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••• uma semana depois •••
Está tudo tão calmo.
Por vezes esqueço a loucura de morar em uma capital e também esqueço a loucura que habita em mim. Somente por vezes, estes momentos são bons e acalmam toda a insanidade que por aqui habita, me deixando expressar um pouco daquilo que sinto de verdade em meu coração. Sinto que a qualquer momento, eu posso implodir.
Os meus pensamentos são armas apontadas diretamente para o meu coração, sei cuidar de mim e me torturar ao mesmo tempo. Sinto que vivo em uma relação abusiva comigo mesma e mesmo pedindo ajuda, a outra metade de mim, não consegue abandonar o alívio que a dor traz. Seria isso um masoquismo necessário?
Em minha mente, os acontecimentos gritavam e faziam eco. Nada presenciado por mim poderia ser esquecido e mesmo tentando muito, eu ainda sofreria com cada minuto vivendo essa vida. Sempre que paro para pensar, tudo o que penso são momentos incompletos, largados e sem soluções.
Um caos.
Aqui estou eu, presa em outro momento junto com a solidão. Estar aqui sempre será sinônimo de paz, mesmo que essa paz custe caro e me tire algumas noites de sono. Neste mesmo lugar, eu presenciei um momento longe da solidão e consegui por alguns minutos ouvir a minha voz. Saber como é o tom de cada palavra dita por mim e não somente imaginar como seria ao pensar.
Respirei fundo e olhei para o espaço vazio ao meu lado, há uma semana alguém sentou aqui. Alguém sentiu necessidade em falar da sua vida, em se abrir comigo e eu por algum motivo, senti curiosidade. Queria saber em que rosto se encaixava a voz doce, melancólica e rouca que tanto me perseguiu, me fazendo voltar aqui procurando por algo que possa me levar ao fim.
Será que ele ainda estava vivo?
Entretanto, se voltasse no tempo, repetiria o ato. Uma das muitas desvantagens da solidão, a mesma que me acompanha em todos os meus caminhos. Jamais conseguiria depositar a minha confiança em alguém, nunca mais seria capaz de confiar em alguém, nem mesmo em mim.
Depois de presenciar a dor e a maldade dos homens, após sentir na pele. Soube que a melhor forma de não me magoar novamente, seria optando por não me envolver com ninguém. Não posso acreditar que atos mudem alguém do dia para a noite e também não quero pensar que estou totalmente segura, sabendo que não estou. Após perder a confiança, você nunca mais se encontra de novo e todo novo momento, sempre será um motivo para desconfiar do que está por vir.
Senti a brisa tocar o meu rosto e lembrei de como é bom estar viva, vivendo este exato momento, sentindo estas sensações. Não podia parar a minha vida agora, não queria permitir que o medo tomasse conta de mim e voltasse a arrancar tudo o que conquistei com o tempo. Estava com medo, mas não podia ceder. Não era o momento para ceder e sim continuar lutando por mim. Pensar assim após pensar que estou prestes a morrer, ajuda a aliviar o sentimento que tanto dói o meu coração.
Adoraria poder controlar o destino, mudar as regras do jogo, assim como o destino muda as regras e joga com a minha vida.
Afastei os pensamentos que me invadiam e respirei fundo, as pessoas passam pelo mundo e não notam a própria existência. Ver cada alma passar por aqui torna isso nítido, as pessoas não notam a beleza, mesmo que ela esteja presente em todos os lados. Passos apressados, ligações prolongadas e discussões sem nexo é o único eco presente.
O mundo gira em torno de um relógio, no entanto, ninguém possui tempo, nem mesmo para ser feliz e aproveitar os pequenos detalhes da vida. Estes detalhes são nítidos e gritantes, as árvores nuas, as folhas douradas espalhadas pelo chão e o clima fresco do fim de tarde. Esses detalhes valem ouro, porém, ninguém se importa.
A vida não pode parar para que a beleza possa fluir.
O parque continuava lindo, as crianças corriam de um lado para o outro e os sorrisos ecoaram por toda a parte. Crianças sabem como aproveitar os pequenos detalhes da vida, elas não precisam se preocupar com o relógio que comanda o mundo. Isso trouxe alegria ao resto de dia, que aos poucos se despedia em um pôr do sol magnífico. Fechei os meus olhos, não trocaria nada por esse momento. O momento de estar aqui, o momento em que estou, mesmo que por pouco tempo, viva.
Subitamente senti uma presença e um vento leve passou por mim, abri os meus olhos e permaneci quieta, abaixando a minha cabeça rapidamente. Pude ver os sapatos de alguém, parado em minha frente. Segurei os meus receios, entendia os motivos de tanto medo, os possuía e precisava ter destreza ao manusear os movimentos do meu corpo. Não demonstrar medo seria a única forma de mostrar que não estava cedendo ao passado e sim lutando pelo meu futuro.
Por favor, esqueça a sua dor e não pense nele.
— Você demorou para voltar. – murmurou a mesma voz rouca de uns dias atrás.
O meu coração bateu forte, mas mantive o controle de mim mesma. Queria respirar de alívio, a voz que encontrou o meu medo não era a que eu queria esquecer e sim algo novo. Senti todo o meu corpo reagir e a adrenalina que me consumia, aos poucos se acalmou. A minha respiração voltou ao normal e eu senti que ficaria bem e que ele não me faria mal em frente a tanta gente.
— Me esperou por todo este tempo? – indaguei escondendo a minha confusão.
— Sim, queria me desculpar por ter lhe assustado, porém, você não voltou. – ouvi um longo suspiro. — E eu esperei, quando estava desistindo da loucura de esperar, te avistei novamente. – as suas palavras lhe traziam orgulho, ele estava feliz ao falar isso.
Sorri de canto com a terrível ideia de estar ficando louca.
Será que ele estava todo este tempo ali? Me esperando? Não era possível, ninguém seria louco assim, certo? Afastei os meus pensamentos e voltei a minha concentração para aquele momento. Não havia muito o que falar e eu só precisava ir embora de novo, somente assim, evitaria pensamentos ruins sobre mim mesma e não magoaria o homem presente. Eu ainda não sabia se o homem presente era fruto do meu passado, querendo me encontrar novamente.
— Sou o Kim e você? – repetiu, estendendo uma de suas mãos em minha direção.
Desviei o meu olhar para elas e as fitei, as suas mãos pareciam suáveis, delicadas, eram grandes e bem-feitas. Penso que nunca vi algo tão belo, uma mão tão bela, mas também não era o momento para elogiar um estranho. Ergui a minha cabeça e fitei o rosto que me estendera a mão, quis sorrir, mas optei por ignorar a minha vontade e não estragar o momento.
— Prazer. – respondi apertando a sua mão, confirmando a sua suavidade.
Kim era jovem, se tivesse de adivinhar, diria que não tinha mais que vinte anos. O seu olhar era cativante e o seu nariz desenhado em linhas perfeitas, acabava com uma leve pinta na ponta, que encontrava os seus lábios. Lábios carnudos e espessos, que formaram um sorriso fechado de arrancar suspiros. Dessa vez ele exalava um perfume forte e tinha os seus cabelos claros, quase loiros, tampando um pouco dos seus olhos.
Um adolescente procurando algo novo, me fazendo quebrar uma das minhas regras mais importantes. Nunca toque ninguém que possa machucar você e não tem como saber disso, então, nunca toque ninguém, nem mesmo por engano. – pensei para mim mesma.
— Realmente pensei que você se levantaria e fosse embora novamente. – comentou sorrindo de canto. — Não te assustei desta vez?
Respirei fundo antes de responder, não queria parecer impaciente.
— Deveria, mas não irei. – respondi, retribuindo o sorriso de canto. — E não, não me assustou. – menti, ele não precisava saber das minhas inseguranças.
— Pensei que não te veria novamente. – disse se sentando ao meu lado.
— Estive ocupada e não sabia que estava acampado aqui desde a semana passada. Se soubesse do protesto, teria vindo antes. – respondi com ironia.
Ele soltou uma gargalhada, a primeira vez que o ouvi sorrir com vontade e a sua risada, me obrigou a fazer o mesmo. Era contagiante e estranha, eu me sentia estranha.
— Isso seria estranho, não? – será? — Se bem que sou estranho, verá isso com o tempo. – mal podia acreditar, que confiança!
Ele falava como se soubesse que nos veríamos mais vezes.
— Bom, depende do que é entendido por estranho. Isso que estamos fazendo é estranho, pelo menos para mim. – murmurei.
— Acredito que conversar com estranhos não é estranho. – sorri de canto ao ouvir. — Se pensarmos bem, todas as pessoas que conhecemos, são estranhos.
— Como? – questionei sem entender.
Ele sorriu e se virou para mim, me afastei ao notar que a nossa proximidade não seria algo bom.
— Quando você conhece alguém que não é conhecido. – franzi o sobrolho. — Esse alguém é estranho, certo? Então, para conhecer essa pessoa você precisa se abrir e no fim, todas as pessoas que você conhece, no fim, eram estranhos. – a sua resposta tinha lógica, mas eu não conseguia ver perante a confusão das suas palavras.
— Por acaso você está tentando me confundir? – questionei lhe arrancando outro sorriso.
— Claro que não! – exclamou gesticulando com as suas mãos. — Mas nunca conhecerá alguém novo se não quiser se relacionar com estranhos. – isso era inacreditável.
— E o que você sugere? – indaguei olhando em seus olhos.
Ele desviou o seu olhar e mordeu o canto do seu lábio inferior, respirei fundo e também desviei o meu olhar.
— Que você não sinta a necessidade de se defender. – respondeu. — Que pare com esse preconceito contra estranhos. – ele sorriu. — Somos pessoas legais.
— Eu nunca disse que não eram. – murmurei.
— Não disse. – retrucou. — Mas julgou, e você também é uma estranha. Acontece que eu não me importo com isso e não vou julgar você, quero ser seu amigo. – tremi ao ouvir as suas palavras.
— Por acaso você está sob o efeito de alguma droga ilícita? – ele soltou outra gargalhada.
— Parece? – retrucou sorrindo.
— Muito. – sussurrei ao ver que ele se divertia.
Não conseguia acreditar que tinha tomado um passo tão importante e estava me permitindo conhecer alguém. Algo que odiava e evitava fazer. Logo eu que fugi do mundo e me refugiei em livros, em trabalho e muita solidão, que ironia. O que estava acontecendo comigo e com tudo o que pensei antes de vir aqui?
— Não desejo tomar mais o seu tempo. – disse me arrancando dos meus pensamentos. — Só queria me desculpar.
— Obrigada por pensar em mim, mas não era necessário. – murmurei.
— Quem decide o que é necessário? – indagou. — Nunca sabemos se algum comportamento é necessário, mas agir de acordo com o seu coração nunca é ruim. – senti um pouco de ira em suas palavras.
— Justo. – concordei. — Mas você não deveria se empenhar tanto por um estranho, não é necessário neste quesito. – tentei consertar as minhas palavras.
— Foi bom te rever. – disse sorrindo.
Em seguida ele se levantou e se afastou sem me permitir responder. À medida que ele se afastava, não pude deixar de observar o seu estilo. Ele vestia calças jeans e um suéter branco, coberto por um casaco preto extremamente elegante. Se alguém me perguntasse qual era a coisa mais estranha que me aconteceu nos últimos tempos, com certeza Kim seria uma delas.
A curiosidade me invadiu e por um momento desejei saber mais sobre ele, mas isso não aconteceria. Antes de ser devorada por meus pensamentos, me levantei e lentamente caminhei em direção ao meu mundo. Me sentia bem, apesar de todos os apesares. Não podia me envolver agora, não era o momento certo para conhecer um estranho e o meu coração ainda não estava pronto para confiar em mim de novo.
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