Capítulo Dezanove

Tudo estava a acontecer demasiado rápido. Teria ouvido bem? Nate tinha acabado de admitir que tinha violado a minha irmã, ou fora impressão minha? Pela reação de Ava, que estava completamente irritada e enojada, não me parecera ter percebido mal. Não sabia o que fazer. O dia estava a ser bom, estava tudo a correr bem mas, como sempre, algo tinha que estragar tudo. A sombra de Nate estava constantemente sobre a minha relação com Ava e eu estava cansado daquilo – algo tinha que ser feito. Mas o quê? Observei-o dos pés à cabeça, pensando em todos os sítios em que um homem poderia esconder uma arma de qualquer género.

- Para que é que serve isto tudo, Nate? – perguntei, finalmente. – A minha irmã está morta. Ava acabou contigo há quatro anos, porque tu a traíste. O que é que achas que vais ganhar?

- Sabes, às vezes não tem a ver com o que ganhamos. Tem mais a ver com o que o nosso inimigo perde. – encolheu os ombros.

De repente, vi a sua mão passar para as suas costas. Agindo mais por instinto que por outra coisa, larguei Ava e saltei para cima de Nate, tentando imobilizar o seu braço primeiro. Ouvi o grito distinto de Ava, mas não me foquei nisso porque nenhum tiro tinha sido solto. Nate gritou e tentou lutar mas, no final de contas, eu era o mais forte dos dois. Agarrei no seu pulso e empurrei-o com toda a minha força contra o vidro do meu carro, até que ele finalmente perdeu a força na mão e largou a arma. Dei um pontapé à pistola, fazendo com que deslizasse para longe de nós os dois.

Nate aproveitou o único momento de distração em que eu olhei para Ava, para me certificar que ela estava longe o suficiente, para me dar um murro na cara. Cuspi o sangue que me subiu à boca e apressei-me a tentar imobilizá-lo mais uma vez. A luta mostrou-se demasiado renhida para o meu gosto, mas dei o meu melhor. Se é para serem feridos, que firam também. As palavras do líder do nosso grupo da academia vieram ao topo da minha mente. Era um péssimo lema para ensinar a polícias, principalmente jovens impressionáveis como nós éramos, mas não tinha existido espaço para outras interpretações. Numa situação impossível, o importante era defendermo-nos – mas apenas numa situação impossível.

Se eu tivera dúvidas em relação à gravidade de toda a situação, todas elas desapareceram quando vi Nate retirar uma faca de um dos seus bolsos. Tudo se tornou mais urgente; precisava de o deixar inconsciente, ou imobilizá-lo por tempo suficiente até a polícia aparecer. Por entre os grunhidos, tanto meus como deles, tinha ouvido Ava falar desesperadamente com alguém ao telemóvel. Esperava que fosse a equipa de emergência ou, pelo menos, o seu irmão. Esperava que ela estivesse a ser ajudada; não deveria ser fácil estar na sua posição, a sentir-se inútil.

- Dax! – ouvi-a gritar, mas não queria distrair-me. No entanto, os seus gritos ficaram cada vez mais desesperados.

Quando finalmente olhei para ela e vi Dan, a agarrar os seus cabelos para a puxar para trás, senti finalmente o desespero a assentar no meu peito. Precisava de a salvar, mas também precisava de terminar a luta com Nate e estava a revelar-se cada vez mais complicado. Ele tinha levado uma pistola e uma faca – provavelmente soubera que eu nunca desistiria sem uma luta. No entanto, eu nunca andava armado a não ser quando trabalhava no Dove e ele provavelmente soubera isso. Se ele me conseguisse acertar com a faca, eu estaria completamente imobilizado.

Vi o movimento da mão de Nate antes de sentir uma dor aguda a atingir a minha perna. Quando olhei para baixo, vi a faca espetada na minha perna direita e sangue a ornamentá-la. Ao ver aquilo, ri sardonicamente. Nate tinha sido inteligente, na verdade; não só me tinha conseguido acertar, como tinha conseguido fazê-lo num sítio que me faria não conseguir mexer mais. Uma raiva trespassou-me e, por necessidade de ter aquilo terminado de uma vez por todas, empurrei-o contra o meu carro. Com as minhas últimas forças na perna ilesa, dei-lhe um pontapé no maxilar e esperei apenas ter causado estragos suficientes.

Ouvi grunhidos, mas a dor da minha perna estava a nebular o meu pensamento. Ava, tenho que ajudar a Ava. Ao longe, se me focasse o suficiente, conseguia ouvir o som distinto de pneus a esbarrarem no alcatrão. Talvez fosse ajuda. Esperava que fosse ajuda.

Os meus olhos focaram-se a tempo suficiente de ver Ava a canalizar todas as suas forças e a afastar Dan com uma cotovelada na sua garganta. Muito como da primeira noite em que a encontrei, observei-a espantado. Ela conseguiu ganhar balanço suficiente para se virar de frente para o seu atacante e dar-lhe um murro na cara. Dan, mais fraco e magro do que eu me lembrava que ele fosse, caiu com o impacto. Ava deu um pontapé na sua barriga e, depois, outro mais perto da sua cara. Queria gritar para que ela parasse, antes de causar estragos suficientes para se vir a arrepender, mas também percebia a situação por que ela estava a passar. Era a sua catarse, de certa forma.

Olhei para o lado a tempo de ver Nate levantar-se, embora com a mão no seu maxilar. Ava deu conta do barulho que ele fez, porque virou-se. No entanto, inspirei bruscamente porque, na sua mão, Ava tinha a arma que eu tinha conseguido roubar a Nate.

- Não te aproximes, Nate. – ameaçou, visivelmente fazendo um esforço para não mostrar quanto estava a tremer.

- Que adorável. A pequena Ava acha que consegue utilizar uma arma. – Nate brincou, rindo um pouco e cuspindo sangue no chão.

A última vez em que me sentira tão inútil fora na noite em que Sophie me ligara uma segunda vez. Anos depois, descobria que tinha sido Nate, o rapaz que dormia apenas a alguns quartos de distância de mim na academia de polícias, a causar tudo aquilo. Tinha sido ele a causar o esgotamento de Sophie, a dizer-lhe oficialmente que ela não tinha outra razão para viver. Se não tivesse sido ele e a sua existência desprezível, eu teria a minha irmã comigo. E Ava...Ava seria uma mulher completamente diferente. Seria mais extrovertida, menos tímida...conseguiria dançar em todos os bares que lhe apetecesse, porque não teria tanto receio de estar rodeada de homens. Conseguiria confiar mais facilmente em homens.

Nate James destruíra ambos os nossos mundos e parecia ter gostado de o fazer. Tal como ele me dissera, ele preferia que eu perdesse tudo em vez de ganhar alguma coisa. Porque, dali, ele só ganhara outro nariz partido e um maxilar deslocado – talvez até uma pena de prisão, se eu conseguisse levar a minha avante. Mas eu...eu perdera o meu chão. Durante anos tinha sido cordial para Nate, mesmo depois de tudo à minha volta me provar que ele era o pior tipo de polícia, mesmo depois de o meu próprio melhor-amigo ter tido que defender um dos seus amigos da mesquinha maneira de policiar que Nate tinha. Tudo aquilo, apenas para descobrir eu sempre tinha conhecido o homem que tinha roubado a última réstia de gosto de viver que Sophie tinha tido.

- Ava, não faças nada. Tu sabes que te vais arrepender, amor. – falei, por entre a dor. Ava olhou para mim, olhos cheios de lágrimas, e mexeu a cabeça, mas eu não consegui perceber se foi um assento ou um tremor.

- Ele esfaqueou-te. – assenti, respirando dificilmente. Aquilo doía horrores, mas precisava de ajudar aquela situação.

Dan estava inconsciente no chão – obra de uma Ava que tinha mais força e raiva do que qualquer um de nós lhe dava crédito – e agora segurava uma arma, pronta para atacar Nate de igual forma. No entanto, eu sabia que Nate não era Dan. Ele era mais forte, mais rápido e, apesar de Mia há anos ter conseguido partir-lhe o nariz...ele estava treinado para se conseguir defender. Demasiado treinado, na verdade, porque um polícia corrupto era o polícia que melhor sabia dobrar as regras da autodefesa a seu favor.

- Ele violou a tua irmã, Dax. Ele violou-a! – gritou, desesperada. – Eu namorei com um violador.

Por uns segundos, todos nós permanecemos parados. Eu tentei não gemer de dores, para não quebrar o silêncio, e observei Nate com toda a minha atenção. Nate, por sua vez, observava Ava, como se não soubesse o que esperar dela. Ela claramente tinha crescido desde o término do seu namoro e eu supunha que o polícia não se tivesse preparado para aquilo, para uma Ava constituída apenas por raiva e por uma necessidade de justiça. Naquele momento, Ava não era ela própria porque, à sua frente, na sua mão, tinha a hipótese de fazer justiça por ela própria e pela minha irmã. Eu conseguia ver no seu olhar quanto a confissão de Nate a perturbara.

- Namorámos durante um ano e meio, Nate. – Ava falou, engolindo as lágrimas. – Eu achei que eras maravilhoso. Eras amigo do meu irmão, eras polícia, parecias o sonho de qualquer rapariga. Quando me traíste, despedaçaste o meu coração. Mas hoje...ao saber tudo aquilo que fizeste antes de sequer me conheceres e depois de saber que te tornaste num polícia corrupto e miserável...nem acredito que namorei contigo. Nem acredito que te dei um segundo do meu tempo!

- Boneca, tu adoraste namorar comigo. – era incrível como Nate conseguia ser arrogante, mesmo com uma arma quase a tocar-lhe na testa.

Não sabia o que esperar de nenhum deles os dois. A única coisa que sabia era que nunca conseguiria impedir nenhum dos possíveis resultados; parecia preso ao chão, com a minha perna a sangrar e imóvel. Só queria que alguém chegasse, algemasse Nate e Dan e retirasse a pistola a Ava. Queria que tudo aquilo acabasse, finalmente, como ambos merecíamos. Fechei os olhos quando uma onda de dores fortes me trespassou e deitei a cabeça para trás, sentindo-me fraco. Estava a perder sangue, eu sabia, mas não queria ficar inconsciente. Queria esperar até saber que Ava estava a salvo.

Quando tudo parecia estar a ficar demasiado desfocado e confuso na minha mente, ouvi vozes a gritarem e, depois, um único tiro soou. Tentei abrir os olhos, para ver o que tinha acontecido, quem tinha atingido quem, mas não consegui. A única coisa que consegui distinguir foi o som agudo de uma ambulância e a sirene familiar de um carro policial.

- Dax? Dax! Não adormeças. – ouvi ser-me gritado ao ouvido, mas nem a voz da pessoa consegui distinguir. Depois, senti palmadas na minha cara, forçando-me a abrir os olhos. – Daxon!

- Steve?

- Sou eu. – o irmão de Ava confirmou, forçando-me a sentar. – Os enfermeiros vão levar-te para o hospital agora, está bem?

- A...a Ava? Eu ouvi um tiro. – tentei lutar e, como resposta, ouvi um riso.

- O tiro foi meu. Não te preocupes, a Ava está bem, mas ainda bem que o teu primeiro pensamento é em relação à sua segurança. - soltou um riso suave e curto - Vou fazer questão de dizer isso aos meus pais.

Senti-me ser levantado, provavelmente para uma maca, e depois a sensação de rodas debaixo das minhas costas. Uma máscara de oxigénio foi-me colocada e, de repente, estava rodeado por pessoas. Calculei que fossem os enfermeiros de que Steve estava a falar, mas só queria certificar-me de que Ava estava bem, de que o seu irmão não me tinha mentido apenas para eu não me preocupar. Estava frustrado, mas a dor na minha perna estava a tornar-se insuportável e eu sabia que não conseguiria agarrar-me à consciência durante muito mais tempo. Só esperava que, quando acordasse, Ava estivesse realmente bem, e de preferência ao meu lado.

«Daxon Tyler. Vinte e oito anos. Caucasiano. Esfaqueado na perna esquerda há cerca de dez minutos.»

Dez minutos? Parecia ter sido há tanto tempo. A tensão entre Nate e Ava atrasara o passar do tempo, fazendo-me achar que tinha passado no mínimo meia hora. Ficava feliz por estar errado, no entanto, porque também significava que não tinha perdido tanto sangue como achava. Só esperava não ficar com danos demasiado graves na perna. Porra. Eu precisava de conseguir andar. Precisava de trabalhar no Dove e de tratar de tudo e de proteger o meu estabelecimento. Como é que ia fazer isso tudo?

O tempo parecia ter parado quando voltei a abrir os olhos. Em vez da confusão da ambulância em que tinha sido transportado, acordei para enfrentar uma maca rodeada por uma cortina. Respirei fundo e procurei o botão que sabia estar algures naquela maca, para chamar a enfermeira. Quando o encontrei, estiquei a minha mão e cliquei rapidamente. Ouvi uma campainha soar durante uns segundos, até finalmente ouvir passos. Respirei fundo, não sabendo se me deveria atrever a tentar mexer a perna ou não. Para me certificar de que não causaria problemas a mim mesmo, permaneci quieto, imóvel.

- Senhor Tyler, bom dia. – cumprimentou a enfermeira, acompanhada de um auxiliar, que puxou a cortina para entrar.

- Bom dia?

- Vamos só fazer umas análises para nos certificarmos de que está tudo bem hoje, pode ser? – assenti, deixando que a enfermeira colhesse o sangue, enquanto a enfermeira me media a febre e me picava o dedo. – Já vou chamar o doutor, para lhe explicar o que aconteceu. Tem muita gente à espera para o visitar, senhor Tyler.

- Tenho?

- Oh, sim! – a enfermeira confirmou, sorridente. – As melhoras e até já.

- Obrigado. – murmurei, depois de aceitar o copo de água que a auxiliar me ofereceu.

Pouco tempo depois disso, um sono voltou a atacar-me e, portanto, voltei a fechar os olhos.


este capítulo faz-me sempre sofrer muito. imagino o pânico da ava, a sensação de inutilidade do dax...a arrogância do nate...

só falta mais um capítulo, o que significa que esta nossa aventura está mesmo mesmo MESMO a chegar ao fim. obrigada por terem acompanhado a história da Ava e do Dax até aqui, com os seus altos e baixos e tudo mais <3

até à próxima semana ehehe espero que tenham gostado!!

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