Capítulo 12 - La Bruja
MACHU-PICCHU TINHA sido descoberta em 1911, em meio a uma floresta que ocultava aquilo que parecia ser os restos de uma civilização que não existia mais há muito tempo. O Império Inca sempre despertou interesse da humanidade devido sua disciplina incrivelmente aguçada para com a agricultura e arquitetura, mas além disso, havia muito a ser descoberto sobre o lado místico dos antigos habitantes da região onde agora ficava o Peru.
Quando a encontrei, guiada até ela por uma espécie de magia pululante que emitira propositalmente na calada da noite, a velha bruxa estava sentada diante de uma fogueira, de olhos fechados, em meio a uma clareira na floresta, em meditação. Parecia mais idosa do que a sua real idade provava. Tinha a pele escura, traços indígenas e fartos cabelos pretos já perdidos entre os muitos fios grisalhos que desciam do alto da sua cabeça. Vestia um tipo de roupão vermelho-sangue e à frente dela estava pousado um cajado cheio de fitas e enfeites amarrados em torno do tronco principal.
— Eu a esperei por muito tempo, Dasha. Sabia que um dia acabaria encontrando o caminho de volta.
"Dasha". Eu me chamava Dasha, e de repente, como que trazida à tona após uma tempestade em alto mar, vários flashes de memória começaram a me assaltar, me levando a um salão de festa dentro de um palácio russo, a uma noite de amor com um rapaz magro de belos olhos azuis numa cama de lençóis indianos e a um jardim muito florido na companhia de um homem alto vestindo veludo.
— Você é a bruxa de que todos falam?
Era a primeira vez em muito tempo que ouvia a minha própria voz. Ela me parecia rouca, quase cavernosa. Falei em russo, o idioma que mais me era familiar, mas ela podia me compreender.
— Eu sou o que sou. O que importa é o que a trouxe até mim.
Eu seguia instintos que me mandavam procurar a velha feiticeira que vivia reclusa na floresta de Machu-Picchu, mas eu jamais consegui explicar a mim mesma o que exatamente pensava encontrar ali. Tinha retornado do mundo dos mortos há pouco menos de dois anos, e até então, as minhas memórias do passado pareciam um imenso caderno de páginas mal preenchidas, cheio de espaços em branco e fragmentos de histórias que não se conectavam.
A mulher tomou-me as mãos sem qualquer medo da minha natureza animalesca, como se eu realmente fosse uma velha conhecida sua, e fez eu me sentar diante dela. A fogueira queimava ao nosso lado exibindo um brilho esverdeado incomum. O seu semblante era plácido e os seus olhos pareciam escondidos atrás das bolsas de pele que o mantinham semicerrados, porém, estavam radiantes, vivos. Ficamos em silêncio por um tempo só ouvindo a floresta ao nosso redor. Quando a bruxa voltou a abrir os olhos, começou a me contar a sua história e o ponto onde a sua vida se cruzou com a minha.
Depois daquele primeiro encontro, eu passei alguns dias com a mulher chamada Pietra Del Cuzco nas ruínas do Império Inca, e usando a sua magia aprendida ao longo de décadas de prática na região mística de Machu-Picchu, ela me ajudou a restaurar as minhas lembranças há muito suprimidas após o trauma da minha morte física. Foi um processo lento e tortuoso, mas Pietra foi paciente, gastando muito da sua energia para unificar os fragmentos de memórias espalhados dentro do meu cérebro.
Eu havia sido atingida mortalmente por uma magia arcana muito poderosa e o meu organismo sobre-humano tinha guardado um mínimo de energia a fim de que eu sobrevivesse, embora não pudesse recuperar o meu corpo com a mesma eficiência. Enquanto eu hibernava, incapaz de recuperar a minha consciência, muito tempo tinha se passado e o mundo tinha mudado radicalmente do lado de fora da minha cripta. Era difícil conceber tudo que eu tinha perdido naquele período, mas um sentimento de vingança começou a preencher o meu coração ao saber quem tinha me causado todo aquele sofrimento.
— Depois que você foi atingida pela esfera mística, Iolanda Columbus e Adon Gorky deixaram muito claro que só me manteriam viva para que eu pudesse testemunhar tudo que eles fariam contra aqueles que eu amava. A mãe de Alejandro achava que eu era a culpada pelo ódio que o filho nutria por ela. A mulher o levou embora aquele dia e eu nunca mais pude ver meu amado espanhol. — Havia tristeza em seu semblante. — No dia seguinte, ela voltou para Trujillo e incendiou a vila de pescadores onde eu e os meus pais moravam. Ninguém escapou com vida. Sem ter para onde ir, eu cuidei do seu corpo carbonizado e o carreguei comigo em viagem até aqui. Já tinha ouvido falar das ruínas que abrigavam a cidade das mulheres escolhidas pelos soberanos incas e que servia como palco para a adoração ao deus Sol, por isso, seguindo os mapas de escritos antigos dos meus ancestrais, eu acabei chegando à mata que circunda as construções de pedra, encontrando a câmara onde eu a enterrei.
— Como sabia que eu acordaria um dia? Não achava que eu estava morta?
— Eu tinha fé — e ela esboçou um sorriso nos lábios enrugados —, a magia me dizia que ainda havia uma centelha de energia dentro do seu corpo quando a enterrei, e que de alguma forma, um dia você conseguiria retornar à vida.
A jovem e sorridente Pietra que eu tinha conhecido há muito tempo agora era uma idosa de quase setenta anos que carregava em suas costas uma vida de muitas perdas e abdicações. Ela tinha passado mais da metade da sua vida solitária em uma floresta perdida no meio do nada, sonhando única e exclusivamente com o dia em que se vingaria pela morte dos pais, além do desaparecimento do único homem que amara no mundo. Graças ao poder incalculável que ela agora controlava, eu tinha recuperado boa parte da minha memória e a saúde do meu corpo imortal. Quando me despedi dela, jurei que retornaria para a Europa um dia e que faria Iolanda e Adon pagarem por tudo que tinham feito a nós duas.
— A vingança não trará o conforto que você almeja, Dasha querida. Ela só vai deixar o pouco que resta da sua alma ainda mais negra. Sei por experiência própria.
Eu precisava seguir o meu caminho, apesar de tudo, e nem mesmo as palavras sábias de Pietra me fizeram desistir do meu intento. Agora que eu tinha recuperado o meu vigor de quarenta anos atrás e a minha antiga aparência de uma jovem de dezoito anos, eu já podia usar os meus outros talentos de sedução, o que me ajudou a atravessar o Peru e chegar ao Brasil finalmente. A antiga colônia de Portugal agora era um país próspero que recentemente tinha abolido a escravidão e derrubado a Monarquia, tendo proclamado a sua República a pouco mais de vinte anos. Fazia exportação de café em grande escala para o exterior e nos doze meses em que me refugiei em suas terras, me adaptando à sua cultura e esquematizando o meu plano de vingança, vi o país ser o principal mercado de grãos no mundo, bem na época em que eclodiu a Primeira Guerra Mundial.
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