Cap. 23 - Malibur
Assim que tocou a chave, foi transportada para o salão da rainha. Mal podia acreditar que havia conseguido se sair tão bem. A rainha das fadas seguiu até ela e para sua surpresa, a abraçou. Não havia sido um teste de cunho fácil, mas para ela pareceu brincadeira de criança.
— Muito bem, Lady Ivy. Você passou no teste e será recompensada por isso. – Flora estalou os dedos e Kadi foi solto, caindo no chão com um baque. — Sua entrada será sempre bem-vinda em Farilyn, basta usar a chave mágica.
— Finalmente se lembraram de me tirar daqui! – Kadi levantou-se resmungando e seguiu até Ivy. — Bom trabalho!
— Vocês dois gostariam de passar a noite no castelo ou preferem seguir viagem? – Flora perguntou educadamente.
— Acho melhor seguirmos. – Kadi respondeu antes mesmo que Ivy pudesse abrir a boca.
— Sim... é melhor. – Ela não queria se mostrar fraca, então simplesmente concordou, mas a verdade é que estava exausta. O teste havia tomado muito de sua energia. — Quanto antes chegarmos em Malibur, melhor.
— Se é isso que desejam. – A Rainha sorriu de leve e se aproximou de Ivy com graciosidade. — As palavras que ativam a chave são Teleportium Corpore Animae.
— Certo. Obrigada.
Lirian voltou a aparecer e guiou os dois pela vila até um lugar descampado onde poderiam utilizar os poderes da chave sem maiores perigos. A fadinha ficou os observando escondida por todo o tempo enquanto não iam embora. "Era melhor prevenir do que remediar..." Pensou ela.
Ivy pronunciou as palavras segurando a chave em uma das mãos e na outra a mão de Kadi. A pele do príncipe estava muito mais quente que o natural, mas o calor não era capaz de queimá-la. Respirou fundo e entraram no portal dourado formado pela chave.
A viagem por portais era algo exaustivo para quem os conjurava, então quando saíram Ivy sentiu-se um pouco tonta, mas não quis admitir nada. Kadi parecia muito bem apesar de alguns rasgos em suas vestes por causa da prisão de espinhos. Foram transportados para a entrada do reino de Malibur, um lugar onde todas as construções eram feitas com algum tipo de pedra e barro vermelhos.
A vista era algo surpreendente. Parecia uma vila que sobrevivia num vale em meio à duas colinas altas, que não eram suficientemente grandes para serem consideradas montanhas. Atrás deles estava uma floresta escura, densa e perigosa, a camuflagem perfeita para esconder o portal que levava a Farilyn.
— Então agora é só seguir em frente. Será que teremos problemas em conseguir falar com o rei? – Ivy começou a caminhar primeiro, embora ainda se sentisse zonza.
Era como se tivesse se embebedado e não conseguisse nem caminhar em linha reta, mas estava se esforçando para não dar a parecer isso.
— Provavelmente teremos que pedir uma audiência e aceitar o tempo que sugerirem que esperemos. – Kadi deu de ombros e seguiu logo atrás dela.
— Talvez devêssemos tentar nos teleportar diretamente para a sala do trono. Seria mais rápido.
— Sim, nossa morte seria bem mais rápida também. Não sabemos ao certo como o rei de Malibur se comporta, Ivy. Temos que tomar cuidado.
— Mas não temos tempo!
— Olha, se os soldados do Antony invadirem esse lugar porque não tivemos tempo de avisar, será bem feito para eles! Ninguém mandou esses reis idiotas darem uma de donos do mundo!
Os punhos dele estavam cerrados e sua expressão havia se tornado sombria. Ivy percebeu também que ele tentava esconder as mãos dentro das mangas da blusa.
— Por que está escondendo suas mãos? – Antes que pudesse se reprimir, acabou por perguntar.
— Não é da sua conta.
Ela sabia que precisava ter paciência desde que aceitou essa missão na companhia de uma pessoa tão arrogante quanto ele, mas estava começando a se irritar. Usou sua tática de sempre: contar até dez e respirar fundo. Seu estômago acabou quebrando a tensão que pairava ao roncar tão alto que Kadi parou de andar e olhou ao redor, alerta.
— Relaxe, grande guerreiro, foi só meu estômago. – Ela revirou os olhos e tomou a frente, seguindo em direção ao que parecia ser uma feirinha.
Tirou algumas moedas de ouro que Lisandra havia pego do tesouro dos ladrões e comprou pão, água e maçãs. As criaturas dali não pareciam tão diferentes das que viviam em Eville. Todas tinham aspectos normais, embora Ivy pudesse sentir o poder que residia dentro deles. Ela e Kadi se afastaram da multidão e começaram a seguir em direção ao castelo, que podia ser avistado de longe.
— Eu esqueço que você precisa se alimentar. – Ele comentou após alguns segundos em silêncio absoluto.
— Você não precisa comer?
— Não. Só queimar florestas. – E deu de ombros, desviando o olhar.
— Mesmo assim deveria experimentar. Principalmente as coisas doces.
— Então você gosta de doces?
— Sim. Olha! – Por coincidência passavam em frente a uma loja de doces e Ivy correu até a vitrine. — Parecem deliciosos!
— Não corra desse jeito! – Kadi a alcançou rapidamente, mas não pôde deixar de repreendê-la.
— Eu já volto! – E antes que ele pudesse impedi-la, entrou na loja e começou a procurar por algum doce que parecesse ser o mais gostoso deles.
— Estamos com o tempo contado e você ainda fica aí agindo como uma criança. – Ele resmungou assim que ela saiu da loja com um saquinho de papel e um sorrisinho no rosto. — O que é isso?
— Doces! – Ela se aproximou mais dele e pediu que abrisse a boca, então colocou a tortinha de chocolate com frutas vermelhas e avisou que já podia mastigar. — E então? O que achou?
— É delicioso! – Um sorriso ganhou o rosto dele assim que sentiu o sabor do doce. — Mas o que deu em você para ficar comprando docinhos para mim agora?
— Nada. Só achei que fosse te ajudar a se sentir melhor. – Ivy deu de ombros e saiu andando na frente novamente, comendo os outros doces que havia comprado.
— Não devia ficar gastando suas moedas à toa. Eu não preciso me alimentar como você...
Mas assim que ela se preparou para dar uma resposta, ele fez com que se calasse.
— Mas obrigado. – E deu um selinho nela.
Ela estava pronta para brigar com ele e dizer que não era assim que devia agradecê-la, mas finalmente chegaram na ponte de madeira que levava ao castelo e foram obrigados a lidar com os guardas. Eles usavam armaduras prateadas que cobriam o corpo todo, menos os olhos. Possuíam lanças afiadas de ouro e escudos de diamante.
— Nós precisamos falar com o rei. É urgente. Ele está prestes a sofrer um ataque do reino vizinho. – Ivy se colocou na frente antes que Kadi falasse as coisas erradas ou fosse mal-educado, mas os guardas nem chegaram a respondê-la.
— Minha vez. – Kadi sussurrou e tomou a frente. — Digam ao seu rei que o Príncipe de Fogo está aqui e que quer falar com ele.
Ivy pensou que os guardas iriam ignorá-los outra vez, mas, por sobre os elmos, seus rostos pareceram empalidecer e um deles saiu correndo pela ponte em direção ao castelo. O mesmo guarda voltou após alguns minutos e pediu para que o acompanhassem.
Não que ela tivesse medo de altura, mas aquela ponte balançava demais e estava muito longe do chão para o gosto dela. Por sorte haviam cordas onde poderia se segurar para não perder o equilíbrio. A mesma vertigem que sentiu ao sair do portal estava tomando conta dela outra vez e estava rezando para que atravessassem logo a ponte antes que acabasse desmaiando ali mesmo.
...
O guarda os guiou pela ponte. Depois passaram por mais dois guardas que protegiam os portais de entrada do castelo, por fim, atravessaram o pátio principal e seguiram na direção da sala de recepção.
— O Rei Gordon os aguarda atrás dessas portas. – O guarda fez uma reverência, abriu as portas e assim que entraram, se retirou.
— Sejam Bem-Vindos a Malibur! – Um homem completamente coberto pela armadura negra que vestia estava sentado no acento principal de uma enorme mesa redonda. — Sentem-se, por gentileza.
— Kadi... Tem algo errado... – Ivy falou em voz baixa e ele se virou para ela, confuso.
— Não acho que... Ivy?
— Não com ele. Comigo. – Foi só dizer isso e a garota simplesmente desabou em seus braços, inconsciente.
— Ivy!! Lady Ivy, fale comigo! Acorda! – Ele a segurou bem a tempo e foi obrigado a carregá-la, já que não acordava de maneira nenhuma. — Majestade, receio que teremos de nos falar outra hora. Minha amiga está precisando descansar. A viagem foi muito exaustiva.
— Pode deixá-la em um dos quartos do castelo. Mandarei minha curandeira de confiança cuidar dela. – Com isso, Gordon estalou os dedos e dois guardas apareceram para levá-la. — Pode deixá-la ir com eles.
— Não. Eu vou levá-la e só voltarei aqui quando souber que está melhor. Sinto muito, Majestade, mas não posso deixar que outros homens a levem. – O tom sério do príncipe surpreendeu até a ele mesmo. Não sabia porque estava agindo assim.
— Eu entendo. Ela é apenas sua amiga mesmo ou algo mais? – O Rei não pôde deixar de questionar ao notar o olhar do rapaz que dizia ser o Príncipe de Fogo, sua antiga criação.
— Ela ainda não sabe, mas podemos acabar nos relacionando. – Kadi deu um risinho zombeteiro que sentia que deleitaria o rei e seguiu com os guardas na direção dos quartos.
O príncipe adentrou o quarto com ela ainda nos braços e a deitou na cama. O castelo de Malibur era todo construído com pedrarias vermelhas, assim como a vila. Os corredores não eram muito decorados, mas possuíam alguns quadros e tapetes. Os quartos possuíam poucos móveis, mas os que tinham eram luxuosos, confortáveis e bonitos.
A curandeira chegou logo em seguida e Ivy ainda não havia acordado, pelo contrário, parecia estar tendo algum tipo de pesadelo. A mulher já era de idade, mas parecia saber o que estava fazendo. Sentou-se ao lado da cama e preparou alguns vidrinhos, enchendo-os com líquidos coloridos e perfumados.
— O que é isso? – Kadi não conseguiu deixar sua curiosidade de lado.
— São incensos mágicos. Sua namorada está tendo algum tipo de sonho-visão e eles irão ajudá-la a se conectar melhor.
— Mas ela está bem? – Ele sabia que provavelmente ela estaria conversando com Lisandra pelos sonhos, mas não pôde ignorar a preocupação.
— Ela vai ficar bem. O senhor deveria ir falar com o Rei. Ele está começando a desconfiar de que o senhor não é quem diz ser.
— Não posso deixar ela...!
— Vá. Eu ficarei aqui e cuidarei da moça. O senhor tem assuntos mais importantes para resolver agora. Se o Rei Gordon não acreditar no que diz, mandará matar você e a garota.
Kadi encarou a mulher por um longo tempo, mas a ameaça presente em sua voz fez com que sua autoconfiança balançasse um pouco. Sentou-se ao lado de Ivy, soltou um suspiro profundo e, antes de sair do quarto, deu-lhe um beijo na testa.
Agora precisava encarar seu criador e provar para ele que era mesmo a aberração que ele criou.
...
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top