02

Winter's pov:

Moro com minha tia em um apartamento em cheongdam, tudo graças ao seu emprego bem remunerado em um grande escritório de contabilidade.

Taeyeon sempre esteve presente, mesmo depois de ter se mudado para Nova York por conta de uma grande oportunidade profissional. Durante os anos que passou morando no exterior, ela sempre me disse que eu poderia ligar quando precisasse. E, quando o pior aconteceu, quando minha vida deu uma reviravolta, corri para ela e minha tia não pensou duas vezes em me acolher.

Quando entro no apartamento encontro as luzes acesas — minha tia está na cozinha. Observo enquanto ela aquece uma panela e despeja óleo e alguns ingredientes da forma prática de alguém que sabe de fato cozinhar. É impossível não sentir fome quando o aroma invade o ambiente.

Só de ver o quanto ela parece relaxada mesmo depois de um dia de trabalho no escritório, um pequeno sorriso surge em meus lábios.

— O que temos para o jantar hoje? — Pergunto, aproximando-me.

— Ei, não vi quando você chegou — ela diz, abaixando o fogo e afastando-se do fogão.

— Estou aprimorando minhas habilidades especiais — brinco, puxando a banqueta do balcão para me acomodar.

— Então, como foi a faculdade? — Minha tia pergunta, olhando para mim. Dou de ombros e ela me lança um leve sorriso. — Não me venha com esse papo de que "foi tudo bem".

— Não seja boba. As coisas por lá foram bem tranquilas para um primeiro dia, mas… — Me inclino sobre o balcão e sorrio. — Lembra da garota que não fala com ninguém da sala? Então, ela é minha nova parceira da aula de gêneros jornalísticos e técnicas de entrevista.

Ela reage da mesma forma que eu reagi quando descobri isso.

— E isso é ruim, eu imagino.

— Ningning era minha antiga parceira.

— Hum. — Ela se vira para conferir a panela. — Então definitivamente é ruim.

Concordo com um suspiro.

— Me fale mais um pouco sobre sua nova parceira. Essa garota, como ela é?

— Ela é alta, cabelos roxos, desagradável.

E assustadoramente impenetrável.

Os olhos de Jimin são tão intensos que parecem absorver tudo e não devolver nada. Não que eu queira saber mais sobre ela. Se não me senti confortável com o que vi por fora, duvido de que vou pensar o contrário do que se esconde lá no fundo.

O único porém é que isso não é bem verdade. Eu adorei o que vi. Ela é linda, mas tão linda que chega a ser uma ofensa. E tem um sorriso que é meio debochado, meio sedutor. Está difícil convencer a mim mesma de que devo ignorar algo que já começa a parecer irresistível.

Ficamos ali conversando enquanto nos deliciávamos com o jantar e tomávamos nossas bebidas. A conversa flui fácil. Taeyeon é uma dessas pessoas que deixam o clima confortável sem esforço algum. Uma mulher de muitas conquistas, mas sensível de inúmeras formas. Seu sorriso é tão bonito que faz com que todos se sintam protegidos quando olham para ela.

Olhar para seus olhos meio que me faz sentir como se eu estivesse em paz.

Às nove da noite, minha tia sai para se encontrar com alguns amigos, e eu fico sozinha com meus pensamentos.

Começo a examinar as sensações que tomam conta de mim. Não estou cansada. Nem estou tão solitária. Mas estou um pouco ansiosa por conta do trabalho da faculdade. Disse a mim mesma que não ia ligar para Jimin, e algumas horas atrás era essa mesmo a intenção. Mas, agora, tudo em que eu consigo pensar é que não quero uma nota ruim.

Pego o celular e olho para o que havia sobrado dos dígitos ainda marcados em minha mão. Secretamente, tenho esperanças de que Jimin não atenda minha chamada. Se não estiver disponível ou se não quiser colaborar com o trabalho, eu vou ter provas contra ela para convencer o professor Park a mexer na distribuição dos lugares. Esperançosa, disco o número.

Jimin atende no terceiro toque.

— E aí?

— Estou ligando para ver se a gente poderia se encontrar hoje — digo em um tom de voz natural. — Sei que você comentou que estaria ocupada, mas…

— Minjeong — Ela pronuncia meu nome como se fosse o desfecho de uma piada —, achei que você não ligaria.

Abro a boca na esperança de que saia alguma frase inteligente.

— E então? Podemos nos encontrar ou não?

— Pelo jeito, não vai ser possível.

— Não vai ser possível ou você não quer?

— Estou no meio de uma festa — escuto o sorriso implícito na voz dela —, uma festa muito importante.

Pelo barulho ao fundo da ligação, acho que ela diz a verdade — sobre a festa. Se é mais importante que o trabalho é algo que depende das prioridades de quem fala.

— Onde você está? — Pergunto.

— No Moonlight Seul. Não é o tipo de lugar que você costume frequentar.

— Então vamos discutir o tema por telefone. Tenho uma lista de perguntas bem…

Ela desliga na minha cara.

Fico olhando o celular completamente atônita, então respiro fundo e o coloco de lado.

O relógio na parede indica 21h10. Eu tenho duas opções. Ou faço o trabalho sem Jimin ou dirijo até o Moonlight Seul. A primeira opção é tentadora se eu conseguisse esquecer o aviso do professor sobre debater o assunto com a dupla. Além disso me recuso a fazer o trabalho sozinha. E a segunda opção? Não é nenhum pouco tentadora.

Então lembro do que Jimin falou sobre minha Indecisão e fecho as mãos em punhos.

Com a determinação renovada, pego meu celular, apanho minhas chaves e vou até o meu carro. Olho para o banco do carona, e, por uma fração de segundo, posso jurar que vejo minha mãe sentada ali conversando comigo. As vezes isso ainda acontece, como se meu cérebro não tivesse registrado o que aconteceu a dois anos atrás.

A verdade é que eu nunca me sinto completamente sozinha. Logo depois que meus pais foram assassinados, uma estranha presença surgiu em minha vida. Como se alguém estivesse orbitando em torno do meu mundo, observando-me à distância.

Enquanto dirijo pela rua principal, vejo várias pessoas paradas do lado de fora de um bar. Estaciono o carro no meio-fio, e salto.

Observo um dos jovens brincar com seus amigos e dar uma risada. Com toda certeza o bar deve estar repleto de estudantes das melhores universidades e cidadãos exemplares. Tento ver isso com superioridade e indiferença, mas estou com um nó no estômago. Depois de respirar fundo, eu me dirijo à entrada.

O segurança olha para mim, verifica minha identidade, e permite que eu entre depois que pago. Sinto uma onda de raiva pelas mudanças na sala de aula e, em especial, por ter de estar ali. Só preciso encontrar Jimin e então poderemos fazer a trabalho do lado de fora.

Um número razoável de pessoas circula pelo lugar. O ruído das conversas, misturado com a batida da música eletrônica, preenche meus ouvidos. Por sorte, nada muito alto. Eu ainda consigo pensar.

O espaço é amplo, decorado num estilo minimalista e moderno, com vigas metálicas expostas em ângulos agudos. Um bar enorme ocupa os fundos do recinto, e um DJ comanda a música de uma cabine no alto da parede adjacente. Há poucos lugares onde sentar, só alguns sofazinhos dispostos ao redor de mesas baixas de metal. Jimin ocupa uma delas, acompanhada por mais algumas pessoas.

— Jimin! — Exclamo.

Assim que chamo seu nome, ela coloca um copo sobre a mesa e ergue a cabeça, me encarando com um ar que mistura surpresa e curiosidade.

Ela se levanta e um sorrisinho surge em seus lábios. É difícil dizer se é um sorriso simpático ou debochado.

Jimin enfia a mão no bolso da calça e caminha na minha direção como se desfilasse numa passarela. Ela inteira é digna de uma passarela, mas o blazer azul marinho dá um toque especial. Parece caríssimo e muito bem ajustado, bem diferente de qualquer coisa que eu já a vi usando.

Antes que ela possa se aproximar, avanço por entre as mesas para chegar nela. Dou os primeiros passos bastante segura, mas descubro que minha confiança diminui conforme nos aproximamos.

Então percebo que há algo de diferente em Jimin. Não sei exatamente o quê, mas parece uma espécie de intensidade. Mais confiança.

Mais liberdade para ser ela mesma. E aqueles olhos… aqueles intensos olhos castanhos estão me tirando do eixo. É como se eles não enxergassem nada além de mim naquele recinto. Passo a mão nos cabelos discretamente e tento ignorar o frio na barriga. Não sei exatamente o que é, mas há algo de errado em Jimin. Algo nela não é normal. Algo não é… seguro.

— Desculpe por ter desligado — ela diz, aproximando-se de mim. — Não estava conseguindo escutar direito por conta da música alta.

Com um gesto de cabeça, ela indica para que eu a acompanhe até a sua mesa. Então pede aos outros que saiam. Há um silêncio desconfortável antes que alguém se mexa. Uma garota esbarra no meu ombro ao passar. Recuo um passo para recuperar o equilíbrio e olho para cima a tempo de ver a cara feia dos outros dois jovens ao partirem.

Que maravilha. Não é culpa minha Jimin ser minha parceira na faculdade.

— Uma festa? — Pergunto, arqueando uma sobrancelha e tentando parecer completamente segura, completamente à vontade. Talvez ela estivesse certa e o Moonlight Seul não fosse mesmo um lugar para mim. Isso não quer dizer que eu vou sair correndo daqui. — Estou vendo bem quais são suas prioridades.

Ela passa as mãos nos cabelos, sorrindo.

— Em minha defesa, eu já havia confirmado presença então não podia simplesmente não aparecer.

— Presumo que dê sua contribuição para o estabelecimento. Quantos copos por noite?

— Eu não bebo. — Ela parece sincera, mas não me convence.

— Mesmo? — digo, apontando para seu drinque sobre a mesa.

— Não tem álcool — diz Jimin, ainda sorridente.

Olho nos olhos dela e não consigo deixar de retribuir o sorriso — por pouco tempo.

— Olha, segundo o professor Park a gente deveria se conhecer melhor e assim dar início ao nosso trabalho. Mas eu não sei nada sobre você. Por exemplo, qual é o seu maior sonho?

— Beijar você.

— Não tem graça — falo, olhando-a nos olhos, grata por não ter gaguejado.

— Não, mas você ficou vermelha.

Recosto-me na lateral da mesa, tentando parecer indiferente.

— Você trabalha?

— Vamos apenas dizer que estou fazendo isso agora.

— Ningning me disse que você é uma aluna transferida. Porque resolveu trocar de faculdade?

— Fico me perguntando como ela conseguiu essa informação.

— Está dizendo que não foi transferida?

— Estou dizendo que não frequentei a faculdade no ano passado.

Seus olhos me provocam. Isso só me deixa mais determinada.

— Trancou o curso?

Jimin dá um passo na minha direção. Então inclina a cabeça e abre um dos seus sorrisos.

— Um segredo? — Ela diz em tom confidencial. — Nunca fui à faculdade. Outro segredo? Não é tão ruim quanto eu imaginava. Até que estou curtindo esse curso de jornalismo.

Ela está mentindo. Estamos no quarto semestre, não tem como ela ter entrado na faculdade só agora. Existem leis. Ela está mentindo para se divertir com a minha cara.

— Acha que eu estou mentindo — ela diz com um sorriso.

— Você nunca foi à faculdade? Se é verdade, e, você tem razão, não acho que seja, o que a levou a decidir frequentar as aulas este ano?

— Você.

O impulso de sentir medo me atravessa, mas digo a mim mesma que isso é exatamente o que Jimin quer. Mantendo-me firme, tento parecer apenas incomodada. Ainda assim, preciso de um momento para recuperar a voz.

— Essa não é uma resposta verdadeira.

Ela deve ter se aproximado mais, pois de repente nossos corpos não estão separados por nada além de poucos centímetros.

— Seus olhos, Minjeong. Esses olhos castanhos cheios de mistério são surpreendentemente irresistíveis. — Ela inclina a cabeça para o lado, como se quisesse me examinar por um novo ângulo. — E esses lábios…

Me afasto dela, desconcertada não tanto pelo comentário, mas por sentir meu coração reagindo a isso de forma positiva.

— É isso. Vou embora.

Mas assim que as palavras saem da minha boca, vejo que não são verdadeiras. Quero muito ficar ali por mais tempo e descobrir mais sobre ela. Examinando os pensamentos conflitantes que passam por minha cabeça, tento encontrar o que acho que devo dizer.

— Você parece saber muito sobre mim — digo, revelando a novidade do ano. — Mais do que deveria. Parece que sabe exatamente o que dizer para me provocar.

— Você ajuda.

Uma fagulha de raiva percorre meu corpo.

— Chega. Aproveite sua festa. — Digo, passando as mãos nos cabelos enquanto respiro fundo. — Não gosto de ser sua parceira. Não gosto desse seu sorriso condescendente. — Fico pensando se não estou mentindo outra vez. Se estou, eu definitivamente não me reconheço mais.

— Tenho que discordar. Estou feliz que o professor tenha nos colocado juntas — ela diz.

Percebo uma levíssima ironia na palavra "professor", mas não consigo entender o que isso pode significar.

— Gostaria de poder mudar isso.
Jimin acha tão engraçado que abre um sorriso. Estende a mão para mim e, antes que eu possa me mover, tira alguns fios de cabelo do meu rosto.

— Melhor assim — ela explica, naturalmente.

— Não sei de onde você tirou que essa presunção toda é atraente — falo, um tanto nervosa por notar o efeito que ela está tendo sobre mim.

Jimin parece não se abalar com meu comentário.

— Mais alguma pergunta? Algum comentário? — Ela diz.

— Não.

— Então até a aula do professor Park.

Penso em dizer a Jimin que ela nunca mais irá me ver. Mas não vou engolir minhas palavras na manhã seguinte.

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