capítulo 01

Jason Hart

Olhando através de uma pequena fresta, tão minúscula e imperceptível, assisti tudo que pude. Não soube mais o que era respirar, apenas sentia meu coração bater tão forte enquanto o mundo também parecia fazer o mesmo, olhando e admirando um ser tão... majestoso.

Me esforcei para focar apenas naquele corpo ágil, formando desenhos aleatórios, mas lindos e únicos sobre o gelo.

Muitos teriam medo de encarar. Apenas estar sobre uma fina lâmina, mantendo seu equilíbrio sempre a jogo, além toda a habilidade para pular e girar tantas vezes no ar que não sabia como não ficava tonta ou caia. Era tão assustador quanto apenas correr de um lado para o outro tentando pegar um disco disputado por brutamontes. Sei que hóquei é bem mais que isso, mas de alguma forma ela fazia parecer que era algo idiota e estúpido comparado a tudo o que está fazendo nesse momento.

Cada movimento parecia mais calculado, mais perfeito e alinhado. Quis participar daquilo, e o pensamento não durou mais do que um milissegundo. Seria impossível. 

Ao menos sei quanto tempo estou aqui parado, vez ou outra meus olhos cansam, mas não saio de onde estou.

Todo o ginásio permanece em um silêncio quase ensurdecedor se não fosse pelos rasgos que faz na pista – onde logo estaria fazendo o mesmo também.

Quando decidi vir mais cedo para o ginásio, apenas na intenção de treinar um segundo a mais, ou apenas me habituar nessa realidade, não tinha ideia que a encontraria.

Não sabia que ainda patinava, ou ao menos treinava ao ponto de estar com os passos tão seguros e cheios de si, sem aquele medo que via vez ou outra, muito raramente, em seus olhos. Antigamente. O dia que eu visse medo novamente rastejando ou passando naqueles olhos amendoados escuros, tenebrosos, seria um milagre.

Nunca mais vi nenhum tipo de sentimento passando por ali além de raiva.

Só não faço ideia do que; e do porquê.

É bizarro ver ela de tão longe agora, não só fisicamente, mas isso também não significa que a quero por perto, não depois de tudo. Mas sem conseguir negar ou desviar, tenho que admitir, ali não é só um corpo dançando, depois de segundos assistindo parecia existir algo mais, um tipo de dor que não imaginava conseguir ser expressa de forma tão real e vivida.

Parecia que eu poderia tocar se levantasse minha mão, como se tocasse o ar, eu tocaria a tensão fria e dolorida de uma dança tão distante.

Ela parecia assim; tão distante quanto algum dia já foi.

Esfrego meu rosto, pela primeira vez desviando daquele show particular. Viro de costas, vendo todo o campus a minha frente. Hoje o verde parece mais morto, alertando a chegada recente do inverno. As árvores perderam tudo o que parecia a manter viva, mesmo achando que os galhos e todo aquele marrom rochoso – de certa forma – era apenas uma demonstração do que era por dentro, e o seu verde e frutos apenas o lado de fora de algo muito mais profundo.

Comecei a perceber coisas assim desde o dia em que tudo ao meu redor pareceu exatamente assim; sem vida alguma.

A todo instante parecia ser puxado para um passado que poderia ter sido evitado, mas com aquela aura misteriosa e tensa, não consegui evitar.

Fala sério, eu era uma criança cheia de hormônios, vendo coisas novas e experimentando novas amizades após mudar de escola, e quando vi algo diferente, meio longe do que achava ser "normal" não evitei ir atrás, como exatamente uma criança procurando por novas aventuras e perigos, por mais que quisesse ir atrás deles com ela, descobri que tudo o que procurava estava em uma única pessoa.

Não fazia ideia de que alguém poderia ser tão falso e ácido como foi, ainda mais por ter a mesma idade que eu na época.

Lembro de quando fiquei sozinho, o quanto a xinguei de coisas que nem existiam ou faziam sentido, mas com certeza conseguia me lembrar bem de um agora.

A porra de uma cobra tão venenosa quanto uma mamba-negra.

Fiz questão de pesquisar na internet uma bem parecida com ela. E por mais ridículo que soe, senti na minha pele quando me picou, quando o veneno correu em meu sangue, entre minhas veias, as deteriorando em nada, e a sensação formigante por onde atacou, além do coração batendo tão forte quanto a pouco tempo atrás, mas sendo como seu único objetivo bombear raiva que deixava minha visão vermelha, querendo ter voltado lá e falado mais mil coisas.

Queria tê-la quebrado tanto quanto ela fez comigo. Estraçalhado aquele coração feito de gelo – como costumava chamar – apenas para depois me sentir culpado e querer concertá-lo. Eu sou ridículo.

Queria ter feito muitas coisas, mas apesar de tudo, consigo ver que mesmo não tendo feito nada além de assistir e ouvir, ela conseguiu se destruir sozinha. Pelo menos acho que sim.

E nem vou dizer que esse não foi um dos meus desejos, porque já deve ser óbvio.

Respiro fundo pegando o máximo de ar que posso, e o soltando na mesma medida, controlando cada um dos sentimentos parecendo tão acelerados e desesperados, querendo disputar quem tomaria as rédeas da situação.

Raiva ou compreensão.

Com certeza raiva.

Gostaria muito de dizer que após anos sem a ver, e que a quase quatro anos atrás travei no lugar quando a vi atravessar o corredor da mesma faculdade que eu, cada passo mostrando quem mandava nessa porra, e depois de todos esses anos ver o mesmo passo atrás de passo, o rosto com o mesmo semblante frio e sério. Gostaria de dizer que superei.

Que cada xingamento e a vontade de ter mudado a forma como me comportei naquele dia, ou simplesmente ter tentado fazer a vida dela um inferno, não passaram de um passado tão distante.

Mas o pior dos sentimentos é a vontade de reivindicar um ego ferido, ou a incontrolável sensação de impotência, de fraqueza por não ter feito o que deveria, de ter tido toda minha infância voltada a inseguranças e crises de pânico por causa de uma filha da puta que não soube como apenas me afastar.

Não, ela queria acabar comigo. Queria entrar na minha vida, por mais que não tenha sido ela a se aproximar primeiro, mas aproveitou a oportunidade de se tornar os pesadelos de um garotinho ingênuo demais para compreender o que estava acontecendo.

Entendi anos depois; depois de muito pensar e se martirizar, que nunca esteve tão certo em chamá-la de cobra, e que nunca entenderia o real motivo do porquê ter feito o que fez.

Mas se ela queria tanto mostrar aquela sua aura cheia de raiva, ódio, falsidade e veneno por todo o mundo. Eu mostraria. Mostraria tudo isso e mais um pouco, mas todo sentimento guardados e enjaulados apenas para uma pessoa. A única que realmente o merece da forma mais nua e crua.

Faith Brooke Beaufort, você não está preparada para o inferno que vou transformar a sua vida de merda.

Estou bem insegura sobre esse livro e queria saber muito o que estão achando dele :)

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