2. Saudades de Casa (p.1)
— Eu não estou gostando nada disso — resmungou Arthur, enquanto esticava os ouvidos para tentar ouvir a conversa de Miguel e Marina. — Nada mesmo.
Chloé revirou os olhos.
— Deixa eles — ela disse impaciente. — Só porque você não gosta do Miguel, não quer dizer que Marina não possa ser amiga dele.
— Não confio nele.
— Você está com ciúmes — Chloé apontou, o olhando entediada e se esticando na cama — porque ela agora dá mais atenção pra ele do que pra você.
— E você não tem ciúmes? — Arthur perguntou, olhando-a de lado.
Chloé franziu o cenho.
— Deveria?
— Tipo, ele é seu namorado.
— E daí?
Arthur balançou a cabeça.
— Deixa pra lá.
Arthur se deitou na cama e olhou pras telhas. Estavam bastante sujas, e o vento que entrava pelas frestas balançava a lâmpada pendurada. Era o quarto onde Chloé e Miguel dormiam, ficava nos fundos e não tinha acesso ao restante da casa, a não ser por uma janela. Como tinham preguiça de dar a volta, geralmente a pulavam, caindo direto dentro do quarto onde Arthur e Marina estavam dormindo — ela na cama e Arthur em um colchão no chão ao lado dela.
Diana ficava no quarto ao lado, geralmente isolada, o que Arthur apreciava. Há algumas semanas, eles haviam discutindo, quando estavam iniciando algo como um relacionamento: ele descobriu que ela havia sido amante do seu pai. Considerando que agora moravam na mesma casa, era grato toda vez que não precisava olha-la, já que vê-la era sinônimo de sentir uma dor dentro do peito.
Pra piorar, Marina — que há pouco tempo havia se chamado Lívia, mas que resolveu assumir seu verdadeiro nome. — tinha se tornado amicíssima de Miguel, seu cunhado constantemente irritante. Tal situação estava o deixando extremamente irritado.
Arthur levantou da cama e pulou a janela, atravessou a casa até a porta da cozinha, onde se abaixou para passar, considerando que ela tinha pouco mais de um metro e meio — o que sempre o fazia pensar em que tipo de pessoa faria uma porta tão pequena.
Marina e seu novo amigo estavam na varanda, ele a ensinava como usar seu brinquedinho: um longo chicote prateado de titânio, que ela havia ganhado de Diana, sua madrinha, há alguns dias, quando estavam prestes a fugir de Alexandria.
— Não esqueça de calcular por onde vai passar a ponta do chicote — Miguel lembrou a ela. — Ou ele vai acabar batendo em você mesma e te machucando.
Ela estava pronta para manejar a arma quando Arthur se intrometeu.
— Não dá pra parar de brincar com essa coisa? — perguntou. Há dias ela andava se cortando frequentemente, para enlouquecer Arthur e Chloé, que eram Guardiões da Fauna e eternos protetores da vida, e claro, da integridade física das pessoas também.
Marina se virou, notando sua presença e lhe lançando um olhar entediado. Os olhos tinham o mesmo tom azul vibrante de sempre, e os cabelos cor de cobre estavam amarrados no topo da cabeça.
— Por que você sempre tenta acabar com a brincadeira? — ela perguntou, e estalou o chicote de deboche.
Arthur estava pronto pra responder, mas Chloé falou as suas costas, o surpreendendo.
— Corram aqui — disse batendo o punho contra a porta apressadamente. — Vocês precisam ver isso.
Correndo para dentro, eles viram do que ela estava falando. Na TV, um noticiário mostrava o apresentador claramente alterado, enquanto falava a respeito de um crime.
— Mostra as imagens de novo, produção — pediu o apresentador e a tela foi dividida. — Reparem no sangue frio deste homem.
Arthur observou atônito. O homem de quem o apresentador falava era claramente reconhecível: Morselk, o pai de Miguel, que apenas há alguns dias atrás, havia o torturado e a Chloé, louco para encontrar Marina e mata-la.
E agora ali estava ele, na tela da TV, matando outro homem somente com a força das próprias mãos. Arthur olhou para o lado, Marina olhava meio sem entender, enquanto Miguel estava completamente pálido por ver o pai naquela situação.
— Pra você que chegou agora e não está entendendo a situação — disse o apresentador do lado esquerdo da tela. — Esse cara... Produção volta do início. — A filmagem retrocedeu ao ponto em que Morselk entrava pela porta. — Isso aconteceu ontem a noite, esse cara entrou em uma loja de manutenção e venda de eletrônicos aqui em São Paulo, entrou numa boa, deu o celular pro outro consertar, mas pelo jeito, ele não ficou satisfeito o serviço. — A TV exibia Morselk agarrando o pescoço do atendente. — E matou o funcionário! — o apresentador disse com ênfase. — Uma atrocidade sem tamanho, a que ponto esse ser humano chegou!
As imagens continuaram se repetindo na tela, e ninguém na sala se movia ou dizia qualquer palavra, até a TV desligar logo após o som de um estalar de dedos que veio de trás deles.
Diana estava de pé, apoiada na moldura da porta de seu quarto, entre ele e a sala. Os longos cabelos castanhos presos em uma trança e o rosto fechado em uma carranca.
— Detesto esses programas jornalísticos — ela disse. O colar de rubi estava pendurado sobre o peito da feiticeira, balançando juntamente com sua respiração.
— Você viu quem estava na filmagem? — Chloé perguntou para ela. Estava sentada sobre o braço do sofá azul.
— Morselk? — Diana disse. — Vi sim, achei que as câmeras o engordaram um pouco.
— Espera — Marina interrompeu, levantando as duas mãos abertas em sua frente e em seguida olhou para Miguel apontando para a TV desligada com uma delas. — Esse cara é o seu pai?
Miguel assentiu, mas sem uma palavra, ele apenas mudava o peso de uma perna para a outra, visivelmente desconfortável.
— Não é difícil adivinhar o que ele estava fazendo — disse Diana, tirando um fio de cabelo solto do rosto com impaciência. — Uma loja de eletrônicos, não foi? Provavelmente estava tentando consertar o celular de Arthur em busca de aguma pista sobre seu possível paradeiro.
Por mais que detestasse admitir, Arthur sabia que ela tinha razão, suas cabeças estavam a prêmio desde que os líderes dos Anjos descobriram que ele e sua irmã andavam escondendo Marina Ignis, ninguém menos do que a mais procurada de todas as híbridas de Alexandria desde seu nascimento.
— Mas por que ele precisou vir até o Brasil pra fazer isso?
— Informações sobre meu pai valem muito. Ele ia correr o risco de que as informações do celular fossem roubadas — disse Miguel. — Ele com certeza preferiu levar para alguém que não teria o menor interesse no conteúdo do aparelho.
Diana o olhou para Arthur diretamente nos olhos, como se esperasse a opinião dele, mas ele desviou o olhar. Tinha uma mágoa muito grande ao mesmo tempo em que se sentia constrangido desde quando a beijou sob o efeito de morfina. Não suportando mais estar no mesmo ambiente que ela, passou por Miguel e Marina perto da porta e pulou a janela para o quarto de Chloé, se jogando na cama lá dentro.
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