Capítulo 4 - parte 3 (não revisado)

"Realmente, nós os centurianos povoamos muitos mundos. Quando começamos a colonização desta galáxia, a Via-Láctea, como vocês a chamam, construímos espaçonaves gigantescas, de cerca de cinco quilômetros de lado. Nelas, além dos colonos, havia todo o material necessário para iniciar uma nova civilização. A ideia era deixar as colônias autossuficientes, sem interferir na vida delas porque, o Conselho dos Quatro, o nosso governo, decidiu que não deveríamos intervir na colonização para que os colonos desenvolvessem a sua própria identidade e não se imaginassem como dependentes da Centúria. Confesso que não tenho fé nesse princípio, mas foi isso o que o Conselho decidiu por unanimidade. É claro que tal situação faria as colônias esquecerem-se das suas origens após alguns séculos ou milênios. Apesar da lei de não interferência, todas as colônias eram monitoradas em períodos regulares e, eventualmente, poderíamos criar uma interferência leve, porém indetectável. Na prática, todas as colônias, sem exceção, acabaram por nos esquecer e, também, acabaram regredindo e perdendo grande parte senão toda a sua tecnologia. Muitas delas chegaram mesmo a cair na barbárie ou pior, na pré-história, e levaram milhares de anos para se reerguerem, mas, mesmo assim, o Conselho insistiu na não interferência. O vosso planeta não foi diferente, embora por motivos adversos e uma terrível ironia do destino."

Daniel ouvia a exposição com toda a atenção, da mesma forma que os demais. A sua curiosidade nata fervilhava e imaginava como seria isso porque ela falava de uma história de quatrocentos milênios.

– "O nome que deram ao vosso mundo era o mesmo nome com que a nave dos vossos antepassados remotos foi batizada. Chamava-se Atlantis." – Todos soltaram uma exclamação. – "Vejo que ainda têm algum tipo de lembrança."

– Sim. Uma lenda sobre um continente perdido, que supostamente afundou no oceano.

– "O planeta Atlantis tinha um continente que foi chamado de Atlântida, onde a nave desceu e se formou a primeira colônia, que era próspera e muito rica. Atlantis foi considerado um dos mais privilegiados planetas da Galáxia, com riquezas incríveis e condições de sustentação de vida inigualáveis. Ele era tão perfeito, que muitos chegaram a pensar que aquele é que deveria ser o mundo central da Centúria. Os colonos de Atlantis prosperavam e cresciam como nenhuma outra colônia. Em vez de perderem a tecnologia, continuaram a desenvolvê-la e em menos de quinhentos anos eles viajavam pelas estrelas nas suas próprias naves, comerciando conosco. Contudo, aconteceu que eles deixaram de aparecer durante um período que deixou o Conselho inquieto. Como Atlantis não era monitorado por nós por ser uma civilização galáctica independente, até com a sua própria navegação espacial, demorou alguns anos até que mandaram uma nave averiguar o motivo. Dias depois ela retornou com a notícia que uma grande catástrofe de origem geológica acontecera, catástrofe essa que afundou o continente Atlântida. Os motivos que a provocaram são desconhecidos para nós, mas apuraram que um rumor corria entre os sobreviventes alegando que aconteceu algum tipo de experiência científica fracassada e que foi causadora do desastre. Felizmente, quase todos escaparam e cada raça, escolheu um dos continentes remanescentes para viver. Foi assim que surgiu a separação do vosso povo que infelizmente não salvou quase nada dos recursos materiais. Por causa disso, em poucos anos, regrediram à barbárie e ficaram assim por milhares de anos, quase trezentos mil. Entretanto, a nossa política de não envolvimento prevalecia porque somente os fortes poderiam sobreviver na Galáxia, como nos provou a experiência. Nenhum dos colonos Atlantes tinha o que vocês chamam de o gene. No nosso povo, o gene estava surgindo pouco antes dessa época. Houve desconfiança e os não portadores desejaram separar-se de nós. Por isso, houve tanta colonização, nesse período.

– Entendo. Na Terra também houve alguma desconfiança, mas a harmonia prevaleceu. Entretanto, a maior parte dos colonos também era de não portadores, exceto em alguns planetas. Só que somos ainda muito poucos. Apenas eu e a minha esposa temos o grau máximo. Ao contrário de vocês, nós fundamos um Império Estelar que governa unido. Somos uma união e eles não são colônias e sim estados autárquicos submetidos a um governo central. Até agora, tem-se mostrado uma ótima foma de governo.

– De fato, houve outras correntes de pensamento, uma delas da qual faço parte, que pensa assim e que defendia uma união de planetas e não concordava em deixá-los à própria sorte, mas eramos uma minoria. Quanto ao gene, costumam ser poucos os que têm o grau cem. Só em alguns milhares de anos se tornará mais comum, mesmo assim, serão minoria.

– Entendo – disse o doutor Chang. – Da mesma forma que também posso entender o seu Conselho.

– Nós limitávamo-nos a observar as colônias – continuou Edna, após um aceno de cabeça. – Mas, às vezes, interferíamos um pouco apenas no sentido orientador, em especial quando víamos crises muito grandes. No vosso mundo, há cerca de três mil anos, nasceu um homem que também era um dos nossos. Antes de nascer, por orientação "divina" ensinamos como salvar a criança do gene. A mãe da criança foi inseminada por uma das nossas equipes e a memória dela foi apagada dessa lembrança. Esse homem, que vocês chamaram de Jesus, tinha o objetivo de refrear a violência crescente no povo dominante e trazer alguma orientação. Nós o ensinamos sobre tudo o que ele precisava de saber, inclusive sobre o seu mundo de origem. Parece que acabaram formando uma religião em cima disso.

– Caramba, a Igreja Católica vai subir as paredes quando souber disto – disse Daniel, mais para si do que para os outros, rindo e arregalando os olhos. – Realmente foi fundada uma religião que dominou o mundo por séculos. Infelizmente, os cristãos nem sempre seguiram os ensinamentos que pregavam. Mataram indiscriminadamente só para manter o seu poder. Hoje, quase não têm expressão, mas ainda possuem muita influência. Não imagina as guerras religiosas que se formaram nesse período da nossa história.

– Imagino sim porque acompanhamos isso. Foi assim que nós decidimos nunca mais interferir. Chegamos à conclusão que teria sido melhor ele não ter feito isso.

– O que aconteceu com ele?

– Ascendeu após "ressuscitar". Isso que vos conto, aconteceu em muitos mundos. Alguns destruíram-se, outros estagnaram e outros foram escravizados. A vossa repentina evolução e o gene, deve ter um motivo nesse Jesus. É possível que ele o tenha passado em forma recessiva para os descendentes. Quando vocês tiveram a tecnologia para salvar as vidas... já sabem.

– Edna, você presenteou-nos com uma parte da nossa história que era obscura ou perdida. Não imagina a satisfação que temos em ouvi-la. Basta olhar para a cara dos meus cientistas, mas não me parece lógico que ele tenha transmitido o gene para os descendentes. Dois mil anos seria o suficiente para a espécie humana ter deixado de existir porque a nossa medicina só evoluiu um pouco a partir do século XVIII.

– Com licença, Edna – disse o doutor Chang. – Esse gene é proveniente de manipulação genética ou é natural?

– Acreditamos que é mera consequência da evolução, já que nunca fizemos experiências genéticas para alterar o DNA. Quantos anos tem, doutor, e qual o seu grau?

– Sou noventa e dois, tenho pouco mais de trezentos anos.

– Acima de noventa, o senhor viverá até cerca de dois mil anos. Acima de noventa e seis, de três a quatro mil, noventa e sete, cinco a seis mil. O grau cem não morre. Ascende antes disso. Vocês – ela apontou para o casal e sorriu-lhe. – São imortais, da mesma forma que eu. Não no sentido literal da palavra. Apenas, antes de morrerem, já terão ultrapassado o ponto máximo de evolução e sobem um nível. Chamamos isso de ascensão.

– Sabemos o que é a ascensão. A minha primeira mulher ascendeu, mas por uma circunstância infeliz.

– Qual foi a idade mais alta de um centuriano? – perguntou o doutor Chang. E por que não vejo mais ninguém aqui. A cidade está deserta!

– Pouco mais de cem mil anos do vosso tempo. Não há mais centurianos neste mundo. Todos já ascenderam.

– E você?

– Eu já ascendi há muito tempo, mas vivi cerca de quinze mil anos – respondeu ela e a equipe arregalou os olhos. – O que vocês veem aqui é uma réplica minha com todo o meu conhecimento. Algo que, de forma simplificada, poderia ser chamado de uma máquina humana. Eu tenho cerca de mil anos.

– Máquina!?

– Sim, máquina biológica. Exatamente igual ao que eu era, similar a um clone. Eu poderia até ter um filho com um de vocês, que seria perfeitamente humano. Na verdade, eu sou um ser humano completo, mas artificial. Tenho a minha identidade própria, o meu espírito e, um dia, acabarei por ascender. Mas também tenho todo o conhecimento e memórias da Edna original. Ela fez isso porque sempre teve esperança que um dia alguma colônia nos encontrasse, e estava certa. Bem, agora é a hora de vos decepcionar. Como eu vi na sua mente, Alteza, vocês vieram aqui em busca de aliados contra os tantorianos que nós chamamos de Ibrrs. Infelizmente como eu disse antes, não existem mais seres vivos na Centúria porque eu fui a última a ascender. Entretanto, nós deixamos o nosso legado para aqueles humanos que nos alcançassem.

– Meu Deus!

– Não devem, porém, preocupar-se com isso. A vossa tecnologia chega a ser bem superior à nossa. Não tínhamos a matemática que criou, Daniel, e que agora conheço por ter visto o seu espírito. Também não temos reatores de antimatéria, nem voo de mergulho, nem os canhões de impulso ou o campo de supercarga. Aquela nave enorme teria destruído facilmente toda a nossa frota, mas sempre vencemos os Ibrrs. Vocês derrotaram uma frota dez mil vezes maior que a vossa. Eles não têm aliados ou amigos, só inimigos. Por isso, nada temam. O nosso mundo estará sempre aberto para os terráqueos e o Império do Sol, pois vocês são a partir de agora os nossos herdeiros. As nossas naves e centros de defesa já estão com o conhecimento da vossa língua e os controladores mestres foram orientados a verem-no como o novo líder centuriano, Majestade.

– Obrigado, Edna, mas pode chamar-me simplesmente de Daniel – disse o Almirante, decepcionado. – Queria tanto ter conhecido o seu povo. Como seria maravilhoso conhecer os pais da nossa civilização.

– Mas conheceu e conhecerá mais porque abrirei o meu espirito para si, só que na hora adequada. Agora, devem saber que os tantorianos precisam de ser destruídos a qualquer preço. São uma ameaça enorme à Galáxia. Bem sei que vocês relutam em usar da violência, mas acreditem em mim que é imperioso, antes que se tornem poderosos demais.

– Mantenha os seus amigos próximos e os seus inimigos mais próximos ainda – disse Daniel, citando Sun Tzu. – Não vejo motivo para destruir uma raça inteira, basta controlá-los de perto.

– Digo isto, porque nós os poupamos mais de uma vez e agora eles destroem e escravizam todos os mundos humanos. São cruéis, desumanos.

– Não concordo, Edna. As fêmeas deles são mais inteligentes e dóceis. Submetem-se por problemas fisiológicos e nós já as ajudamos. Com o auxílio de uma droga hipnótica, subjugamos alguns prisioneiros, fazendo-os ficarem dóceis. Acredito que a segunda geração dessa leva possa ser melhor, pois é provável que a educação recebida na infância ajude. Acho que eles merecem uma chance. Entretanto, acredito que tenha razão quanto a destruir Tantor, infelizmente.

– Bem – disse o doutor Chang. – Estudei o genoma deles e posso tratar as fêmeas para eliminar um gene que pode estar ligado à agressividade natural dessa raça.

– Nesse caso, as circunstâncias mudam um pouco, mas todo o cuidado é pouco porque esse povo ataca pelas costas, de forma cruel e traiçoeira, como vocês mesmos já sabem. Afinal, sentiram isso na própria carne.

– Tem razão, Edna – disse a Daniela. – Mas o meu marido jamais exterminará uma espécie exceto se não houver alternativa. Afinal conheço-o muito bem.

Por alguns segundos a mulher centuriana olhou para Daniel e, após, para a esposa, com os olhos brilhantes.

– Acredito que assim seja porque vi muita bondade no seu espírito, mas todo o cuidado é pouco – respondeu. – Quando os Ibrrs retornaram e começaram a atacar os mundos humanos que encontravam, várias naves-robôs de observação relataram isso, mas já éramos muito poucos para os salvarmos. Não havia elemento humano suficiente para comandar uma esquadra de combate. Depois, as observações foram canceladas assim que a Edna original ascendeu. Eu fiquei apenas como guardiã.

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