Capítulo 4

Como aqui já deu meia-noite e não aguento esperar, estou postando o quarto capítulo já agora HEH :D Espero que não achem isso muito ruim. Abraços e me digam o que estão achando! <3

* * * * *


Michael tem duas xícaras de café nas mãos e ambos estamos sentados em um degrau na entrada de sua casa.

Eu me sinto como se tivesse acabado de passar pelo ciclo centrífuga da máquina de lavar roupa. Só que ao invés de cheirar a Omo, exalo o doce aroma de urina, vômito e, naturalmente, cerveja.

— Você tem que parar com isso, cara — Michael diz, assim que seguro a xícara de café com ambas as mãos e aspiro o aroma. 

O sol ainda não se ergueu totalmente, mas é um início de manhã claro e bem fresco. Meu corpo está rígido de frio por passar a noite ao ar livre. E isso explicaria porque devo ter sentido a necessidade de fazer xixi... na calça do meu terno novo. 

— Sinceramente? — ele continua. — Não entendo como pôde acabar assim. O Josua disse que a Lisa é gente boa.

— Ela é — respondo, sentindo novas ondas de náusea percorrerem meu corpo. Não, náusea não. Vergonha mesmo. — Eu não.

— De fato, você está uma bagunça — Michael diz, sem maldade na voz, apenas com um diagnóstico objetivo e claro. Ele bebe um gole do café e suspira. — Você precisa começar de novo, Peter. Você não pode deixar isso destruí-lo dessa forma.

— Eu sei. — Balanço lentamente a cabeça em concordância. Esfrego um olho com a palma da mão e a deslizo para meu cabelo. — Eu estou no fundo do poço. Não sei como isso aconteceu.

Diante desse pensamento, sinto repentinamente uma vontade de dar risada. 

É simplesmente absurdo.

Se me tivessem dito há um ano que estaria assim, eu certamente teria rido. Quer dizer, olha onde eu estou! Olha o que estamos vivendo. Isso é trágico de uma forma quase hilária. É de chorar de rir!

Então é exatamente isso o que eu faço.

Começo a rir. His-te-ri-ca-men-te.

Michael me olha assustado, como se eu fosse louco.

— Eu fiz xixi nas calças, Michi! — falo, enquanto luto para respirar e aperto os olhos com uma mão para segurar as lágrimas que ameaçam cair de tanto rir. Tombo o corpo por cima da escada, um antebraço apoiado no chão e a mão do outro braço equilibrando a xícara de café, sem fôlego e sem ser capaz de me controlar. 

Mas, por algum motivo, Michael não me acompanha. 

Ele permanece sério, grave, as sobrancelhas franzidas e as rugas profundas na longa testa. 

— Ah, vamos, não seja um estraga-prazer. — Pisco para ele, tentando me controlar, e rio com os cantos da boca para baixo. — Se não posso dar risadas da minha desgraça, que sentido faz tudo isso?

— Ah, tá, você só estava tentando causar risadas — Michael responde, o olhar frio, sem um pingo de humor na voz. — Você não estava estragando sua vida e sendo um constrangimento e um motivo de preocupação para todos que o amam, você só estava sendo um piadista.

É. Esse comentário me faz parar de rir.

Ela estragou minha vida, maldição! — respondo imediatamente, um pouco mais alto do que planejava, batendo com a palma da mão no chão.

— Dá para você parar de ser uma vítima por um segundo? — Michael sussurra irritado e olha para trás, em direção à porta de casa. Não sei se se preocupa que Renata vá ouvir-nos ou o que. Não é o que tenho dito? Mulheres são um saco. — A Lucy tomou uma decisão errada? Sim, tomou. Mas você... — Ele aponta na minha direção quando diz isso. — Você tem o poder de decidir o quanto isso vai te afetar.

— Desde quando você se transformou num livro de auto-ajuda? — pergunto sarcasticamente e bebo meu último gole de café.

— Desde que você se transformou num cretino desesperado e necessitado de ajuda. — Revida imediatamente. E nem posso rebater porque ele tem absoluta razão.

— Certo — respondo baixinho, encarando o fundo da xícara, e balanço a cabeça uma única vez.

— Eu não quis dizer isso... — Michael começa.

— Não, você está certo. — Interrompo. — Eu não tinha planejado isso, não imaginei que fosse ficar tão ruim.

— Você está passando por uma fase ruim.

Rio sem humor. Um gigantesco eufemismo.

— É — é tudo o que digo, desejando silenciosamente morrer.

— Você vai se esforçar para que isso não se repita? — Michael pergunta, empurrando de leve meu ombro com o seu. Hesitantemente, indico com a cabeça que sim. Sou um homem de palavra. É isso que me acaba.

— Está decidido — digo, tentando me levantar. — E nem vou mais sair com ninguém para não correr o risco de ficar bêbado novamente.

Michael se coloca de pé também, com uma certa dificuldade. Lentamente está ficando barrigudo, além de careca.

— Isso não foi o que eu sugeri. — Michael cruza os braços.

— Mas é a consequência. — Dou de ombros. — Você está vendo meu estado. Sair para jantar não funciona mais para mim.

— Por mim, leve-a para um brunch na sua casa! Leve-a para saltar de pára-quedas, brincar de paintball, andar de tandem!Michael gesticula intensamente enquanto fala essas coisas, então sei que está realmente investido nisso. — Sua falta de controle com álcool é a última desculpa que você poderia dar para não sair com alguém!

Puxo a jaqueta imunda do terno que está no chão e tento bater na minha calça e camisa algumas vezes para tentar, inutilmente, melhorar um pouco o estado.

— Eu não saberia fazer essas coisas com alguém que nem conheço — retruco, chutando o chão. — Jantar para um primeiro encontro já é difícil o suficiente...

— Você precisa encontrar o amor novamente, cara. — Michael coloca uma mão nas minhas costas de forma reconfortante. — Uma companheira, alguém que o faça feliz.

Olho para ele por um instante e observo sua expressão preocupada e impaciente e me sinto um tanto grato por ter amigos que se importam e que me importunam, ao mesmo tempo. Se não for para ser assim, nem quero.

— Eu vou tentar — prometo, cruzando os braços e olhando para o céu rosa e azul.

— Isso é tudo que peço — Michael diz, batendo de leve no meu ombro. — E até tenho a pessoa perfeita para você...


* * *


— Isso foi intenso — murmuro, despencando ofegante na grama, ao lado de Rahel, uma estagiária no escritório do Michael, que bem poderia ser uma versão mais jovem de Lucy. 

As duas têm a mesma densa cabeleira negra, mas Rahel é mais bronzeada, tem os lábios mais cheios e o olhar infinitamente mais divertido. E parece ter como único objetivo de vida, desfrutar tudo o mais intensamente e rápido possível. 

Ela cai na risada espontaneamente, uma risada solta e contagiante, e afasta as mechas negras do próprio rosto.

— Foi minha primeira vez. — Ela sorri e morde o lábio inferior de forma provocante, virando na grama para me encarar. — Eu nunca joguei paintball antes.

— Eu jamais imaginaria isso — respondo, sinceramente. 

Não vou admitir isso em voz alta, mas ela me deu uma baita duma surra. As partes atingidas do meu corpo estão queimando e sinto que a dor não vai passar nem tão cedo. Estou imaginando que quando me olhar no espelho, estarei todo malhado de hematomas. Mas valeu a pena. Rahel é simplesmente divertidíssima.

Estendo a mão em direção à sua e a seguro. Em seguida, ergo-a em direção aos meus lábios e a beijo. A adrenalina ainda está elevada no meu sangue e minha testa pulsa sob as gotas de suor. Sinto vontade de gritar. YES! É assim que deve ser a vida! Leve, sem cobranças e sem expectativas! Nem estou sentindo falta do álcool, nem pensando na... Lucy.

Beijo mais uma vez a mão de Rahel, incerto de qual deve ser meu próximo passo. Posso riscar da lista "primeiro encontro incrível". E agora? Deixá-la em casa e prometer telefonar?

— Acho que nós deveríamos tomar um banho — ela sugere e eu engasgo. Enquanto tusso, ela explode numa gargalhada.

— Não quis dizer juntos, seu apressadinho! — fala, batendo no meu ombro, mas o jeito que me olha diz exatamente o contrário das suas palavras. — Quis dizer que estamos sujos e devíamos nos limpar antes de continuar nosso encontro. O que acha?

Dando umas últimas batidas no meu peito com o punho, respondo, engolindo em seco:

— Claro, por que não?


* * *


— Posso oferecer alguma coisa para você beber? — ela pergunta, assim que entramos em seu apartamento, e já sai despindo as camadas externas da roupa, enquanto anda. 

O apartamento nada mais é que um Kitchenette de estudante, cheio de pôsteres de bandas que desconheço espalhados pelas paredes, estrelinhas fluorescentes e luzes coloridas de Natal.

— Não, melhor não — respondo bem alto, lembrando da promessa para Michael e esperando que ela me ouça onde quer que tenha ido.

— Certeza? — Ela volta, com uma muda de roupas limpas na mão, inclusive um conjunto de roupa de baixo rosa-choque. — Eu tenho champanhe, vinho tinto, branco... Johnnie Walker, talvez?

Caminho até a poltrona fatboy vermelha no canto da sala e me sento/deito da melhor forma que consigo.

— Certeza, obrigado — falo, tentando dar uns pulinhos para me ajustar ao assento.

— Okaaay... — responde, quase cantando. — Sinta-se em casa, eu já volto.

Ela pisca e dá meia-volta para o lugar de onde veio, me deixando sozinho na sala/cozinha. 

Olho para o ambiente ao meu redor e sinto vontade de rir. Ao meu lado, há uma lâmpada de lava vermelha sobre um caixote de madeira, desses onde vendem verduras e frutas. Há um aparelho de ginástica elíptico bem no meio da sala e, num canto, algumas latas de energético. Jesus, Maria, José, estou me sentindo velho. E esquisito. Eu detestava como Lucy queria manter a casa como uma capa de um catálogo do Ikea, mas isso aqui é outro extremo.

Eu me ergo e ando até a pequena sacada. A vista é bonita. Daqui podemos avistar o palácio iluminado onde fica a prefeitura.

 Lucy e eu tivemos ali o nosso primeiro encontro. 

Ou melhor, nosso primeiro ponto de encontro. 

Quando descobrimos que estávamos morando na mesma cidade, combinamos de nos encontrar após o trabalho ali, na Praça dos Direitos Humanos e dali caminhar para onde quer que decidíssemos ir espontaneamente. Fizemos isso na primeira vez. E na segunda. E na terceira. E na vigésima. Até que se tornou nossa rotina. Sair do serviço e ir direto para a Praça para nos encontrarmos. Ela era tão apaixonada pelo seu trabalho — era mais que um trabalho, era uma missão. Seus olhos cor-de-mel cheios de cílios brilhavam enquanto ela contava sobre a nova pesquisa que fizeram, o impacto direto no consumidor de determinada campanha ou a escolha equivocada de alguma empresa em relação ao seu produto e que consequências isso trouxera para a sociedade como um todo. O comportamento humano. Isso a interessava. E o elevar da condição humana a algo mais através do design, da arte. Esse era seu verdadeiro amor.

Eu não sei quando soube exatamente que estava perdidamente apaixonado por ela. Mas lembro de pensar nisso, com bastante clareza, enquanto ela comia um cachorro-quente da praça e um pouco de, adivinhem, mostarda ter ficado no canto de sua boca, e ela ainda assim discorria ininterruptamente sobre o debate que tivera no serviço, de boca cheia e tudo. Acho que ela nem percebia que eu estava ali de tão envolvida que ficava em seus monólogos. Então, fui limpar a manchinha laranja que atrapalhava todo o quadro, a obra-de-arte que ela era, com seu rosto redondo e branco, o nariz como uma azeitoninha, as sobrancelhas espessas expressivas, o discurso apaixonado, os cachos negros sobre o rosto. Então aproveitei e tirei uma mecha rebelde que caíra por cima de seu rosto e ela me olhou com bastante curiosidade, pela primeira vez também, como se de repente se desse conta de algo a mais nascendo entre nós dois. E sorriu, um sorriso límpido, cheio e raro. E eu me perdi naquele instante.

— Eu não tenho nada para você vestir, desculpe, mas a ducha está liberada se quiser tomar banho mesmo assim. — Ouço a voz de Rahel atrás de mim e afasto rapidamente uma lágrima que descera sem que eu percebesse. 

Quando me volto para ela, tenho a sensação de um soco no peito, porque paro de respirar. Ela está envolta com uma minúscula toalha cinza que, só posso presumir, deve ser uma toalha de mão e, fora isso, vejo as alças rosa-choque de seu sutiã e mais nada. Sua pele bronzeada e perfeita reluz e seu cabelo molhado cai em cascatas por cima de seus ombros.

— Não, acho que vou tomar banho mais tarde em casa — digo, dando uns passos para o lado e tentando não engoli-la com os olhos. 

Então pisco algumas vezes e me deixo cair na fatboy, me sentindo cool com esse movimento. Rahel ri e adoro como é fácil me relacionar com ela, como nós nos sentimos conectados tão rapidamente, sem esforço, sem uma montanha de ofensas não-resolvidas e coisas mal-comunicadas e mágoas não-perdoadas e palavras que eram melhor não-pronunciadas e frustrações nunca-recompensadas e carências jamais-supridas por trás de cada gesto e tentativa.

Pudera. Há quanto tempo nos conhecemos? Duas horas?

Ela não anda, ela desfila até mim e sabe que a admiro enquanto faz isso. Na falta de outro assento, ela parcialmente se ajoelha, parcialmente se senta diante de mim e apoia um cotovelo nos meus joelhos, enquanto a outra mão fica encarregada de segurar a toalha no lugar.

— Você é interessante, Peter — ela diz, afunilando os olhos. — Eu gosto de você.

Sorrio e passo a mão em seu cabelo molhado. Não sei por quê, sinto como se estivesse acariciando uma criança.

— Também gosto de você, Rahel.

— Fale um pouco a seu respeito — ela diz, imediatamente.

— Sobre mim?

Reajo com surpresa. O que falar? Bem, qualquer coisa menos sobre o divórcio. Não queremos repetir o fiasco da semana passada. 

— Bem... não há muito o que falar. — Sorrio, me sentindo tímido. — Sou um homem tranquilo, gosto de curtir a vida e trabalho nas horas vagas.

Rahel pende a cabeça para trás e gargalha com minha piada, mas acho que nem foi tão engraçada assim.

— E o que você faz? — ela pergunta, ainda rindo, usando a mão que estava apoiada no joelho para me cutucar na altura das costelas, acho que para fazer cócegas.

— Eu vivo a super aventura de fiscalizar a produção de aparelhos medicinais para controle da diabete.

— Ah... interessante — ela responde, sem muita convicção, e joga o cabelo para trás. — Você estudou medicina para isso?

Passo as mãos no meu cabelo, começando a me sentir inquieto.

— Não, na verdade estudei marketing, mas esse trabalho é onde a vida me levou. É meu ganha-pão, sabe?

— Bacana. — Sorri e eu tento retribuir o sorriso. — Um fiscal, é? — Ela contrai os lábios e me olha de cima a baixo com um brilho sedutor nos olhos. Arrastando os joelhos, ela se afasta um pouco. — Que tal se me fiscalizasse? — sussurra, brincando de abrir e fechar uma pontinha da toalha e dando risada.

Coço a nuca e seriamente considero minhas opções. Ir na brincadeira seria talvez a coisa mais lógica a se fazer. Ela está disposta e uma noite com esse tipo de diversão certamente me fará melhor do que encher a cara. 

Ela se aproxima, rastejando sobre os joelhos, novamente, com olhos que imploram. Eu deslizo a mão sobre sua bochecha macia e sinto repentinamente uma tristeza profunda. Faz mais de doze anos que não tenho intimidade com outra mulher e, coincidentemente, mais de doze anos é a diferença de idade entre eu e Rahel. Não sei se isso para ela é realmente só diversão ou se ela acha que isso algum dia vai levar a algo mais sério. Não sei o que ela quer de mim, espera de mim.

Mas sei o que quero e espero de mim.

O que realmente quero e espero é ser um companheiro para a vida de alguém e que seja mútuo. Quero e espero trocar as promessas de amar e respeitar, na saúde e na doença, nos tempos bons e nos tempos ruins e que a única coisa que nos separe seja a morte. Quero e espero alguém que seja capaz de não só mexer comigo fisicamente, mas que chacoalhe a minha alma. Quero e espero amor, amor verdadeiro e eterno.

Droga, eu estou soando como uma mulherzinha.

Rahel é linda. Mas... não consigo, não consigo, por mais que me esforce, enxergá-la com esse potencial. Não para mim. E eu já sabia disso nos primeiros cinco segundos do nosso encontro.

Porque esse potencial está marcado como uma cicatriz no meu peito, uma gravura queimada com chama: tem forma, tamanho, cor e nome.

Lucy. Maldita Lucy. 



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