Capítulo XXX [PARTE UM]







A P R I L


— DEIXA EU VER SE EU ENTENDI BEM. — Jackie segurava a ponte do nariz entre os dedos e tinha suas sobrancelhas franzidas em concentração. — A ex do Hunter, que te odeia, mandou você comprar brownies no outro lado da cidade e você decidiu ir? Não apenas ir, como também me levar?

Morder a isca foi uma ideia minha, como Jackie tratou de deixar bem claro.

Assim que terminamos de espalhar os malditos cartazes pelos corredores de St. Clair, nós embarcamos em um dos táxis de bancos encardidos que rodavam pelo centro e partimos em direção ao endereço indicado por Lexie.

Eu simplesmente não consegui resistir ao desafio. Quer dizer, comprar brownies? Sério? Não soava exatamente como o tipo de coisa que faria criancinhas correrem para a direção oposta aos berros.

— Eu te dei uma escolha.

— E que bela escolha eu tinha. — Um riso seco havia morrido em sua boca. — Te acompanhar nessa aventura emocionante ou assistir você entrar sozinha em um dos táxis esquisitos que rodam o centro. — Jackie fez uma pausa e, dessa vez, se dirigiu ao motorista: — Desculpe, Earl. Eu estava falando do outro cara. O carro dele era bem, bem, pior.

O motorista lançou um olhar pelo espelho retrovisor e voltou a se concentrar no movimento do trânsito. Se ele havia grunhido mais do que duas palavras desde que entramos no carro, era muito.

Jackie voltou a sua posição original, de costas contra o banco encardido, e gesticulou para frente enquanto movia seus lábios em silêncio: "Viu só?".

Não consegui conter a risada que escapou da minha garganta.

— Já que nós temos tempo, me explique de novo o seu plano maquiavélico. — Ela relaxou sobre o assento, alisando a saia de seu uniforme para manter a calma. Alguns poucos cachos escapavam de seu penteado e emolduravam seu rosto, realçando seus olhos castanhos. — Você não parece estar desafiando Lexie quando faz exatamente o que ela diz.

— É contra intuitivo, eu sei.

Contra intuitivo? — repetiu exasperada, mas eu não lhe dei atenção.

— Nós vamos brigar — eu disse de uma vez. Antes que Jackie pudesse me interromper, continuei: — Isso é inevitável. Você viu como ela me tratou hoje. Ela acha que eu vou ceder e deixá-la dominar tudo: o time de futebol, as pessoas com quem eu posso falar, os lugares que eu posso frequentar... Algumas meninas da Thomas tem tanto medo de contrariá-la que sequer olham para mim.

Se eu não estivesse tão determinada a derrotar Lexie, eu poderia simplesmente dar as costas e nunca mais pensar no assunto. A insistência da garota em me atormentar, no entanto, me deixava sem escolha — desde o fiasco no treino de futebol, retirar com dignidade não era mais uma opção e ela sabia disso. Lexie continuaria a me desafiar em cada oportunidade que tivesse e eu não podia esperar sentada pelo próximo embate.

A dignidade e a paciência poderiam dar as mãos e ir para o inferno.

— Eu quero resolver isso — anunciei, inspirando fundo, alto e claro. Eu poderia liderar um exército com a firmeza em minha voz. — Acelerar, seja lá o que for. Mostrar para todos que eu não vou a lugar algum. Ela precisa se acostumar com a ideia que eu estou aqui para ficar.

Meu único objetivo era destruir a influência que Lexie tinha sobre as meninas da fraternidade e, se isso significava que eu teria vencê-la em seu próprio jogo, tudo bem.

Eu compraria o maldito brownie.

— Lexie é uma espécie de líder para essas garotas. Ela pensa que eu sou fraca e vou desistir. Vou mostrar a todos que ela está errada.

E, quem sabe, talvez eu roube o lugar dela.

— Tudo bem — ela disse devagar. — Eu já ouvi algo parecido antes.

— Não será como o treino de futebol.

— Eu não disse que seria.

De uma hora para outra, o ronco insistente do motor e a respiração ruidosa do taxista se tornaram altos demais e a nossa conversa pareceu ter chegado a um fim. Eu sustentei o olhar de Jackie por mais tempo do que gostaria e, por um momento, quase me arrependi de ter aceitado sua companhia.

— Bom, eu posso não gostar do seu plano, mas reconheço que você acertou em uma coisa: Lexie parece muito territorial. — Jackie ergueu o quadril para pegar o celular em seu bolso traseiro e desbloqueou a tela: — Por precaução, eu salvei muitas provas da sua inocência no meu celular. — Quando franzi a sobrancelha, ela explicou: — Odiaria se ela chamasse a polícia e tentasse te incriminar por posse de drogas.

— Isso soa tranquilizador.

Um sorriso irônico deslizou por seus lábios cheios, realçados por uma camada suave de gloss, e seus dedos continuaram a deslizar sobre a tela, abrindo as mensagens que trocamos mais cedo:

— Me desculpe por não parecer tão animada para atravessar a cidade atrás de brownies. Lexie disse que você deve encontrar um tal de Chuck quando chegarmos. Eu não consegui encontrá-lo na internet. Não tenho ideia de quem é.

Enquanto Jackie fazia seu trabalho de inteligência, revirando as redes sociais da Lexie, um arrepio gelado desceu pela minha espinha:

— Vamos descobrir agora.

Conforme o táxi diminuía a velocidade, a paisagem borrada aos poucos tomava definição atrás das janelas de vidro. Havia prédios de tijolos expostos em ambos os lados da rua, todos com portas de garagem largas e basculantes altos, como galpões, fundos de lojas ou fábricas abandonadas. Eu vi caçambas de lixo em toda parte, uma lata de metal em chamas e poças de água suja, mas nada de loja de brownie.

Finalmente, o carro parou ao lado do meio fio. Quando o motorista esticou seu pescoço para me encarar, eu lancei um olhar para o taxímetro e puxei algumas notas da carteira:

— Obrigada, Earl.

Em resposta, recebi mais um de seus grunhidos indistintos.

— Espera. — A voz de Jackie soava levemente aguda. — Você quer mesmo descer aqui?

— É claro que não — resmunguei sob meu fôlego. — Mas nós não temos outra escolha.

Antes que a decisão deixasse meu corpo, eu agarrei a maçaneta e abri a porta de uma vez.

Do lado de fora, eu fui recebida por um golpe de ar frio. O céu acima de nossas cabeças era apenas um retângulo cinzento, emoldurado por marquises de prédio escurecidas pela chuva. Se meus cálculos estivessem corretos, nós tínhamos pelo menos duas horas antes do pôr do sol — teríamos mais tempo para realizarmos nossa missão se não fosse pela maldita tarefa de pendurar pôsteres com os calouros.

Saindo do carro, Jackie deu uma boa olhada ao redor e ajeitou as alças de sua pequena mochila sobre os ombros. Parecia tão receosa quanto eu. A porta se fechou em um baque atrás dela e o estouro repentino do motor ecoou pelo quarteirão. Nós assistimos o táxi acelerar pela rua vazia, seus pneus cantando contra o asfalto enquanto uma fumaça espessa deixava seu escapamento.

Droga.

— Tudo bem. — Eu tossia atrás da minha mão. — Você está vendo o número 356 B?

— O táxi não deve estar tão longe. — Jackie revirava a mochila, provavelmente atrás de seu celular. — Nós podemos ligar para a central e pedir para fazer meia volta.

Sem chance.

Não viemos de tão longe para voltarmos com o rabo entre as pernas.

— É por aqui — eu disse baixo, atravessando a rua e avançando pelos números.

Havia algo de errado, mas eu não conseguia entender o quê.

Quando me aproximei do galpão de 354, um som baixo interrompeu meus pensamentos:

— Ah, meu Deus.

— Você pode voltar se quiser, Jackie — anunciei. — Eu não vou a lugar nenhum.

Minha amiga não deu atenção aos meus protestos. Ela me puxou pelo casaco e apontou uma parede de tijolos igual a todas as outras a não ser por um pequeno detalhe: pouco acima das nossas cabeças, havia uma pequena placa com os dizeres "BROWNIES POR AQUI". Mais adiante, outra placa indicava o caminho com uma seta — tratava-se de um vão entre edifícios, uma passagem tão estreita que apenas uma pessoa poderia atravessar por vez. Certamente, um passante distraído perderia as placas de vista em um piscar de olhos.

— Você vai na frente, April.

O quê?

Eu olhei para Jackie, que apenas ergueu suas sobrancelhas para mim.

A ideia foi sua.

Certo.

Eu sabia disso, só fui pega de surpresa.

— Anda. — Respirei fundo. — Temos que comprar brownies.


• • •


Por incrível que pareça, havia mais de uma loja naquela travessa.

Nós seguimos em frente, desviando de poças e caixotes velhos, sempre atentas aos menores ruídos da vizinhança. Na primeira porta, encontramos um pequeno sebo com tantas pilhas de livros empoeirados que mal podíamos ver seu interior. Mais adiante, uma taberna de ares medievais vazia durante o dia. Eu estava me sentindo como um pequeno personagem do estúdio Ghibli, completando tarefas e explorando um lado da cidade que jamais pensei em conhecer — havia apenas um pequeno detalhe, no entanto: eu provavelmente estava atrás de drogas e isso jamais aconteceria em um filme infantil.

Depois de seguirmos mais placas do que poderíamos contar, nós finalmente encontramos uma fachada sem identificação. A vitrine engordurada que nos permitia a visão de um balcão e alguns poucos móveis de madeira. Entrei na frente, surpresa pela simplicidade da loja. Se funcionava como uma confeitaria, era um negócio recente, mal adaptado ao bairro e ao formato do espaço disponível — a julgar pela falta de cadeiras, mesas e qualquer decoração que tornasse o lugar mais aconchegante, os donos não estavam muito preocupados em atrair clientes.

Abri um pequeno sorriso para o pensamento.

— Talvez eles tenham gastado tudo na publicidade.

Se Jackie ouviu a piada, ela não achou graça.

A menina vasculhava os arredores com a apreensão de uma gazela na savana africana, pronta para fugir ao menor sinal de perigo. Deu um passo adiante, em direção ao balcão de vidro, e esperou — fazia um silêncio sepulcral dentro da confeitaria, uma atmosfera inquietante que se estendia além da porta que guardava a cozinha.

Não havia funcionários a vista para nos atender, apenas uma pequena campainha em cima do balcão, como aqueles encontrados em recepções de hotel.

Nós nos entreolhamos por um momento, impressionadas demais para reagir, até que, por fim, ela deu de ombros.

Plin.

O som estridente da campainha mal havia encontrado as paredes da loja vazia quando Jackie pressionou o botão de novo.

E de novo.

Plin. Plin. Plin.

Ei. Ei. Ei. — Um rapaz alto e de cabelos oleosos atravessou a cortina de miçangas atrás do balcão às pressas. Ele não parecia ter mais do que vinte e poucos anos. — Por favor, não toque o sino. Minha mãe está lá atrás com uma enxaqueca terrível e acabou de pegar no sono. — Uma vez que Jackie recolheu a mão, os olhos dele foram de mim para ela cheios de interesse: — Em que posso ajudar?

Meu coração deu um pulo dentro do peito.

Ele podia ser nosso Chuck.

— Nós estamos aqui pelos brownies — informei sem delicadeza alguma.

O rapaz franziu o cenho em um questionamento silencioso e colocou espalmou suas mãos ossudas sobre o balcão. Sob a superfície de vidro, eu podia ver croissants frescos, macarons de tons pastéis, pedaços generosos de torta de maçã, além de uma infinidade de cupcakes coloridos e até mesmo muffins de grãos.

Nada de brownies.

— Nossa amiga nos mandou aqui. — Jackie se aproximou do balcão e seu rosto bonito foi iluminado pela luz amarela que aquecia os pequenos pães atrás do balcão. O único sinal aparente de nervosismo eram suas mãos escondidas nos bolsos do suéter com o brasão de St. Clair.

Ele apoiou os cotovelos sobre o vidro e abaixou o queixo em uma mesura:

— Uma amiga com bom gosto.

Lexie Palmer.

— Vocês são amigas da Lexie? — Mais uma vez, seus olhos voaram do meu rosto para o dela. — Não brinca. — O rapaz se afastou para nos observar melhor. Se antes ele soava educado, agora havia um sorriso inteiro em seu rosto e uma recepção calorosa em sua voz. — Lexie está vindo? Ela continua brava comigo? Por que eu juro que aqueles bolinhos...

Nosso novo amigo foi interrompido por um som vindo de outro cômodo:

Charles? — Uma mulher ralhou à distância, sua voz abafada por paredes. — Quem está aí?

— CLIENTES, MÃE!

Dei um pulo.

Por sorte, Jackie foi a única a perceber. Ela sorriu de lado, em cumplicidade, mas rapidamente voltou sua atenção para Chuck.

Esconda os cupcakes! Os Carlson reservaram!

— Eu já os embalei — respondeu igualmente alto. — Vá dormir!

Nós permanecemos em silêncio por alguns segundos enquanto Chuck parecia se esforçar para ouvir a mãe por cima do ombro. Quando ficou evidente que a mulher não o responderia, ele respirou fundo e se voltou para nós com um sorriso no rosto:

— Os brownies.

Nós sorrimos também, ansiosas para receber as respostas de nossas perguntas. Jackie havia apostado cinquenta pratas que os tais brownies eram drogas. Eu, honestamente, não ligava. Meu maior objetivo era afundar, seja lá o que fosse, na garganta de Lexie.

Para nossa confusão, Chuck tratou de desaparecer atrás da cortina de miçangas e a loja ficou tão silenciosa quanto antes de sua aparição.

Minutos depois, ele voltou com um cesto de piquenique e o depositou sobre o balcão.

Eu fiquei tão impressionada com o cesto que não prestei atenção em mais nada. Jackie esbarrou discretamente no meu ombro ao se colocar na minha frente. Ela olhou para mim nervosa e eu me dei conta de que Chuck continuava a nos observar.

Ele piscou.

— Os brownies estão aí? — perguntei hesitante, erguendo uma das sobrancelhas para o cesto.

— Sim.

De novo, a piscadela.

Havia duas explicações para esse gesto: algo havia entrado em seu olho ou alguma coisa além da nossa compreensão estava acontecendo.

— Você aceita dinheiro...?

Não, não, não. — Chuck ergueu as mãos simbolicamente, como se não pudesse aceitar. — É por conta da casa! — Ele se inclinou sobre o balcão e acrescentou em um tom mais baixo: — Na verdade, vocês podem dizer a Lexie que eu disse isso? "Por conta da casa" — Apontou para nós como se fôssemos velhos conhecidos, de repente entusiasmado com a ideia, abrindo um sorriso difícil de esquecer. — E falem bem de mim! Eu tenho como saber se mentirem.


• • •


— Tudo bem. — Jackie mal conseguia disfarçar a risada. — O cara realmente está interessado na Lexie.

Nós descemos a passagem, dessa vez, mais familiarizadas com os arredores.

Se minha bússola interna estivesse correta, nós não precisaríamos andar muito para encontrarmos civilização. As primeiras lojas estavam a uma distância de um quarteirão, assim como o movimento de pessoas e o barulho de carros.

— São brownies mesmo. — Eu franzi o cenho para constatação, retirando o primeiro embrulho do interior do cesto para uma investigação minuciosa. Havia pelo menos duas camadas dos quadrados envoltos por plástico filme. Aproximei um do meu nariz e funguei hesitante: tinha o cheiro inconfundível de chocolate.

— Que merda? — Jackie pegou um para si, segurando o brownie como um peso de papel sem utilidade. — Nós arriscamos nossos pescoços por isso? Existem padarias melhores nessa cidade. Existem padarias melhores nesse bairro.

Eu senti o peso do brownie em minha mão e o girei entre os dedos, desconfiada:

— Você acha que...?

— Não sei. — Ela pousou seus olhos em mim, tão cautelosos quanto os meus. — Olha, se a Lexie tivesse chamado a polícia, eles já teriam chegado.

Um grande peso pareceu abandonar meus ombros e meus lábios se afrouxaram em um sorriso. Eu sequer tinha percebido o quanto isso me preocupava.

— Então, nós ganhamos brownies batizados? — Um risinho baixo escapou antes que eu pudesse registrar.

— Eu também estou com fome, então...

Nós trocamos um olhar e, por um momento, foi como se esperássemos por uma intervenção divina.

Quando nada aconteceu, nós abrimos os embrulhos dividindo uma risada silenciosa.

Saúde — eu murmurei, erguendo meu brownie para uma mordida.

Um passo de cada vez, nós deixamos as paredes de tijolos gastos para trás. A travessa estreita desembocou em uma rua de pedra sem passagem para carros.

— Alguma coisa? — Jackie caminhava ao meu lado, mastigando devagar.

— Nada. — Ajeitei a alça do cesto sobre o meu antebraço. — Podem ser apenas brownies muito ruins.

Ela riu e eu a acompanhei, contagiada pelo som, extasiada pela situação absurda que passamos juntas.

Por acaso Lexie pretendia nos assustar com a vizinhança? Talvez tivesse esperanças de que eu fugisse com medo? Definitivamente, os brownies não eram lá um presente muito assustador.

Nós havíamos avançado um quarteirão em silêncio, quando Jackie limpou a garganta, girando a embalagem em seus dedos sujos de chocolate:

— Você já conversou com seu irmão?

— Sim. — Eu escondi minha boca atrás da mão e afundei meus dentes no brownie macio, escondendo a boca para murmurar: — Não sei o que fazer.

Cole estava fora de controle. Eu precisava dividir minhas preocupações com alguém e, na minha cabeça, Jackie não se importaria em ouvir. O problema era que eu esperava que ela fingisse esquecimento logo em seguida e, para meu azar, o envolvimento do meu irmão com traficantes locais não era algo fácil de se esquecer.

— Eu conheço a figura — ela disse devagar. — Se aquele susto não adiantou, nada que você diga o fará mudar de ideia.

Meus olhos evitaram seu rosto.

Não tinha solução, tinha?

Tudo soava igualmente arriscado.

Cole precisava voltar a agir como um ser humano racional logo ou eu ficaria sem opções — expor meu irmão como um delinquente para nossa família poderia destruir nosso vínculo para sempre, mas também poderia salvar a vida dele. Nossos pais tinham os meios e a influência. Eles saberiam fazer o que era melhor para Cole.

Merda.

Um nó se formou em minha garganta, me impedindo de respirar.

Desde quando envolver nossos pais em algum assunto nos ajudou em alguma coisa?

Eu me sentia sufocada.

— Para onde estamos indo? — eu perguntei de repente, segurando o braço de Jackie.

Ela deu meia volta.

— Eu estou seguindo você.

Olhei para os arredores e foi como se eu visse tudo pela primeira vez: lojas, prédios e carros vindos de todas as direções — nada remotamente familiar, a não ser por um jardim cercado por um muro baixo e grades escuras, afiadas como garras.

— Venha. — Entrelacei nossos braços, puxando minha amiga comigo. — Eu já sei para onde podemos ir.





H U N T E R


Todos tinham um papel nos planos de Lexie.

Todos, até mesmo eu, como eu havia descoberto naquela tarde.

Embora meu humor não estivesse propício para entoar canções e virar barris de cerveja, ter um carro à disposição me colocava no topo da lista de voluntários relutantes: Lexie exigiu uma porção deles para organização da última festa dos veteranos antes dos Jogos e eu não tive outra escolha senão aceitar, acompanhado por Seth e Finch, que pareciam igualmente insatisfeitos com a tarefa.

Naquele momento, nós tentávamos riscar mais um item da nossa lista de preparativos.

Eu estava de costas contra a parede, observando Seth. Ele levou sua mão fechada em punho até o portão metálico e quase o botou abaixo com três batidas ritmadas:

— O cara disse que me encontraria aqui — Seth resmungou, checando o relógio pela milésima vez. — Maldito nerd sempre atrasado.

Nós estávamos em um beco sem saída, rodeados por latas de lixo, caixotes de madeira e outros esconderijos perfeitos para ratos. A maioria das portas daquele pequeno submundo levava a fundos de lojas e a cozinhas barulhentas, cheias de funcionários de aventais brancos xingando como marinheiros.

— Você tentou ligar? — Lexie se aproximou devagar, apoiando seu ombro contra uma parede cheia de grafites.

A sugestão pareceu enfurecer Seth, que puxou a respiração e respondeu com as narinas infladas:

— Edward é um cara de palavra.

Eu sabia que Seth estava mentindo.

Quanto maior a mentira, maior a reação.

Enquanto Finch trocava mensagens com o resto do grupo em seu celular, sentado em um caixote a poucos metros dali, nós aguardávamos a tão antecipada aparição do contato de Seth — um arranjo de última hora que supostamente salvaria a pele de todos nós.

— Nós ainda estamos esperando o nerd do clube de audiovisual? — Finch perguntou distraído. — Como vocês conhecem tantos caras do clube do audiovisual?

— É... — Me preparei para a explicação. — O Seth vive por lá.

O choque fez Finch erguer os olhos para mim.

Eu sabia o que ele estava pensando: cada informação nova sobre a vida de Seth soava mais absurda que a anterior.

Nenhum ponto extra no boletim fazia aquela humilhação valer a pena.

— Talvez isso te surpreenda, Finch, mas eu sou um membro orgulhoso do clube de áudio visual — ele murmurou de costas para nós. — E, já que vocês gostam tanto de fofocar, me ajudem a quebrar esse cadeado que eu conto a história da noite em que eu comi as mães de vocês em um menage.

Por incrível que pareça, Seth ainda estava muito empenhado em encontrar um meio de derrubar aquele portão.

Uma pena saber que ele morreria antes.

Eu me pus de pé, pronto para ensiná-lo uma lição. Desde de manhã, quando perdi a chance de quebrar a cara de Josh Halden, eu estava com energia de sobra para gastar.

— Seth — Lexie chamou — , se o cara estivesse aí dentro, já teria ouvido.

Ele ergueu a mão para alcançar a maçaneta, dessa vez com pressa para fugir de mim, e a porta se abriu em um solavanco.

— Edward! — Seth disse aliviado ao se deparar com um rosto coberto por espinhas. — Nós estávamos esperando por você, meu chapa.

— É Eugene — o garoto corrigiu, empurrando a haste de seu óculos sobre o nariz.

— Você trouxe? — meu amigo sorriu como se não tivesse ouvido.

O resto de nós observava a conversa com interesse, algo que não passou despercebido por Eugene. Ele encarou nossos rostos, um por um, demorando-se vários segundos em Lexie.

— Eu posso me meter em confusão por isso.

— Ninguém vai ficar sabendo.

Depois de muito suspense, Eugene suspirou e finalmente pareceu tomar coragem. Revirou os bolsos com cuidado e um som metálico nos fez suspirar de alívio: era um molho de chaves para as portas St. Clair — justamente o que estávamos procurando.

Todos os anos, os veteranos da Thomas organizavam uma festa no campus e nós não queríamos ser a primeira turma a quebrar a tradição.

Seth quase arrancou as chaves da mão dele.

— Valeu, Edward!

Eugene — disse mais uma vez, avaliando Lexie de cima a baixo.

A julgar pela pequena ruguinha que se formou em sua testa, Lexie pareceu enojada com o flerte, quase verde. Felizmente, ela tratou de logo esconder a repulsa e forçar um sorriso de gratidão pelo time:

— Obrigada, Eugene. Nós ficamos te devendo essa.

— Esse não foi o combinado — respondeu em um tom monocórdio. — O ruivo disse que me pagaria uma nota.

Pressionei meus lábios em uma linha reta, dando as costas para a cena.

Eu queria muito rir, mas o risco de provocar um incidente diplomático com nosso amigo do clube de audiovisual era grande demais.

Um barulho de rasgo atravessou a rua e eu reconheci como o som que a carteira puída de Seth fazia ao ser aberta.

Eu não confiava nele para lidar com negociações.

— Vamos. — Chutei um dos tênis de Finch — Se não vai sobrar para gente também.


• • •


O beco tinha ficado para trás há alguns quarteirões. No momento, nós caminhávamos em direção a vaga em que estacionamos mais cedo, próxima ao parque. Depois que embarcássemos, a próxima parada da nossa pequena expedição seria o supermercado: o combinado seria carregarmos meu carro com engradados de bebida e, de lá, transportarmos tudo em segurança até os terrenos de St. Clair — por isso, eu era uma parte tão crucial do plano de Lexie.

Ou, pelo menos, essa foi a desculpa que ela encontrou para me manter por perto.

Nós estávamos prestes a atravessar a rua quando a garota nos alcançou novamente, comprovando minha teoria de que não conseguia ficar longe de mim por mais do que alguns minutos.

— Vai mesmo ficar em casa como um cão fiel? — Ela disse ao me ultrapassar suavemente pela calçada, escondendo um sorriso em sua voz.

Enquanto eu queimava meus neurônios pensando em planos para cair nas boas graças de April, Lexie praticamente saltitava ao meu redor, muito satisfeita consigo mesma.

Ela estava assim desde mais cedo, quando havia arrumado uma confusão com April. Eu não cheguei a ver a cena toda, mas o ato de heroísmo de Josh Halden era a única coisa que se falava pelos corredores de St. Clair: ele tinha se colocado entre as duas e apartado uma briga violenta — algo que soava terrivelmente conveniente para ele, mas eu não podia investigar sem levantar suspeitas.

Aliás, se eu tivesse algum amor à vida, continuaria no deserto da ignorância até que April decidisse me tirar de lá — afinal, uma das partes envolvidas na briga era Lexie e, historicamente, dar abertura para ela fazia mais mal do que bem.

— Eu tenho que acordar cedo amanhã.

Conversa.

Ela tentou se colocar no meu caminho, mas eu a segurei pelos ombros, mantendo uma distância cautelosa entre nós.

Para — avisei baixo antes de deixá-la ir.

Lexie precisava entender que eu não tinha a menor intenção de ir naquela festa estúpida.

Se April não era bem vinda, eu não tinha o que fazer lá.

Além disso, não faltariam oportunidades para perambular por St. Clair à noite. Nós tínhamos pelo menos quatro trotes programados antes da formatura e, com sorte, até lá eu conseguiria uma companhia bem melhor do que a de Lexie.

— Isso não é do seu feitio, Hunter — repreendeu com um risada curta, girando o molho de chaves entre os dedos. — Eu não sou muito boa em dar conselhos, mas escute esse aqui: vá a festa, veja seus amigos. Você precisa lembrar quem você é.

Antes que eu tivesse a chance de responder, Seth apareceu para distrair a garota. Eles trocaram alguns floreios e Lexie tratou de envolvê-lo pelos ombros, subindo em suas costas como um filhote de lêmure.

— Hunter — meu amigo dizia com esforço, enroscado pelo pescoço — , ela pode não ter a melhor das intenções, mas está certa. Não aguento mais olhar para sua cara de sofrimento.

Lexie embrenhou suas unhas cobertas de glitter azul pelos cabelos acobreados e os puxou levemente em tom de ameaça:

— O que você sabe sobre as minhas intenções?

— As piores possíveis, como sempre. — Ele abriu um sorriso sem olhar para trás, quase sem fôlego. — Estou errado?

Um rebanho de meninas passou por nós caminhando no sentido contrário, cheias de olhares e risadinhas.

Elas são muito loucas — uma delas cochichou escandalizada. — No meio do parque!

Aparentemente, algo muito emocionante havia acontecido no mundinho do oitavo ano.

Eu me aproximei do carro, retirando a chave do bolso para destrancar a porta, mas assim que eu alcancei a maçaneta Finch me puxou pelo ombro. Ele quase gritou no meu ouvido, apontando em direção ao maldito parque:

— April e Jackie!

Alguns metros depois do portão escuro, duas garotas ouviam atentamente o sermão de um policial. Uma delas estava descalça sobre o gramado. Mesmo de longe, eu reconheci o uniforme de St. Clair e os cabelos castanhos de April.

— Relaxa, Hunter — Lexie disse do alto dos ombros do meu amigo. — Elas só estão se divertindo.

— Você tem alguma coisa a ver com aquilo?

Finch precisou me segurar em meu lugar.

— Finalmente! — a garota debochou, descendo das costas de Seth. — Só assim mesmo para conseguir arrancar alguma reação de você. Eu pensei que a April tivesse levado sua língua junto com suas bolas.

Eu não podia perder tempo discutindo. Se o policial decidisse que as meninas estavam embriagadas, elas fariam um passeio nada agradável até a delegacia.

Finch voltou a me sacudir, chamando minha atenção:

— Nós temos que tirá-las da rua.

Uma viatura estava estacionada junto ao muro do parque e, para minha sorte, não tinha ocupantes em seu interior.

Vá pegá-las. — Minha voz soava firme, transbordava decisão. Eu joguei as chaves para meu outro amigo: — Seth, ligue o carro. Dê a volta no quarteirão e me espere lá.

— E você?

Próximo ao meio fio, havia um paralelepípedo solto. Me abaixei para pegá-lo, avaliando o peso da pedra entre as minhas mãos enquanto a adrenalina corria quente pelas minhas veias.

Isso teria que servir.

— Não se preocupem comigo. — Dei os primeiros passos em direção a viatura, meu coração martelando em meu peito. — Eu sei exatamente o que fazer.


N/A (15.03.2024): Sextou com um capítulo fresquinho de bullshit!!!!

Saibam que adiei o capítulo essa semana, mas semana que - se tudo der certo - vem é segunda de novo!! E, nossa, a prévia do próximo capítulo será mto legal kkkkkkk

Pfv não repitam o que vcs viram nesse capítulo em casa!

Ah!!! Fiz um post no instagram valendo cena extra de April e Hunter! Depois, se vcs quiserem participar (e ganhar esse pequeno mimo), tá lá!!!

Qualquer dúvida ou reclamação estou aqui!!!

Bjs!

B.


Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top