Capitulo 23
SURTOS E SURTOS!
"E agora eu estou preso aqui pensando o que poderia ser Você e Eu."
2020.
Os dias seguiam em câmera lenta, mas nem nos preocupávamos mais em contá-los.
As notícias eram todas sempre o coronavírus. Pronunciamento de mais um período de quarentena. Aviso de que os leitos estavam acabando. Até o oxigênio que usavam no tratamento iria acabar alguma hora.
Desde a ida à farmácia, Charlie insistiu para comprar vitaminas pois queria nossa imunidade forte. Também passamos a comprar menos besteiras e ele começou a aprender algumas receitas mais saudáveis, umas davam mais certo do que outras, mas eu sempre fingia que estava gostoso porque ele fazia uma carinha de cachorro preocupado que eu não conseguia desapontar.
Enquanto não estávamos na cozinha — ficar em casa o dia todo dava mais fome —, Charlie estudava e eu... Tentava. Estava sem foco para isso. A faculdade passava as matérias teóricas online, as práticas ficariam para depois da quarentena.
Eu já estava meio desesperançoso de que isso cessaria logo.
Em alguns dias, eu gostava de ver Charlie estudar. Ele ficava empolgado falando sobre moda, me contava histórias sobre estilistas e influências culturais, mostrava desfiles excêntricos e explicava o significado deles, e sua didática era tão boa que me deixava interessado e eu acabava aprendendo. Obviamente eu ignorava as partes em que eu ficava ao seu lado e seu corpo ficava colado no meu, enquanto ele me olhava com tanta animação ao explicar que eu queria sorrir e beijar aquele guri.
Aquilo estava ficando cada vez mais difícil de lidar.
Sabe a história de que se você não pode ter, dá ainda mais vontade?
Sempre foi fácil ficar com outras pessoas, pelo menos antes de chegar na parte do sexo. Ficar por si só, para mim, era tranquilo. As gurias gostavam de mim e os guris também, mesmo que eu não fosse assumido e fizesse sempre às escondidas.
Contudo, não era simples assim com o Charlie e isso só me fazia querer mais.
Ele não era burro, sabia o que eu pensava sobre ele. Contudo, agia como se não soubesse. Quando saía do banho e ficava só com aquela toalha maldita enrolada na cintura, ou quando eu estava sentado no sofá procurando algo para assistir e ele pulava de repente e deitava com a cabeça no meu colo, enquanto comia algum biscoito despreocupado com a vida, eu queria jogar ele na parede e perguntar se ele fazia aquilo de propósito para zoar comigo, porque sabia que eu não tentaria ficar com ele de novo.
Foi essa a minha decisão em um dos surtos mentais que tive antes de dormir; se eu tentei uma vez e ele não quis, eu não faria isso de novo. Torcia para que um dia ele quisesse, pois a cada dia estávamos mais próximos, mas sempre que eu fazia alguma piada ou jogava uma indireta ele se afastava de repente.
Charlie continuava se esforçando para ser o guri sem defeitos, crescido, e ainda postava vídeos no YouTube com menos frequência. Às vezes, eu percebia que ele reinstalava sua rede social, mas depois de algumas horas desativava de novo. Ele parecia querer tentar sair daquilo, mas não conseguia.
Foi assim que tive minha ideia.
Primeiro, fiz uma limpa na memória do meu celular para colocar meu plano em prática. Depois, esperei Charlie terminar o vídeo que estava gravando durante o fim de semana — apesar de que todos os dias eram iguais, por que eu ainda me preocupava em saber quando era fim de semana? — e fui com meu celular até à sala quando ele acabou.
— Muito bom, youtuber! — Bati palmas desajeitadas pois estava com o celular na mão, Charlie olhou suspeito para mim pois eu nunca havia feito isso. — Hora de gravar seu vídeo novo.
— Vídeo novo?
— Isso aí, e sou tão legal que vou te deixar usar meu celular! — Tirei o seu celular de cima da pequena torre de livros que era o tripé improvisado do guri e coloquei meu celular, com a câmera frontal ligada.
— Mas vídeo de que, guri? Tá ficando doido? — Charlie cruzou os braços e o empurrei no sofá para dar espaço. Ignorei sua confusão e apertei o botão de iniciar gravação.
— Oi! Esse é o nosso primeiro diário de quarentena! — falei para a câmera, sentado ao lado de Charlie, que começou a olhar para meu celular também. — Meu nome é Jason, meu amigo bonito aqui do meu lado é o Charlie, hoje é dia 19 de Abril e estamos há pouco mais de um mês de quarentena, são sete e meia da noite. Charlie, o que tu tá achando disso tudo? — Fechei minha mão e fingi que estava segurando um microfone para ele, que continuava me olhando confuso.
— Aonde tu vai postar isso?
— Em lugar nenhum, vai ser nosso diário. Vai, fala!
— Tá... Ahn... Tá sendo estranho? — Ele falou meio perdido ainda com minha ideia.
— Parece que Charlie Stewart tem mais desenvoltura para falar nos seus próprios vídeos! — Tirei meu microfone imaginário. — Acho que agora que ele pode ser ele mesmo, a cabeça pirou um pouco, não é, senhor Stewart?
— Do que tu tá falando?! — Ele ficou furioso de repente, já havia sacado o que eu queria fazer.
— É isso aí! Tu finge ser outra pessoa nos teus vídeos, agora tô te dando a chance de ser você mesmo nos meus, sem ninguém saber!
Revelei um sorriso de lado para Charlie, que corou na mesma hora. Fiquei extremamente feliz por aquilo ter sido registrado, pois eu poderia assistir de novo depois.
— Eu... Pareço tão falso assim?
— Pra quem não te conhece muito, não. Mas eu te conheço. — Pisquei e Charlie soltou uma risada com a cabeça baixa.
— Bah, para de me olhar assim! Me deixa nervoso!
— Eu te deixo nervoso, Charlie? — perguntei com ainda mais graça, mas no fundo falando muito sério. Charlie ergueu a cabeça chocado e seus olhos azuis me encararam atordoados.
— Jason... — puta-que-pariu-Charlie-não-fala-meu-nome-assim-porque-eu-sinto-tesão-e-tu-não.
— Por que eu te deixo nervoso, hein? — Meu sorriso aumentou à medida que ele ficava mais assustado.
— Desliga a câmera. — ele pediu, sem parar de me olhar. Agradeci por isso, pois conhecendo bem Charlie, se ele cortasse o contato visual comigo tudo acabaria naquela hora e eu não perderia essa chance.
Foda-se a história de esperar ele querer me beijar.
Estiquei meu braço e apaguei o celular, deixando a tela virada para baixo. Continuei olhando para ele, que ficou ainda mais vermelho pelo contato visual. Charlie estava de pernas cruzadas e segurava as próprias mãos, mexendo uma na outra.
— Tu ainda não me respondeu porque te deixo nervoso.
— Porque é você. — Ele respondeu rápido. Me aproximei dele novamente.
— E o que tem eu?
— Você é... Não dá pra confiar quando o assunto é... Isso.
— Tu tem certeza? Ou só não quer admitir alguma coisa?
— N-Não tenho nada pra admitir. — gaguejou, eu já sabia que havia ganhado.
— Sério? — Coloquei minhas mãos nas suas coxas e cheguei mais perto, ele quase não respirava perto de mim. Minha vontade era de olhar pra sua boca, mas eu não podia quebrar o contato visual. — Tu ainda não tem um vínculo mais profundo comigo ou ainda não QUER admitir que tem? Porque eu acho que a gente tem e não é de hoje, mas tu não vai admitir isso nunca.
— Jason...
— Se tu quer que eu pare de falar, ficar dizendo meu nome assim não me ajuda.
— Eu não queria me apegar a você. — Ele disse com a voz tão baixa que demorei para entender. Ergui uma das sobrancelhas.
— Por que não?
— Porque você é o Jason. — Ele tentou respirar fundo, mas não conseguiu.
— Tu não confia em mim?
— Não.
— Então me afasta.
— Não.
— Por que não?
— Eu não sei. — ele estava desnorteado. Parecia esperar por alguma coisa. Seus cabelos estavam arrumados, a franja jogada para o lado o deixava fofo. Tomei coragem e ergui minha mão até seu rosto, meus dedos passaram por sua bochecha e pararam no queixo.
— Tu não confia mesmo em mim?
Eu tinha medo de Charlie desmaiar a qualquer momento, o guri parecia perdido no que fazer, apenas me encarava atordoado e com o rosto vermelho. Era até fofo, mas eu ainda temia levar um soco a qualquer momento.
— Tu já fez isso antes. — Ele ameaçou abaixar os olhos, mas aproveitei que minha mão estava em seu rosto e o segurei pelo queixo.
— Pode falar olhando pra mim. O que eu já fiz antes?
— Você... Já tá acostumado em ser assim. Então não sei, n-não posso confiar. — ele balançou a cabeça negando, mas eu não iria desistir dessa vez. Aproximei meu rosto mais alguns centímetros e fiquei inclinado para ele.
— Se tu não confia mesmo, então me corta, não me deixa te beijar.
Charlie abriu mais os olhos, mas interrompi o contato para fechar os meus e, em menos de duas semanas, o beijei de novo.
E eu não ia deixar ele se afastar dessa vez.
Coloquei minhas duas mãos em sua nuca para manter sua boca na minha e pedi passagem com a língua, e um alívio interno surgiu quando ele abriu mais seus lábios e deixou.
Porra, ele deixou. Ele também estava me beijando.
Como da primeira vez, enrolei meus dedos nos seus cabelos atrás e fui mais além; aproveitei o pequeno espaço que tive durante o beijo para morder seu lábio e Charlie escapou um suspiro em minha boca, que foi bom demais para ser real. Eu estava em êxtase por causa daquele guri.
— Jason... — Ele se afastou da minha boca por um segundo, mas ainda estávamos com os rostos quase colados.
— Tu me mata falando meu nome assim, na moral. — Selei nossos lábios de novo, ele estava respirando rápido demais.
— Isso não vai dar certo. — Ele disse baixo, mas enquanto protestava suas mãos já estavam na minha cintura, me segurando pela blusa. Levei minha boca até seu pescoço e passei meus dentes, percebi como ele se arrepiou com meu gesto e me apertou. — Jason... — Ele repetiu e cheguei perto do seu ouvido.
— Se tu ficar gemendo a porra do meu nome desse jeito, eu vou querer mais.
Charlie se encolheu e eu sorri sem que ele notasse. O aperto na minha cintura ficou maior e aproveitei que estava perto da sua orelha e dei uma mordida leve, causando outro arrepio nele. Afastei minha boca e voltei a ficar de frente para seu rosto, encantado em como seus lábios estavam vermelhos por conta do beijo.
— Me escuta, a gente tá aqui sozinho e vamos ficar por muito mais tempo, até lá, a gente resolve o que tiver pra resolver, mas não agora. Eu só quero ficar contigo sem pensar em outra coisa. — falei sério, mas com um pouco de súplica. Charlie apenas balançou a cabeça. — Tu concorda?
— Ahn, aham. — Ele assentiu.
— De verdade?
— V-verdade.
— Então me beija.
E depois de um suspiro rápido, ele realmente me puxou para perto e me beijou.
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