13. Empasses


Nós não nos conhecíamos. Outra verdade inconveniente.

Para Patrick eu era seu melhor amigo, ou seu verdadeiro igual, onde ele via florescer todas as flores que não ousou cultivar em si mesmo. E tentava incessantemente dividirmos os pedestais. "Jony consegue fazer qualquer coisa" era sua frase preferida. Falando sempre dos outros, nunca de si mesmo.

Tão cego. Tão previsível.

Bastasse olhar, seus movimentos, seu pensamento, ele estava sempre tão entregue e amostra, os lábios entreabertos, chocado com mais uma peça medíocre de teatro, chocado com a fragilidades dos nossos dedos chocando uns contra os outros, empático, egoísta, simples e complexo ... não me julguem por querer jogar com ele. Não me julguem por querer me aproximar do fogo. Mas não, não fui eu quem iniciou o jogo.

Voltemos ao passado, vejamos nós dois, deitados no tapete da sala, em um silêncio profundo. Me pedindo para erguer a mão e carregá-lo pelos caminhos pedregosos, para guia-lo entre os corredores finos, quando era quase sempre suas costas onde eu viria tombar. Claro, é de Patrick que estamos falando, sorrindo pelos cantos, como se sua alegria afugentasse qualquer medo. Sorrindo pelo mundo inteiro.

Correr e correr... Nenhum pouco hesitante com a possibilidade de tropeçar. Caótico. Rodear aquela atriz tão paradoxalmente era mais um de seus caos experimentais. Era uma libélula grudada na lâmpada, a procura de se queimar.

Enquanto ele navegava em viagens distantes, se fundindo a outras almas só por diversão, na minha mente, eu tinha um mar azul.

A cada dia, a cada tela, ele mostrava-me uma nova face, uma emoção distinta, as ondas tão destrutivas passavam a quebrar mais calmamente. Eu passei a odiar aquilo. Era como se estivesse me enganando.

"Você deixou ele ir, só para agora desenhar esses olhos todos os dias?".

Algo em mim sabia que ele se afastar tão pacificamente me trouxe sentimentos contraditórios, não raramente meus pés hesitavam em retomar o passo; ultrapassar orgulho, cansaço, razão e Michael.

Não me diga que estava exagerando, porque tudo o que me enlouquecia era apenas parte de um processo; lento, longínquo e imprevisível.

Ao contrário do que Michael me desafiaria, não podia ceder. Não enquanto pendia numa corda bamba tão enjoativa. Não enquanto não conseguia me livrar de alguém como ele.

Patrick foi o primeiro a notar como ele me desgastava, mesmo incapaz de odiar alguém abertamente, não podia esconder o quanto se afastar foi uma decisão de alívio nesse sentido. Fico feliz de ter visto tão pouco aqueles dois no mesmo ambiente. Michael nunca havia sido tão dramático e superficial quanto naqueles últimos meses. Decidi que estava cansado dele também. Não quero compará-lo com Patrick, nunca quis. Porém ele sempre estava disposto a forçar uma comparação.

Naturalmente, nunca haveria uma comparação. Não estava o substituindo, não estávamos em nenhum patamar, mas ainda assim era tão difícil fechar a porta. Ele sempre dava um jeito de entrar.

Saindo para dar um ar, de novo diante daquele mar, em toda sua calma devastadora, voltando a seu mundo com pés rasos, esperando que um dia pudéssemos retornar ao mesmo caminho. Um esbarrar qualquer, breve e claro, por que não? Devastador.

Aquele cara sempre acabava voltando pra minha vida, acho que em algum momento eu devia me acostumar com isso.

Era apenas mais uma noite de teatro, estávamos com Michael e alguns de seus colegas sem importância.

Nós bebíamos, não... eles bebiam. Tanto ao ponto de quase explodir. Mesmo que eu não quisesse beber, Patrick ainda insistia para ir, no seu escalço, arrastado como um cão correndo pela rua, levando o dono, em vez do oposto. Michael de um lado, com seus amigos, falavam de tantas coisas e ao mesmo tempo que mal conseguia acompanhar. Passei a noite sem dizer nada, tentando não adormecer naquela mesa suja, em meio a toda aquela gente desconhecida.

Devagar nós íamos caminhando na praia, no fim da noite. Havia mais duas ou três pessoas, garotas da faculdade que encontramos no caminho, logo o grupo se bifurcou e se dispersou que mal percebi.

Apenas lembro que de repente, toda aquela noite tão desinteressante parece suscitar algo, que me leva até as margens das águas.

Algo de encantador se estirava no mar, e num momento estranho e incomum de admiração, vejo-me; a imagem sobressaindo os pontos cintilantes das estrelas.

Pequenas ondas dançam lentamente, até acalmarem e dissolverem o resto da minha alma. O que mais de assustador aconteceu foi que estava... sorrindo. Com o cabelo grudento de suor, a blusa pendendo para fora da calça, meus lábios faziam aquele estranho movimento. Deslizei a mão pela face, como se quisesse retirar a essência que a cobria, misterioso elixir da felicidade. Então eu encarei a minha mão, com o cenho franzido, com um quê de curiosidade e idiotice.

Para complementar esse momento de singular observação, dou-me com um sorriso de canto, encostado desleixadamente nas costas das mãos. Patrick completamente embriagado, caindo para os lados, fedia a álcool, tropeçava nos próprios pés e mal conseguia dizer o meu nome quando quase desmaiou em cima de mim. Incômodo como sempre, principalmente naquelas situações... Ele jamais mudava.

Dizia coisas sem o menor sentido enquanto pendurava-se no meu ombro, e eu tentava chamar Michael para levá-lo embora, porém, por alguma razão não consegui encontrá-lo.

Naquele momento tinha a missão de ir pra casa sem uma mísera nota no bolso, era Patrick quem estava pagando tudo. O que viria descobrir depois, gastara até sua última moeda dos bolsos.

Estávamos mais perto do meu apartamento então, sozinhos pelas ruas de Coven numa madrugada cinzenta, com Patrick alcoolicamente desacordado nas minhas costas, um misto de medo e adrenalina corria nas minhas veias. Sentia o cheiro forte de nicotina despregando do seu pescoço, se metamorfoseando por todo o seu corpo, eu pensava desleixadamente como ele sempre era tão impertinente e imprevisível e como aquilo definia bem a imagem que ele apresentava a si mesmo.

Seu corpo, aquele que ele nunca hesitou em sensualizar, decorar, nem diante de meus olhos. As curvas macias, os braços firmes, as margens sinuosas das pernas, tronco, o pescoço esguio e razoavelmente avermelhado... a beleza e as curvaturas, tudo aquilo provocava em todos uma estranha curiosidade obsessiva, que nunca se confundia com a facilidade de seu temperamento. Tudo se complementava. Subindo as escadas, eu mantinha aquela imagem, dos olhos curiosos, fitando-me enquanto eu mesmo me olhava. A curiosidade e a... admiração. Aquilo não tinha importância, afinal Patrick era aquele tipo de pessoa, o tipo que não se importa em invadir ou ser invadido. Estava divagando. Deitado na cama, deixei-o em meu quarto, pensando na areia e no suor, e que ele com certeza lavaria aqueles lençóis.

Não havia espelhos, mas eu senti uma estranha necessidade de saber como eu parecia naquele instante. Feliz? Confuso? Meu peito apertava, me sentia sufocado e aflito. Minha mente oscilava e eu não conseguia dormir.

Erguia, inconscientemente, o pescoço para o quarto, fitando a fresta da porta. Sem ter certeza do que eu temia ou o que eu queria ver.

Encontrei seu rosto afundando no travesseiro, e bastou alguns segundos para meu corpo esquentar, fervente.

Pela primeira vez, eu sentia que estava invadindo muito mais que pensamentos. O suor escorria pela seu pescoço, entreaberto na camisa, úmida, branca e suja. Acompanhava o som da sua respiração com uma curiosidade entre sexual e anatômica.

Sobressaltei-me comigo mesmo, voltando a jogar-me no sofá e foi então que, estranha e lentamente o ar retornava aos poucos nos meus pulmões, como se aquela nova necessidade houvesse sido saciada.

A imagem do outro se clareava como o sol. Ele tinha um corpo que se distinguia do meu, uma cor própria, um odor próprio, uma voz, uma massa de carne viva. Foi por isso que eu disse que não nos conhecíamos de verdade, nem chegamos perto. Adentrando no outro, me interessando por ele, eu sabia que estava afundando num caminho desconhecido, e se tratando do Patrick, sem saída.

Naquele fim de Ano eu soube, talvez tarde demais? Eu estou encrencado.

Como um tapa. Um soco de atravessar paredes.

E não... Não me importaria menos com Mercedes. E Patrick muito menos. Não me pergunte sobre todas as pobres almas que atravessaram sua porta entre o antes e depois daquela separação. Ou numa delas. Ou todas elas, não me importava.

Era em mim e nos meus planos que pensava, nos meus maciços e inabaláveis planos.

Não podia me afastar de Patrick, assim como não podia me aproximar demais. A linha precisava ser traçada, e é óbvio, que era impossível.

De alguma forma, estava gravitando.

Quase como se precisasse esvair-se, para poder preencher tudo novamente; adquirir imunidade ao veneno só depois de consumi-lo.

Mas de novo; é de Patrick que estamos falando. É óbvio que nunca funcionaria, afinal, ele era a pior pessoa por quem eu poderia me apaixonar.

Juntos nós podíamos ser simples, porém separados éramos complicados demais, e quando ele se tornou o "outro" eu pude ver isso claramente. Patrick não pertencia a ninguém, ele não conseguia. Aos seu olhar, todas as criaturas na Terra eram iguais.

Frequentemente me perguntava se alguma vez ele desejara algo, mais tão profundamente, que não poderia imaginar vê-lo sem querer possui-lo. Foi então que eu percebi que, mesmo sendo desejado por todos, ele era incapaz disso. Talvez justamente por ter sempre na palma da mão todos que o rodeavam.

Então, por quê? Eu me perguntava, enfim. Uma tentativa falha de racionalizar aqueles sentimentos. Por que eu me atraía por alguém assim?

Não deveria bastar, para nós, continuarmos naquela contemplação a distância? Como naquele quadro, onde somos apenas telespectadores um do outro? Desejar alguém, obcecadamente, tê-lo em seus sonhos, dizendo coisas que jamais seriam ditas, notando coisas em si mesmo que sequer sabia que existiam, era como injetar o veneno e se viciar nele.

Não podia continuar assim. Não podia morrer envenenado.

Não foi uma questão de ego, eu precisava desviar o olhar, sem perder o fôlego. Precisava recuar, se não podia controlar o poder que Patrick exercia sobre mim.

Então o que eu fiz? Nada tão radical; apenas ergui minhas mãos, as palmas pra frente, na altura do peito ... E o empurrei, para fora da linha.

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