VINTE E TRÊS - Fronteiras - Parte I
Quando abri os olhos a van já estava desacelerando. A noite ainda não tinha passado, mas o amanhecer estava há poucas horas daquele momento.
— Estamos chegando. — Raphael falou quando percebeu que eu estava acordada.
Quando a van parou, não conseguia ver nada ao redor. Meus olhos rapidamente se acostumaram com a escuridão, apoiados por meu elemento. Mato seco, e poucas arvores retorcidas eram a paisagem, de um dos lugares mais perigosos de toda Nova República.
As fronteiras, um lugar fortemente vigiado pelo governo, palco de guerras e espionagem, além de via de entrada para refugiados. Pelo menos era, antes do governo cair.
— Por aqui. — Jase falou, me virei para o local que ele já seguia. Uma vila, não mais do que uma dezena de casas precárias, estavam cravejadas na encosta da colina. — Fiquem atentos, atrás da colina é Território de Ninguém.
Apenas os quadrantes tinham muros de proteção. Algumas dezenas de anos atrás a Nova República tinha ganhado uma guerra, contra a cidade estado mais próxima, Andrômeda, os soldados da luz treinados e poderosos da capital tinham varrido qualquer sinal elemental da vizinha, que ficava a aproximadamente cem quilômetros dali, como uma forma de assegurar paz duradoura, como uma maneira de proteger os recursos disputados que tínhamos.
A van nos deixou, após Jase fazer os últimos ajustes em relação a hora em que deviam retornar, até lá ficariam escondidos, o mais próximos que poderiam.
Andamos no escuro, mais ou menos meia hora até a vila, que nem energia elétrica aprecia ter, julgando a luz alaranjada vinda do que apareciam ser lampiões.
Nos separamos em duplas, para vigiar. O sol começava a aparecer no horizonte. Eu e Raphael, ainda não tínhamos visto nenhum sinal dos Anti. Devíamos nos encontrar ali no por do sol. Jase tinha se disfarçado, trocando o uniforme preto que se assemelhava em muito com os dos soldados da luz, se ignorasse que não esbanjava as cores fortes, a representação de cada elemento.
Não tinha muita coisa que vigiar naquele lugar. Pessoas vivendo como animais, provavelmente trabalhavam em alguma mina do governo perto dali. Sujas, magras demais, e com olhar perdido. O governo nem ao menos se dava o trabalho de mandarem autoridades para fiscalizar o assentamento de mineiros sem elemento, era como se soubessem que pessoas tão perdidas, não teriam forças para nenhum tipo de desobediência.
As poucas que tínhamos visto, do lugar escondido entre as casas mal feitas que tínhamos encontrado, não se falavam, mantinham a cabeça abaixada enquanto seguiam colina acima, por uma trilha que não podíamos ver.
Aquilo pareceu acender algo em mim. Pessoas não precisavam ter que viver daquela forma, não quanto alguns tinham tanto, não quando o governo, e agora a ordem, nadavam em recursos, e apenas aqueles dignos tinham a chance de aproveitar essa bonança.
Olhei para Raphael, que parecia tão irritado quanto eu.
— Temos que...
— Não podemos fazer nada para ajudá-los ainda. — Raphael me cortou, ele engoliu, sem tirar os olhos das pessoas que lentamente desapareciam na trilha. — Não temos como. Ainda.
A última palavra soando como uma promessa. Confiei. Ele tinha visto aquilo varias vezes, ele tinha morado muito de sua vida em um lugar provavelmente exatamente como aquele. Ele e todos do círculo tinham se arriscado para conseguir mudar isso.
— Mal temos recursos para os que já moram no quartel. — Ele continuou, seu olhar parecendo cada vez mais quebrado.
Raphael me olhou, seus olhos brilhando, contra o sol. Eu o beijei, brevemente, apenas para lembrá-lo:
— Tenho certeza que se tivesse qualquer maneira, de fazermos isso agora. Você já teria encontrado. — Falei, e então olhei novamente para a vila. Se por algum acaso vencêssemos a ordem, se por alguma felicidade déssemos um novo rumo para a cidade, eu mesma voltaria ali, e tiraria todos do suplício que pareciam viver.
O sol começou a se por, e me lembrei da frase que o avô de Felipa tinha nos deixado pelo rádio. No limite leste das fronteiras. No final do dia. No final do mês. Meus músculos já doíam e latejavam pelas longas horas na mesma posição.
Meu pai anunciou sua presença, antes de se aproximar de nós por atrás.
— Descobriu algo? — Perguntei a ele.
— Não. — Respondeu Jase. — Se recusavam a responder qualquer coisa, e não achei seguro usar a busca em suas mentes. Mas pelo que ouvi aqui e ali, não parecem nem ao menos saber o que aconteceu na capital.
— como isso é possível? Quem é o fiscal da mina? — Raphael perguntou, com a voz baixa.
— Deve morar lá em cima. — Jase apontou para a trilha que tínhamos observado todo o dia. — Mas não consegui ver nenhum sinal da ordem. Ou de alguma mudança por aqui.
— Isso só pode significar que quem quer que more lá em cima, é da ordem. Ou o teriam substituído. — Afirmei, e Jase concordou.
— Vamos nos concentrar em nossa missão. — Meu pai anunciou. — No quartel podemos saber melhor sobre a situação desse lugar. Viram algum Anti?
Balancei a cabeça negativamente.
— Nem nenhuma das duplas. — Jase pegou o pequeno dispositivo que carregava e digitou rapidamente algo. — Pedi para que Stefano e Felipa nos encontrassem aqui. O resto esta no perímetro da cidade, vão nos avisar se virem alguém chegar.
Aquilo estava parecendo estranho. Nenhum sinal das pessoas que devíamos encontrar, o dia todo.
Depois de alguns minutos, foi a vez de Stefano e Felipa se juntarem a nós.
— E agora, ficamos sentados aqui esperando? — Falei.
E logo me arrependi quando uma presença conhecida saiu da sombras.
— Eu avisei que viria até nós, Theodora. — Reconheci a voz, antes que pudesse ver o rosto da mulher que tinha sido amiga de minha mãe. Que tinha me contado como Rosa tinha traído Jase, se aproximando com um propósito.
— Olá, Tamara. — Falei.
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