Capítulo 7 - parte 2 (não revisado)
Daniel entra no carro e ruma para casa, dirigindo sem a costumeira alegria que tem ao andar naquele carrinho tão veloz. Quando chega, encontra mestre Lee, que pergunta:
– Então, meu jovem. Está melhor?
– Um pouco, mestre, um pouco. O preço destes cinco meses tão maravilhosos foi alto demais e quase me levou junto.
– Eu vi, filho, mas agora terá de superar isso. Lembre-se que ela não morreu. Apenas o corpo se foi. Ir-se-ão reencontrar, tal como ela disse.
– Eu sei, mestre, mas falta muito, muito tempo.
– O tempo é relativo. Medite a respeito, pequeno Dragão, que entenderá.
– Sim, senhor. Vou tirar uns dias a sós e será uma boa hora para pensar no assunto. Quando voltar, conversaremos. – Acrescenta o rapaz. Para grande espanto do mestre, que no inicio acha que o Dan está lelé, vê o seu pupilo caminhar em direção à lareira, parar de frente, tocar uma pedra, empurrando-a, e dizer. – Computador, abre o cofre.
Mais espantado ainda, vê a lareira deslocar-se para o lado, mostrando uma escada para o subsolo.
– Mestre, é muito engraçado ver o senhor tão espantado. Certamente, se fosse outra ocasião, eu cairia na gargalhada. Deve ser a primeira vez que o vejo assim. – Afirma Daniel divertido. – Venha comigo pois preciso que faça uma coisa.
Descendo as escadas, o atônito chinês acompanha o rapaz. O subsolo é por si só um apartamento blindado, enorme. Ele leva o seu mestre até um console em uma salinha no fim do corredor, e pede que ponha a mão sobre um sensor.
– Computador, registra acesso para o senhor Lee a este andar. No caso da minha morte, ele deverá ter acesso irrestrito a esta instalação e ao cofre da Cybercomp. Deves registrar também o acesso total da Suzana às duas instalações. Obrigado.
– Dados registrados. – Responde a máquina!
– Escute, filho, não pretende fazer besteira, não é? – Pergunta, muito preocupado.
– Mestre, eu deveria estar no mesmo avião da Daniela. A obra que iniciei não pode morrer comigo. Conto consigo, Suzana e o doutor Chang para isso. Estas instalações têm todos os segredos da Cybercomp e um dos maiores bancos de dados está aqui. Isto, por si só, é uma rede independente da outra; mas, juntas, são fenomenais. Para o senhor ter uma ideia, estas instalações podem resistir a um bombardeio atômico. Vamos.
Vai até uma porta. Ao abri-la, Lee vê uma biblioteca enorme, onde Daniel pega uma boa dúzia de pastas. Lembra-se de uma coisa e vai até uma estante de livros. Esta é bem grande, mas ele dirige-se a um armário ao seu lado. Ao abrir a porta, há vários livros, todos muito antigos. Pega um volume manuscrito, muito velho, o diário do bisavô. Folheia com cuidado até encontrar a página que procura.
– Este era o diário do meu bisavô, que fez esta fortuna toda. Ele deixou-me como o principal herdeiro, com praticamente noventa e nove por cento de tudo, porque teve um sonho. Olhe. – Diz, estendendo o diário.
– Mas... mas... é a Daniela!
– Parece-me que toda esta história estava escrita há muito tempo e só eu é que não sei o final. – Dizendo isso, fecha o livro e guarda-o. – Bem, vamos sair daqui.
Sem querer esbarra em uma porta do armário, que se abre. Para seu espanto, encontra quimonos.
– Mas estes quimonos são de um Dragão Vermelho – diz Daniel, incrédulo – o meu bisavô foi um Vermelho!
– Não só um vermelho. Estes aqui são de um Branco! – Espanta-se Lee. – Mas o último Branco da História morreu há mais de mil anos!
Encontram uma carta junto ao quimono, escrita em caracteres chineses.
– Ele não quis ser confirmado, mas o seu mentor mandou-lhe os quimonos mesmo assim. Engraçado, mestre, ele tem o mesmo nome que o senhor.
– Por que será que ele não quis ser confirmado? – Pergunta Lee.
– Olhemos o diário. – Daniel começa a folhear o caderno. Após alguns minutos, encontra a resposta. – Ele estava no Rio de Janeiro, fazendo o seu doutorado quando quatro criminosos armados invadiram o apartamento. Queriam matar a noiva, Camila, e a sogra para se vingarem do sogro que os prendera. Ele usou o poder do Dragão e matou três dos quatro criminosos. Depois, meteu-se na frente da sogra e levou um tiro. Mesmo ferido, atingiu o quarto e quase o matou. Nunca mais quis saber desse poder por ser forte e destrutivo demais. Interessante. Bem, vamos embora.
Daniel guarda tudo e começa a se dirigir para a saída.
– Esta instalação é grande, mas não foi por aqui entramos – diz Lee – pelos meus cálculos, estamos em baixo da garagem.
– O seu senso de direção é inigualável, mestre. De fato, há mais de uma saída. Vamos sair pela garagem, pois eu vou-me embora direto. Só pretendo dar um pulo à casa do Paulo e, depois, sigo para o aeroporto. – Saem por outra passagem camuflada. – Bem, mestre, volto em alguns dias.
– Cuide-se, filho. Adeus.
– Adeus, mestre, obrigado por tudo.
Daniel segue rumo à casa do Paulo que está com Cláudia na varanda. Ambos vão para a rua encontrá-lo.
– Puxa vida, irmãozinho. – Paulo abraça o amigo. – Deste-nos um susto muito grande. Tá tudo bem contigo?
– Mais ou menos, carinha, mas a vida continua e vamos tocar o barco. Eu passei um mau bocado.
– Oi, Dan – diz Cláudia, abraçando-o e beijando-o, com lágrimas nos olhos – foi uma barra ruim né?
– Sim, Claudinha. – O casal nota a voz abatida. – Ainda estou muito mal. Sinto tanta falta dela!
– Todos na escola ficaram preocupados e muito tristes, quando souberam o que aconteceu. – Comenta Paulo.
– Nem todos, creio eu. – Diz Daniel com meio sorriso. – Bem cara, perdi o teu aniversário. Dezoito anos, hein? Dá aí um abraço. Já podes ir preso, te cuida. Como foi a festa?
– Agora estou tirando habilitação – afirma com uma risada. Mais triste, continua. – Não fizemos festa, Dan. Não havia clima para isso. Todos sentimos imensa falta dela. Uma festa sem vocês dois, seria um grande fracasso.
– Bem, eu vou tirar uns dias na minha casa da praia para pôr a cabeça no lugar. Quando voltar, trarei o teu presente de aniversário.
Conversam mais uns minutos e ele despede-se do casal, indo para o aeroporto. No seu jato, voa a uma altitude muito acima das rotas comerciais, permitindo velocidades consideravelmente maiores. No meio do caminho, avista o oceano e lembra-se do acidente.
– "Se eu desligasse os motores agora, em poucos minutos estaria com ela" – pensa com nostalgia. A tentação é tanta que, lentamente, leva a mão direita para o manete. Quando está quase alcançando, desiste. – "Isso não é solução. Eles têm razão e a humanidade precisa de mim. Além disso, teria de começar tudo de novo e seria bem mais difícil." – Com esse pensamento, continua a viagem, sabendo que conseguiu superar mais uma pequena parte do seu trauma. – "Mas como eu sinto a tua falta, minha Danizinha do coração."
Pousa e um carro aguarda-o, avisado pela Suzana. Chegando à mansão, dispensa o caseiro e os empregados, dando-lhes folga, pois deseja ficar completamente só. Nessa tarde, decide passear, descendo a escarpa até à praia e caminhando por ela, até alcançar a pequena floresta de mata nativa que a sua família conseguira preservar muito a custo. Quando retorna, ainda é relativamente cedo e senta-se a meditar perto da piscina. O lugar é muito agradável e Daniel fica bem relaxado, pois agora está em paz consigo mesmo desde a decisão de não desligar as turbinas. Lembra-se do que o mestre dissera para meditar.
– "Sim ela vive, mas em outra esfera enquanto eu deverei esperar até chegar a minha vez e será uma vida longa. Por outro lado, só será longa se não pensar em outra coisa. Quanto mais eu insistir no assunto, mais lento parecerá o tempo e mais deprimido ficarei, até que talvez não aguente e desligue realmente as turbinas. Será isso? Um sujeito mais fraco desligaria. Mas teria de ser muito corajoso para enfrentar a morte, ainda que seja para fugir da vida. Então, quem é o fraco? Acho que não há fracos, só desesperados. Bem, tenho de cumprir o meu destino e a melhor forma de o fazer é encarando a realidade. Ela ficará para sempre no meu coração, mesmo que apareçam outras. Quando eu me for, haverá o reencontro. Assim é a vida. Devo colocar de lado estes pensamentos para o meu bem e dos que estão há minha volta."
– "Amor, é assim que tem de ser." – Ecoa um pensamento na sua mente.
– "Dani, estás aqui?" – Pergunta.
– "Sempre estive ao teu lado, amor, mas não podia te falar antes de estares pronto. Já vi muitos dos que amava, mas faltavas tu. Vem até mim. Tu tens condições de separar o teu espírito do corpo e será muito melhor do que eu simplesmente aparecer para ti, pois poderemos sentir um ao outro."
– "Nunca fiz desdobramento, embora saiba a teoria." – Comenta Daniel.
– "Usa o nosso elo que será suficiente. Deves desejar estar aqui, comigo. Não estou dentro da tua mente e esse foi o teu erro que te quase mataria. Estou fora, à tua volta." – Ela responde.
Ele foca a mente e começa a sentir que flutua. Abre os olhos e está à sua frente, angelical e toda de branco, com uma aura dourada em volta. Toca nela, sentindo algo completamente diferente.
– "Achei que nesta vida não mais te tocaria ou veria, meu amor eterno. Estás tão linda com essa aura dourada!" – Afirma.
– "Ora seu bobo. Então achas que eu, que apareci para tantas pessoas, não apareceria para a mais importante de todas? Olha para ti, vê a tua aura. Não poderia ser diferente." – Ao olhar para si próprio, vê uma luz dourada à volta do corpo. – "Já estamos perto do fim das nossas jornadas, talvez só mais uma vida. Mas tu terás de esperar esta aqui sem mim. Há outra alma irmã que te aguarda, pois não somos só nós dois. Eu jamais deveria ter permitido este encontro sabendo que o destino seria outro. O que fica, por mais evoluído que seja, sofrerá demais, pois está preso ao corpo físico. Somos muitos e a Suzana faz parte desta família de almas, assim como Lee, os teus e os meus pais. Até Cláudia e Paulo, que estão numa espécie de folga e esta vida será muito boa para eles, muito plena; pois, na anterior, comeram o pão que o diabo amassou. Entretanto, o quarteto formado por eu, tu, Suzi e Jessy não deveria acontecer. Suzi vai sofrer, tu sofres e Jessy vai penar. Nós somos os mais velhos e mais apegados um ao outro; mas, na Terra, compartilhamos sempre entre nós. Nunca em uma vida tantas almas irmãs se encontraram de uma só vez. Entretanto, esse é o plano para criar a tua obra."
– "Tu apareceste para o meu bisavô e acredito que outras pessoas também, de modo a influenciá-los!"
– "Esse é o plano. Só que tu eras o teu bisavô e Suzi a tua bisavó, que se chamava Camila. E os pais dela eram Paulo e Cláudia, que sofreram muito naquela vida."
– "Mas quem o definiu, o plano, quero dizer?"
– "Ora, meu amor, que pergunta boba. Tu és o autor deste plano e ele terá de dar certo. Com ele levaremos a humanidade a um novo estágio."
– "Só que desconheço o plano. Não me lembro de nada disso."
– "Isso, meu querido, só depois de abandonares o teu corpo. Também não te lembrarás de todo o nosso encontro, só uma parte. Para lembrares de tudo, precisarias de estar livre dos limites do cérebro, mesmo do teu que é tão privilegiado."
– "Dani, por que os meus pais não apareceram para mim assim como tu, se são tão evoluídos? Eu sinto tanto a falta deles!"
– "Os teus pais já ascenderam. Foram para o próximo estágio e os próximos serão os meus. Depois, talvez sejamos nós."
– "O que é isso de ascender?"
– "Não sabemos ao certo. A ascensão está para nós assim como a morte para as pessoas da Terra. Apenas sabemos que não é o fim e, por isso, não a tememos e até desejamos. Vem, vamos passear."
Juntos, sem os limites do corpo físico, saem de mãos dadas. Repentinamente, Daniel sente-se em outro lugar, outro continente, outra cidade.
– "Estamos nos Estados Unidos, em Boston. Aqui, nesta casa, vive um cientista muito importante para ti. Ele poderá dar sequência aos trabalhos dos teus pais. Vem." – Entram dentro da casa e mostra-lhe uma garota que dorme. É uma das mais belas que jamais viu e ela também tem uma aura dourada em volta do corpo. – "Esta é Jéssica, o teu destino. Não o desperdices, pois os vossos filhos serão importantes demais. Ela é especial, como tu e isso é parte do plano. Quando voltarmos não te lembrarás, mas eu tinha que te mostrar."
Depois da conversa, ficam o resto do tempo juntos, só para eles. Essa comunhão espiritual é idêntica à que experimentavam quando Dani estava viva e isso ajuda. Passa-se muito tempo até ele volta ao corpo físico, já com o dia nascendo. Sai da meditação lentamente, renovado, curado. Quando abre os olhos, Daniela aparece à sua frente.
– "Pronto, meu amor, o tempo acabou e agora vou partir, mas nunca te esqueças que te amo para sempre. Vamo-nos ver em breve. Adeus."
– "Adeus, minha princesa. Agora sei disso. Estou pronto para continuar o meu destino." – Despede-se. – "Mas vai ser difícil."
Renovado, Daniel levanta-se e vai para dentro da casa. Pega a primeira pasta, pensando por que motivo o pai mantinha os trabalhos em papel. Quando abre, um envelope escrito com o nome dele e contendo um microchip de memória cai na mesa. Pega no telefone, insere o chip no slot e manda varrer o conteúdo que é um filme:
– "Querido filho" – são os seus pais – "se estás vendo este vídeo, é sinal que estamos mortos. E, se bem te conhecemos, já deve fazer algum tempo que isso aconteceu. Tu és um garoto inteligente, é claro, e deves saber perfeitamente que não terá sido uma morte normal. Peço-te encarecidamente, meu filho, que mesmo com todas as tuas habilidades, não tentes enfrentar os nossos assassinos. O meu trabalho, que está nas pastas em teu poder, é muitíssimo importante e eu entreguei-te nessa forma porque sabotei os originais no computador. Isso poderá ajudar muito a humanidade, mas trará inúmeros inimigos e, certamente, é o responsável pelas nossas mortes..." – Segue uma descrição do mesmo, mas Daniel já sabe por intermédio do dr. Chang. – "...Como podes ver, não difere muito do que te propuseste a fazer quando criaste a tua empresa. Existe um cientista em Boston com o qual troquei inúmeros e-mails e que pode dar sequência ao que eu fiz, mas ele deve ser alertado do perigo. Os dados dele estão na primeira pasta. Agora, o que importa é que saibas sobre ti e porque tu és tão diferente das outras pessoas da tua idade..."
Por quatro horas, Daniel vê o vídeo que os pais lhe deixaram. Deslumbrado, passa a entender muitas coisas, mas outras ficam pendentes só que, no vídeo, eles forneceram a fonte da informação. Decide tirar o resto do dia para meditar sobre o assunto e, à noite, apesar de ser capaz de ficar inúmeros dias sem dormir, deita-se. Ainda está muito fraco para os seus moldes e acha conveniente a recuperação do sono. Sempre que vai dormir tem o hábito de relaxar até entrar em estado alfa, que lhe dá uma grande sensação de repouso. Deixa a mente divagar e as lembranças do passeio com Daniela vêm à tona, embora difusas. Repentinamente, sente um pensamento estranho perto dele:
– "Olá... quem és tu?" – É uma coisa doce, meiga, muito forte. Assustado, bloqueia a mente imediatamente, perdendo o contato. Quando adormece, o seu bloqueio mental desce e reencontram-se novamente, mas é tudo como um sonho.
Pela manhã, dá um passeio e, à tarde, começa a estudar o material do pai, ficando fascinado. Reconhece, porém, que não tem os conhecimentos necessários para entender tudo e decide que, quando voltar, vai estudar biologia e medicina a fundo. Põe-se a pensar no que vai fazer com a empresa, pois deseja acelerar a capacidade de produção para poder ajudar pessoas em uma escala mais larga. Enquanto pensa, sai para dar um passeio.
O dia está excepcionalmente bonito e perambula por uma estrada cercada de árvores que dão a sensação da mesma estar coberta de um túnel verde. Caminha por alguns quilômetros sempre tranquilo. Depois desses meses compartilhando tudo com a noiva, sente muito a solidão por que passa, mas agora compreende que é temporário. Um ano dez anos ou cem anos, o tempo está na cabeça, mas sente que a solidão dói um pouco, muito, na verdade.
Os dias vão passando e, após estudar todo o material do pai, decide que vai embora um dia mais cedo. Telefona para o caseiro avisando, mas diz que não precisam de o levar, pois quer caminhar os poucos quilômetros que o separam do avião.
― ☼ ―
Ficção. O autor desconhece religião que pregue isso. N.A.
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