ꜱᴇᴠᴇɴᴛᴇᴇɴ - 𝘴𝘦𝘤𝘳𝘦𝘵𝘴 𝘰𝘧 𝘢 𝘴𝘬𝘢𝘵𝘪𝘯𝘨 𝘳𝘪𝘯𝘬
Episódio dezessete,
𝘴𝘦𝘤𝘳𝘦𝘵𝘴 𝘰𝘧 𝘢 𝘴𝘬𝘢𝘵𝘪𝘯𝘨 𝘳𝘪𝘯𝘬
A noite já caíra quando Daniel LaRusso finalmente chegou à sua concessionária, exausto após o treino com os novos alunos do Miyagi-Do. O local estava deserto, iluminado apenas por algumas luzes externas que lançavam sombras alongadas pelas paredes. Daniel se aproximou de uma das portas, tentando abri-la com mãos trêmulas de cansaço. Ele sabia que tinha evitado as ligações de Amanda durante o dia, se refugiando no karatê em vez de enfrentar as responsabilidades que o aguardavam.
Enquanto ele lutava com a fechadura, uma voz cortante o interrompeu:
— Ele foi embora.
Daniel se virou ao som da voz de Amanda, que estava parada alguns passos atrás dele. Ela cruzou os braços, o olhar firme e desapontado. Ele abaixou o olhar, sentindo a culpa pulsar em seu peito.
— Ah, sério? Eu ligo pra ele... — Daniel tentou apaziguar, já se preparando para consertar a bagunça que havia causado. — Eu vou convidá-lo para jantar.
Amanda não se moveu. Sua expressão permaneceu fria e distante, como se as palavras de Daniel não significassem mais nada para ela.
— Não perca seu tempo, Daniel. — ela respondeu, quase com um desdém gélido em sua voz. — Ele se demitiu.
Daniel sentiu o sangue gelar em suas veias. — O quê? — ele perguntou, agora alarmado, dando um passo em direção a Amanda.
— O Anoush se demitiu. Ofereceram-lhe um cargo melhor. — Amanda deu de ombros, sua voz carregada de cansaço. — Mais dinheiro. Ele até considerou nos dar mais uma chance, mas você furou com ele.
— Eu sei, Amanda. Mas tudo bem, eu consigo consertar isso, vai ser fácil. Eu vou resolver e vou ligar pro Anoush...
— A questão não é o Anoush! — Amanda quase gritou, suas palavras cortando o ar como lâminas afiadas. — A questão é que você não cumpre suas promessas, Daniel. Você disse que ia equilibrar tudo, e olha o que aconteceu.
Daniel abriu a boca para responder, mas não encontrou as palavras. Sentia-se cada vez mais pequeno, encurralado pelas verdades que Amanda despejava sobre ele.
— Olha, hoje eu me atrapalhei, mas não vai acontecer de novo. Eu vou dar um jeito, vou arrumar tudo, vou tentar passar mais tempo na loja... eu prometo.
Amanda balançou a cabeça, incrédula. — Você não está entendendo, Daniel. A questão não é a loja, somos nós dois. A nossa família. Desde que você abriu o Miyagi-Do, eu acordo com a cama vazia, você nunca presta atenção em nada. Eu cuido dos negócios sozinha. Você sequer assinou o formulário do hospital. E quando percebi que tinha ligações perdidas sobre isso, já era tarde demais, porque eu já tinha passado meu dia todo cuidando disso aqui.
Daniel sentiu o peso das palavras dela esmagando-o. — Me desculpa, Amanda. Eu realmente sinto muito... — ele começou, a voz vacilante, mas antes que pudesse continuar, algo mais profundo o atingiu como um soco no estômago.
Ele se deu conta de algo que havia esquecido, algo que prometera a si mesmo que jamais deixaria acontecer.
— Espera, então quer dizer...
Amanda o interrompeu, sua voz agora carregada de frustração. — Quer dizer que Jay Foster está aí em algum lugar porque você não cumpre suas promessas vazias. E a Aaron sequer quer voltar lá pra casa porque insiste que é um incômodo a presença dela. Você entende? Você ficou tão absorto com o karatê que sequer reparou que ela tinha saído de casa!
Daniel se sentiu desmoronar por dentro. Ele tentou justificar, mas suas próprias palavras soaram vazias aos seus ouvidos. — Eu não consigo controlar tudo, Amanda. Eu entendo que você esteja chateada, mas ela não é nossa filha. O Robby aceitou da nossa ajuda e isso é ótimo, mas eu não posso obrigar...
Amanda deu um passo à frente, sua autoridade e determinação transbordando em cada palavra. — Você está se ouvindo, Daniel? Você está falando igual a sua mãe.
A comparação atingiu Daniel com força. Ele sentiu a vergonha subindo, queimando seu rosto. — Me desculpa... eu só estava ocupado, focando em dar para essas crianças uma nova forma de se defenderem...
Amanda o olhou nos olhos, sua expressão dura e inabalável. — Acontece que às vezes, quando focamos em uma coisa, perdemos o foco do que realmente importa.
Ela citou uma das lições do Senhor Miyagi, palavras que Daniel conhecia bem, mas que, naquele momento, soavam como um julgamento. Amanda deu meia volta e saiu da concessionária, deixando Daniel sozinho com seus pensamentos e arrependimentos.
Ele ficou parado ali por um longo momento, incapaz de se mover. As palavras de Amanda ecoavam em sua mente, revelando a extensão do dano que ele havia causado, não apenas à sua família, mas também a si mesmo. Daniel olhou para as chaves em suas mãos, mas o desejo de abrir a porta e seguir em frente desapareceu.
O peso de suas promessas quebradas, das oportunidades perdidas, estava esmagando-o. Ele sabia que tinha falhado, não só como empresário, mas como marido, pai e mentor. Sentindo-se completamente derrotado, ele encostou-se na porta, fechando os olhos, desejando poder voltar no tempo e fazer as coisas de maneira diferente.
A noite estava calma na casa dos LaRusso, um silêncio pesado pairava no ar, apenas quebrado pelo som ocasional de batidas na porta. Robby, sentado no sofá da sala, gritou por Samantha, sem tirar os olhos do televisor, onde um filme qualquer passava sem captar sua atenção. Quando percebeu que Samantha não responderia, ele hesitou. Estava ali, naquela casa, há tempo suficiente para ser considerado parte dela, mas não se sentia em casa. Havia uma barreira invisível, uma sensação de que ele era um intruso, alguém que não tinha o direito de abrir uma porta que não era sua.
Com um suspiro resignado, Robby levantou-se e caminhou em direção à porta, as batidas ainda ecoando na madeira. Ele destrancou a porta com um movimento rápido, e ao abrir, encontrou-se cara a cara com Miguel Diaz. O garoto estava vestido com um moletom vermelho opaco, o capuz puxado para trás, revelando um rosto cansado, talvez até passivo.
Por um instante, antes de abrir a porta, Robby parou ao lado de uma prateleira de fotos. Seus olhos pousaram em uma imagem no canto superior. Uma foto antiga de Aaron e Samantha, ambas com cerca de oito anos. Aaron, loira, tinha os fios de cabelo colocados atrás de sua orelha avantajada, um sorriso desdentado iluminando seu rosto. Ao lado dela, Samantha, vestida com um delicado vestido florido, fazia uma careta engraçada enquanto abraçava a amiga com afeto. A imagem o fez sentir uma pontada de culpa. Não apenas por estar ali, mas por ter permitido que Samantha o beijasse.
Quando Robby finalmente abriu a porta, sua expressão endureceu ao reconhecer Miguel Diaz do outro lado.
— O que você está fazendo aqui? — Robby questionou, sua voz carregada de desconfiança e um toque de hostilidade.
Miguel ergueu as mãos em um gesto de paz, sua voz era calma, quase serena, enquanto tentava explicar sua presença.
— Eu não vim aqui pra brigar. — ele começou, com um tom de simplicidade que parecia desarmar qualquer tentativa de confronto. — Eu só... — Miguel hesitou, enfiando a mão no bolso e retirando algo de dentro. — Eu só vim devolver uma coisa.
Ele estendeu a mão, revelando a medalha do Senhor Miyagi. O pequeno objeto de grande significado balançou levemente entre os dedos de Miguel. Robby franziu o cenho, uma expressão de escárnio surgindo em seu rosto ao ver o que Miguel segurava.
— Eu sabia que tinha sido você. — Robby disse, a acusação evidente em sua voz.
Miguel suspirou, sua honestidade evidente no olhar que lançou a Robby.
— Não fui eu, eu não tive nada a ver com isso. — ele afirmou com firmeza. Robby pegou a medalha da mão de Miguel, a analisando com cuidado. — Também não destruí o dojo. — Miguel continuou, e Robby o encarou novamente, surpreso com a seriedade na voz do garoto. — Nem todos lá são babacas. Na verdade, — Miguel deixou escapar uma risada breve, amarga — talvez sejamos. Mas a garota que pegou essa medalha de volta, não é. — ele disse, referindo-se a Aaron, o que fez Robby apertar o maxilar, claramente incomodado.
Robby desviou o olhar, suas emoções oscilando entre raiva e vergonha, mas antes que pudesse dizer algo, Miguel continuou.
— Eu realmente não faço ideia do que você fez. — ele disse, suas palavras cortantes o suficiente para fazer Robby se encolher levemente. — Mas a garota mais incrível que eu conheço, que odeia o Cobra Kai mais do que tudo, tem preferido passar mais tempo com a gente do que no lugar que ela mais amava. Aqui.
Miguel parou por um momento, encarou o lugar, surpreso com a própria coragem de suas palavras, enquanto defendia sua melhor amiga com uma firmeza que ele não sabia que possuía.
— Você não sabe de nada. — Keene disse, na defensiva, as palavras saindo mais como um rosnado do que como uma resposta coerente.
Miguel apenas deu de ombros, como se o peso da discussão não fosse tão importante quanto a verdade que ele carregava.
— É, talvez eu não saiba. — ele admitiu, dando um passo à frente, cruzando o limiar da porta. — Mas eu sei que não é desse jeito que ela queria que isso aqui fosse entregue. Ela estava claramente disposta a pedir desculpas por algo que não tinha feito. Porque ela é assim, você a conhece. Você...
Robby piscou, surpreso, as palavras de Miguel acertando-o como um soco no estômago. Ele sabia que Miguel tinha razão, mesmo que sua mente tentasse lutar contra aquilo. Miguel recuou alguns passos, sentindo que já havia dito o que precisava.
— Apenas... diga a Samantha que eu sinto muito. — Miguel pediu, sua voz suavizando, quase como um pedido de desculpas.
Robby apenas assentiu, incapaz de formar uma resposta. Então, com um movimento rápido e seco, ele fechou a porta na frente de Miguel, encerrando a conversa de forma brusca. Ficou parado ali, na escuridão do corredor, segurando a medalha nas mãos, como se o pequeno objeto fosse a prova de um crime que ele tinha cometido, mas do qual não conseguia se livrar.
Robby guardou a medalha no bolso, tentando esconder a verdade, não apenas dos outros, mas de si mesmo. Ele sabia que tinha falhado. Não era apenas um péssimo amigo, mas também um péssimo namorado, um completo babaca. Alguém que deveria ter afastado Samantha antes que ela o beijasse, antes que tudo desmoronasse.
E agora, tudo o que restava era a amargura da culpa e o peso das decisões erradas, que ele sabia que o assombrariam por muito tempo.
— Quem era na porta? — a voz de Samantha o trouxe de volta de seus devaneios, ao vê-la descer as escadas apressadamente
— Ninguém. Tocaram na casa errada. — Robby disse, protestando sua mentira amarga.
— Bom, acho que vou dormir. — Samantha disse, encolhendo os ombros e andando na direção de Robby, sem se dar conta, ou sem sequer se importar, se ele parecia preocupado ou não. Talvez ela só não tivesse essa capacidade de discernir as coisas. — Foi um dia e tanto, não é? — ela disse sorrindo pra ele, que encolheu os ombros, afirmando com a cabeça. — Boa noite, então. — Sam disse, finalmente o achando meio estranho, ao responder secamente então ficou na ponta dos pés, o roubando um selinho, que o fez querer se matar.
As luzes fracas do apartamento de Aaron mal iluminavam o ambiente bagunçado onde as duas garotas estavam. O cheiro do molho bolonhesa se espalhava pela cozinha enquanto Tory mexia o molho com habilidade. Aaron estava sentada à mesa, esfregando o rosto e tentando remover os últimos resquícios de lápis preto borrado. Ela havia chorado bastante antes de chegar ali, e Tory, percebendo seu estado, optou por trazer Aaron para seu apartamento em vez de deixá-la na casa de sua família.
Tory evitava trazer pessoas para sua casa e com Aaron, mesmo que gostasse dela, as coisas não eram diferentes. Talvez porque ela também entendesse o que era sentir vergonha de onde vivia, Aaron não sabia dizer, mas quando pararam na frente do apartamento térreo deixando com o irmão caçula de Tory uma sacola com o jantar da família que ela mesmo tinha ido atrás de conseguir, Aaron entendeu que a situação terrível que passavam era mútua. O que a fez simplesmente respeita-lá, e convida-lá pra jantar em sua casa. Era um dos poucos pontos de conforto que elas compartilhavam sem precisar verbalizar. Aaron se sentia em casa na bagunça do pequeno apartamento em Reseda, onde o ambiente refletia o estado de espírito delas duas: caótico, mas familiar.
— É exatamente por isso que eu acho que garotos não prestam. — Tory comentou com desdém, torcendo o nariz enquanto continuava mexendo o molho. Aaron soltou um leve riso enquanto fungava, ainda tentando recuperar o fôlego após tanto chorar.
— Mas você gosta do Miguel. — Aaron respondeu, tentando trazer um tom mais leve à conversa, mesmo que suas palavras saíssem trêmulas.
— O Miguel é uma exceção. — Tory replicou de imediato, dando de ombros, como se aquilo fosse um fato indiscutível. Seu namorado era o único garoto que prestava.
— É, o Miguel é uma exceção. — Aaron repetiu baixinho, um sorriso melancólico surgindo em seus lábios.
Mas o humor ácido de Tory não a deixava aliviar para ninguém, nem mesmo para Samantha, a causa de toda a dor recente de Aaron.
— Essa garota é a maior vadia que eu já conheci. — Tory disparou, sem nenhum filtro.
— Não fala assim. — Aaron tentou defender, ainda sentindo a necessidade de proteger a amiga de infância, mesmo após tudo que havia acontecido. — Ela não sabia também, que eu gosto... gostava dele.
Tory parou de mexer o molho e levantou uma sobrancelha, descrente.
— Não sabia? — ela retrucou, com um tom de voz que mostrava claramente sua indignação. — A garota era sua melhor amiga. Ela é uma vadia traidora e tem total consciência disso. Vocês brigaram no clube, então ela quis usar ele na sua cara.
— É, talvez ela tenha feito isso mesmo... — Aaron murmurou, a dúvida e a dor ainda presentes em sua voz.
Finalmente, Tory desligou o fogo e serviu o macarrão nos pratos. As duas se sentaram à mesinha da sala, um lugar simples e despretensioso, mas que naquele momento era o refúgio de Aaron. Elas começaram a comer em silêncio, mas o clima pesado logo deu lugar a uma conversa mais descontraída, inevitavelmente voltando ao assunto dos garotos.
— Em cinquenta minutos, tenho outro turno na pista de patinação. — Tory disse, mudando de assunto e tentando soar casual. — Se quiser, posso mandar o Miguel passear e vamos juntas.
Aaron balançou a cabeça, recusando.
— Não quero estragar sua noite. É o primeiro encontro de vocês.
— Bobagem. — Tory respondeu sem pestanejar, dando uma garfada generosa no macarrão. — Miguel é seu melhor amigo. Ele quer te ver bem também, relaxe.
Aaron suspirou, mas a dúvida a corroía por dentro.
— E se eles estiverem namorando? — ela perguntou, sua voz quase um sussurro. Ela não conseguia parar de pensar na imagem da boca de Robby na de Samantha. Aquilo a fazia querer vomitar. Mas era como uma criança desiludida, não conseguia simplesmente ficar mais de cinco minutos sem falar do assunto. Como se buscasse se machucar.
Tory deu de ombros, sem se abalar. E sem julgar o fato de que ela estava voltando naquele assunto de novo.
— E daí? Deve ter um monte de garotos gatos por lá. Fique com algum deles, melhor! Fique com o Falcão na frente dele. — ela sugeriu de forma maliciosa, antes de enfiar outra almôndega na boca. Aaron não pôde deixar de corar, dando um leve tapa no braço de Tory.
— Ele namora, e no momento me odeia. — Aaron rebateu, sem muita convicção.
— Não acho que ele goste mesmo dela. Ela é muito gentil pra ele. — Tory comentou, despreocupada.
— Talvez você tenha razão. Summer é sempre muito legal. O que é estranho. — Aaron riu sem graça, sentindo uma pontada de desconforto ao falar sobre isso. — Porque o Falcão não é. O Eli era. Mas ela não o conheceu quando era o Eli.
— Sei lá. — ela deu de ombros, antes de comentar mais atrocidades. Essa era a graça da intimidade que tinham construído, não era como com Samantha, que tinham planejado o que dizer de bom e o que era impróprio de ser dito. Tory só dizia. — O que eu sei, é que o tesão acumulado dele por você é óbvio. Só ela que não enxerga. — Tory disparou, sem papas na língua.
— Que isso, tá doida? Não fica falando isso por aí não. Não aconteceu nada e nunca vai acontecer. — Aaron disse, tentando cortar o assunto pela raiz, mas o tom vermelho em seu rosto denunciava seu nervosismo.
Tory revirou os olhos e deu um sorriso travesso.
— Ah, qual é, pelo menos ajudaria a esquecer a vadia do Miyagi-Do. — ela disse, mordiscando uma almôndega. — E por falar em karatê, ganhou a confiança do sensei hoje. Isso é muito foda. Ele parece gostar de você.
Aaron revirou o macarrão no prato, perdendo a vontade de comer.
— Não me importo com isso. — ela respondeu, tentando soar desinteressada. — Ele é sempre muito gentil comigo. Mas eu não entraria pro Cobra Kai. Não é meu estilo.
— E qual é o seu estilo? — Tory alfinetou, sem rodeios, tocando na ferida de Aaron com a sutileza de um soco. — Ficar no Miyagi-Do sendo segunda opção de todos só pra provar um ponto ridículo? De que você não é sua mãe? Já sabemos disso, MacGyver. Até o Kreese sabe. Por isso te chamou.
Tory já tinha terminado de comer e se levantou, levando seu prato até a pia. Aaron observou a amiga, sem saber o que responder. O prato diante dela ainda estava quase intocado, a comida parecia perder o sabor a cada segundo que passava.
— Vamos, se quiser, ainda temos tempo de te arranjar uma fantasia. — Tory disse, tentando soar animada e gentil. Era engraçado ver Tory, geralmente tão direta e até um pouco rude, tentando ser mais suave por causa de Aaron.
Algo nas palavras de Tory fez Aaron repensar tudo. Havia uma verdade crua e difícil no que Tory disse. Aaron percebeu que estava cansada de ser sempre a segunda opção, de ser aquela que todo mundo esquecia. Ela tinha gostado da intensidade do Coyote Creek, da adrenalina de lutar sem regras, sem limites. Gostava da coragem de Tory, da sua capacidade de ser quem ela era sem se importar com a opinião dos outros.
E, naquele momento, algo dentro de Aaron mudou. Ela sabia que precisava parar de tentar agradar a todos e começar a viver por si mesma. Ela sabia o que precisava fazer. Ela sabia qual fantasia vestir naquela noite.
O Cascade estava lotado de adolescentes deslizando pelos corredores de patinação, risadas e música alta preenchendo o ambiente. As luzes de neon refletiam nos patins, criando um brilho colorido que dava ao lugar uma energia pulsante. Tory estava ocupada, correndo de um lado para o outro com os patins nos pés, tentando conciliar servir lanches e passar algum tempo com Miguel. Ele estava ao lado de Aaron, que parecia perdida em pensamentos, vestindo uma fantasia terrível dos anos oitenta.
Aaron tinha um casaco largo e laranja, claramente surrado, que havia roubado do armário do apartamento de Robby mais cedo naquele dia. O casaco era parte da fantasia de Marty McFly que ele havia usado no Halloween passado. Embora o tema dos anos oitenta fosse perfeito, havia uma outra razão para que Aaron escolhesse aquela roupa específica. Talvez, no fundo, ela quisesse que Robby notasse, que ele comentasse sobre a fantasia caso aparecesse no Cascade. Mas também havia algo mais. Aaron estava ciente de que, em breve, seu apartamento deixaria de ser da sua mãe, já que havia um aviso de despejo gigantesco na porta de entrada. Mesmo assim, Robby parecia tão absorto nos lábios finos e sem graça de Samantha que havia esquecido completamente da situação em que sua mãe se encontrava. Mas Aaron não poderia julgá-lo, não quando ela mesma estava lidando com a ausência e os problemas de seus próprios pais.
Na noite anterior, Aaron havia recebido uma mensagem clara e direta de seu pai. "Estou bem", ele disse. Ela não questionou, apenas respondeu: "Tudo bem. Vou na polícia." A resposta que recebeu foi imediata: "Por favor, não. Volto logo." E depois disso, nenhuma outra mensagem. Provavelmente estava bebendo, algo que não surpreenderia Aaron. Ela estava tão cansada de tudo isso, dos jogos mentais, das promessas vazias e do sentimento de abandono. O fato de que estava usando o casaco de Robby era, em parte, uma tentativa desesperada de se agarrar a alguma coisa que a conectasse ao passado, mas também um lembrete doloroso de que ele havia seguido em frente, enquanto ela continuava presa em uma espiral de incertezas.
Miguel notou o estado de espírito de Aaron e, com uma tentativa de aliviar a tensão, elogiou sua fantasia, tentando parecer animado. — Sua fantasia é muito boa, Ronnie. Marty McFly, certo? Sempre achei esse filme demais.
Aaron esboçou um sorriso, mas não conseguiu evitar que uma sombra de tristeza passasse por seus olhos. — Sim, Marty McFly... acho que combina com o tema, né? — ela tentou parecer despreocupada, mas havia uma tristeza latente em sua voz, que não passou despercebida por Miguel.
Enquanto Tory continuava ocupada, Miguel e Aaron ficaram lado a lado, observando o caos controlado ao redor. Ele percebeu que, apesar de estar ali, Aaron estava em outro lugar, perdida em seus próprios pensamentos.
— Você está bem? — Miguel perguntou, preocupado. Aaron hesitou por um momento, pensando se deveria desabafar ou não. Ela sabia que Miguel era seu amigo, alguém em quem poderia confiar, mas também não queria ser um fardo.
Depois de um momento de silêncio, ela finalmente respondeu: — Estou... bem. Só estou tentando processar algumas coisas.
Miguel assentiu, respeitando o espaço dela, mas sua preocupação não diminuiu. — Vai dar tudo certo, vai ser legal e depois comemos um hambúrguer.
— Certo, Diaz. — ela disse, deixando um sorriso bobo escapar por seus lábios — Obrigada.
Eles ficaram em silêncio por um tempo, assistindo os outros adolescentes se divertirem, enquanto Aaron tentava afastar os pensamentos negativos que insistiam em surgir. Ela não queria estragar a noite de Tory, especialmente sabendo que era o primeiro encontro dela com Miguel, mas também não conseguia se livrar da sensação de traição e abandono que a acompanhava. Ele não sabia sobre Robby e Samantha e talvez, ao achar que os dois não apareceriam, fez Aaron ter a pitada de esperança de não ter que ver a reação de Miguel aos dois juntos.
O ambiente animado e barulhento do Cascade ficou mais tenso quando Samantha e Robby entraram pela porta corta-fogo. Eles não estavam de mãos dadas, mas havia uma intimidade evidente entre os dois, o tipo de conexão que só duas pessoas que passaram muito tempo juntas desenvolvem. Aaron, que estava conversando com Miguel, não pôde deixar de notar a chegada deles. Ela não tinha ideia do que Samantha estava vestindo, mas sabia que era uma fantasia terrível. Quanto a Robby, ela supôs que ele poderia estar vestido como algo relacionado a "Dirty Dancing" ou talvez até mesmo como James Spader. Mas não se atreveria a perguntar.
No instante em que Samantha se virou para pedir o cardápio para Tory, que estava fantasiada de Madonna, Robby avistou Aaron de longe. Ele tinha esse talento, poderia haver um terremoto acontecendo, mas ele ainda a reconheceria a quilômetros de distância. Instantaneamente, ele deu um passo para o lado, tentando se afastar, como se quisesse provar que ele e Samantha não estavam tão próximos assim. Seus olhos encontraram os de Aaron, as íris azuis dela expressando uma mistura de emoções que ele não conseguia decifrar de imediato. Aaron estava vestida com um patins marrom, uma saia jeans curta e a blusa de quando fazia parte da equipe de debate, além do colete puff laranja que fazia parte da fantasia de Halloween de Robby. Essa visão trouxe à tona uma lembrança vaga, quase distante, de quando ele havia oferecido a fantasia a Aaron. Parecia que aquilo havia acontecido há anos, e agora ele se perguntava como tudo havia se complicado tanto.
— Eu não sabia que você trabalhava aqui. — Samantha disse, desconfortável ao reconhecer Tory à sua frente. Robby, ainda perdido em seus pensamentos, só então percebeu a garota vestida de Madonna.
— Nem todo mundo tem o cartão do papai. — Tory respondeu, lançando um olhar de desgosto de cima a baixo para Samantha.
— A gente só queria pedir a comida, desculpa. — Samantha disse, tentando não parecer afetada, enquanto Aaron rapidamente se afastava, correndo com seus patins para dentro da pista de dança. Robby viu, mas se recusou a segui-la com o olhar.
— Quando é sua folga? — Miguel, que estava usando uma jaqueta antiga de Johnny, vermelha e com cobra kai bem grande escrito e um óculos escuro brega, deslizou até Tory com um sorriso no rosto. — Vou pedir as fritas na hora certa.
Tory desviou o olhar para o casal à sua frente, fazendo Miguel perceber, só então, a presença de Robby e Samantha.
— Desculpa, eu não reconheci vocês. — Miguel disse, sentindo o coração errar uma batida ao olhar para Samantha. Ele não sabia exatamente o que ela estava vestindo, mas sabia que estava bonita. — Ah, agora eu entendi. — Ele disse, notando Samantha se encostar em Robby. Tudo fazia sentido agora. Ele compreendeu porque Aaron estava do jeito que estava. — Fantasia legal. — Ele acrescentou, desviando o olhar para a pista, onde Aaron desapareceu.
— Obrigada. — Samantha respondeu, um pouco sem graça, evitando olhar diretamente para ele.
— Tory, esses são Sam e Robby. — Miguel tentou soar amigável. Ele queria evitar qualquer clima estranho entre eles, mas era difícil. Ver sua ex-namorada com o quase namorado de sua melhor amiga era desconcertante. E ele não sabia como consertar isso.
— Nos conhecemos. — Tory respondeu secamente, ignorando Robby como se ele fosse irrelevante. — Do clube de praia.
— E vocês se conheceram como? — Samantha perguntou, tentando esconder o ciúme evidente em sua voz. Era bom estar com Robby para se vingar de Aaron pelo que aconteceu no clube, mas ver Miguel com Tory a fazia sentir um misto de surpresa e insegurança.
— A Tory é do Cobra Kai. — Miguel disse, com um sorriso orgulhoso nos lábios.
Ao lado de Samantha, Robby estava distraído, seus olhos se desviando para a pista de dança, onde Peter Bohn se aproximava de Aaron com um sorriso tímido. Ele sabia que não devia olhar, devia prestar atenção na conversa, mas não conseguia se enganar. Estava pouco se importando.
— Faz sentido. — Samantha murmurou, julgando Tory com o olhar, o que fez Tory dar um passo à frente, enfrentando-a.
— O que você disse? — Tory perguntou, desafiadora.
— Nada. — Samantha desconversou, dando de ombros.
— Vou trabalhar. — Tory disse, antes de sorrir cinicamente para Samantha e puxar Miguel pelo colarinho da jaqueta, dando-lhe um beijo profundo. Ela sabia exatamente o que estava fazendo. Foi uma provocação, um ataque direto à "vadia do Miyagi-Do", como Tory havia apelidado Samantha.
Miguel, meio surpreso, retribuiu o beijo, mas seus pensamentos estavam em outro lugar. Ele ainda estava preocupado com Aaron, mas não podia negar que havia algo em Tory que o atraía, algo que o fazia se perder no momento, mesmo que fosse por pouco tempo.
Enquanto isso, Robby não conseguia tirar os olhos de Aaron, embora soubesse que deveria. Ele se sentia dividido, preso entre o que achava que devia fazer e o que realmente queria.
Aaron quase deu um pulo para frente quando uma voz grave, carregada de uma familiaridade indesejada, fez seus pelos se arrepiarem. Peter Bohn estava ali, bem diante dela, e seu sorriso torto não fez nada para aliviar o desconforto que ela sentiu. Ele estava vestido como um dos personagens de "O Clube dos Cinco", o que lhe dava um ar de nostalgia misturado a memórias amargas.
— Aaron? — ele disse, sua voz carregando um tom de hesitação que ela não costumava associar a ele.
Ela levou um segundo para responder, como se a presença dele ali precisasse ser processada com cuidado. Não tinham sido exatamente próximos; na verdade, ele era um dos que mais contribuíam para os seus piores dias na escola.
— Peter. Oi. — Sua voz saiu mais baixa do que pretendia, quase como um sussurro. Ela não sabia ao certo como reagir. Peter não era alguém em quem confiava, e a memória das mãos dele empurrando-a para baixo na biblioteca ainda era vívida. Ela se lembrou de Kyler rindo enquanto Peter a segurava, permitindo que o pior acontecesse. — O que faz aqui?
As lembranças voltaram com força. Ela se lembrava do verão anterior, antes da festa de Samantha, em que, desesperada por aceitação e validação, procurava a atenção de Yasmine, a garota popular e inalcançável da escola. A sensação de não ser o suficiente, de se sentir invisível, a levou a buscar a aprovação em lugares errados. Tinha sido antes de se dar conta de que tudo aquilo era uma baboseira, é que não deveria ser ninguém além dela mesma. Parecia uma memória antiga e amarga que a fazia querer rir. Era tudo tão mais simples.
— Me desculpa, é que faz tanto tempo. — Peter tentou suavizar o clima, sorrindo de lado de maneira hesitante. Ele parecia mais nervoso do que Aaron jamais se lembrava de ter visto. Seus dentes brancos contrastavam com a pele escura e os olhos, que antes exalavam arrogância, agora estavam carregados de algo que ela não conseguia decifrar. Culpa?
— É, faz. — Aaron respondeu, tentando manter o tom neutro, mas o desconforto era palpável. Ela deslizou seus patins para o canto da pista, como se pudesse escapar daquele encontro inesperado, mas Peter a seguiu, mostrando que não estava ali por acaso.
— Eu vim te pedir desculpas. — ele disse, finalmente, sua voz saindo mais firme, mas ainda com um traço de hesitação. Ele coçou a nuca, um gesto que Aaron reconheceu como um sinal de desconforto.
— O que? — A incredulidade na voz de Aaron era evidente. Pedir desculpas? Peter? Aquele era o mesmo garoto que, meses atrás, segurou seus braços enquanto Kyler a humilhava?
— É, eu meio que entrei para o Miyagi-Do. — Ele disse, tentando explicar. — Soube que foi sua ideia o dojo do Senhor LaRusso. — Minha mãe me tirou do futebol e me obrigou a fazer terapia...
— É, acho que sim. — Aaron estava confusa. Ela nunca esperava ouvir isso, muito menos de alguém como Peter. Ele, no Miyagi-Do? Isso era surreal.
— Eu queria pedir perdão por tudo o que aconteceu entre a gente. Eu não tinha o direito de fazer nada daquilo, e... bem, o Kyler é um merda. — As palavras saíram rápidas, como se ele precisasse tirá-las de dentro de si antes que perdesse a coragem. Seu olhar era sincero, e Aaron pôde ver uma sombra de remorso ali.
— É, ele é. — Ela respondeu, sem muita convicção, ainda tentando entender o que estava acontecendo.
— Eu só queria que soubesse que eu não me arrependo de nada. Da parte boa, sabe? — Peter deu um passo à frente, seus dedos hesitantes roçando o braço de Aaron. O toque fez com que ela sentisse um calafrio estranho, um misto de nostalgia e desconforto. — Sinto muito mesmo, estou tentando ser melhor.
Antes que Aaron pudesse responder, ela avistou, ao longe, Robby entrando na pista com Samantha segurando seu braço enquanto falava alguma coisa, os olhos fixos nela, a expressão carregada de algo que ela reconheceu como ciúmes e preocupação.
— Peter, você consegue ver aquele garoto cabeludo, vestido como Roberto Carlos, com cara de poucos amigos, vindo na nossa direção? — ela perguntou, tentando parecer casual, mas a ansiedade era clara na sua voz.
Peter franziu a testa, claramente confuso, mas seguiu o olhar dela e confirmou com a cabeça.
— Sim, vejo.
— Ótimo. — Aaron murmurou, a mente trabalhando rápido. Robby sabia de todos os encontros que ela tivera, e Peter havia sido uma parte significativa disso, mesmo que ela tivesse tentado esquecer. Robby talvez não soubesse que ela e Peter tinham transado no verão anterior, mas ele sabia o quanto isso a afetou.
— Merda, ele é seu namorado? — Peter perguntou, a voz carregada de uma timidez que não combinava com o garoto que Aaron conhecia.
— Não, não é. — Aaron respondeu com um dar de ombros, tentando esconder a tensão crescente. — Se eu te perdoar, Peter...
— Sim? — Ele perguntou, os olhos fixos nos dela, ainda confusos com toda a situação.
— Me faz um favor?
— Claro, qualquer um. — Ele respondeu rapidamente, como se estivesse disposto a fazer qualquer coisa para se redimir.
— Pode fingir que estamos flertando? Até ele ir embora? — Aaron pediu, sua voz baixa, quase um sussurro.
— Hm, claro. Espera, aquele não é o Robby? Conheci ele no dojo. — Peter estava claramente desconcertado, mas Aaron não tinha tempo para explicar.
— Sim, não importa, só me beija, vai. — Ela disse, a urgência na voz tornando impossível para Peter recusar.
— O que? — ele disse, confuso, desviando o olhar do dela
— Vamos, não é como se não tivéssemos feito coisa pior. — Aaron deu de ombros, tentando mostrar pra ele que ainda se lembrava de tudo.
Quando se encontrava com Peter, era uma tentativa de afirmar seu valor, de mostrar que era desejável, mesmo que fosse por alguém que não merecia a sua confiança. A experiência com ele tinha sido uma mistura de desconforto e um desejo fraco de ser reconhecida, ela se lembrava de como ele a pressionou numa das paredes e perguntou umas quinhentas vezes se ela tinha mesmo certeza daquilo. Ela não tinha, mas não era importante porque ela confirmou que sim todas as vezes. Tinha sido estranho, não ruim. Mas foi escolha dela, que acontecesse daquele jeito. Ela se lembrou de como o sangramento, inesperado e doloroso, fez com que a primeira vez se tornasse bem evidente na semana seguinte. As memórias de se sentir utilizada e a vergonha que veio em seguida eram claras como o dia.
Peter hesitou por um momento, mas então se inclinou e a beijou. O beijo foi rápido e decidido, suas mãos firmes na cintura dela, a pressão e o calor que fizeram Aaron se lembrar do passado. O toque dele foi familiar, como uma recordação de um tempo em que ela buscava desesperadamente validação. A sensação foi uma mistura de nostalgia e desconforto. Ela se lembrou da última vez que ele a tocou, o contato físico era quase um reflexo dele a preenchendo que ela havia sentido antes. O beijo foi um retorno àqueles momentos em que ela se sentiu usada, ao sentir suas mãos grandes e sua presença invasiva.
Quando o beijo terminou, Aaron ainda estava tentando processar o que acabara de fazer. Ela sussurrou, seus olhos se movendo para verificar se Robby estava fora de vista:
— Ele já foi?
Peter sorriu, um sorriso que misturava alívio com um toque de ironia.
— Já, ele já se foi.
— Obrigada. De verdade. Eu te perdoo. — Aaron disse, deslizando para longe dele, sentindo-se um pouco mais leve. Ela estava sendo honesta. Mas antes de se afastar completamente, ela parou, se virou e o chamou novamente — Peter. — Ele levantou o olhar, surpreso. — Eu também não me arrependo.
O sorriso que ele deu em resposta era sincero, e Aaron soube naquele momento que, de alguma forma, ambos tinham superado algo importante. Ela tinha encontrado um fechamento para aquele capítulo e, embora a experiência tenha sido dolorosa, era um passo para seguir em frente.
Aaron saiu da pista de patinação, seus patins deslizando suavemente pelo chão até ela alcançar uma das mesas altas. Ela se sentou, deixando os pés suspensos no ar, algo que havia se tornado fácil para ela depois de tanto tempo trabalhando com patins. Seus dedos ainda sentiam o leve formigamento do contato recente com Peter, mas ela empurrou o pensamento para o fundo da mente, tentando se concentrar em Miguel, que já estava sentado à mesa.
— Você sabia que eles vinham? — Miguel perguntou, a voz baixa, quase como se não quisesse realmente saber a resposta. Seus próprios patins estavam firmemente plantados no chão, o freio voltado para frente, um sinal claro de que ele estava tentando manter o equilíbrio na cadeira, com medo de cair.
— Não fazia ideia. — Aaron respondeu, colocando uma mecha de seu cabelo liso e dourado para trás da orelha. Apesar de ser verdade, ela sentiu um peso ao dizer isso. Não sabia que eles viriam, mas parte dela secretamente desejava que sim. Talvez para se torturar um pouco mais, para provar a si mesma que já não se importava.
Miguel suspirou, seus ombros caindo um pouco enquanto encarava o chão, a mente visivelmente em outro lugar.
— Pensei que ela ainda gostasse de mim. — ele desabafou, envergonhado com a admissão.
Aaron não o julgou. Ao contrário, ela pegou uma das batatinhas fritas do prato que eles dividiam e sorriu, tentando aliviar a tensão.
— Eu também achei que ele gostasse de mim. — Ela deu de ombros, a voz suave, sem qualquer traço de amargura. Miguel buscou algo nos olhos dela, talvez remorso ou julgamento, mas encontrou apenas uma aceitação tranquila.
— Mas você tem a Tory. — Aaron continuou, apontando com o queixo para longe, onde Tory, loira e determinada, corria pela pista com uma bandeja equilibrada no braço direito. — E ela vale muito mais do que qualquer coisa que você possa ter achado que tinha com a Sam.
Miguel seguiu o olhar de Aaron até Tory, sentindo um misto de conforto e culpa. Depois de um longo silêncio, ele quebrou o contato visual com Tory e voltou a atenção para Aaron.
— Vi você e o Peter. — Miguel disse, sua voz tingida de curiosidade. Ele não queria continuar falando de si mesmo, isso parecia errado, como se estivesse se afundando em um ciclo sem fim de autopiedade. — Não sabia que vocês ainda se falavam.
— Não nos falamos. — Aaron respondeu com um dar de ombros, casual, quase indiferente. Ela pegou o copo de refrigerante diet de Miguel e deu um gole, sentindo o gás borbulhar na garganta. — Ele só estava disponível. Igual todas as vezes que ficamos juntos.
— É, pode ser. — Miguel concordou, encolhendo os ombros enquanto seus olhos seguiam Samantha, que estava saindo da pista de patinação e tirando os patins, claramente se preparando para trocá-los.
— Tudo bem, se quer falar com ela, só vai. — Aaron disse, com um tom que misturava compreensão e um leve incentivo. Ela podia ver o desejo no olhar de Miguel, o mesmo que ela reconhecia em si mesma quando via Robby.
— Como sabe que eu... — Miguel começou, mas foi interrompido.
— Eu conheço você, Miggy. — Aaron sorriu ao usar o apelido bobo que ouvira a mãe dele usar, um apelido que tinha se tornado carinhoso para ambos. — Só não... não deixe Tory ver. Ela ficaria magoada.
Miguel hesitou, mas a verdade nas palavras de Aaron era inegável. Ele só queria esclarecer as coisas, talvez pedir desculpa, tentar aliviar o clima pesado que pairava sobre todos eles.
— Eu só quero pedir desculpa e tentar aliviar o clima. — ele se justificou, mesmo sabendo que Aaron entendia. Ela assentiu com a cabeça, dando a ele a confirmação silenciosa que ele precisava.
Com um último olhar para Aaron, Miguel se levantou, seus patins fazendo um leve ruído contra o chão enquanto ele se dirigia em direção a Samantha. Aaron observou-o ir, sentindo um misto de alívio e resignação. Ela sabia que, de uma forma ou de outra, todos eles estavam tentando lidar com seus próprios demônios, e que o caminho para a paz, embora difícil, começava com pequenos gestos como aquele.
— Oi. — Miguel começou, tentando manter a voz calma enquanto se aproximava de Samantha. Ele podia sentir o clima tenso entre eles, como uma barreira invisível.
Samantha mal virou a cabeça para reconhecê-lo, desviando o olhar quase imediatamente enquanto continuava a olhar para frente, seguindo a fila que avançava lentamente.
— O que você quer? — ela respondeu, sua voz fria e cheia de ressentimento.
Miguel deu de ombros, segurando os patins em suas mãos como se fosse um pretexto para estar ali. — Acho que meus patins ficaram grandes. — Ele deu uma olhada rápida nos patins antes de encarar Samantha de novo. — Olha, sobre a Tory...
— Eu não acredito que você está com uma garota desse tipo. — Samantha o interrompeu, o tom de voz carregado de desdém.
Miguel sentiu o comentário como um golpe, e uma mistura de nojo e decepção passou por seu rosto. Ele tentou manter a calma, mas era difícil. — Desse tipo? — Ele repetiu, tentando não soar agressivo. — Você mal conhece ela.
— Conheço o bastante. — Samantha respondeu de forma cortante, sem desviar o olhar, como se aquilo fosse o suficiente para encerrar a conversa.
Eles caminharam juntos até o balcão, a fila avançando rápido. Miguel sentiu a frustração crescendo dentro de si. Como ela podia ser tão teimosa, tão injusta?
— Claro, com certeza. — Ele revirou os olhos, sentindo-se um idiota por ter se aproximado. — Você me faz querer me sentir mal, enquanto você está aqui, tendo um encontro com o Robby. Você é a traidora aqui. Eu não fiz nada de mais a não ser seguir em frente.
— Não é um encontro! — Samantha rebateu, a irritação clara em sua voz enquanto colocava os patins sobre a bancada, tentando afastar a ideia de que havia algo mais entre ela e Robby. — O Robby nem...
— Não é um encontro? Sei. — Miguel interrompeu, as palavras dela trazendo à tona uma memória dolorosa. Ele se lembrava claramente da primeira vez que Samantha usou essa desculpa. "Não era um encontro", ela havia dito, mas acabou sendo o início do relacionamento deles. — Eu já ouvi isso antes.
Samantha desviou o olhar, uma onda de vergonha passando por ela. A raiva que sentia parecia evaporar, substituída por uma sensação desconfortável de culpa. De repente, ela não tinha mais vontade de explicar nada.
— Cara, eu vim aqui tentar quebrar o gelo pra essa noite não parecer tão esquisita e com um clima estranho. Mas acho que não adianta, né? — Miguel disse, decepcionado, sentindo que todo o esforço que fez para tentar melhorar as coisas foi em vão.
Sem esperar uma resposta, ele deu meia-volta, afastando-se rapidamente de Samantha, sem olhar para trás. O sentimento de frustração e tristeza pesava no peito de Miguel, enquanto ele se afastava, tentando processar o que tinha acontecido e se perguntando por que tudo tinha que ser tão complicado.
— Acho que esse colete é meu. — A voz arrastada de Robby soou atrás de Aaron, que não se deu ao trabalho de se virar. Ela sabia que era ele, mas manteve os olhos à frente, focados no caminho enquanto deslizava suavemente pelo corredor com o copo de refrigerante de Miguel nas mãos.
— Não pensei que fosse se dar conta. — Aaron mentiu, dando de ombros, tentando soar desinteressada. Ela continuou a deslizar em direção à sua mesa, mas Robby não deixou. Ele se adiantou, colocando o braço contra a parede, bloqueando seu caminho. Aaron diminuiu a velocidade, parando aos poucos enquanto ele mantinha o corpo próximo ao dela, seu olhar firme a prendendo no lugar.
— Você tem de tudo na sua nova mansão feliz, não pensei que fosse dar falta do que você largou em Reseda. — Aaron lançou a provocação, tentando não se deixar afetar pela proximidade de Robby.
— Eu não tenho de tudo lá. — Robby respondeu sem hesitar, a seriedade em sua voz a pegando desprevenida. Ele sabia que Aaron havia beijado Peter de propósito, como uma forma de fazê-lo sentir o que ela sentia. E estava funcionando. — Você não está lá.
— Aham, com certeza, Keene. — Aaron replicou com sarcasmo, desviando-se dele, tentando retomar seu caminho. Mas as palavras de Robby a seguiram como uma sombra.
— Espera, Aay. — Ele a chamou, a voz levemente desesperada, quase suplicante. — Você está muito bonita.
Aaron sentiu o impacto das palavras, mas não deixou que Robby visse. — Pena que não posso dizer o mesmo de você. — Ela respondeu, mantendo o tom indiferente, mas por dentro, uma faísca de dor queimava. — Foi ela quem escolheu sua roupa? Pensei que você seria mais original. Ta vestido de que, Roberto Carlos?
— Engraçadinha. — ele disse piscando na direção dela — É o James Spader. — Robby soltou um suspiro cansado, sabendo que estava perdendo terreno. — É, eu até que tentei ser original, mas aí a fantasia de vadia sarcástica já tinha sido pega por você.
— Vai se ferrar. — A voz de Aaron falhou levemente enquanto ela tentava se afastar antes que as lágrimas começassem a se formar. Tudo o que queria era fugir dali, escapar da dor que a presença de Robby trazia. Ela queria poder gritar na cara dele o quanto se importava.
— Eu estava brincando... — Robby tentou corrigir, mas Aaron não o deixou terminar.
— É claro que você estava, porque nada que você diz é sério! — Ela gritou, referindo-se indiretamente ao relacionamento dos dois, ao modo como ele a tinha tratado.
Robby ia responder, mas antes que pudesse, Aaron esbarrou em alguém que se aproximava.
— Ah, oi. — Samantha se levantou do banco em que estava sentada, tentando sorrir amigavelmente, mas a tensão entre eles era palpável. Aaron, ajeitando a própria minissaia com pressa, mal olhou para Sam, sentindo-se envergonhada por ter tropeçado.
— Não queria atrapalhar isso aí. — Aaron disse, a voz carregada de ressentimento enquanto se afastava. Ela deslizou para longe rapidamente, sem olhar para trás. — Foi mal.
— Aaron! — Robby chamou, mas ela o ignorou, continuando a se afastar, o coração pesado.
Samantha ficou observando a cena, a culpa começando a se enraizar em seu peito. — O que aconteceu? — Ela perguntou com um tom sonso, tentando disfarçar o desconforto. — Pensei que fosse tentar falar com ela! — Samantha disse, jogando a culpa em Robby, esperando que ele consertasse a situação, como se isso fosse suficiente para fazer Aaron voltar a ser sua amiga.
Antes que Robby pudesse responder, Tory, que havia visto a cena de longe, passou correndo com uma bandeja nas mãos. — Ops! Desculpa, princesa. — Tory provocou, dando um empurrão em Samantha, o suficiente para fazê-la perder o equilíbrio e cair de joelhos, derrubando sua bebida e molhando o chão.
— Você tá bem? — Robby perguntou, preocupado, mas em questão de segundos Samantha se levantou furiosa, correndo na direção de Tory. Com um movimento rápido, ela deu uma rasteira na loira, fazendo-a cair e espalhar toda a comida no chão, caindo com um baque surdo.
— O que foi isso, Sam? — Miguel chegou correndo, a expressão de choque estampada em seu rosto enquanto ele se abaixava para ajudar Tory a se levantar. Aaron, que tinha visto a cena se desenrolar de longe, correu até lá para ajudar também.
— O quê? Não fui eu! Ela quem começou... — Samantha se defendeu, o rosto vermelho de frustração, sentindo-se injustiçada por Tory tê-la empurrado primeiro.
— Vaza daqui, garota! — Aaron disse com raiva, o olhar fixo em Samantha. A tensão no ar era quase palpável, até que um dos seguranças da pista apareceu, separando as duas e empurrando Samantha e Robby em direção à saída, deixando-os envergonhados e derrotados.
Assim que Samantha e Robby foram levados para fora, Tory olhou para Aaron, um sorriso satisfeito no rosto. Aaron, percebendo que tudo aquilo havia sido planejado, começou a rir junto com Tory. As duas riram como cúmplices, uma conexão nova e inesperada entre elas, enquanto Miguel, confuso, ajudava Tory a se levantar, ainda sem entender direito o que tinha acabado de acontecer. Quando Tory finalmente se pôs de pé, Aaron se abaixou para ajudá-la a recolher a comida espalhada pelo chão, as duas continuando a rir como se finalmente tivessem encontrado um ponto em comum.
— Obrigada por isso. — Aaron disse catando algumas salsichas soltas dos pães pelo carpete — Foi realmente engraçado.
— Eu disse que a gente se vingaria. — Tory disse, dando uma piscadela na direção de Aaron, animadamente. — Agora, esqueça essa merda, vamos nos divertir!
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8.000 palavras
O que acharam do capítulo?
Comentem comentem comentem!
O próximo é o da festa 🔥🧯
Vou tentar escrever hoje!
Só consigo pensar que faltam dois capítulos pro fim desse ato, então tudo desmorona. Não consigo não ficar emotiva. Tudo vai mudar, o cobra kai vai deixar de ser aquele ambiente engraçado é derrotado que era e a Aaron vai ter mto mais responsabilidade nos ombros além de só do emprego e o que ela realmente sente pelo Robby. Eles vão crescer e tudo ficará mais sério e o ato dois só vai ser uma lembrança.
E espero que vcs gostem de ver o amadurecimento deles tanto quanto eu
Desde já quero agradecer a todos que chegaram até aqui comigo nesse último mês maluco de atualizações enormes e continuas! Eu nunca escrevi tanto, e vcs n fazem ideia de quo libertador e ver um projeto de tantos anos crescer dessa forma e finalmente chegar a onde eu sempre quis que chegasse.
Dito isso, obgd pelos 24k.
Com amor,
Sua Back.
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