Capítulo Quatro

Theodoro Vinro:

O silêncio pesado nos envolvia enquanto voltávamos para casa, cada um mergulhado em seus próprios pensamentos. Assim que entrei em meu quarto, senti um peso em meu peito ao pensar em Luke e na assustadora mulher-cobra.

Deitei-me na cama, incapaz de afastar da mente as imagens da criatura e o medo que ela havia instilado em mim. Quem era ela? Por que estava no depósito? E, o mais importante, o que mais ela era capaz de fazer?

Enquanto ponderava sobre essas questões, uma sensação de inquietação me dominava. Sabia que aquela noite tinha mudado algo dentro de mim e estava determinado a descobrir o que estava acontecendo antes que fosse tarde demais.

Fiquei a noite toda pensando e olhei para ver que já estava amanhecendo quando dei por mim. Simon já estava ao meu lado com um sorriso como sempre.

— E aí, como foi sua aventura com a Manu e o Raymon? — Ele disse e se jogou em cima da cama.

— Foi uma confusão de noite — Falei, peguei o livro e fiquei olhando.

— Então foi uma noite difícil? — Simon perguntou. Olhei para ele, sabendo que era assim que as coisas acabavam sendo entre a gente.

Lembro como foi a primeira vez que conversamos, logo após ele brigar com outros fantasmas sobre quem iria infernizar o monitor responsável pelos alunos. O ganhador seria decidido se conseguisse me assustar; alguns me deram nome de garoto estranho que nunca tem muito medo.

É complicado quando até os fantasmas dizem que você é alguém um pouco estranho. Mas aquilo trouxe algo bom: Simon sempre que podia vinha conversar e acabou se tornando meu melhor amigo, isso aconteceu há dois anos.

— Estou bem — respondi. Contar sobre o que aconteceu no clube, nada seria muito animador, além de que ele não poderia fazer nada. — Pelo menos ainda estou vivo.

Ele soltou uma risadinha, mas ficou em silêncio olhando para o livro enquanto eu passava as pontas dos dedos pelas páginas e novamente vinha a dor de cabeça.

Uma mulher colocou a cabeça para dentro do meu quarto com um sorriso, Simon acenou para ela e simplesmente levantei os olhos preguiçosamente.

— Theo, sabia que os outros estão dizendo que você causou uma confusão no clube que sua amiga te levou para o encontro duplo? — Ela disse entrando no quarto e me olhou animada. — Me conta como foi o encontro? Ele foi um cavalheiro?

Realmente, os fantasmas do campus são fofoqueiros, mas não os culpo por isso; afinal, parecia ser sua única diversão em ter que ser invisíveis para os demais.

Peguei o celular e vi as horas, levantei num pulo da cama.

— Sinto muito, tenho que ir a um lugar — Falei. — E também já rejeitei o garoto.

Ambos os fantasmas soltaram suspiros dramáticos, mas Simon riu segundos depois.

Com um aceno rápido, saí do quarto e me apressei pelo corredor, sentindo o olhar curioso dos outros fantasmas que se esgueiravam pelos cantos. Era como se toda a escola estivesse ciente da minha vida, até mesmo os espectros que não costumavam se intrometer.

Desci as escadas e saí para o ar fresco da manhã, deixando para trás a atmosfera carregada de mistério e fofoca do dormitório. O sol começava a iluminar o céu, pintando-o com tons suaves de laranja e rosa, e eu me senti um pouco mais calmo, mais centrado.

O encontro no clube e o encontro duplo pareciam agora distantes, como se pertencessem a uma realidade paralela. Minha mente estava totalmente absorvida quando notei um gato cinza encostado em uma sombra, me olhando calmamente. Fui até sua direção e o mesmo sumiu novamente nas sombras, então me sentei em um banco. Deve ser apenas um fantasma de um gato que estava se divertindo. Já havia visto animais fantasmas que pareciam permanecer neste plano por quererem ficar ao lado dos donos ou esperando que eles fizessem a passagem, ou talvez não tiveram uma boa vida.

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Fui até a loja onde trabalho e abri a porta da frente, vendo os outros funcionários começando a trabalhar. Era meu dia de folga, mas pelos menos esse lugar era calmo para que pensasse um pouco melhore. Ao longe, vi a mãe da Manu tomando seu café ao lado da filha, do esposo e de dois outros colegas. Pelo jeito, a Manu deve ter contado o que aconteceu ontem. Estava prestes a voltar para o lado de fora quando vi um garotinho flutuando na minha direção.

— Irmão — O garotinho disse e sorriu. Ele foi um dos primeiros fantasmas que ajudei quando comecei a vê-los. Ele queria um amigo para poder brincar e mesmo assim ficou. — Eles estão falando de você! — Fez beicinho. — Estão muito preocupados com o que aconteceu ontem naquele clube.

Me sentei meio distante para conversar com ele.

— O que disseram? — Perguntei.

— Que você não deixou o tal Luke se aproximar e o rejeitou de primeira — Ele disse como se fosse um segredo.

— Ah, entendi — respondi, tentando disfarçar minha surpresa. Era estranho pensar que os fantasmas também se envolviam nas fofocas dos vivos. — E o que mais estão falando?

O garotinho balançou a cabeça, como se estivesse pensando.

— Ah, também estão dizendo que você parecia assustado com alguma coisa no clube. E que estava estranho até irem embora, mas ninguém sabe direito o que aconteceu.

Engoli em seco. Parecia que a história estava se espalhando mais rápido do que eu imaginava.

— Obrigado por me contar, amigo. E não se preocupe, tudo vai ficar bem — tentei confortá-lo, embora no fundo não estivesse tão certo disso.

O garotinho sorriu e depois flutuou para longe, provavelmente em busca de outras coisas para fazer.

Quando levantei os olhos ao longe, vi o gato cinza, mas minha visão foi tampada quando os pais de Manu surgiram à minha frente.

— Theo, querido, como você está? — perguntou a mãe de Manu com um sorriso acolhedor.

— Estou bem, dona Clara, obrigado — respondi, forçando um sorriso.

O pai de Manu, ao lado, parecia mais sério. Ele colocou uma mão em meu ombro.

— Escute, Theo, se precisar conversar sobre qualquer coisa, estamos aqui para você, ok?

Assenti, grato pelo gesto deles. Mas era um certo incômodo como eles me protegem demais para me enturmar desde que nos conhecemos e a Manu não era diferente.

— Obrigado, senhor Mason. Agradeço mesmo.

Eles assentiram e, com um último olhar de preocupação, se afastaram em direção à loja. Eu fiquei ali parado por um momento, pensando em tudo o que estava acontecendo.

Quando finalmente voltei a olhar para onde o gato cinza estava, ele já tinha desaparecido novamente nas sombras. Decidi deixar esses pensamentos de lado por enquanto e me concentrei em meu trabalho, mas uma sensação de inquietação continuava a me acompanhar o restante do dia.

Os fantasmas estavam murmurando ao redor e me vi pensando como estava uma loucura tudo aquilo. Então, pensei em ir para a biblioteca da cidade. Isso me fez lembrar da minha avó e de como sempre estávamos indo à biblioteca por minha causa, para ler livros. Se dependesse dela, nunca iríamos a esse lugar.

Me sentei na primeira mesa vazia que encontrei e peguei alguns livros de história de fantasia. Queria acalmar a mente.

Enquanto folheava os livros, uma sensação de inquietação começou a se infiltrar em minha mente, como se algo estivesse observando por sobre meu ombro. Ignorando a sensação, mergulhei nas páginas cheias de magia e aventura, tentando escapar dos murmúrios inquietantes que ainda ecoavam ao redor.

No entanto, à medida que me aprofundava nas histórias, os murmúrios pareciam se intensificar, tornando-se quase audíveis, como sussurros sibilantes de uma presença oculta. Meus olhos saltavam das palavras para os cantos sombrios da biblioteca, mas nada além do silêncio e da quietude habitual preenchia o espaço.

Uma arrepiante sensação de que algo estava se aproximando lentamente se apoderou de mim, fazendo meu coração disparar com medo. Com um sobressalto, virei-me para ver uma figura espectral pairando atrás de mim, seus olhos vazios fixos em mim com uma intensidade perturbadora.

— Quem é você? — sussurrei, minha voz vacilando com a incerteza.

Mas a figura apenas sorriu, um sorriso que enviou arrepios pela minha espinha, antes de desaparecer na escuridão da biblioteca, deixando para trás apenas um eco sussurrante de sua presença.

Meu coração batia descompassadamente enquanto eu tentava recuperar o fôlego, a sensação de que algo sinistro pairava no ar me deixava cada vez mais inquieto. Rapidamente, fechei os livros e me levantei da mesa, decidido a deixar aquele lugar sombrio para trás.

Ao me virar para sair, deparei-me com uma estante de livros antigos, iluminada por uma luz fraca e trêmula. Curioso, aproximei-me cautelosamente, sentindo uma estranha atração pelos volumes empoeirados que ali descansavam.

Então, um dos livros pareceu chamar minha atenção de forma irresistível. Seu couro desgastado e suas páginas amareladas pareciam pulsar com uma energia sobrenatural. Estendi a mão tremendo e o peguei, sentindo uma corrente elétrica percorrer meu corpo quando meus dedos tocaram sua capa.

Com uma hesitação palpável, abri o livro e uma luz brilhante irrompeu de suas páginas, envolvendo-me em seu fulgor. E, no momento seguinte, fui consumido por uma escuridão total, mergulhando em um abismo de mistério e terror que eu mal podia compreender.

A voz ecoou na escuridão, cortante e sinistra, fazendo meu coração gelar de terror. As mãos feitas de petróleo emergiram, envolvendo-me em um aperto sufocante enquanto eu lutava desesperadamente para me libertar.

— Quem é você? O que você quer? — gritei, minha voz ecoando no vazio ao meu redor.

Mas a figura permaneceu oculta nas sombras, sua presença opressora enchendo o espaço ao meu redor.

— Você entrou em meu domínio, tolo mortal — a voz sussurrou, carregada de um mal indescritível. — E agora, você é meu.

Um arrepio de puro horror percorreu minha espinha quando percebi que caíra em uma armadilha mortal. Eu estava completamente à mercê dessa entidade sombria, sem esperança de escapar de seu terrível destino. Estava com o saco cheio e olhei para a criatura. Sem pensar duas vezes, mordi uma das mãos que se fecharam sobre minha boca e ouvi-a gritar de dor. Em seguida, caí no chão com as mãos se afastando e o monstro começou a gritar. Vi o vislumbre de algo atacando com força e, quando reparei, estava de volta à biblioteca, limpando a boca com o gosto ruim que aquela coisa tinha.

Ofegante e tremendo, olhei ao redor da biblioteca, ainda atordoado pelo que acabara de acontecer. A escuridão havia desaparecido, substituída pela tranquilidade silenciosa do local familiar.

Meu coração ainda batia com força, mas agora eu estava seguro. Agradeço a sorte por ter escapado daquela situação aterrorizante. No entanto, o que eu enfrentara não desapareceria facilmente de minha mente.

Levantei-me com dificuldade, sentindo-me fraco e exausto. Decidi que era hora de ir para casa, deixar esse incidente para trás e tentar encontrar alguma normalidade em minha vida novamente.

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Gostaram?

Até a próxima 😘

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