Capítulo 1




"No reino dos fins, tudo tem ou um preço ou uma dignidade."

Immanuel Kant


* * *


Seis mil, quinhentos e sessenta e três euros. Malditos seis mil, quinhentos e sessenta e três euros!

— Seis mil, quinhentos e sessenta e três euros! — cuspo as palavras enquanto jogo uma nota alaranjada sobre a mesa de madeira escura e coberta de marcas de uso.

Essa noite posso muito bem deixar uma gorjeta extra-generosa para a garçonete. Afinal, quando já se está no buraco, uns centímetros mais abaixo não fazem diferença, não é mesmo? Além disso, admito que a ruivinha foi uma visão agradável nessa porcaria de noite. Então, só essa noite sou o Papai Noel, crianças. Aproveitem. 

O baque surdo de uma cadeira contra o chão me alerta que Josua é o primeiro a se levantar. E já começa, capengante como está, a quase impossível tarefa de vestir seu sobretudo preto. Ele começa por enfiar o braço esquerdo num buraco, presumivelmente a entrada de uma das mangas, mas não consegue perceber que o sobretudo está de cabeça para baixo. Diante do estranho caimento e da dificuldade de encaixar seu outro braço na vestimenta, apenas paralisa, observando confuso o incrível quebra-cabeça. 

Não sei exatamente se já estou bêbado. Ainda restam dois dedos de cerveja no meu canecão, mas algo me diz que já tivemos o suficiente.

Bem, o Josua, com certeza.

Michael bate na mesa com força, de supetão, causando um tilintar simultâneo de copos, saleiros e pimenteiros. Acho que todos nós, no bar inteiro, nos voltamos automaticamente na direção da explosão para tentar entender o motivo.

— Dá para você parar de falar do seu maldito divórcio?! Ninguém aguenta mais você e sua porcaria de divórcio! — sibila com a voz arrastada e cheia de saliva. Seus braços estão esparramados sobre a mesa como se estivesse prestes a deitar nela e tirar uma soneca. E, embora seus olhos irados e vermelhos fitem o Josua, não há dúvida a quem se dirige.

A mim.

Josua ergue as mãos num gesto de paz, uma delas arrastando consigo o sobretudo, mas antes que se pronuncie, levanto, derrubando a cadeira atrás de mim também.

— Não me custou só os seis mil, quinhentos e sessenta e três euros! Custou a minha vida, você entende?! — grito e sinto um impulso enorme de chutar alguma coisa... ou alguém. Gesticulo veementemente e percebo que praticamente soco o ar enquanto continuo meu espetáculo, embora minha intenção fosse apenas apontar e destacar cada palavra. — Ela me levou tudo. Tudo!

Minha voz soa mais embargada do que irada ao final da frase, e não entendo o porquê de não conseguir conter as lágrimas e os soluços que partem de mim subitamente. O choro surge tão sem alerta, como se na ausência de sinapses e caminhos neurais válidos, ele simplesmente os tivesse saltado, ido direto do coração para os olhos, sem o crivo do raciocínio. Normalmente, eu o teria expulsado com racionalizações e justificativas, com ira e uma dose adequada de orgulho e amor-próprio.

Mas, não. Estou definitivamente no fundo do poço. Porque agora estou chorando—minto, estou soluçando com bastante exagero—e ainda por cima em público.

E a única coisa que consigo pensar como solução para o meu problema é que eu provavelmente devia colocar mais uma nota de cinquenta pra garçonete.

Vejo como Michi e Josua se entreolham e a seguir olham para mim e fazem a única coisa que bons amigos com dois por mil de álcool no sangue poderiam fazer nesse momento:

Desatam a gargalhar.

Malditos, todos malditos!

Lucy, principalmente.

Eu a amaldiçoo mentalmente enquanto despenco novamente em uma das cadeiras livres e descanso a testa sobre a mesa. Estou tão cansado. Quebrado, em todos os sentidos. E mesmo que não houvesse uma gota de álcool no meu sangue estou certo de que ainda estaria sentindo essa dor profunda, as agulhas por todo o meu corpo e a sensação de estar boiando na correnteza rumo à quebra da cascata, incapaz de parar.

Quando levanto novamente o rosto, vejo meus dois melhores amigos de pé abraçados de lado, pelos ombros, diante de mim. Praticamente se penduram um no outro e suas risadas já estão relativamente sob controle. Mas, quando seus olhos me focalizam, tudo retorna pois constatam a nota de cinquenta euros grudada na minha testa. E bebi ao menos o suficiente para achar isso hilário também.

As lágrimas vieram para todos. De tanto rir.


É, acho que sobreviveremos.





* * *

Continua: Domingo, 4 de dezembro

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