Cap. 9 - O Príncipe dos Ladrões

— E como você pretende encontrá-la se o nosso pai não o deixa sair nem do quarto? — Cassian não conseguia acreditar na fixação de seu irmão por aquela garota estranha.

Tudo bem, ela era bonita, mas havia algo nela de muito errado. Talvez fosse apenas a maneira mal-educada com que falava com eles.... Porém o príncipe sabia que não era só isso. Havia algo na alma dela.... Algo que a fazia não tentar fugir dele e de seu irmão, mesmo sabendo agora o que eles eram. Ele sabia que precisava ajudar o irmão, não pela vontade de ser bondoso com ele, mas para saber mais sobre a garota.

— Não sei.... Detesto dizer isso, mas preciso da sua ajuda. — A expressão de Aron não era nada agradável. — Antony mandou demitir aquele soldado que era meu amigo após algumas horas em Ariem. A culpa é toda minha...

— Sim, é toda sua. — Cassian se esforçou para não sorrir. — Além do mais, agora nem mesmo sair para ajudar os pobres coitados você pode.

— Eu sei. Não precisa me lembrar disso. — E deixou que seus ombros desabassem, demonstrando claramente sua tristeza e preocupação. — Preciso que me ajude Cassian. Se não por mim, pela garota. Ela corre perigo se nosso pai encontrá-la e quero arrumar uma maneira de protegê-la.

— Por que acha que o nosso pai iria atrás dela? Não há qualquer interesse nele por aquela menina. Não importa sua linhagem nobre, ele já deu a ela a lição que queria...

— Não é por isso, Cassian! Ele encontrou um livro que trouxe comigo e agora desconfia que... — Aron mordeu a própria língua para se impedir de revelar o segredo de Ivy. Seu irmão estreitou os olhos, desconfiado.

— Livro? Que livro? — E arqueou as sobrancelhas, duvidoso. — Sobre o que fala esse livro?

— Por que quer tanto saber? Importa-se com ela?

— Não me importo, mas sou curioso. Se você não me contar, nosso pai contará. — E sorriu maldosamente. Aron sentiu o coração disparar de raiva. Não tinha saída agora.

— Era um livro sobre mediunidade. Ivy é curiosa como você e adora ler, por isso acaba lendo sobre tudo. Até os livros mais perigosos da biblioteca.

— Mas a biblioteca da vila está fechada... — E estreitou os olhos. — Ela rouba os livros?

— Não está mais fechada. Uma das camponesas reabriu o lugar secretamente e algumas pessoas o frequentam agora. — Aron suspirou desolado, pois sabia que seu irmão contaria tudo isso ao rei, que por sua vez mandaria matar a camponesa e talvez até pusesse fogo na biblioteca. — Não conte nada ao rei, por favor.

— Está me pedindo favores demais. — Disse debochado, enquanto passeava pelo quarto, calmamente. — Precisa decidir o favor que deseja que eu cumpra. Os demais não posso prometer nada.

E agora? O que Aron poderia fazer? Salvaria Ivy ou a camponesa que reabriu a biblioteca? Como resolveria esse impasse? As dúvidas queimavam sua mente como se fosse o calor que emanava do corpo de seu irmão.

Às vezes, em segredo, Aron desejava ter aquele poder com o fogo ao invés de seu solitário e sanguinário gelo. Cassian precisava apenas incendiar florestas, enquanto ele precisava matar pessoas e animais para espalhar o gelo em seus corações e almas.

...

— Lady Ivy? — Marilyn estava à sua porta, com uma expressão preocupada e uma bandeja com seu café da manhã.

— Entre, Mari. — E sentou-se na cama, espreguiçando-se lentamente para expulsar a névoa do sono. — Está tudo bem?

— Sim, senhorita, mas estou preocupada com você.... Nunca ficou na cama por tanto tempo num sábado de feira...

— Que horas são? — E sentiu o sono abandoná-la de vez. Quanto tempo havia dormido?

— São duas da tarde, senhorita.

— Duas da tarde? — E pulou da cama, estabanada, correndo para o banheiro. —Prepare meu banho, Marilyn! Temos que nos apressar ou não pegaremos a feira aberta!

— Certo, senhorita. — E deixou a bandeja sobre a cômoda, seguindo sua dama ao banheiro e preparando a água para que se banhasse.

Ivy desembaraçava os longos cabelos em frente ao espelho com seu pente de prata. A moça banhou-se o mais rápido que pode, comeu o mínimo e se vestiu o mais depressa possível. Prendeu os longos cabelos em uma trança nas costas e calçou suas sapatilhas. Seu vestido era leve e simples, indicado para a caminhada entre os camponeses.

Saiu de casa junto com Marilyn e partiram na carruagem em direção à feira. Marvin aproveitou a oportunidade para avisar-lhes de que Trovão havia voltado para casa pela manhã e mesmo estando bem machucado, conseguiram tratar dele.

— Veja essas frutas, Senhorita! Estão todas quase pobres! — Dizia a ama enquanto passeava de barraca em barraca, no meio de muitos corpos magros e sujos.

— Sim, Marilyn. É terrível que tenham que comer isto. — E torceu o nariz para uma cesta de tomates claramente estragados. — E é por isso que estamos aqui.

A garota fez sinal para que Marvin manobrasse a carruagem e tirasse os tonéis cheios de batatas e os sacos cheios de arroz. Ivy cobriu o rosto com o capuz de seu manto negro e chamou a atenção dos camponeses para que viessem buscar um pouco de alimento descente ali, sem precisar pagar absolutamente nada.

Era sempre assim. Alguns agradeciam e partiam, outros choravam e beijavam seus pés. Havia até aqueles que a fitavam desconfiados, pegavam a comida e saiam sem trocar nenhuma palavra com ela, Marilyn ou Jefferson. As provisões estavam quase acabando quando os gritos começaram.

"São os ladrões!"

"Os ladrões!"

"Fujam! Escondam-se!"

A correria tomou conta da praça e as barracas que ainda estavam por ali foram deixadas para trás enquanto um bando de pessoas se aproximavam montadas em cavalos sujos, porém velozes.

Ladrões? Desde quando atacavam de dia? Ivy sentiu Jeff puxar seu braço, mas em meio à confusão uma garotinha se perdeu de sua mãe e ela não pôde deixá-la lá sozinha. Desviou-se de Jefferson e correu até ela, atravessando o mar de gente.

— Ei, mocinha, está tudo bem? — E ajoelhou ao lado dela após tirá-la da confusão na praça.

— Eu me perdi.... Meus irmãos me trouxeram, mas agora... — E começou a chorar descontroladamente.

Os ladrões desceram de seus cavalos e passaram a saquear as barracas e as pessoas que conseguiam render. Suas armas não passavam de arcos e flechas rústicos e alguns bastões feitos com galhos grossos de árvores, mas mesmo assim a população tinha medo.

— Tudo bem. Venha comigo e te ajudarei a encontrá-los assim que essa confusão acabar. — E arrastou a garotinha para uma das vielas laterais, protegendo-a assim dos olhares dos ladrões e das pisadas das pessoas que fugiam.

— Estou com medo.

— Não precisa ter medo. — E sorriu para ela enquanto apertava sua mãozinha. —Não temos nada que eles possam querer e aqui não vão nos encont...

— EI! VOCÊ AÍ! A DE CAPA PRETA! — Era inconfundivelmente a voz de um dos ladrões.

Ivy amaldiçoou-o mentalmente, escondeu a garotinha atrás de um monte de madeira e pediu que ficasse escondida ali até que ela voltasse. Depois virou-se para o homem e encarou-o, demonstrando que não tinha medo.

— O que você quer? — Tentou controlar o tom de sua voz para que não saísse rude demais. O homem se aproximou de um jeito nada elegante e fitou-a de cima a baixo.

— Quero esse anel em seu dedo e seus brincos. Me dá também essas sapatilhas brilhantes!

— Para que quer minhas sapatilhas?

— Talvez minha filha goste delas. — E cuspiu no chão, quase acertando o vestido dela.

Ivy entregou a ele o anel e os brincos e estava prestes a retirar as sapatilhas quando um novo homem se juntou a eles. Ela ergueu os olhos com cautela, medindo a distância do toco de madeira que o primeiro ladrão segurava.

Depois seu olhar correu para o segundo homem e percebeu que este levava um arco e flecha mais sofisticado. Seria o líder do bando? Por que apareceria de dia se sabia que os soldados do rei estavam atrás deles pelas vezes em que atacaram as caravanas do castelo? Seria louco?

— Deixe a garota com os sapatos. Vai precisar deles se quiser nos acompanhar. — Disse o outro homem e sua voz fez com que Ivy arregalasse os olhos, o coração saltando no peito. O que ele estava fazendo ali? E junto com os ladrões?

— Acompanhar? Vai deixar que essa camponesa sirva ao bando? — O primeiro parecia desconfiado. — Acho que está louco Kadi.

— Já disse. Ela vai conosco. Não é uma camponesa, sua pele está limpa demais. É uma nobre. — E virou-se de costas após dar uma última olhada nela. Aquilo foi uma piscadela? E por que o homem o chamou de Kadi? — Amarre-a e leve-a ao lado do meu cavalo.

"Não posso ir com vocês." Era o que queria dizer, mas ficou quieta, lançou um último olhar ao local onde escondeu a garotinha e pediu desculpas a ela mentalmente por estar abandonando-a, mesmo que não por escolha própria.

Os pés dela doíam tanto que era difícil dizer qual era o direito e qual era o esquerdo quando tocavam o chão. Por que tinham que andar tão para dentro da floresta? E que floresta era aquela? De repente, ela percebeu. Como os ladrões podiam se esconder na Floresta do Norte? Como faziam para passar as noites ali? Não tinham medo dos demônios? Provavelmente faziam enormes fogueiras para espantá-los e estavam tão embrenhados no coração da floresta que os soldados do rei não conseguiam vê-las.

Será que ainda faltava muito? Ela não sabia. Em certo ponto do caminho passaram uma venda em seus olhos e já não fazia mais ideia de para que lado estavam indo. Tropeçava constantemente e caía de joelhos sem poder de equilibrar, quando isso acontecia alguém dava leves tapas em suas costas até que se levantasse e prosseguisse outra vez. Foi arrastada pelo cavalo duas vezes ainda antes de chegarem ao acampamento dos ladrões. O ar havia ficado pesado, quente e úmido. Seria a proximidade com ele ou a atmosfera da floresta? Mas a Floresta do Norte era fria...

Finalmente tiraram sua venda e Ivy notou que estavam dentro de uma enorme caverna. Nessa caverna havia uma espécie de bosque com árvores de copas azuis e verdes, pontinhos brilhantes piscavam e voavam de um arbusto a outro, um rio de águas cristalinas corria ali perto e algumas cabanas de madeira velha e palha seca se amontoavam nas clareiras. O teto da caverna era iluminado por cristais amarelos e laranjas, o que dava a impressão de um sol artificial.

— Que lugar incrível. — Sussurrou enquanto seus olhos perscrutavam tudo ao seu redor.

A risada do rapaz em cima do cavalo causou-lhe um sobressalto. Em pouco tempo ele desceu e levou-a até sua tenda, sobre os protestos dos demais ladrões, que a queriam para eles. Ivy pôde notar antes de entrar que havia ali homens e mulheres de todas as idades, era como uma pequena vila dentro de um bosque escondido no coração de uma montanha. Era inacreditável.

— Gostou do nosso esconderijo? — Perguntou ao desamarrar as mãos dela, que ainda estavam presas.

— Eu não acredito! Cassian, você é o líder dos ladrões? — Ela tinha tantas perguntas que sua cabeça zumbia. O príncipe obrigou-a a sentar-se um pouco em sua cama de palha para descansar. Não era confortável, mas era melhor que ficar em pé. — Seu pai não sabe disso, não é? Aron sabe? Pelos céus! Como pode ser possível?

— Achou que só meu irmão era o bonzinho, não é? Pois é, digamos que às vezes escolho algumas pessoas para ajudar. — E deitou ao lado dela na cama, com as mãos na nuca e as pernas esticadas preguiçosamente.

— Não. Quero dizer, sim, mas.... Isso é surreal! Esse lugar é fantástico! — E de repente seu olhar tornou-se sombrio. — Mas por que decidiu ajudar justamente os ladrões? Por que não os camponeses?

— Os camponeses já recebem a ajuda de Aron e de alguns nobres como você. — E deu de ombros. — Os ladrões são apenas menosprezados e marginalizados pelo restante do reino.

— Porque são ladrões!

— E sabe por que viraram ladrões?

— Não....

— Essas pessoas... A maioria delas foi vítima injustamente das masmorras do rei e eu as resgatei de lá com a ajuda de alguns soldados de confiança. Trouxe-os para cá e passei a comandá-los para que pudessem sobreviver na floresta. Aprenderam muita coisa, mas no inverno falta alimento e é por isso que fazemos os saques no final da feira. Aquelas coisas que sobram ninguém compra mesmo. Iriam todas para o lixo e acredito que isso seja injusto com tantas pessoas passando fome por aqui. É por isso que ordeno que saqueiem as feiras.

— Mas agora atacam de dia?

— As feiras mudaram seus horários para evitar nossos ataques. Então tivemos que alterar nosso horário também.

— Mas vocês roubam dos nobres também...

— Não fará falta, fará?

— Não exatamente.

— Então. — E deu de ombros.

Um dos ladrões veio perguntar se Cassian havia recolhido a garota para sua cama, ao que ele respondeu que sim, dizendo que na manhã seguinte ela seria liberada. Ivy olhou-o, incrédula. Teria que passar a noite com ele assim como fizera em Ariem com seu irmão? Desse jeito sua reputação como boa moça seria arruinada, afinal, ninguém sabia o que eles faziam entre as quatro paredes. Ou na verdade, o que NÃO faziam.

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