𝒐𝒏𝒍𝒚 𝒄𝒉𝒂𝒑𝒕𝒆𝒓.

HITS DIFFERENT |
(RE)CONTO DE FADAS

ATO 1.

Era uma vez, em um bonito castelo escocês, dois jovens apaixonados; chamavam-se Belle e Remus, e conheciam-se já há muitos anos quando revelaram seus sentimentos. Ela o amava ardentemente, mas não podia aguentar viver nas sombras a respeito dos segredos que o rapaz escondia.

E então, diferentemente dos contos de fadas, a história dos dois acabou por ali, e nenhum deles viveu feliz para sempre.

Belle o via em todo lugar, mas Remus não estava em lugar nenhum.

Ela se lembrava dele quando olhava para os alunos da Grifinória, e se lembrava dele ao ouvir as músicas que tocavam naquela festa. “Essa era a nossa música”, ela dizia às amigas a cada vez que uma nova canção era iniciada. Lembrou-se dele quando um rapaz alto esbarrou em um de seus ombros, mas sabia que ele pediria desculpas em seu lugar. Lembrou-se dele ao ver os movimentos desajeitados de outro garoto na pista de dança, mas sabia que ele jamais dançaria com ela em meio às multidões. Lembrou-se dele quando jurou ter visto seu vulto do outro lado do salão, mas sabia que ele não estava ali.

━ Ele tinha um chapéu como aquele, vocês se lembram? ━ ela perguntou, com a voz mais alta do que o necessário, apontando para a cabeça de um dos colegas de turma, fazendo as amigas revirarem os olhos. ━ Eu odiava aquele chapéu ridículo.

Mary não tinha certeza se já havia visto Remus usar um chapéu uma única vez em sua vida, mas Belle insistia que sim, e ela não iria a contrariar. Tudo a lembrava dele porque ele era tudo o que habitava sua mente. Tudo que ocupava seus pensamentos. Tudo o que ela desejava ter. Tudo o que ela já havia tido e, agora, já não tinha mais. Com cuidado, ela segurou os ombros de Belle, olhando-a fixamente e fazendo seus movimentos ao ritmo da música cessarem devagar.

━ Belle, você precisa esquecê-lo ━ ela afirmou. ━ Já fazem meses que vocês terminaram, e já está na hora de deixar isso no passado. Está corroendo você!

━ Mary tem razão, Bells. Remus nem mesmo está aqui, e você fala sobre ele o tempo todo. Você pensa tanto nele que nem mesmo percebe as outras pessoas que adorariam te dar toda a atenção que você precisa ━ foi a vez de Alice dizer, tombando a cabeça levemente para a esquerda. Quando Belle olhou para onde seu gesto apontava, encontrou um rapaz piscando em sua direção, e não foi capaz de conter a expressão de julgamento. ━ Tudo bem, ele não é a pessoa mais interessante do mundo, mas é bonito e poderia te divertir.

━ Bom, eu jamais sairia com alguém tão grosseiro e burro, e me ofende o fato de você considerar essa possibilidade ━ Belle assegurou, unindo as sobrancelhas enquanto as bochechas queimavam. Ela cruzou os braços. ━ Me desculpem se eu estou incomodando vocês, é só que não é como se eu pudesse controlar os meus sentimentos. Acreditem em mim, se eu pudesse tirar todo o amor que sinto por aquele idiota do meu coração, eu tiraria!

Mary e Alice trocaram um olhar, e a primeira finalmente soltou os ombros de Belle, agora descendo as mãos para descruzar os braços da amiga e segurar suas mãos entre as suas.

━ Belle, o amor é uma mentira! ━ aquele era o tipo de coisa que Belle ouvia o tempo todo, como uma tentativa de seus amigos para consolar seu coração despedaçado. Repita uma coisa muitas vezes, e você começará a acreditar. A mentira se torna verdade quando você confia que é real. ━ Você pode me lembrar o motivo de vocês terem terminado?

Ela engoliu em seco, desviando o olhar disfarçadamente. Não era como se fosse necessário relembrar alguém do motivo do término, porque não era algo que se esquecia com facilidade. Ainda mais quando Belle passava todo o tempo remoendo os acontecimentos que levaram ao fim, desejando que as coisas fossem diferentes e o fim nunca tivesse chegado. Ela até tentou ignorar por um tempo, mas os sumiços sem explicação de Remus tornaram-se demais para que Belle pudesse suportar; se não havia confiança por parte do rapaz para lhe dizer o que estava acontecendo, sua própria confiança nele começava a diminuir.

Ele tentava justificar sua ausência. Dizia ter problemas familiares. Problemas de saúde. Dizia ter muito dever de casa ou ter muitas detenções para cumprir. Às vezes, perdia-se nas próprias mentiras. Gaguejava e percebia que ela não estava acreditando em uma única de suas palavras, mas aquilo nunca foi o bastante para fazê-lo querer contar a verdade. Mas quando Remus dizia que a amava, Belle acreditava e derretia-se por suas declarações, porque nada nunca pareceu tão verdadeiro.

Estúpida. Era o que ela era.

━ Sabe, Belle, quando ele sumia e não te contava os motivos, coisa boa não podia ser… ━ Alice voltou a falar, lançando um olhar simpático para a amiga, que encarava o chão. ━ E isso acontecia com certa frequência. Você não acha isso suspeito, no mínimo?

Belle não podia discordar; foi por suspeitar tanto dos sumiços de Remus que decidiu dar um fim à relação. Suas amigas nunca diziam em voz alta, mas ela sabia o que todas achavam: que ele estava a traindo com outras, e nunca teve a intenção de parar. Que ele preferiu manter suas relações com múltiplas garotas e deixá-la ir embora do que ser honesto e leal para que ela permanecesse. Era o que ela acreditava também, e o que mais temia descobrir.

Onde ele estava agora, afinal? Hogwarts inteira deveria estar naquela festa, mas ele não cruzou seu caminho uma única vez.

Seu estômago embrulhou ao pensar que ele deveria estar com uma outra garota. Mary franziu o cenho ao vê-la ficar pálida, e Belle rapidamente soltou suas mãos e agarrou a saia longa para que não ficasse em seu caminho enquanto corria pelo grande salão, fazendo o possível para desviar dos corpos dançantes em seu caminho até o banheiro feminino mais próximo. Ao entrar em uma das cabines, ela logo caiu de joelhos em frente à privada, sentindo lágrimas rolando por seu rosto enquanto o nó em sua garganta tornava-se mais e mais difícil de conter.

Remus. Remus. Remus. Era tudo o que havia em sua mente, e tudo que seria capaz de balbuciar se alguém a perguntasse alguma coisa.

Remus. Remus. Ele estava em todo lugar, menos onde ela mais desejava: ao seu lado.

Remus. Ele deveria estar ao lado de outro alguém. Belle colocou para fora tudo o que havia comido naquele dia.

━ Belle? Está tudo bem? ━ a voz de Lily soou do lado de fora da cabine, e um soluço escapou da garganta de Belle. ━ Eu posso entrar?

━ Não ━ ela resmungou entre as lágrimas, sentindo-se patética e desesperada. ━ Ninguém pode.

Belle não conseguia sentir nada além de pena de si mesma por se encontrar naquela situação, por nunca ter sido capaz de seguir em frente e deixar o passado para trás. Ela não costumava encontrar tanta dificuldade naquilo; costumava ser desapegada e independente. Mas com Remus, tudo era diferente.

━ Me deixe entrar para ajudar ━ Lily insistiu, com as mãos apoiadas na porta da cabine.

━ Vá embora, Lily ━ ela suplicou, tentando impedir as lágrimas de escorrerem pelo rosto. ━ Por favor.

Sua tristeza catastrófica já havia acabado com a festa para Mary e Alice, e ela não precisava contaminar Lily também. Não precisava abrir feridas nas amigas só porque a sua nunca havia parado de sangrar.

ATO 2.

Era uma vez, em uma casa suja e assombrada, um rapaz que habitava o corpo de uma fera, e uma fera que habitava o corpo de um rapaz. Ele desejava livrar-se dela, mas estavam intrinsecamente ligados, e o fim de um, seria também o fim de outro. Então, o rapaz e a fera viveram juntos por muitos e muitos anos, mantendo aquele segredo tão terrível por quanto tempo fosse possível o esconder.

O rapaz pensou que a fera fosse impedi-lo de encontrar o amor, até que conheceu uma bela garota. Mas seu segredo foi demais para a jovem, e quando ela o deixou, o rapaz teve certeza de que a fera seria seu fim, mas ficou em paz ao perceber que, quanto mais longe sua amada estivesse, melhor seria para ela. Assim, a fera não poderia feri-la também.

Havia um garoto que sabia de toda a verdade, e não simpatizava minimamente com ela. Não gostava do rapaz, e menos ainda da fera que ele escondia; um dia, após ser atraído por outro colega, Severo Snape acabou na Floresta Proibida, frente a frente com uma besta indomável que, por pouco, não ceifou sua vida. Para piorar, quem o salvou foi alguém com quem ele simpatizava  ainda menos do que todos os outros, e aquilo o fez desejar que tivesse sido morto pela criatura antes que Potter chegasse para o salvar.

Por isso, ele desejava se vingar, e provocar naquele grupo de rapazes o mesmo sofrimento que causaram nele em todos aqueles anos. A dor, a humilhação, o sentimento de insuficiência. Ele viu Belle correr para fora do salão onde a festa acontecia, e encontrou no motivo de sua tristeza a oportunidade perfeita.

Severo a aguardou deixar o banheiro, escondido nas sombras enquanto observava Lily Evans sair do mesmo local, aborrecida. Quando se aproximou da porta, ouviu soluços e pensou que talvez a Murta tivesse encontrado uma competição à altura. Após alguns minutos de espera — ele já começava a ficar impaciente —, Belle finalmente saiu do banheiro, com os olhos e o nariz avermelhados, os lábios trêmulos e o semblante entristecido. Era sua hora de agir.

━ Está assim por causa dele ━ ele disse, antes que ela notasse sua presença, assustando-a. ━ Por culpa de Lupin, é claro, e seus sumiços repentinos.

━ E por que isso seria da sua conta?

━ Bom, eu sei o que ele esconde, ao contrário de você ━ ele retrucou, enrugando o nariz. ━ Então, talvez não seja da sua conta, afinal.

Os olhos da garota se arregalaram levemente e ela trincou os dentes, endireitando a postura. Pobre criatura, Severo pensou; tão desesperada e não sabia disfarçar. Ele sorriu discreta e sombriamente, vendo-a se aproximar.

━ E o que é que ele esconde? Aonde vai quando desaparece?

━ Ah, não sei se devo contar, Belle. Vocês dois não estão mais juntos, então ele não deve satisfações a você ━ Severo disse, na tentativa de instigá-la ainda mais. Ele temeu falhar; Belle costumava ser uma garota inteligente, mas ele sabia bem o poder do amor de emburrecer o mais sábio dos bruxos. ━ Mas… Você merece saber, não merece?

━ É claro que sim. Ele escondia coisas de mim quando ainda estávamos juntos, e se você sabe de algo, tem que dizer a mim!

Ele encostou um dos ombros à parede de pedras ao seu lado, analisando o rosto de Belle. Havia determinação em seus olhos, mas um reflexo de medo iluminava o fundo deles. Ela queria saber a verdade, mas temia a descobrir. Patética. Severo soltou um suspiro, como se estivesse se dando por vencido, e Belle elevou uma das sobrancelhas.

━ Vá até a Casa dos Gritos, e descobrirá tudo o que ele sempre escondeu de você ━ disse, com a voz perigosa como o sibilo de uma serpente, mas Belle estava enfeitiçada demais pelos sentimentos por Remus para notar. ━ Posso ajudá-la a chegar até lá, para que não precise atravessar a Floresta Proibida… Há uma passagem no Salgueiro Lutador.

Algo em seu âmago lhe dizia para não acreditar em Severo; um arrepio em seu corpo praticamente gritava para não cair em suas armadilhas. Mas Severo não estava mentindo, ela era capaz de dizer. Ele sabia de alguma coisa, e agora estava se dispondo a ajudá-la a descobrir, provavelmente não por um bom motivo. A relação entre Snape e Lupin nunca foi amigável e não era um segredo, e Belle concluiu que, fosse lá o que Severo estivesse planejando, seria pior para Remus do que para ela e, por isso, decidiu acolher suas palavras e aceitar suas instruções.

Queria machucar Remus ao descobrir o que ele escondia como ele a havia machucado ao esconder tantos segredos.

Uma batalha moral foi travada consigo mesma enquanto seguia Severo Snape para os jardins do castelo, sentindo o vento frio contra sua pele e ouvindo o farfalhar das folhas das árvores. A Casa dos Gritos sempre havia sido um mistério; ninguém sabia dizer o que havia lá, porque todos tinham medo demais para adentrarem-na e descobrir. Fazia sentido para Belle que fosse ela o local utilizado por Remus para praticar suas atividades secretas, fossem elas quais fossem; ele sempre havia sido mais corajoso do que todos os outros, e se alguém não se assustaria pela fama da casa mais assombrada da Grã-Bretanha, ela sabia que esse alguém seria Lupin.

Agora, ela estava prestes a encontrá-lo naquele local.

O Salgueiro Lutador deixou de lutar quando Snape apontou sua varinha para ele e murmurou um feitiço rapidamente, e no escuro, Belle quase foi incapaz de encontrar a passagem. Quando seus olhos a encontraram, ela lançou um último olhar desconfiado a Severo, que apenas estendeu uma das mãos em direção à passagem. Segurando o vestido e a própria varinha, ela pulou, caindo em uma escuridão que se estendeu por alguns metros.

Remus. Remus. Remus. Ela o amaldiçoou. Amaldiçoou o lugar que estava. Amaldiçoou o dia em que o conheceu. Amaldiçoou todos os fatores que contribuíram para colocá-la naquela situação.

O choque de seu corpo contra o chão fez um baque alto ecoar e ela gemeu levemente de dor ao olhar em volta. Semicerrou os olhos, avaliando com cuidado a passagem que parecia uma infindável caminhada adiante e se levantou, começando a dar passos cuidadosos por toda a extensão do túnel irregular. Belle andou por longos minutos, em silêncio, olhando para cada canto do local e estudando-o. Qual era o motivo da existência daquele túnel? Quem o havia criado?

Finalmente, ela chegou ao tão temido lugar, sem encontrar nada de muito alarmante; era apenas uma velha casa de madeira, empoeirada, sem muitos móveis e de aparência inabitável. Não havia ninguém à vista, exceto por um pequeno rato que correu por um buraco na parede quando ela o encontrou.

━ Remus? ━ ela chamou em um fio de voz, engolindo em seco. Embora não houvesse nada na Casa dos Gritos, sua atmosfera ainda era assustadora, e quanto mais tempo passava ali, mais nervosismo Belle sentia. Ela notou arranhões. No chão, nas paredes, nos móveis. Manchas de sangue que ela não havia reparado à primeira vista logo dominaram sua atenção. ━ Há alguém aí?

Sem resposta.

Por um lado, Belle agradeceu por Remus não estar ali. Por outro, voltou a amaldiçoar sua existência.

Ela não tinha escolha, agora, a não ser explorar o local. Havia trilhado um longo caminho até ali, e não desistiria tão fácil.

A madeira rangeu sob seus pés ao descer as escadas, ainda encontrando-se sozinha na Casa dos Gritos. Seria uma mentira de Severo? Belle nunca havia feito nada para ele e não havia motivo para lhe pregar uma peça como aquelas; ainda assim, ela não conseguia pensar em nada que pudesse atrair Remus — e outras garotas apaixonadas — até aquele local. Certamente haviam lugares melhores para encontros às escondidas, se era o que desejavam, e sua confusão aumentou mais a cada segundo.

━ Droga, Severo ━ ela praguejou, com a voz baixa, agora com os olhos presos à porta da casa. As janelas estavam todas tampadas e ela não podia ver nada do lado de fora; talvez, Remus estivesse nos arredores da propriedade, ela pensou. Assim, caminhou até a porta e girou a maçaneta, sentindo-a emperrar ao ser puxada. Belle fez um pouco mais de força, e dessa vez, a porta se abriu por completo. ━ É claro… Ele deve estar em Hogsmeade. Em algum bar ou coisa parecida.

Abaixo da grande colina, a muitos metros de distância e além da pequena cerca, ela conseguia ver as pequenas casas do vilarejo. Com um suspiro, Belle deu alguns passos no lado de fora da Casa dos Gritos, observando a floresta densa que se estendia aos seus lados, e abraçou o próprio corpo ao sentir o vento frio o atingir. Sentiu um nó se formar na garganta ao se dar conta do que estava fazendo; quando é que ela havia se tornado uma pessoa tão obcecada? Por que ela estava indo atrás de alguém que claramente não queria encontrá-la?

Um uivo soou de repente e fez todos os seus pelos se eriçarem, e Belle arregalou os olhos ao perceber que o som não era originado muito longe dali, e por alguns segundos seu corpo permaneceu imóvel, enquanto a varinha era apertada firmemente contra seus dedos finos e trêmulos. A curiosidade, com frequência, levava à problemas, e ela teve certeza que era o que aconteceria consigo se permanecesse ali.

Mas não foi embora. Não, pois algo a fez ficar, e ao invés de entrar de volta na casa e se trancar, ela escolheu fazer o contrário, dando alguns passos mata a dentro, envolta pela névoa de mistério. Havia algo ali que ela precisava descobrir. Algo que a chamava e atraía. Um sentimento crescente de anseio que dominava todo seu corpo.

Tudo aconteceu rápido demais e, de alguma forma, Belle conseguiu registrar cada movimento. Uma figura estranha e bestial surgiu em meio às árvores; era uma silhueta magra, alta e curvada, com olhos predadores e garras afiadas. Possuía um focinho alongado, ela foi capaz de dizer, e uma pelagem rala e fina cobria seu corpo cinzento. Em alguns pontos, assemelhava-se a um lobo. Em outros, era um homem. Aquela fera desconhecida avançou sobre seu corpo, e em um pulo, derrubou-a no chão com um arquejo de dor.

Os primeiros instintos da garota foram gritar e fechar os olhos com força ao ter certeza de que havia encontrado sua morte. O lobo rosnou, próximo demais de seu rosto, e ela arfou ao sentir suas garras quase fincando-se em sua pele. O ar soprado por sua respiração batia em seu rosto e misturava-se à sua, e quando olhou para cima, evitando encontrar os olhos da fera, a garota encontrou a lua cheia resplandecente no céu escurecido pelo véu da noite.

Lobisomem. Uma fera. Uma besta. Uma criatura classificada pelo Ministério da Magia como de nível XXXXX. Assassina de bruxos. Indomesticável.

━ Remus ━ ela chamou uma última vez, esperando que, como mágica, ele pudesse aparecer por ali e então engoliu um soluço ao perceber que, talvez, suas últimas palavras fossem ser o seu nome. ━ Remus…

Belle gritou mais uma vez ao sentir o peso sobre seu corpo ser arremessado para longe, e encontrou um cervo enfrentando bravamente a criatura, que uivava e rosnava a cada ataque. Ela soube naquele instante que aqueles sons dominariam todos os seus pesadelos se fosse capaz de sair de lá com vida, e entre tropeços e soluços, foi capaz de se levantar. Deu um pulo para trás ao quase pisar em um rato, talvez o mesmo que havia visto antes, e voltou a cair para trás quando ele se transformou diante de seus olhos.

O rato agora era humano, e um humano conhecido por Belle. Seus cabelos eram louros como palha. Seus olhos eram azuis e fundos no rosto. Sua pele era branca, pálida, e seu semblante estava assustado quando estendeu ambas as mãos para puxá-la para cima.

━ Você não deveria estar aqui, Belle ━ ele murmurou, levantando-a e praticamente arrastando-a para o interior da Casa dos Gritos. ━ É perigoso demais.

━ Entretanto, você está aqui ━ ela retrucou, com a voz fraca e falha, e quando Pettigrew fechou a porta atrás dos dois, engoliu em seco. Logo, uma força a empurrou e, temendo que a porta se abrisse novamente, o rapaz jogou a garota em um pequeno cômodo que se assemelhava a uma despensa, trancando-a lá dentro. ━ Peter!

Suas mãos em punho bateram-se contra a madeira velha da porta, e sem obter qualquer tipo de resposta aos seus protestos, ela supôs que Pettigrew já devia estar bem longe dali. Quando procurou por sua varinha, se deu conta de que a havia perdido ao ser atacada na entrada da floresta. Mais uma vez, ela socou a porta e implorou para sair, sabendo que ninguém a ouvia, e quando deu fim aos seus esforços, apoiou as costas contra uma parede e se arrastou para baixo até sentar-se no chão, incapaz de enxergar mais do que um palmo à sua frente. Ela encarou o escuro enquanto a única coisa que podia ouvir era sua respiração falha.

Onde ela havia se metido? Seria aquele seu final? Presa em um armário de vassouras, sem que Peter, a única pessoa que sabia que ela estava ali, voltasse para a resgatar após possivelmente morrer nas garras de um lobisomem? Snape a havia enviado para a toca do lobo, e certamente não sairia em seu resgate. E Remus. Ela não havia visto Remus em lugar algum. Mas as coisas ainda não se encaixavam, e ela estava ainda mais confusa do que no início daquela noite.

Com Remus, tudo era diferente.

Ela nunca se humilharia daquela forma por outro alguém. Agora, estava ali. Longe de tudo que conhecia, distante de todos, perdida em uma casa assombrada em que ninguém jamais ousaria procurá-la. Sozinha e indefesa, com um lobisomem à espreita. Tudo porque amou um rapaz e desejou o punir por enganá-la e não se permitir ser seu.

Muitos diziam que o amor de uma mulher era a arma mais poderosa e perigosa que se podia conhecer. Belle não duvidou que aquilo fosse verdade, no entanto, o gatilho estava voltado diretamente para seu coração. Todo o amor que sentia por Remus se voltou contra si mesma, e agora a mantinha refém e prisioneira.

As memórias começaram a rondar sua mente. Conheceu Remus na biblioteca, e se aproximaram no mesmo local, compartilhando suas leituras. Como ela poderia prever, àquela altura, que aquele rapaz tão quieto e gentil poderia lhe causar tamanho sofrimento?

Ela empurrou o corpo para trás com força, tentando afastar os pensamentos, e mordeu o interior das bochechas quando sentiu a cabeça bater contra a parede. Um gemido de dor deixou sua garganta, e ela engoliu em seco antes de soltar um suspiro sôfrego, abrindo os olhos brilhantes e úmidos e virando a cabeça para o lado ao descansá-la sobre os joelhos dobrados.

━ Remus ━ ela murmurou, mais uma vez, o nome daquele que dominava seus pensamentos. Talvez ele a ouvisse e aparecesse para lhe salvar. Pela primeira vez naquela noite, ela soltou uma risada, surpreendendo a si mesma com sua ridícula esperança. Mas a risada era amarga, tão amarga quanto Belle se sentia, e não durou muito tempo. Logo, seu rosto ficou sério mais uma vez, e seus olhos arregalaram-se levemente sob as sobrancelhas unidas. ━ Remus…

Aluado, Rabicho, Almofadinhas e Pontas.

Era como Remus e os amigos costumavam chamar uns aos outros. Ela nunca entendeu o motivo, e também nunca questionou; imaginou apenas que deveria ser uma brincadeira estúpida e antiga entre amigos, uma piada da qual ela não fazia parte.

Rabicho era como chamavam Peter. Peter era um rato, com uma cauda comprida que se balançava pelos lados. James era chamado de Pontas, e um cervo com chifres longos e pontudos estava do lado de fora da Casa dos Gritos. Sirius era Almofadinhas, e ela ainda não sabia o que aquilo significava.

Mas Remus… Remus era Aluado.

Ela não precisava o chamar esperando que aparecesse. Não precisava esperar que ele aparecesse para salvar sua vida. Não precisava chamá-lo para meramente a encontrar. Ele esteve ali o tempo todo.

Porque era o lobisomem.

Belle se levantou com pressa, com os pés embolando-se no maldito vestido que compunha sua fantasia. Agarrou a parede para se equilibrar, e quando se viu firme no chão, tentou controlar a respiração ofegante enquanto o coração batia rapidamente em seu peito, como uma bomba-relógio prestes a explodir. Ela não conseguia enxergar, mas tateou tudo ao seu redor em busca de algo que pudesse ajudá-la a sair dali; finalmente, ela percebeu que precisava.

Sentiu uma caixa sob suas mãos. Correu os dedos por sua extensão de forma cuidadosa, e percebeu que era grande o suficiente para ser pesada; assim, agarrou-a com força e levantou com facilidade, decepcionando-se pela leveza que, certamente, não seria o suficiente para forçar a porta a se abrir. Por um segundo, Belle quase foi capaz de sentir o sangue se aquecer dentro de si, e ao gritar um xingamento, arremessou a caixa com força ao chão, vendo-a se abrir após o barulho incômodo de madeira se quebrando ecoar pelo cômodo pequeno.

Um objeto de vidro rolou até seus pés, com um brilho hipnotizante emanando de seu interior, e Belle franziu o cenho ao se abaixar com cuidado para pegá-lo. Era como uma pequena vitrine, de formato ovalado e com a base dourada, mas não era aquilo o que mais lhe chamava a atenção; era a rosa, quase que totalmente sem pétalas, mas que ainda tinha sua beleza nefasta. Ela não compreendeu o que era aquilo, mas pareceu apropriado tratar o objeto com cuidado, vendo as pétalas caídas em sua base balançarem com leveza conforme a garota posicionava o artefato no chão ao seu lado.

Belle admirou a rosa e seu cabo com espinhos pelo resto da noite, e não foi capaz de dizer em que momento caiu no sono.

━ Ela está aqui ━ Peter murmurou, durante a manhã, e Belle abriu os olhos de repente ao ouvir sua voz. ━ Eu a tranquei aqui para que ficasse segura.

O tilintar de um metal a fez pensar que a chave havia caído no chão. Ela se levantou, sentindo o corpo dolorido, e aguardou por sua liberação.

━ Eu a machuquei? ━ dessa vez, foi a voz de Remus que perguntou, e embora Belle tivesse ansiado por aquele som por tanto tempo, sentiu também medo, pois sabia agora o que ele era de verdade. ━ Eu não me lembro do que houve, Peter…

━ Você a atacou. Pontas te empurrou para longe antes que fizesse alguma coisa pior ━ Peter respondeu. ━ Mas eu não acho que faria, Aluado. Ela chamava o seu nome várias vezes, e no fundo, eu acho que você entendia. Você poderia tê-la ferido se quisesse, sabe, mas não aconteceu.

Belle ofegou quando passou as mãos pelos pulsos, onde as garras da fera haviam se forçado contra sua pele, sem força o suficiente para furá-la, mas o bastante para que pequenos hematomas a dominassem. Ela engoliu em seco ao olhar para a porta, ouvindo o clique da chave na fechadura, e dispersou por um momento; por um bom tempo, ver Remus era tudo o que ela desejava fazer. Após a noite que passou, ela já não tinha tanta certeza se queria estar perto de alguém com tanto potencial de destruição.

O lobisomem em Remus não a machucou verdadeiramente, mas quem poderia assegurar o motivo? Eram seres sem consciência, e como disse Peter, James foi quem impediu que qualquer coisa além do ataque inicial pudesse acontecer.

Quando a porta foi aberta, os rapazes do outro lado a olharam surpresos, como se não esperassem encontrá-la desperta. Ela evitou o olhar de Remus, focando sua atenção em Sirius e Peter. Viu James descer as escadas do segundo andar, e não deixou escapar o pequeno sorriso desconfortável e fechado que lhe lançou em um cumprimento. Belle notou quando Remus engoliu em seco, assustado demais para se aproximar, mas suas mãos, que se estendiam e contorciam em sua direção, mostravam que ele desejava tocá-la.

Agora, ela não tinha certeza se permitiria.

━ Você… Você está bem?

━ Eu estou como você me vê ━ ela respondeu, a voz suave e os olhos inseguros. ━ Inteira. Mas estou assustada.

Quando Remus desviou seu olhar da garota, focou-o no chão, e encontrou a vitrine ovalada com a rosa resplandecente. Ele adiantou-se para a frente com pressa e preocupação, e quando se aproximou tão abruptamente, Belle deu um passo para trás, chocando as costas contra a parede, soltando um murmúrio assustado; Remus então pegou o objeto do chão, e ela quase se sentiu tão culpada quanto ele ao ver a tristeza em seus olhos, mas não foi capaz de controlar ou ignorar o medo.

━ Você sabe agora ━ ele concluiu, em um murmúrio.

━ Tive bastante tempo para pensar e descobrir o que você é. O que vocês são ━ ela confirmou, olhando para os garotos. Então, apontou com cuidado para o vidro nas mãos de Remus. ━ Mas não sei o que é isso que segura.

Os rapazes todos se entreolharam, e Belle engoliu em seco, agora com os olhos presos na figura enfraquecida de Remus. Alguns arranhões, pequenos filetes de sangue, e suas cicatrizes fizeram sentido. Ele parecia tão frágil, tão vulnerável… mas ela agora sabia que nada daquilo era verdade; sabia que ele era mais do que ameaçador.

━ Podemos conversar, Belle ━ ele disse, com a voz tão baixa que parecia ser possível de se quebrar. ━ Eu… Posso explicar a verdade à você agora que já a conhece.

Ela não respondeu. De alguma forma, não conseguia obrigar que as palavras se unissem de forma coesa em sua mente, e muito menos conseguia expulsá-las de seus lábios. Então, o encarou, com o mesmo olhar que um cervo assustado encararia seu caçador; os olhos do caçador em questão, porém, traziam o mesmo brilho de medo.

Mas Remus decidiu continuar, mesmo que não soubesse como, pois sabia que precisava. Sabia que após as descobertas da noite anterior, Belle merecia explicações; ele já havia colocado-a sob sofrimento o bastante por uma vida inteira, talvez, e aquilo o machucava ainda mais do que as dores da transformação. Era uma dor que os analgésicos de Madame Pomfrey não conseguiam alcançar para tratar, e não surgia apenas conforme a Lua Cheia se aproximava; era permanente e o acompanhava a todos os lugares, como a fera dentro de si.

━ A minha licantropia não funciona da forma como aprendemos com os livros, Belle. Quero dizer, eu fui, um dia, atacado por um lobisomem, mas as coisas não acabam aí ━ ele iniciou, vendo-a unir as sobrancelhas grossas em uma expressão de questionamento, ainda sem ousar se aproximar. Os amigos ao seu redor mantiveram-se em silêncio, sabendo que não eram participantes daquele momento entre os dois, e embora desejassem se afastar, sabiam que aquilo apenas serviria para assustá-la mais ainda. ━ Eu ainda era uma criança quando aconteceu. O meu pai estava fazendo alguns comentários bastante desagradáveis sobre lobisomens, e teve o azar de ser ouvido por um, que resolveu se vingar mordendo a mim, e isso já era o suficiente para mudar todo o rumo da minha vida. Mas não foi o suficiente para ele; de alguma forma, no fundo, acho que ele pensou que talvez estivesse me ajudando ao fazer o que fez depois da mordida, mas a raiva que sentia por meu pai bagunçou seus pensamentos…

━ Está divagando, Remus ━ ela murmurou, interrompendo-o brevemente, e ele assentiu, engolindo em seco.

━ Bem, além da mordida, ele também me lançou uma maldição, que pode também me curar para sempre. A rosa aqui dentro foi tirada do jardim de minha mãe, e simboliza quanto tempo me resta ━ voltou a falar, ainda não sendo o claro o suficiente, e viu quando Belle arregalou os olhos e cobriu a boca aberta em horror. ━ Oh, não é uma sentença de morte! Não, me desculpe. Sei que foi o que pareceu ━ ele disse, ainda que, em sua opinião, seu futuro próximo fosse ainda pior do que a morte. ━ Há uma cura. Tenho até a última Lua Cheia antes do meu aniversário de dezoito anos para encontrá-la, ou então…

Suas palavras foram levadas embora com o ar. Belle franziu o cenho, ansiosa e curiosa, com uma chama de esperança em seu peito ao ouvir sobre uma cura.

━ Ou então…?

Remus sentiu a mesma chama queimar em seu coração quando viu seus olhos brilharem; afastá-la havia doído tão profundamente que ele não era capaz de encontrar exemplos para comparar com o sentimento. Ele pensou que ela talvez o odiasse; ele pensava que era o que ela devia fazer. Mas quando se tratava de Belle, tudo era diferente.

━ Estarei fadado a passar a eternidade como uma fera, sendo lobisomem pela maior parte do tempo, e podendo assumir a minha forma humana apenas durante o dia que antecede a noite de Lua Cheia, do nascer ao pôr do sol.

A garota, ainda segurando os pulsos machucados para que ele não visse, deu um passo em sua direção, mudando de ideia antes que pudesse dar outro.

━ O seu aniversário é em um mês, Remus.

Ele assentiu, com um balançar quase doloroso de sua cabeça. Tudo doía; seus ossos, seus olhos, os cortes em sua pele. Talvez a forma permanente de lobisomem fosse livrá-lo daquela dor, ele tentava se convencer, afinal, nunca se lembrava do que acontecia quando era uma fera.

Mas, ainda que tentasse enxergar aquele lado bom para se consolar, sabia que perderia tanto quando o dia chegasse: seus amigos, sua família, seus estudos, seus sonhos.

Belle.

━ Mas você disse que há uma cura ━ ela lembrou, e com um sorriso triste, Remus assentiu.

━ Nunca conseguimos descobrir qual é ━ foi a vez de James murmurar, também afetado pelo assunto. ━ Todos os professores têm trabalhado em descobrir, e mesmo Hagrid já saiu em busca de lobisomens para investigar se algum deles sabia de algo… Mas não chegamos a lugar nenhum.

Belle respirou tão fundo que pensou que os outros ao seu redor pudessem ficar sem ar. Quando decidiu aceitar a sugestão de Snape para descobrir o que Remus escondia, ela havia pensado que aquilo pudesse ajudá-la a se curar por dentro e, de uma vez por todas, superar o rapaz que não desocupava seus pensamentos; não achou, em momento nenhum, que fosse sair da Casa dos Gritos ainda mais arrasada do que estava ao chegar.

De todas as teorias horríveis que ela havia imaginado que Remus escondia enquanto estavam juntos, nenhuma conseguia ser pior do que a verdade. Imaginá-lo vivendo no corpo da fera pela grande maioria de sua vida era doloroso; ele estaria sozinho, inconsciente de sua vida humana. Não teria amigos e não se lembraria de sua família. Não se lembraria dela. Seria apenas um monstro, sozinho, vagando pelas florestas. Ferindo a si mesmo e a qualquer um que aparecesse em seu caminho.

Caçado. Odiado. Perseguido.

━ Você… Nós… Remus, podemos encontrar a cura ━ ela murmurou, perdida em desesperança. ━ Deve estar em algum livro de poções, ou…

━ Já tentamos de tudo, e temos tentado por anos ━ ele respondeu, balançando a cabeça negativamente. ━ Não acho que podemos resolver em um mês, Belle.

Ela talvez estivesse desesperançosa, mas ouvir Remus dizer aquelas palavras despertou algo dentro de si; por que ele não parecia tão disposto a lutar como ela? Por que ele não queria insistir? Belle se encheu por um sentimento feio, como uma mistura de ira e rancor, quando concluiu que aquele apenas era Remus Lupin: ele nunca lutaria, nem por ela, nem por si mesmo.

━ Então é isso? ━ ela uniu as sobrancelhas, desacreditada. ━ Você será você pelo próximo mês, e então, nunca mais ouviremos falar de você?! E acha que isso é aceitável?

Ele a encarou por um momento, pensando se talvez devesse tê-la contado a verdade desde o começo. Era provável que não; ela passaria todos seus dias e suas noites tentando encontrar uma solução que ele já duvidava profundamente que existia.

━ Estou cansado de lutar, Belle.

Ouvir a constatação foi como levar um soco. Ela sentiu o ar pesar em seus pulmões e lágrimas de raiva preencherem seus olhos conforme ela balançou a cabeça para cima e para baixo lentamente. A tristeza era o menor de seus problemas, e mal podia se comparar à raiva que a garota sentia; Remus sempre havia parecido tão valente diante de seus olhos, e agora, recusava-se a lutar.

Parecia um ato covarde.

Ele sabia o que aconteceria. Sabia que seria seu fim, e que seus amigos e família nunca mais o veriam. As coisas nunca mais seriam as mesmas. Belle nunca mais teria notícias, mas pensaria sobre ele pelo resto de sua vida. Remus sabia de tudo aquilo, e aparentemente, não se importava.

━ Bom, Remus… ━ ela murmurou, após alguns segundos, antes de passar direto por todos os rapazes, correndo de volta para a passagem que a levaria para o castelo. ━ Eu também.

ATO 3.

Era uma vez o sol, que era terminantemente apaixonado pela lua. A lua, por sua vez, também amava o sol, mas os dois não poderiam viver aquele amor; a lua apenas aparecia quando o sol ia embora, e os dois estavam destinados a nunca se encontrarem.

“Sem nunca te encontrar, sempre te amei” dizia o sol, esperando que a lua o ouvisse, ao que a lua respondia: “Nunca nos vimos, mas estivemos sempre juntos e sempre vamos estar”.

Mas não havia nada impossível quando se tratava do amor, e um dia, o sol recusou-se a ir embora quando a lua chegou. Assim, formaram juntos um eclipse.

O dia de Belle havia começado tão terrível quanto todos os outros daquele último mês que havia se passado. Suas amigas se preocupavam, mas não conseguiam ajudá-la a sair daquele estado de apatia que já se estendia por tempo demais; elas estavam ainda mais confusas, porque antes Belle sofria por estar longe de Remus, e de repente, algo havia mudado e ela evitava o rapaz, que por sua vez, tentava falar com ela a qualquer custo, sem sucesso.

A garota estava o ignorando, porque talvez, aquilo a poupasse do sofrimento para quando ele não estivesse mais ali. Tentava convencer a si mesma de que não se importava com Lupin e seus problemas, e aquilo era a coisa mais difícil que já havia feito em toda sua vida. Belle sentia seu coração se quebrar um pouco mais a cada dia, sabendo que o final estava tão próximo, e já não sabia o que fazer com todos os pedaços repartidos em seu peito.

Ainda assim, ela saía de seu dormitório todas as noites, escondida, e ia até a biblioteca. Invadia a sessão proibida, lia quantos livros tinha tempo, e na manhã seguinte, mal conseguia focar em suas aulas de tanto sono. Mas, quando a madrugada chegava, ela voltava à biblioteca, dando continuidade à busca incansável por uma resposta que talvez não existisse. Ela talvez estivesse esperançosa demais; se nem mesmo Dumbledore e McGonagall haviam sido capazes de encontrar a cura, era altamente improvável que ela conseguisse, mas Belle não deixava de tentar, e não desistiria até não haver mais uma única possibilidade de sucesso.

━ Belle, eu sei que não deveria ao menos te dizer isso, mas Lily insistiu a semana toda, apesar de eu ter dito várias vezes que você iria negar ━ Marlene iniciou, durante o café da manhã daquele dia, recebendo a atenção dos olhos cansados da amiga. ━ Ela está planejando uma festa para Remus. Aparentemente, ela o prometeu uma festa surpresa quando estava no quarto ano, mas nunca cumpriu, e esse é nosso último ano em Hogwarts, então ela decidiu que chegou a hora ━ contou, com a voz quase entediada, e Belle sentiu o estômago revirar. ━ Nós sabemos que vocês dois ainda não se resolveram, mas bom, todos ficaríamos felizes com a sua presença.

Era 4 de março. Faltavam seis dias para o dia 10, que marcaria o aniversário de dezoito anos de Remus Lupin. Faltavam poucas horas para que a Lua Cheia daquela noite, a última antes do aniversário do rapaz, brilhasse no céu escuro e o condenasse uma última vez, agora permanentemente.

Belle não sabia como responder Marlene; não apenas porque não queria participar da festa surpresa para o rapaz, mas principalmente porque sabia que ele já não estaria mais ali. Ela imaginou que Lily ainda não havia falado com James, Sirius e Peter; como eles poderiam permiti-la se ocupar com aquilo, quando também sabiam de toda a verdade?!

━ Ah, Merlin, eu sabia que não deveria ter falado disso com você, me desculpe, Belle ━ as mãos de Marlene tocaram seu rosto, limpando suas bochechas, e foi assim que Belle percebeu que chorava. ━ Você não precisa ir, tudo bem? Todos nós vamos entender.

Por um breve segundo, Belle ousou rir da situação; se ao menos aquele fosse seu maior problema, ela estaria tão grata. Gostaria que a maior complicação de toda a história fosse o fato de simplesmente não desejar ir à festa de Remus, e não que Remus certamente não compareceria à própria celebração, porque estaria perdido entre florestas e criaturas perigosas, fadado à solidão.

━ Tudo bem, Marls, eu só… Estou com a cabeça cheia ━ ela murmurou, tentando sorrir para a amiga, antes de se levantar da mesa. ━ Eu vou até a biblioteca.

E então, pelo resto daquele dia, Belle se esforçou pela última vez. Não compareceu à uma única aula, e sabia que se tivesse assistido a alguma delas, não teria feito a menor diferença, porque sua cabeça estaria bem longe de qualquer matéria explicada por seus professores.

Remus. Remus. Remus.

O nome ecoava em sua mente no ritmo das batidas de seu coração.

Ela leu sobre maldições, licantropia, criação de feitiços e poções. Estudou histórias de lobisomens e leu sobre mitologia. Torceu para que uma ideia iluminasse sua mente e a salvasse de toda aquela angústia, e torceu para que Remus Lupin tivesse uma salvação. Quando fechou o último livro, a garota já estava desolada, sem saber o que fazer, e sendo obrigada a aceitar que já não havia mais nada a ser feito; o sol estava se pondo, e dali a alguns minutos, quando a lua cheia brilhasse no céu, o destino do rapaz estaria definido.

Evitá-lo não estava funcionando; nunca funcionaria, enquanto tudo o que ela desejava mesmo fazer era vê-lo. Com esse pensamento, Belle tomou a decisão de vê-lo pela última vez. Ver Remus como ele era de verdade, e como ela gostaria de se lembrar dele quando a convivência já não fosse mais possível. Caminhou até o Salgueiro Lutador de forma quase automática, murmurou o mesmo feitiço que Snape havia feito no mês anterior, e traçou o caminho até a Casa dos Gritos praticamente flutuando sobre seus pés, sem precisar pensar muito.

Quando alcançou o local, seus olhos imediatamente encontraram os de Remus, e ela caminhou até ele em passos lentos, vidrada em seu rosto, conforme lágrimas começavam a inundar seus olhos mais uma vez. Ignorou os olhares surpresos e confusos de Sirius, James e Peter, quando estava em frente a Lupin, segurou seu rosto entre as duas mãos e acariciou sua pele, encostando suas testas de forma delicada.

━ Sumam daqui, os três ━ ela murmurou, fechando os olhos para impedir que as lágrimas caíssem, e os garotos obedeceram sem questionar. Quando Belle abriu os olhos novamente, encontrou os de Remus fixos em seu rosto, e um sorriso mínimo dançava nos lábios do rapaz, que emaranhou uma das mãos em seu cabelo escuro. ━ Eu sinto muito. Eu…

━ Não é culpa sua, Belle.

━ Eu sei que não é. Mas ainda sinto muito ━ ela retrucou, observando os traços do rosto do rapaz para os memorizar, como se algum dia ela fosse capaz de esquecê-los. ━ Eu sempre sinto muito quando é sobre você, Remus.

Ele assentiu com cuidado, limpando uma das lágrimas da garota, e a puxou para um abraço apertado. Imaginou uma realidade em que, se ficasse ali para sempre, não se tornaria um lobo pelo resto de seus dias; uma realidade perfeita em que viveria com Belle, sem segredos, e com a única garantia de felicidade e amor eterno.

━ A lua não vai demorar a aparecer ━ ele praticamente sussurrou, com um nó se formando em sua garganta. Remus já sabia de seu futuro, sempre soube, e pensava que já estava conformado a seu respeito; no entanto, ali com Belle, contemplando o futuro que jamais poderia viver com ela, sentiu todo seu avanço ser desfeito. ━ Eu quero que saiba que amo você, Belle, e que sempre vou amar. Mesmo quando você nunca mais puder se aproximar de mim, porque vou me tornar um monstro pelo resto dos meus dias. Você foi o meu primeiro e único amor.

━ Eu gostaria que as coisas pudessem ser diferentes, Remus ━ ela falou, com a voz abafada contra a curva do pescoço do rapaz. ━ Eu gostaria de poder viver uma vida ao seu lado.

Remus a apertou ainda mais no abraço, soltando um soluço, e ela acariciou suas costas, tentando acalmá-lo. Se aquilo estava sendo difícil para ela, estava sendo muito pior para ele. E, sabendo que não seria fácil para ninguém, ela se obrigou a quebrar o abraço dos dois, porque seus amigos, que nunca haviam abandonado Remus, também mereciam uma despedida digna.

Quando os rapazes voltaram a entrar no cômodo, todos se abraçaram em silêncio, e permaneceram assim por alguns minutos. O momento da despedida era melancólico e inevitável; algo doía no âmago de cada um daqueles jovens, e o sentimento de esperança que um dia compartilharam se tornou um fantasma do passado.

Belle permaneceu na Casa dos Gritos quando os quatro saíram em direção à floresta,  acompanhando o lobisomem; não fazia mais sentido para Remus se limitar apenas àquelas paredes, não quando todo o resto de sua vida seria escondido em meio às árvores e animais. Ela fechou os olhos com força quando, através da porta, ouviu os grunhidos de dor enquanto Remus se transformava na criatura selvagem. Em seguida, ouviu um uivo, tão alto e assustador quanto ela se lembrava, e os pêlos de seus braços se eriçaram com o som.

Talvez ela pudesse aceitar ser mordida e se transformar, também. Daquela forma, poderia viver com Remus como sempre quis. Mas ele nunca aceitaria aquilo; jamais permitiria que seu sofrimento se estendesse para a pessoa que mais amava na vida, e assim, Belle se obrigava a esquecer aqueles pensamentos, voltando a tentativa de se conformar com o futuro cruel que o destino havia traçado para ambos os seus corações apaixonados e destroçados.

E então, pelas próximas horas, ela se encolheu em um sofá velho e empoeirado na Casa dos Gritos, e observou cada canto do lugar. Quantas noites Remus havia passado ali, machucando a si mesmo numa tentativa de se libertar, mas aceitando se restringir porque sabia que sua liberdade causaria danos aos outros? Os arranhões na madeira denunciavam que não haviam sido poucas vezes. Ela o imaginou, quando ainda eram crianças e ele estava no primeiro ano, assustado e sozinho naquela casa, um lobo pequeno e solitário. Tentou identificar quais das cicatrizes de Remus haviam sido feitas pela fera, e quais haviam sido feitas por incidentes cotidianos. Imaginou se poderia ter feito algo mais significativo para o ajudar se tivesse descoberto mais cedo, ou se apenas se assustaria e o abandonaria.

Belle sentiu-se mal quando ligou aquele assunto ao fato de Lupin nunca ter se arriscado no Quadribol, apesar de sempre ter amado o esporte; ele provavelmente sentia dores demais para poder se dedicar a atividades físicas tão intensas, e seus ossos já contavam com mais fraturas do que seria considerado normal. Uma vida assim não era o que Remus merecia; ele merecia uma vida simples e leve, próximo a seus amigos e com um futuro brilhante à sua frente. Era um bruxo extraordinário e talentoso, com um bom coração e olhos gentis. Havia sido uma criança tímida e se tornou um adolescente travesso, e o coração de Belle doeu por perceber que jamais saberia como seria Remus na vida adulta.

E então, quando percebeu, já era hora de retornar ao castelo; a Casa dos Gritos estava escura e silenciosa, e ela imaginava que Remus e os rapazes — acompanhando-o uma última vez — já deviam estar bem longe dali. Ela não chorou; sentia-se chocada demais para fazer aquilo. Sabia que choraria muito nos próximos dias, quando a aceitação dos fatos a atingisse por completo.

Quando se levantou, no entanto, pronta para sair dali, passou a ouvir gritos — não gritos assustados, mas gritos raivosos, acompanhados de passos pesados. Unindo as sobrancelhas, Belle caminhou até a janela, e em meio a escuridão da floresta, encontrou homens com tochas de madeira e lanças, e arregalou os olhos em confusão. Abrindo uma fresta da janela, tentou se concentrar para entender o que suas vozes diziam em meio aos berros.

━ É aqui! Dizem que ele vive nessa casa, e que ela apenas levou fama de assombrada porque é o lugar onde a fera traz suas vítimas para matá-las e devorá-las! ━ um dos homens exclamou, apontando para a Casa dos Gritos, e Belle imediatamente saiu de sua vista. ━ Os trouxas dizem que uma bala de prata no coração é o que precisamos para matar um lobisomem…

━ Precisamos dar um fim a ele antes que dê um fim a nós. Os meus filhos, bruxos pequenos e indefesos, não podem se defender caso o encontrem… ━ outro deles falou, com a varinha em mãos. ━ Temos que encontrá-lo!

Belle torcia para que Remus já estivesse bem distante dali, onde a revolta da população não pudesse encontrá-lo. Com passos rápidos, tentou retornar à passagem para Hogwarts, sabendo que sua melhor opção para manter o lobisomem seguro seria levar o assunto para Dumbledore, mas antes que alcançasse o que desejava, a porta da frente foi derrubada com força e um de seus braços foi agarrado por um bruxo raivoso.

━ Onde é que ele está?!

A multidão de pessoas a encarava com feições desagradáveis, e ela apertou a varinha com força entre seus dedos, antes de suavizar o toque. Se atacasse um deles, teria mais de vinte varinhas voltadas para si, e não era sua melhor opção; assim, Belle tentou ganhar tempo, virando-se para o homem com os olhos assustados.

━ Do que é que você está falando?

━ Do lobisomem, é claro. Já ouvimos seus uivos vindos daqui hoje.

Ela estava pronta para protestar; inventaria uma mentira, defenderia o lobisomem, diria que tudo não passava de um mal-entendido. Faria de tudo para que Remus Lupin pudesse viver a salvo, porque, para si, o lobisomem ainda era Remus. Em algum lugar escondido por uma figura animalesca, aquela fera perigosa ainda era o rapaz por quem ela havia se apaixonado.

━ Não tente proteger o monstro, garota! ━ o homem rosnou, agora levantando a varinha próxima a seu rosto. A multidão também protestava, em busca de respostas, e Belle engoliu em seco. ━ Vamos, diga onde ele está. Se não disser, sairemos para procurá-lo e o encontraremos do mesmo jeito!

O medo percorreu seu corpo por um momento. Estava cercada de pessoas, e nem uma delas estava ali para defendê-la; todos queriam atacar o lobisomem, e Belle se mantinha firme à sua decisão de não entregar sua localização — ela mesma não sabia qual era. Remus já havia sofrido o suficiente para uma vida tão jovem, e ela não desejava permitir que ele carregasse mais aquele peso em seus ombros. Era tudo o que ela poderia fazer por ele, dali em diante: convencer as pessoas que ele não existia e desejar que elas nunca o encontrassem, como ela também não encontraria.

━ Vocês estão enganados, não há lobisomens aqui. Eu e outros alunos de Hogwarts sempre frequentamos essa casa abandonada para estudar, e é só ━ ela respondeu, tentando passar credibilidade. ━ Bem, se houvesse um lobisomem, eu certamente não estaria aqui para contar a história. Vocês ouviram rumores e decidiram caçar um monstro que nem ao menos existe!

Mas sua fala não foi suficiente para convencer a multidão; já faziam anos que os uivos eram ouvidos apenas em noites de lua cheia, todos os meses, e as mentiras de uma jovem não eram o bastante para fazê-los mudar de ideia. Quando começaram a se espalhar pela Casa dos Gritos, revirando os móveis velhos e empoeirados, ela se encolheu minimamente, sentindo o medo crescer em seu peito conforme a tensão aumentava; ela sabia que eles não demorariam ali, e quando percebessem que o lobisomem não estava na casa, iriam sair em sua busca na floresta.

Remus não poderia se esconder para sempre.

Foi quando um uivo soou, distante, ecoando pela floresta como um chamado de guerra até chegar aos ouvidos dos bruxos furiosos, que imediatamente ficaram em silêncio. Belle torceu para que o som os amedrontasse, mas todos eles pareceram ainda mais determinados a dar um fim àquilo.

━ Ele está lá fora!

Aquela frase bastou para que todos corressem em direção à porta, com Belle os seguindo, pensando desesperadamente em formas para impedi-los, mas de nada adiantava tentar impedir o inevitável. Quando saíram da casa, o vento frio que soprou seus corpos fez a garota se arrepiar, e sentiu  o corpo tremer levemente conforme os bruxos começaram a se espalhar pela floresta.

E então, Belle o viu. A fera. Remus. Ele surgiu imponente das sombras, com os olhos sinistros brilhando em fúria e mistério, e por um segundo, o mundo pareceu se congelar. A criatura não se moveu de início; apenas observou a movimentação, como se esperasse o momento certo.

Quando o primeiro bruxo o viu, imediatamente ergueu a varinha.

━ Fique longe dele! ━ ela bradou, correndo para se colocar entre os dois. Quando sentiu seu braço sendo puxado bruscamente e seu corpo sendo arremessado ao chão, ela arregalou os olhos, tentando se levantar, e sendo impedida quando um bruxo com uma lança a apontou para si. ━ Ele não é uma ameaça!

Sua voz soou tão firme que mesmo Belle se esqueceu de que estava mentindo, mas o apelo, novamente, caiu em ouvidos surdos. Quando o primeiro feitiço foi disparado, o lobisomem rosnou e avançou ferozmente, derrubando dois bruxos com um golpe, e antes que pudesse recuar ou atacar, outro feitiço o atingiu, e então outro e mais outro, impossíveis de se identificar na confusão de vozes.

Belle viu tudo; viu cada cena cruel e ouviu cada grito de dor do lobisomem quando sua pele se rasgou e feridas profundas foram abertas. Viu quando ele tentou lutar e então foi acorrentado por feitiços. Viu quando sangue manchou o chão e viu quando seu corpo caiu, desacordado, sobre a relva molhada pela chuva. Viu quando os bruxos comemoraram por seu abate e foram embora, finalmente permitindo que ela se levantasse.

Ela quase não conseguiu. Suas pernas estavam fracas e seus passos desnorteados. Seu coração não parecia bater, ou batia rápido demais para que ela pudesse sentir, e quando Belle se jogou ao lado do lobisomem, as lágrimas passaram a rolar por seu rosto incansavelmente, e ela amaldiçoou aquele momento. Amaldiçoou os bruxos que fizeram aquilo, amaldiçoou Remus por ter voltado, amaldiçoou a si mesma por não ter sido capaz de lutar, amaldiçoou Peter, James e Sirius, que não estavam ali para impedir.

Suas mãos pareceram minúsculas quando tocaram as patas do lobisomem, e ele, mesmo tão grande, parecia inofensivo. Belle não queria acreditar em nada daquilo; gostaria de voltar no tempo para o mês anterior, e detestar Remus por se afastar dela. Gostaria de o odiar por não estar por perto, ao invés de amá-lo tanto e perdê-lo de uma forma tão brutal.

Ela se permitiu abraçar o corpo do lobisomem, sentindo seu choro se intensificar ao se dar conta de que ele ainda respirava, muito fracamente. Seu sofrimento estava sendo prolongado. Ela puxou a varinha de um dos bolsos, apressadamente, e tentou lançar feitiços de cura, que pouco ajudaram naquele momento. Pensou em voltar para Hogwarts e pedir ajuda, mas temia deixá-lo sozinho ali para enfrentar o destino nefasto.

Belle não podia permitir que Remus morresse pensando estar sozinho, e então, ficou. Ela ficaria para sempre, se aquilo fosse o ajudar, porque seguir em frente nunca foi uma opção quando se tratava de Remus.

Quando o sol começou a nascer, ela não se deu conta de que ainda chorava, abraçada ao corpo da criatura. Não se deu conta de que o sangue que jorrava havia secado, e nem de que as feridas começavam a cicatrizar quando tocadas por suas lágrimas. Mas percebeu quando, lentamente, o corpo envolto por seus braços começou a mudar de forma, voltando a assumir a aparência que Belle conhecia tão bem e pensava que nunca mais veria. Ela se obrigou a se afastar, confusa e assustada, e o viu.

Remus.

Ela só podia estar sonhando.

━ Remus? ━ ela sussurrou, com a voz baixa o bastante para que, se estivesse sonhando, não acordasse. Tocou seu rosto com a ponta dos dedos, e, devagar, sentiu seu pulso ser envolvido por uma das mãos do rapaz. ━ V-você…

━ Eu… Ainda sou eu ━ ele concluiu, unindo as sobrancelhas, desacreditado, e observou sua mão ao redor do pulso de Belle, onde antes haviam as marcas de suas garras. ━ É um sonho, não é?

Ela riu baixo, balançando a cabeça para os lados, e o abraçou mais uma vez, molhando sua pele com lágrimas que, agora, eram de alegria. Ele fechou os próprios olhos, abraçando-a de volta, e escondeu o rosto em seus cabelos bagunçados, sentindo-se melhor a cada segundo, sem entender o motivo.

Ele deveria estar morto. Ele deveria ser um lobo. Ela deveria estar chorando por sua perda e voltando para o castelo, lidando com o fato de que, de uma forma ou de outra, nunca mais o veria novamente.

Mas Belle estava ali, derrubando lágrimas de amor verdadeiro. E Remus estava ali, vivo e humano, como nunca deveria ter deixado de ser.

Porque tudo era diferente quando se tratava de Belle e Remus.

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