↻Ausência

⌦Theo Raeken

— Como assim você nunca comeu algodão doce? Theo, você viveu errado durante esse tempo todo — Liam tagarela diz

— Quando eu era pequeno eu nunca tive a oportunidade, eu cresci e isso se tornou insignificante — digo

— Quando sairmos daqui eu preciso te mostrar muitas coisas

Se isso não tivesse saído da boca de Liam Dunbar, teria muitos significados.

— Quando sairmos daqui ainda vamos ser amigos né? — ele pergunta

— Somos amigos agora? — pergunto

— Somos? — ele me encara

Depois que voltamos do banho Liam sempre fica mais tagarela, impressionante.

— Eu não tenho amigos — respondo e vejo Liam mudar seu semblante

Ele parece triste, como se tivesse ficado chateado com o que ouviu.

— Eu vou voltar pra minha cama — ele sai de cima da mesa e desaparece da minha visão, se deitando na cama de baixo

•No dia seguinte•

Tem alguma coisa muito errada, Liam está quieto.

Desde ontem ele está quieto.

Desde a nossa última conversa sobre o algodão doce, ele nem sequer abriu a boca para falar comigo, talvez ele esteja bravo.

Não que eu me importe, mas se ele estiver magoado eu com certeza sou o motivo…

Mas o que ele ele queria que eu dissesse? Que somos amigos?

O Liam sabe que eu não sou assim, ele está a todo tempo dizendo o que sente, mas eu não sou dessa maneira.

Somos companheiros de cela e apenas isso, não deveria ter deixado ele se aproximar ao ponto de pensar que agora somos amigos.

Mas quando se trata dele as coisas são diferentes…

Eu não sei, ele é diferente dos outros, o fato de eu ajudá-lo o tempo todo já prova isso, não é o suficiente pra ele?

— O que você tem?

Acabamos de acordar, Liam escovou seus dentes e se sentou em sua cama, ele continua com a cara emburrada.

— Que diferença faz se eu responder? Você não se importa mesmo — ele disse sem nem me olhar

Ok, ele está mesmo bravo.

— O que deu em você? — pergunto

— Não é você quem vive dizendo pra eu parar de falar? Então, estou fazendo isso, você deveria estar feliz

— Então o problema sou eu — digo

— Eu só não estou afim de conversar — Liam diz encarando seus pés

— E o que te fez perder a vontade de falar?

Liam olha para mim, ele mantém seu semblante sério, o que não dura muito tempo e ele tem uma expressão de tristeza.

Vejo seus olhos marejados e ele se apressa a limpar.

— Você tá chorando?

— É, eu tô chorando. Estou chorando porque eu conheci um cara, ele é mal humorado mas no fundo eu sei que ele é um cara legal, ele diz que não quer amigos mas eu sei que é da boca pra fora, ele vive me defendendo sempre que eu preciso. Eu só queria me aproximar, só queria ser legal, eu o considerei como um amigo e ele simplesmente não quer reconhecer isso… ele prefere fingir que não se importa com nada ao seu redor, prefere fingir que não se importa comigo — Liam tinha seu rosto molhado pelas lágrimas e por algum motivo essas palavras fez eu me sentir mal

— O que você quer que eu faça, Liam? Quer que eu saia dizendo para essa prisão o inteira que você é meu amigo? Quer que eu faça uma pulseira de melhores amigos e jure nunca mais soltar sua mão e que seremos melhores amigos para sempre? Porra Liam, eu não sou assim e você sabe muito bem disso

Liam se levanta e chega perto de mim, ele me encara com um olhar furioso que ao mesmo tempo carrega tristeza.

— Eu não estou pedindo nada disso a você, eu só acho que você deveria pensar nos seus atos, você pode não se importar com nada ao seu redor mas eu não sou como você. — ele disse se afastando

Os policiais chegam e nos tira da cela e nós vamos para o refeitório. Não consigo deixar de pensar no que acabou de acontecer.

O Liam está errado, eu me importo mais do que consigo demonstrar.

[…]

Assim que a área externa foi liberada, vi Liam ir para a arquibancada junto com seu grupinho. Eu queria ir lá e simplesmente pedir desculpas, ele está magoado e eu me sinto mal por ser o motivo disso, mas eu sou orgulhoso demais para me expor pra ele assim.

Eu não entendo o porque me importo tanto com o que o Liam sente.

Talvez na cela nós tenhamos a chance de conversar.

Vejo ele se levantar e andar para o outro lado, pra onde será que ele vai? Espero que ele não esteja aprontando nada dessa vez.

Eu não sei o que o Liam está fazendo comigo, não se passaram nem cinco minutos e eu já estou indo atrás dele.

Eu não posso deixar ele sozinho por aí, ninguém aqui é confiável.

Ando em direção ao local onde ele foi mas não o vejo por ali, vou para trás da arquibancada mas nenhum sinal dele também. Quando eu estava prestes a voltar ouvi um barulho de gritos, vejo os presidiários formarem uma rodinha e já imagino o pior.

É exatamente o que pensei, Liam está no meio da roda. Ele e um de seus amigos tentam impedir um cara que está indo pra cima de um garoto.

— Seu nojento! Além de escroto, você é surdo? Ele disse não! Você sabe o que significa essa palavra?? — Liam praticamente gritava com o homem

De repente o homem soltou o outro garoto que estava extremamente assustado e foi pra cima de Liam.

— Sai de perto dele — me coloquei no meio dos dois, ficando de frente ao homem que pode ser mais alto que eu, mas eu sei que não é mais forte

— Ou o que? — ele pergunta, vejo uns quatro caras irem para trás dele e sinto Liam atrás de mim segurar meu braço

— Ou eu quebro a sua cara — digo cerrando meu punho

— Acha que eu tenho medo de você? — ele pergunta com um sorriso amarelo e debochado

— Mas deveria — falei

— Eu estava apenas me divertindo, esse baixinho que veio e acabou com a minha festa — ele diz

— Se divertindo? Ele estava tentando arrancar a roupa daquele garoto a força, quando eu ouvi claramente ele dizendo que não queria — Liam fala — você merece mesmo estar aqui dentro, seu filho da puta — Liam está furioso

Mas essa fúria só vai nos encrencar mais aínda.

— Repete se tiver coragem — o homem em minha frente falou

— Eu repito, não só pela minha coragem, também porque sou mais homem do que você! FILHO DA PUTA — se eu não estivesse em sua frente, Liam teria ido pra cima dele

— Você vai se arrepender de ter nascido

Em questão de segundos esse pátio se transformou em um ringue, todos eles vieram pra cima de nós, eu tentava me defender enquanto tentava impedir que Liam apanhasse, o amigo de Liam acerta vários socos na cara de um deles, enquanto todos em nossa volta vibram torcendo por essa confusão.

Liam recebeu um golpe na barriga, o que o fez recuar, em seguida um chute e um soco no rosto. Me livrei do cara que estava em minha frente apenas com um soco e corri até onde Liam apanhava.

Eu não vi mais nada em minha frente, tirei o homem de perto de Liam e soquei seu rosto, vendo o sangue sair de sua boca, a partir daí tudo pareceu ficar em câmera lenta. Quando mais eu batia, mais sangue eu via e todos em minha volta gritando.

Eles podem me bater o quanto quiserem, mas não encosta no Liam.

— Para com isso Raeken! — ouvi alguém gritar e em seguida tudo ficou quieto, os policiais me tiraram de cima do cara e vi quem gritou o meu nome

O diretor do presídio, Noah.

Ele raramente aparece aqui em baixo, apenas de vez em quando quando tem alguma briga.

Digamos que eu não tenha uma fixa muito limpa, muitas das vezes que o diretor desceu aqui por conta de uma briga, eu estava envolvido em alguma delas.

— De novo Raeken? — ele pergunta cruzando seus braços

— Poisé — dou de ombros

Procuro Liam com os olhos mas não o encontro. Pra onde ele foi?

— Onde pensa que vai? — ele se coloca em minha frente

— Foram eles que começaram, eu não tenho nada a ver com isso

— Tem certeza? — ele olha para o homem que está se levantando do chão com muita dificuldade, por minha causa

— Eu preciso resolver uma coisa — tento sair novamente mas ele me impede

Puta merda.

— A única coisa que vamos resolver é na minha sala, Raeken

— Nós dois sabemos o que você vai fazer. Vai me dar um sermão, aumentar minha pena e depois me levar pra solitária. Eu não me importo, Noah, você pode fazer o que quiser comigo mas antes eu preciso achar o Liam — ao que tentei passar por ele, o mesmo sacou sua arma apontando para o meu rosto

— Você não vai sair daqui até que eu diga que você pode

— Você sabe que isso não me assusta — eu falei vendo ele abrir um sorriso debochado e destravar sua arma

— Você não se importaria de levar um tiro no meio da testa, não é mesmo Raeken?

— Vá em frente, eu sei que não tem coragem — eu digo, vendo sua expressão mudar para ainda mais irritado

— Eu vou encher sua cabeça de balas que nem Deus vai te reconhecer

— Eu sou ateu, atire como quiser

— Você tem sorte que todas as solitárias estejam cheias, Raeken

Eu não levei um tiro, mas recebi um soco assim que ele disse tais palavras.

[…]

Liam estava certo quando disse que é bom quando você tem alguém com que você possa sempre contar.

O Liam é sim um tagarela insuportável, mas eu já estava me acostumando com isso, o tempo sozinho que passei nessa cela antes dele vir pra cá foi longo, não é como se eu me importasse em estar sozinho naquele tempo, eu já havia me habituado.

Mas agora eu confesso que me importo de estar aqui sozinho, ele não está aqui agora e eu sinto falta de ouvir ele falar por horas, não faz nem um dia que ele não está aqui e eu já sinto a falta dele…

Eu fui levado para a sala do diretor do presídio, ele me deu um sermão por horas, aumentaram dois anos da minha pena por ter quasa matado o cara e depois eles me trouxeram de volta para a cela, um policial fez o que o diretor começou lá no pátio, me deu uma surra.

Eu não ligo se ganhei outro olho roxo ou corte no lábio, eu só quero saber onde Liam está, eu não aguento mais não saber se ele está bem.

Se for preciso eu rodo esse presídio inteiro para encontrá-lo, eu só preciso me desculpar pelo que fiz. Que se foda meu orgulho, eu quero ele aqui comigo de novo.

Ouço uma movimentação no corredor, rapidamente me levanto e vou até a grade mas por estar escuro não consigo enxergar muito bem.

A luz de uma lanterna ilumina meu rosto, a cela é destrancada e vejo um policial colocar Liam para dentro.

Por mais que esteja escuro consigo ver seu rosto machucado, Liam olha para mim e dá um pequeno sorriso.

Me aproximo dele e sinto suas mãos de encontro com meu corpo, ele me abraça e retribuo no mesmo instante.

Ele está mesmo aqui…

— Me desculpa… — eu sussurrei, enquanto ouvia Liam chorar baixinho nos meus braços

— Está tudo bem — ele falou — você se encrencou por minha causa?

— Não se preocupa com isso, o que importa é que você está bem agora — me afasto abraço para olhar para ele

— Em uma semana só eu levei dois socos na cara, espero que isso não tenha me deixado menos bonito — Liam diz limpando suas lágrimas

— Você continua lin- — paro de falar rapidamente — é… você continua bem

Eu ia mesmo dizer isso em voz alta?

— Bom, nessa caso, você também continua bem, quasa nem se nota seu olho roxo — ele fala

— Acho melhor a gente dormir, deve ser tarde agora — digo indo até a cama

— Se eu tiver um pesadelo posso subir na sua cama? — ele pergunta

— Você se mexe muito dormindo, alguém ia acabar caindo — digo me deitando

— Então você vem pra minha?

— Boa noite, Liam

— Seja gentil, eu estou dodói — ouço ele resmungar e dou um pequeno sorriso

— Dorme, Liam

— Com você falando eu não consigo — ele diz

— Você que não fica quieto

— Você está falando agora

— Só fica quieto e dorme

— Tá bom, grosso

— É, é bem grosso mesmo

— O que?

— Nada, boa noite

— Boa noite

Nós ficamos em silêncio, mas ouço Liam resmungar baixinho.

— Do que será que ele tava falando?

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