não comeu nada, mas também não tinha fome, apesar de já ter passado do horário do almoço. Ainda faltavam uns duzentos metros para chegar à sede do hotel quando notou que havia uma viatura da polícia parada em frente.
Apesar dessa situação atípica, não sentia qualquer curiosidade em saber o que ocorreu porque aquelas pessoas não mereciam grandes considerações. Voltou a se lembrar da Mônica e imaginou que, a essa hora, todos já deviam saber o jeito que ele saiu porque era certo que ela teria dado com a língua nos dentes.
Encolheu os ombros, uma vez que nada mais importava. Os seus sentimentos emoções e pensamentos eram exclusividade sua. Até poderiam saber o que sentia, mas apenas ele poderia compreender isso já que, para eles, era uma coisa externa, que não lhes pertencia. Para alguém compreender e julgar, precisaria de ter um grande discernimento, empatia ou ter passado pela mesma situação e não lhe interessava, em absoluto, o que achavam disso.
Olhou melhor para a casa e pensou que simpatizava muito com aquele lugar desde muito jovem. A primeira vez que esteve lá, foi quando os pais o levaram para uma semana de férias, lá pelos dez anos. Foi quando aprendeu a andar a cavalo e achou uma das grandes maravilhas do universo. Todos os dias cavalgava com um treinador que lhe ensinou muitas coisas, até galopar e saltar. O local oferecia bastantes atrações bem divertidas para quem gostasse do campo, como aprender a lidar com os animais, pescar em um açude grande não muito longe das traseiras do hotel ou nadar em um lago isolado, com uma cachoeira onde se podia pular de cima e mergulhar na água que era gelada e uma delícia, no auge do verão. A sede era um casarão enorme, de dois andares e todo pintado de branco, com as janelas e caixilhos verdes bem cuidados e o telhado feito de telhas de barro ainda do tempo colonial. A frente era toda ela uma grande e confortável varanda com cadeiras de vime ou de balanço, para os hóspedes apreciarem a paz do campo onde, por sinal, havia uma linda vista do sol poente. Todas as janelas, além das portas que davam para fora, tinham uma pequena tela para impedir a entrada de mosquitos e outros insetos, quando abertas.
Dentro, o piso era de traves de madeira, longas e bem enceradas, algumas delas rangendo com o peso das pessoas que lhes passavam por cima, por mais que tenham tentado tirar isso para não incomodar os visitantes. Apolo, contudo, apreciava esse ranger de casa mal-assombrada porque também dava uma certa realidade à vida na fazenda.
O jovem entrou na varanda e aproximou-se da entrada, que estava com a porta aberta. Na verdade, ficava quase sempre aberta. Puxou a portinha de tela e entrou na recepção, um aposento espaçoso, sem ser muito grande, onde, na entrada, havia um balcão feito em madeira maciça. O único objeto que permanecia sobre ele, era um monitor e, naquele momento, não havia ninguém por ali. Com um rangido baixo, a porta de tela fechou-se às suas costas.
Na parede oposta, à frente e sentados no sofá em silêncio, dois policiais aguardavam por algo ou alguém. Ao verem-no, levantaram-se. Apolo prestou atenção em ambos, notando a discrepância que chegava a ser engraçada. Enquanto um devia ter mais de um metro e noventa, mas era muito magro, o outro era baixo, no máximo um metro e sessenta e oito, mas bem corpulento sem ser gordo. O mais correto seria atarracado. Nenhum dos dois, contudo, tinha uma cara simpática.
Fez um gesto displicente com a cabeça a título de cumprimento, mas eles interpelaram-no, um tanto quanto hostis.
– O senhor é hóspede daqui? – perguntou o maior, com cara de poucos amigos.
Apolo mediu o homem de alto a baixo e disse, tranquilo:
– Você não ouviu algum carro chegar, eu presumo, logo só posso ser um hóspede, já que estamos no meio do nada, não concorda?
– Posso saber o seu nome, cavalheiro? – perguntou o outro.
– Pode – respondeu enquanto lhes dava as costas, abria a porta do lavado ao lado do balcão e lavava as mãos e rosto. – Sou Apolo Duarte. Algum dos senhores poderia me explicar o que está havendo?
– Quem faz as perguntas aqui somos nós – ripostou o mais alto, tentando parecer assustador. – Você responde.
– Continue assim, cabo, e basta eu dar um telefonema para o senhor ver quem manda de verdade. Eu sou um pacato hóspede deste hotel e saí de manhã muito cedo para passear, chegando agora e um tanto quanto cansado demais para ver dois idiotas querendo me intimidar. Basta uma palavrinha para a pessoa certa no quartel e veremos quem vai se divertir depois.
O gerente chegou, evitando que o constrangimento aumentasse e Apolo sorriu para ele.
– Boa tarde, senhor Duarte – disse, um homem simpático e de meia idade. – Acontece que um dos hóspedes chamou a polícia alegando que o senhor colocou uma toxina no café da manhã. É que quase todos passaram muito mal. Alguns já foram recolhidos para o hospital e mandaram vir mais ambulâncias para levar os outros.
Apolo, por fora não manifestou nada, mas, por dentro, era um remoinho de ideias e pensamentos. Então as pragas dele eram de fato eficientes!
– Ora, eu comi exatamente a mesma coisa que todo mundo e estou muito bem. Quantos ficaram doentes? – perguntou. – Devem ter sido aqueles idiotas da cidade grande que acham que a comida do campo é fraquinha.
– Mais de vinte pessoas passaram mal – respondeu um dos policiais. – Não dá nem pra entrar no banheiro.
– Bem, meus senhores – argumentou o jovem, rindo. – O sujeito que disse isso deve estar piradinho porque eu só tenho culpa de uma coisa: de ter desejado que isso lhes acontecesse, uma praga. Que eu saiba, isso não é crime. Agora, se não se importam, com licença que vou para o quarto descansar um pouco porque caminhei muitas horas seguidas.
Apolo saiu pelo corredor atrás do balcão enquanto os policiais se retiravam, já que não podiam de fato fazer nada sem provas. Assim que passou a segunda porta, ouviu alguns gemidos e parou na entrada de uma das salas de descanso e televisão. Dentro, meia dúzia de ex-colegas estava nos sofás com ar muito aflito enquanto um saía do sanitário quase que de quatro, de tão fraco. O jovem olhou para eles e deu uma risada.
– Eu avisei – disse, voltando a rir. – Acho melhor tomarem muita água. Ainda bem que paguei por quarto com banheiro privativo porque o cheiro...
Saiu abanando a mão em frente ao nariz e rindo. No seu quarto, despiu-se e tomou um banho, colocando uma camiseta justa e uma bermuda leve, guardando o medalhão na mochila, após apreciá-lo por mais uns minutos. Preguiçoso, deitou-se e recostou-se, colocando o travesseiro contra a parede, pegando o seu tablet e começando a ler um livro. Nem dez minutos depois, alguém bateu à porta.
– Entre – resmungou, contrariado por ter sido interrompido.
A porta abriu-se e viu Mônica entrando e fechando-a a seguir, passando a chave e conferindo se estava trancada. Virou-se para Apolo, muito séria, vendo-o sentar-se mais ereto, enquanto apontava a cadeira para que ela fizesse o mesmo.
Ignorando isso, a moça aproximou-se e disse:
– Muito bem, espertinho – cruzou os braços. – Que tal começar por explicar o que foi que você fez?
– Roguei uma praga em uma atitude infantil, como você mesma disse e com uma certa razão.
– Rogar pragas é uma coisa, Apolo – atalhou a moça. – E ver isso acontecer é outra bem diferente. Como fez isso?
– Não sei – respondeu com tanta sinceridade que ela acreditou no ex-colega. – Simplesmente acontece isso, em especial quando fico muito zangado ou magoado.
– E por que eu não passei mal? – quis saber. – Eu e alguns outros, mas muito poucos.
– Pelo simples motivo de não terem participado da coisa – respondeu.
– Como também não participei no passado, nem eu nem Helena, Apolo – afirmou ela aproximando-se mais e sentando na cama, bem perto dele e mudando a voz para um tom bem doce. O jovem pousou o tablet na mesa de cabeceira e ela pegou a sua mão. Sorriu e disse. – Você sempre foi tão bonito. Agora está ainda mais belo que era na escola.
Apolo arregalou os olhos.
– Q... q... c... como é? – perguntou por fim.
– Aquele dia, na escola – começou Mônica. – Eu e Helena éramos perdidas por você, cada uma mais apaixonada que a outra. Essa é a verdade... e não fomos as únicas, pode ter a certeza. Como éramos muito amigas, decidimos deixar você escolher e decidir, até porque também éramos muito tímidas para chegar em você.
– Mas...
– Espere – interrompeu ela, apertando a sua mão. – Eu fiquei sabendo pelo meu irmão sobre a sacanagem que lhe fizeram, naquele dia da escola. Lembra que tenho um irmão gêmeo que estudava conosco e que era da gangue do Carlos?
– Sim, lembro – respondeu. – Desculpe, mas eu dei uma baita surra nele e no Zeca, naquele dia. Em compensação tomei outra dos outros três.
– Ele mereceu. Você nem imagina quantas vezes eu briguei com ele e o xinguei por sua causa. Bem, naquela hora que você olhou para nós duas, eu disse no ouvido da Helena: "você venceu, Lena, ele gosta de você. O pessoal descobriu e fizeram uma baita sacanagem com ele. Vá lá e diga o que sente porque o coração dele é seu. Eu perdi." Por isso ela riu, Apolo, riu porque ficou louca de felicidade quando soube que você gostava dela. Após dizer o que disse e virar as costas para ela, Helena chorou o dia inteiro. Depois que se formou, mudou com os pais não sei para onde e nunca mais a vi. Agora, pela sua cara de hoje de manhã, acho que você não a esqueceu.
– Ambos perdemos contato – respondeu Apolo. – Quando aquele diabo me procurou pela internet, caí que nem um patinho, mas o estranho é que o sacana falou coisas bem parecidas com o que você disse.
– Na época, o meu irmão deve ter contado porque nos ouviu falando enquanto eu tentava consolar Helena.
– Seu irmão não veio.
– Está no exterior a trabalho. Samuel mudou muito. É responsável e parou com essa bobageira. Apolo, você precisa de fazer as pazes com o seu coração e o seu passado. Você é lindo, só que o seu olhar é muito amargurado e você um solitário!
– Acredito que tenha razão, Mônica, mas não é fácil – respondeu o amigo, suspirando. – Então vocês duas eram a fim de mim e eu nunca nem suspeitei, é?
– Apolo, Apolo. – Mônica abanou a cabeça, rindo. – Você era, e ainda é, o gato mais bonito da turma. A gente ia para o clube e ficava escondida vendo você nadar ou treinar karatê. Tínhamos cada fantasia maluca!
Apolo deu uma risada leve, imaginando o que as duas faziam e foi a sua vez de abanar a cabeça. Mônica, que ainda segurava a sua mão, apertou-a um pouco e aproximou-se mais, puxando-o e beijando os seus lábios.
Ele não a rejeitou; antes pelo contrário, sorriu e puxou-a para si porque gostou do beijo. Em meio a beijos mais intensos e carícias, ela murmurou:
– E acho que vou mesmo é satisfazer uma fantasia minha.
– E por que não? – brincou. – Só tem uma coisa, não era karatê, era kempô...
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