Sete - Madison

Aquilo era espantoso.

Não sei porque, mas não consegui encontrar outra palavra. Poderia chamar de lindo, mas assustava demais para isso. Poderia chamar de milagre, mas não era um milagre, e de qualquer forma, não sou religiosa. Então, era apenas isso. Espantoso.

Recolhi minhas cifras (graças a Lucas, intactas) do chão, enquanto Kortry ria e conversava com Hugo.

— Ele conseguiu tirar a trava! Sabe o que isso significa! Todos eles podem conseguir então! Vamos precisar treinar, lapidar os poderes, ver o que ele consegue fazer...— Hugo concordava, o rosto pálido. Os dois entraram na casa, ela ainda tagarelando animada.

Os outros quatro Escolhidos que tinham vindo ver o que estava acontecendo, riam e queriam saber como Lucas conseguiu. Helena não estava por perto, mas ela tinha me contado que Felin iria arrumar os ossos das suas costas hoje, e acho que isso pode demorar um pouco mais do que o esperado.

— Foi a música da Madi que fez isso!— Lucas anunciou.

—Madi, toca pra gente!— Jesse pediu.— Quero conseguir fazer isso também.

Dei um sorrisinho meio torto, apertando mais a cifras contra o peito e ajeitando o violão nas costas. Alguma coisa me impedia de tentar tocar de novo, só por desencargo de consciência. Um sentimento estranho, ruim, mas que eu não conseguia ignorar agora... Respirei fundo.

— Não fui eu que fiz isso, Lucas conseguiu sozinho!— Jesse me encarou, meio desapontado, mas ainda um pouco desconfiado. Estreitou os olhos, me esperando continuar.— Foi puro mérito próprio dele. Se não, eu também teria sentido algo assim, mas não aconteceu nada comigo!— Ele concordou, como se aquilo realmente fizesse sentido.

As atenções se voltaram de volta pra Lucas, sorrisos e mais sorrisos parabenizando e tentando tirar uma casquinha dele. Me afastei, devagar, um sorriso falso e controlado no rosto. No momento em que não conseguiam mais me ver nas sombras do corredor, virei nas canelas e corri pro quarto, abafando o sentimento idiota que começava a me consumir.

Odiava sentir inveja. Sempre odiei.

Era mesquinho, irritante, ruim. Uma pessoa que deve ser do bem, não sente inveja. Em nenhum lugar, os mocinhos sentem inveja uns dos outros, por que isso não é certo! Não é amigável, não é coisa que mocinhos fazem.

E odiava ainda mais pensar que talvez não fosse um dos mocinhos...

Abri a porta do quarto, fazendo um barulho alto quando os moletons que sempre deixava na maçaneta atrás, bateram contra a parede. Sem controle da minha força, fechei a porta com outro baque alto, me encolhendo e trincando os dentes com o barulho. Arrumei o violão de volta no armário, de onde nunca deveria tê-lo tirado, e guardei as cifras de volta na gaveta. Na primeira vez em meses que encosto no meu violão, esse tipo de coisa acontece... Suspirei, me jogando na cama bagunçada.

A cortina esvoaçou, me deixando ver parte do céu azul que estava lá fora. Um dia lindo, que tinha me inspirado e dado vontade de compor e tocar, depois de tanto estresse. Um resquício de normalidade, roubado por mais um momento em que "A magia encontra seu caminho...". Bufei. As nuvens voavam lentamente, carregadas pelo vento fresco, e um pássaro passou rápido pela janela, arrulhando, e no segundo depois, mais dois voaram na minha janela. Suspirei, imaginando o quão simples era a vida daqueles pássaros... Sem toda essa responsabilidade.

Peguei um livro na cabeceira da cama, tentando me distrair. Nesses dois dias, aprendi a conviver melhor com o barulho da magia. Antes, era ensurdecedor, agora não passava de um burburinho que me impedia de dormir as vezes. E de prestar atenção em um livro também. Os lençóis se embolavam nos meus pés, e manta vermelha e felpuda que costumava usar como colcha pesava nas pernas. As palavras do livro se embolavam na minha mente dispersa, indecifráveis. Com o livro ainda aberto em uma das mãos, deixei minhas unhas curtas roçarem na manta, contornando os vincos embolados, e minha mente divagar pra longe. Longe daquela casa, da verdade que mais parece ficção em que fui jogada...

Não, não jogada. Escolhi aquilo. A marca escondida com magia na minha pele era uma comprovação, e contra fatos não há argumentos. Com tudo o que eu já vi, até agora, mesmo que pouco, posso dizer que ainda acho que o que precisamos fazer, o que estamos trabalhando pra fazer, é certo. Mas porque tem que ser tão difícil?

Porque me parece tão contraditório?

Se eu sou a Força, porquê fui fraca e deixei que sentisse inveja, de uma das pessoas que mais gosto no mundo? Sentia que depositavam um peso nas minhas costas, que não tinha certeza se era capaz de suportar. Mas agora, sentia que tiraram boa parte do peso, e no lugar, ficou apenas um vazio dolorido demais...

Sentia saudades de ser uma pessoa normal, definitivamente sentia. Era simples, fácil até. Seus objetivos eram traçados e você chegava neles se fizesse um esforço.

Mas sentir saudades, não significa se arrepender de uma escolha. E mesmo sem ter a certeza se apenas muito esforço vai bastar para as missões que precisamos cumprir, não me arrependo de tentar.

Não sei exatamente quanto tempo se passou, comigo deitada e com o olhar perdido, mas para mim, não foi mais do que dois ou três minutos. As nuvens que vi antes já tinham se distanciado, com o vento que assoviava baixinho pela janela, quando o bater de alguém na porta me tirou dos meus pensamentos.

Alguém bateu na porta novamente, três vezes de novo, e depois de um burburinho alto e reclamações na voz da Helena, a porta simplesmente abriu, e a cabeleira ruiva e encaracolada da menina entrou, acompanhada de um sorriso enorme que chegava aos olhos cor de musgo. Logo atrás, veio Genezis, revirando o espelho azul elétrico que eram seus olhos e puxando a mão de Kille, que arrumava os cabelos.

— Nem parece que a gente mora junto! Você bate na porta como se estivesse entrando no quarto do governador!— Ela revirou os olhos, jogando o cabelo para olhar pra Genezis.

— Caravana no meu quarto é gente?— Murmurei, fechando o livro sem ter lido nem um parágrafo, e enfiando a cara no travesseiro.

— Vamos sair e você vem junto.— Helena disse, completamente séria. Arqueei uma sobrancelha.

— Não estou muito afim de sair hoje não Lena, vão vocês.— Murmurei, mas a expressão de Helena não mudou nem um pouquinho. Ela bufou, pegando o meu braço e me levantando da cama, sobre protestos.

Kille abriu meu armário, pegando alguma coisa lá dentro e jogando em cima da cama. Se demorou um pouco antes de fechar, encarando meu violão. A morena se virou pra mim, as sobrancelhas arqueadas, alternando os olhos entre eu e as roupas.

— Você não pode simplesmente ficar ai, e não vai.— Ela disse, a voz firme.— Está tendo uma feira no centro, tem coisas de lugares que a gente nunca nem ouviu falar! Estamos aqui a quase dois meses e não conhecemos quase nada da cultura da Cidade de Touque, não acha que vai ficar estranho quando voltarmos pra casa e perguntarem o que vimos aqui?

— E não vai fazer mal sair. Que eu me lembre, você está enfurnada aqui dentro desde que chegamos.— Genezis cruzou os braços.— Isso faz mal sabia?

— Há uns cinco minutos vocês estavam lá fora com Lucas, como decidiram tudo tão rápido?

— Cinco minutos Madi?— Helena franziu as sobrancelhas.— Isso já faz mais de meia hora, e além disso, Felin já roubou ele pra ela, está fazendo experimentos, ou sei lá.— Concordei com a cabeça, um pouco confusa com o tempo.— Minhas costas estão com os ossos no lugar, o que significa que posso andar e correr o quanto quiser, sem o perigo de ter algum órgão perfurado. Vamos Madi, você precisa sair, todas nós precisamos sair!

Elas ficaram em silêncio, os braços cruzados. Encarei as três. Não saber quanto tempo se passou me assustava, e muito. Havia muito tempo mesmo que não saia de casa, e talvez, isso esteja prejudicando minha sanidade. Sempre gostei de ficar sozinha com meus pensamentos, como um refugio interno, onde nenhuma outra pessoa realmente entrara.

Mas talvez, eu tenha começado a ficar trancada tempo demais aqui dentro. Apertei a colcha felpuda com a mão em punho, dando um longo suspiro antes de jogar uma mecha de cabelo por cima do ombro e responder, murmurando.

— Está bem, está bem.— Helena abriu um sorriso enorme, satisfeita.— Deem dez minutos para eu me arrumar vai!— Expulsei as três do meu quarto, os sorrisos enormes vindos dos rostos delas.

Helena podia ser muito insistente quando queria, extremamente persuasiva. Mas nesse momento, eu tinha a consciência que precisava mesmo de um tempo no mundo real. No meu mundo real. Peguei a roupa que Kille jogou sobre a cama, rindo. Não era o estilo de roupa que eu usava, muito menos, que Kille usava. Parecia alguma coisa que Helena ou Genezis usariam, sem a menor duvida.

Ignorei completamente o vestido florido e de saia rodada, que na minha percepção tinha aparência de uma avó durante a juventude, mas aproveitei a bota de cano baixo e o sobretudo marrom claro, duas das coisas que eu mais usava na vida. Coloquei um jeans, dobrando a barra da calça e uma camiseta simples.

Kille me encarou quando desci a escada, reparando direto que não estava com o vestido. Um segundo depois, ela abriu um sorriso, como se aprovasse a decisão.

A luz do dia estava quente, batia contra minha pele. Estreitei os olhos pra luz, caminhando juntas em um grupinho. Helena caminhava de cabeça erguida na frente, olhando de um lado para o outro na rua e observando as placas de ruas.

Nossa casa ficava mais ou menos no centro da Cidade de Touque, em um bairro completamente residencial. Porém, o bairro logo do lado do nosso, era considerado o maior centro comercial desse planeta. E pelo que eu entendi, era pra lá que estávamos indo.

Subitamente, duas últimas casas de tijolinhos e telhado vermelho, foram substituídas por um longo quarteirão ladeado de grandes lojas de roupas, calçados e comida. O cheiro dos temperos daquela cidade, das comidas típicas e exóticas me deu instantaneamente fome. Reparei no sorriso enorme e intenso de Helena, quando ela passou o olhar por todo aquele quarteirão.

Aquela tarde seria muito longa...

Foram muitas horas andando de um lado para o outro entre as lojas. Helena e Genezis estavam maravilhadas com todas as lojas e a moda que parecia irradiar dos bueiros, junto com os cheiros maravilhosos dos restaurantes.

Não era inteligente deixar um cartão de débito na mão de Helena, principalmente se na conta, tivessem mais de oito zeros.

Kille estava com a expressão idêntica a minha, enquanto sentávamos lado a lado no banco do provador, esperando Helena e Genezis provarem roupas que sabíamos que iam levar, ficando bonitas ou não. O puro tédio estampava nossas expressões, guardando as muitas sacolas, e me fazia pensar se Kille também tinha sido arrastada pra isso antes de mim. As nossas únicas duas sacolas guardavam uma camiseta e um moletom estampado, de lojas muito menos chiques do que essa. Não por falta de dinheiro, mas por simplesmente não achar necessário.

— Se elas demorarem muito mais, acho que desmaio de fome...— Kille esfregou o rosto, raspando as mangas de um dos vários moletons uma na outra.— Tudo bem que essas duas parecem que não comem nada, pra ter esses corpos, mas eu estou quase mordendo esse banco com cheiro de chiclete.

— Má ideia ter vindo.— Resmunguei.

— Genezis vive me arrastando pra essas coisas...— Continuou.— Eu amo ver que ela fica bem até vestindo um saco de lixo, e normalmente eu trago um saco de marshmallows... Mas as duas chegaram tão rápido que eu nem tive tempo de achar um.

— A Lena consegue ser muito persuasiva quando quer, muito mesmo. Só ela pra me fazer vir em um programa desses.— Me remexi no banco, tirando o cabelo do rosto.

Nós duas nos entreolhamos em um silêncio cúmplice, que durou alguns longos segundos.

— Você faz tudo por ela não é?— Nós duas resmungamos, juntas. Abri um sorriso, e os olhos escuros de Kille brilharam, divertidos.

— Genezis é a constelação mais brilhante que eu já vi. Ilumina tudo em volta, mas ao mesmo tempo é meio distante, não parece nem real.— Kille começou.— Irônico como o nome combina tanto com ela. Brilhante, mas distante nesse céu enorme.

— Constelação?!— Arqueei as sobrancelhas.

— Aham. Genezis é uma constelação distante, praticamente invisível aos olhos, e é única, como a mãe dessa loira dizia. Ges me contou um pouco dessa história, disse que a mãe dela amava estrelas, constelações.— Kille puxou várias sacolas mais pra perto enquanto falava, organizando tudo.— Genezis era a constelação favorita dela. Catalogada, dizem que ela se parece com um botão de narciso, mas mãe da Ges dizia que ela via a flor inteira, aberta e completa. Ela colocou o nome da filha de Genezis, dizendo que ela representaria exatamente isso. Aos olhos certos, veriam muito mais do que apenas uma carcaça fechada, e sim uma flor enorme e cheia de vida, completa.

— É uma filosofia muito bonita!— Sorri.— Ter um nome assim, cheio de significado deve ser incrível...

— Ela adora me contar essas coisas, é o maior orgulho que minha loira tem.— E silenciou com um suspiro, olhando o provador ainda fechado.

O silêncio não durou mais que alguns segundos, apenas o suficiente para que eu tentasse formular um pensamento.

— Helena é tão... Enérgica.— Comecei.— Aquele brilho travesso que ela tem no olhar é inspirador, me leva a ter vontade de brincar igual uma criança, igual ela... Eu não sei nem como descrever Helena, realmente, parece que ela brilha como o fogo, tem uma coisa em todas as ações dela que me faz querer continuar junto, porque parece o certo. É como um farol.— Concluí._ Mostrando um caminho, incessantemente.

— Um farol...— Kille saboreou a palavra.— Acho que a única coisa ruim, é que faróis quase sempre estão cobertos de neblina.

E ficamos em silêncio de novo. Kille, melancólica, encarou as sacolas, passeando o olhar entre elas e os provadores. Algo se remexeu dentro de mim, pensando na dificuldade que tive de descrever Helena, a pessoa que eu considerava minha melhor amiga. Pareceu tão simples pra Kille, Genezis contou coisas sobre sua vida, importantes, e o que eu realmente sabia sobre Helena? Aquela coisa apertava mais forte dentro de mim, a inveja infundada estava ali de novo... Pensei nas palavras dela, interpretando e repassando devagar a última frase: é que faróis quase sempre estão cobertos de neblina... Senti minha barriga roncar forte, me tirando da idiotice que eram meus pensamentos, e não pensei duas vezes antes de dizer:

— Você se importa se eu sair e tentar comprar alguma coisa pra gente?

— De jeito nenhum, eu mesma estava quase pedindo isso!— Concordou sorrindo, e me levantei rápido, acenando e verificando se tinha um cartão no bolso antes de sair.

A Cidade de Touque pareceu brilhar mais para mim, assim que coloquei os pés no calçamento cinza da rua. Cada cheiro dos temperos, cada raio da luz que passava entre as arvores e batia nas paredes coloridas das lojas, cada carro, cada animal e cada pessoa que passava, irradiava energia, alegria e beleza. Aquela cidade era a coisa mais linda que já havia visto em toda a minha vida, e não sei como demorei tantos meses para finalmente ver isso.

Olhei em volta, descendo a longa rua comercial para tentar achar algo para comer, nem que fosse uma barraquinha de pastéis ou um vendedor de nozes. Mas as vitrines brilhavam me chamando atenção, e eu me deixava levar por elas, esquecendo da estranheza dos meus pensamentos de antes.

No meio das vitrines brilhantes e com luzes esbranquiçadas, uma me chamou atenção. Uma lojinha um pouco escura, com luzes colorida e vitrines abarrotadas de penduricalhos, bonequinhos estranhos de aparência mística e joias jogadas pelos cantos, parecia completamente deslocada no meio de duas outras enormes lojas de grife que a ladeavam.

Parei em frente a lojinha, conseguindo ver apenas algumas prateleiras abarrotadas lá dentro, olhando capas de livros sem nome e pequenas plantas pregadas nas paredes. Por um segundo, minha fome desapareceu e foi substituída por uma curiosidade anormal. Olhei em volta na rua, mas não parecia que alguém se importava com aquela loja, ou sequer a viam no meio de todas as outras infinitamente mais atraentes. Mas eu me importei, e uma sensação estranha me fez entrar para olhar.

Os pisca-piscas brilhantes e coloridos contornavam diversos livros e estatuetas, que para o povo do meu planeta representavam criaturas místicas e inexistentes, mas que agora eu sabia que deviam existir em algum lugar. Uma me chamou a atenção, era a estatua de uma guerreira batalhando com um dragão, muito bem esculpido, tanto que eu conseguia distinguir as gramas da base, as pequenas flores esculpidas e cada dobra das roupas da moça e das escamas do dragão. A espada estava embainhada e ela estendia as duas mãos para o dragão como se quisesse se defender.

— A mocinha tem muito bom gosto.— Me sobressaltei com a voz de uma senhora, virando o rosto para encontrar de onde vinha.— Essa estatueta é uma das minhas obras primas, das mais demoradas diga-se de passagem.

— A senhora esculpiu todas estas estatuas?— Apontei para a prateleira lotada de exemplares como os que eu observava antes. Eram centenas deles, amontoados nas prateleiras e rodeados de pisca-piscas. Aquela senhora era muito idosa, curvada e com o rosto coberto de rugas. Seus cabelos ralos estavam presos em um coque apertadinho, e tinha dedos longo. Apesar da idade e da falta de cuidado, a senhora era muito bonita, mas mesmo conservada da idade, não era imaginável que esculpisse com tanta perfeição todas aquelas peças.

— Sim, cada exemplar desta loja sem exceção foi escrito, esculpido e colocado nas prateleiras por mim.— Disse, orgulhosa, tirando um batom do bolso e tratando de passar nos lábios finos. O batom descoloriu ainda mais a boca esbranquiçada da mulher, e depois de constatar que já estava bom, guardou-o novamente dentro da roupa.

Peguei o exemplar da batalha com o dragão, e fui até o balcão abarrotado de papéis em que a senhora se encostava. Coloquei-o em frente a ela e disse:

— Vou levar esse.

— Tem certeza mocinha?— Perguntou.— É uma obra prima, uma das estatuetas mais caras que tenho.

— Dinheiro não será problema senhora. Esse exemplar é muito bonito.

A senhora concordou, e me encarou por um longo segundo.

— A mocinha esta passando por um momento difícil não é mesmo?— A senhora murmurou, me encarando por um longo minuto de silêncio, enquanto assimilava a pergunta.

— Como a senhora...

— Cada uma das minhas peças diz uma coisa sobre quem a compra ou a admira. Todas elas tem um significado, e os sentimentos que a pessoa está sentindo a levam a olhar para diferentes peças.— A senhora explicou.— Você querida, não entende os sentimentos que está sentindo, e é como lutar com um dragão interior sem uma espada para destruí-lo. É necessário conviver com o que se sente.

O silêncio se instaurou enquanto pagava o preço da estatueta e a senhora colocava dentro de uma sacolinha genérica. Ela fez questão de segurar a minha mão, olhando diretamente nos meus olhos antes de dizer:

— Suas escolhas a fazem ser quem você é querida, suas escolhas moldam seu destino.— Murmurou.— Escolha o que quer deixar que te consuma querida.

Nos encaramos por um momento, e então concordei com a cabeça devagar e me dirigi a saída da loja, um sininho que eu não tinha percebido, tilintando quando saí. Pensativa, voltei a caminhar pela rua, envolvida mais em mim mesma do que nas paisagens que antes me conduziam.

Comprei sistematicamente dois grandes hambúrgueres em uma barraca de rua, e voltei para a loja, com medo de ter demorado demais e Kille já ter mordido o banco da loja como disse. Mas nada disso tinha acontecido. Kille simplesmente saltou em cima de mim, agradecendo o hambúrguer, que tinha um cheiro loucamente delicioso, e voltou para o banco. Helena e Genezis não tinham saído dos provadores, e agora mais roupas ocupavam a porta do provador.

Ainda demoraria muito para as duas finalmente terminarem de provar as roupas, e finalmente decidirem levar tudo que provaram.

Todo o tempo comendo me deu chance de pensar. Sem a fome para me distrair, o pensamento do que aquela senhora tinha dito me perseguia, junto com a nova sacola que se juntava às minhas poucas. Como uma pequena estatua tinha tanto significado e poderia dizer tanto sobre o que eu sentia? Se bem que por tudo que passamos, nada realmente era impossível.

"Escolha o que quer deixar que te consuma".

Eu faria isso.

Escolheria o que me consumiria.

Escolheria não deixar que meus sentimentos ruins me consumam, principalmente relacionado aos meus amigos.

E faria questão de me lembrar das minhas escolhas.


Assim que voltamos para casa carregando todas as sacolas, fiz questão de colocar a estátua da batalha da menina e do dragão na cabeceira da minha cama, como um lembrete daquele dia. Precisaria que todos os dias, assim que acordasse, me lembrar do que eu escolhi ser e sentir.

Me lembrar que o que eu escolho, molda quem eu sou.

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