ᴛᴡᴏ - 𝘩𝘢𝘭𝘭𝘰𝘸𝘦𝘦𝘯
Episódio dois,
𝘩𝘢𝘭𝘭𝘰𝘸𝘦𝘦𝘯
O quarto de Yasmine era espaçoso, com móveis elegantes e decorados com detalhes em dourado. As paredes eram de um tom suave de creme, e cortinas de veludo pesado pendiam das janelas, bloqueando a luz do sol poente. A escrivaninha onde Aaron estava sentada era de madeira escura, polida, cheia de produtos de beleza espalhados por todos os lados. O espelho grande refletia o ambiente movimentado, enquanto Samantha aplicava a última camada de sombra nos olhos de Aaron.
Ao lado, Moon estava concentrada em seu trabalho astrológico, murmurando palavras incompreensíveis enquanto desenhava símbolos no mapa astral da garota morena. A cama de Yasmine, coberta com lençóis de algodão de alta qualidade, estava rodeada por várias garotas em trajes de líder de torcida, rindo e conversando animadamente.
No banheiro, Yasmine ajustava sua maquiagem e cabelo com precisão meticulosa, ocasionalmente lançando olhares rápidos pelo espelho para verificar se tudo estava no lugar. O ambiente era uma mistura de fragrâncias doces, risadas e sons de maquiagem sendo aplicada.
Aaron se sentia um pouco deslocada no meio de toda aquela agitação, mas tentava manter a calma e aproveitar o momento. A presença de Samantha ao seu lado era reconfortante, apesar das tensões e dúvidas que pairavam no ar.
— Depois do baile, nós vamos voltar para cá e dormir aqui — Sam disse, enquanto finalizava a sombra nos olhos de Aaron. — Você vem?
— Ela me convidou? Ou você está me convidando? — A dúvida de Aaron soou mais como uma afirmação, seus olhos se encontrando com os de Samantha pelo reflexo do espelho.
— Ela te convidou, mas achou melhor que eu pedisse. — Sam respirou fundo, tentando soar tranquila, ajustando a postura para parecer mais casual. Ela começou a arrumar os pincéis na bancada, evitando o olhar de Aaron.
— Entendi. — Aaron suspirou, desacreditada. — Não posso, tenho um compromisso depois. — Ela disse, virando-se para o espelho e ajeitando suas mechas indefinidas de cabelo, observando seu próprio reflexo com uma expressão pensativa.
— Aconteceu alguma coisa? — Samantha perguntou discretamente, aproximando-se do rosto de Aaron, seu tom de voz baixo e preocupado.
— Não! Está tudo bem. — Assegurou-se, sincera. Ela não gostava da ideia de partilhar seus problemas com Samantha, mesmo que fossem amigas. Seu pai não parecia beber mais, pelo menos não na frente dela, e isso já a tranquilizava. — Vou sair com alguém. — Disse por impulso, sentindo uma necessidade inexplicável de se justificar.
— O quê? Alguém? Que alguém? — Samantha rodou a cadeira giratória, fazendo Aaron se virar em sua direção, enquanto ela permanecia sentada na beirada da cama de Yasmine. Seus olhos estavam arregalados, cheios de curiosidade.
— É só o Robby. — Aaron deu de ombros, tímida, tentando soar indiferente. Ela mexeu no cabelo, tentando desviar o olhar de Samantha.
Aaron se esqueceu de que nunca falava de Robby para ninguém, muito menos para Samantha. Era como se ele fosse seu superpoder secreto. Quanto menos pessoas soubessem dele, menor a chance de ele sair de sua vida. Era como se, enquanto só existisse os dois, ninguém tentaria acabar com o que tinham.
— Robby? — Samantha franziu o cenho, confusa, sem saber de quem Aaron estava falando. — Quem é Robby? Eu conheço o Robby? — Samantha continuou, seus olhos curiosos focados na loira, fazendo Aaron corar enquanto Sam lhe lançava um olhar malicioso.
— Não, você não o conhece. — Aaron disse, tentando virar de costas para Samantha, que rodou a própria cadeira para ficarem de frente uma para a outra. As sobrancelhas levantadas e curiosas de Samantha fizeram Aaron continuar falando. — Tudo bem... ele é meu vizinho.
— Só isso? Eu quero detalhes. — Samantha balançou o braço de Aaron, sorrindo de lado, com um brilho de expectativa nos olhos.
— Ai, para com isso. — Aaron devolveu um tapa, rindo nervosamente. — Ele mora do meu lado, a gente costuma sair, provavelmente vamos roubar doces ou algo do tipo. — Ela deu de ombros, tentando soar indiferente, como se seu peito não flutuasse de emoção. — Se tivessem detalhes, você seria a primeira pessoa a saber.
Não, ela infelizmente não seria.
A música alta estourava pelos megafones do ginásio, transformando o local em uma aglomeração vibrante de adolescentes. As luzes piscavam freneticamente, sincronizadas com o ritmo pulsante da música, criando um espetáculo de cores que refletia nos rostos animados dos alunos. O ambiente estava carregado de energia juvenil, com grupos de jovens dançando e conversando alegremente.
Sam ainda estava tensa com a ideia de seu pai monitorando-a a noite toda, mas Aaron fazia o possível para tranquilizá-la, tentando convencê-la de que nada de ruim aconteceria. Os olhos de Aaron vagaram pelo salão até avistar Aisha entrando, e ela imediatamente puxou Samantha pelo braço, afastando-a de Kyler para cumprimentar a amiga.
— Aisha, você está incrível! — exclamou Aaron, sorrindo amplamente.
— Sim, adorei a fantasia. — acrescentou Sam, tentando esconder a culpa por não terem ido combinando.
— Obrigada, vocês também. Mas não é a mesma coisa sem o cloreto. — Aisha respondeu, olhando para o chão, seu sorriso murchando um pouco.
— Ah, que isso. O sódio é bem irado, um assassino silencioso. — Sam brincou, tentando levantar o ânimo da amiga e conseguindo arrancar uma risada da cacheada. — Olha, Aisha, me desculpa... — ela continuou, sua voz carregada de arrependimento, mas foi interrompida.
— Não, tá tudo bem. Eu também ia preferir ser a sexy a ser a engraçada, se eu tivesse essa opção. — Aisha deu de ombros, mas seu tom mostrava que ela realmente estava magoada.
— Não fala assim... — Sam tentou consolar, mas sua atenção foi desviada por Yasmine, que acenava freneticamente do meio da pista de dança.
— Vem, Samantha, vamos entrar ao vivo. — Yasmine chamou, sua impaciência evidente. Sam olhou para trás, pedindo um segundo com um gesto da mão, enquanto Yasmine revirava os olhos, frustrada.
— Podemos marcar alguma coisa algum dia? Faz tanto tempo. — Aaron tocou o ombro de Aisha, tentando transmitir conforto e uma genuína saudade.
— Sim, eu adoraria. — Aisha sorriu, um brilho de esperança em seus olhos.
— Tudo bem então, eu te mando uma mensagem depois. — Samantha disse apressadamente, já se virando para se juntar a Yasmine.
Aaron ficou sozinha com Aisha por um momento, sentindo a necessidade de se explicar melhor.
— Olha, Aisha, me desculpa. Sua fantasia ficou irada. Se eu pudesse escolher, teria vindo combinando com você, mas já tínhamos comprado as nossas fantasias... — Aaron encarou suas próprias mãos, mexendo nervosamente nos dedos. Ela odiava decepcionar as pessoas.
— Aaron, — Aisha deu um passo à frente e tocou seu ombro de forma gentil. — não tem problema. — Ela sorriu timidamente. — Mas acho que você devia parar de se desculpar por ela, quando vocês não são a mesma pessoa. — A alfinetada cravou fundo no coração de Aaron, que sorriu incomodada. Ela fazia isso tanto assim? Se desculpava pelas pessoas?
Ela desculpava aquilo que as pessoas faziam com ela também?
— Obrigada, Aisha. — Aaron agradeceu com um olhar sincero antes de se afastar, respirando fundo.
Ela caminhou em direção a um grupo de garotos conhecidos, que estavam em pé como três espantalhos atrás da mesa de ponche.
— Esqueleto, legal! — Aaron disse, tentando soar simpática.
— Está bonita. — Miguel disse com um sorriso recíproco — Não sabia que era fã dos Lakers. — Ele tocou no símbolo bordado no centro da blusa dela.
— Eu não sou, não faço ideia do que está acontecendo nessa temporada. — Ela riu, bebendo um pouco do ponche de frutas em seu copo avermelhado.
— Jura? Esqueleto é tão clássico. — Demetri comentou, julgando a fantasia de Miguel. Ele ajustou sua túnica, esperando que Aaron reparasse nele.
— Você é o quê? Um feiticeiro? — Miguel questionou em tom sarcástico.
— O quê? — Demetri levantou uma sobrancelha, indignado.
— Ele está de Necromante. — Aaron apontou, levantando uma das mãos, como se fosse óbvio. Miguel franziu a testa, ainda sem saber do que se tratava.
— Fala sério, nunca viu The Amulet? — Demetri começou a brigar com Miguel, que tentava se defender dizendo que, de onde ele vinha, não existia esse tipo de filme.
— Você é um médico? — Aaron se dirigiu a Eli, que estava quieto com uma roupa de hospital e máscara cirúrgica, segurando um ponche.
— Cirurgião Plástico. — Ele ajeitou a máscara que cobria seu nariz e boca. — Concerto lábios. — Ele disse de forma específica.
— Caramba, Eli. — Aaron disse, surpresa. — Criativo. — Eli sorriu por debaixo da máscara, mas ela não conseguia ver.
— Sabe, eu prefiro sem. — Ela se aproximou dele e tocou a ponta do seu nariz por cima do pano.
— Se eu tirar, perde o brilho da fantasia. — Ele tentou se defender sem parecer bobo.
— Eu entendo. — Ela sorriu e voltou a prestar atenção nos dois garotos ao lado, enquanto Eli a observava, fascinado. Era uma loucura para ele ser tratado daquele jeito por uma menina como Aaron. Ela não parecia ter repulsa, raiva ou pena dele. Ela era simplesmente autêntica.
— Onde arranjou essa fantasia? — Questionou a Miguel. Ela reconhecia aquela fantasia de algum lugar específico, só não se lembrava de onde. — É de um filme?
— Não faço a menor ideia. — O garoto riu. — Meu sensei que me emprestou. Acho que era dele. — O latino apertou seus frágeis bíceps por dentro da fantasia, se gabando.
Então, o quebra-cabeça na mente de Aaron foi solucionado. Era uma foto, cinco garotos - incluindo seu pai - fantasiados de esqueleto, ao lado de uma garota loira, sua mãe.
Ela se lembrava de reparar na foto toda vez que passava pela sala porque ela lhe dava uma visão completa de seus pais jovens, e via a mão do seu pai ao redor da cintura dela, fantasiada de Alice no País das Maravilhas.
Quando era pequena, se lembrava de ter se questionado várias vezes sobre o porquê de não terem usado fantasias combinando.
Era de Johnny Lawrence.
— Que esquisito, meu pai tinha uma fantasia igual. — Ela balançou a cabeça, tentando se concentrar em respirar e não soar rude com seu desespero evidente.
— Você não disse que meu sensei conhece a sua mãe? Devem se conhecer. — Miguel disse, animado, ajeitando a manga comprida em seu braço, tentando não ser indelicado quanto a informação que ela tinha jogado em cima dele no almoço de ontem.
— É, pode ser. — Ela tentou sorrir fraco para ele, antes de se afastar às pressas.
Ela atravessou o ginásio, sendo empurrada no sentido contrário por vários adolescentes, com a música alta estourando seus ouvidos e as luzes piscando. Ela andou até a porta corta-fogo, onde avistou Daniel LaRusso encarando a parede à sua frente. Ele parecia preocupado na mesma medida que ela, com a respiração ofegante depois de tanto correr para encontrá-lo.
— Sr. LaRusso? — Aaron chamou, e ele se virou rapidamente, puxando da parede um panfleto e mostrando-o para a garota.
Era uma propaganda do Cobra Kai, com a imagem de Johnny Lawrence de punhos cerrados estampada bem ao centro. Ela não queria que ele soubesse quando Miguel contou na primeira vez, algo dentro dela a fazia pensar que era só um engano, que o pôster que tinha visto no dia anterior era um erro bobo. Mas não era. Cobra Kai estava de volta, e o senhor LaRusso tinha o direito de saber.
— Era sobre isso que eu precisava falar com o senhor. — Ela disse, unindo as sobrancelhas de maneira culpada, sentindo-se mal por ter omitido aquilo por tanto tempo.
Aaron MacGyver e Daniel Larusso passaram pela porta corta-fogo do ginásio, mergulhando nos corredores repletos de armários cobertos com panfletos de uma tipografia barata de Reseda.
— O que você tá fazendo? — Daniel acusou, virando a esquina e avistando Lawrence.
— Eu 'to divulgando meu negócio. — Johnny respondeu incomodado, franzindo as sobrancelhas de maneira carrancuda, como sempre fazia. — O que você tá fazendo?
Sem paciência, Aaron arrancou os folhetos da parede, amassando-os e jogando-os longe.
— Ei, loirinha, que isso? — Johnny se abaixou para pegá-los. — Eles custam caro, sabia? — Ele apontou, indignado, tentando desdobrar o papel
— Qual o seu problema? — Aaron o empurrou, mas o homem grande não se moveu um centímetro. — Depois de tudo o que aconteceu com ela, como você tem coragem?
— Quem é essa aí? — Johnny franziu a testa, apontando para LaRusso enquanto segurava Aaron com um braço, mantendo-a longe dele.
— Você ferrou com a carreira dela, seu babaca! — Aaron tentou avançar em Johnny, descontando anos de frustração. Daniel a segurou firmemente.
Johnny reparou nos olhos da garota e reconheceu alguém que nunca imaginou ver novamente. Ele ficou desconcertado.
— Rayken... — Ele sussurrou, segundos antes de uma tentativa falha de Aaron de acertar seu rosto.
— Filha dela, seu cuzão. — Aaron disse, dando passos para trás ao sentir Daniel LaRusso puxá-la para longe.
LaRusso arrastou Aaron pelo corredor, enquanto ela tentava se agarrar ao chão. Ele a levou de volta ao ginásio e a colocou para dentro, assegurando-se de que ela não voltaria para atacar ninguém.
— Tá de sacanagem? — Ela resmungou, ajeitando sua saia enquanto se firmava no chão.
— Ei, relaxa! — Daniel disse, segurando-a pelos ombros e fazendo-a encará-lo nos olhos. Ele estava instintivamente tentando acalmá-la, e Aaron odiava essa sensação. — Vou falar com ele. Não deixe sua raiva ultrapassar sua razão, Ronnie. — Ele sorriu para ela antes de deixá-la sozinha, em meio à música e à gritaria adolescente.
— Me desculpa por isso. Ela ainda está mal pela mãe. — Daniel falou ao alcançar Johnny no corredor, já com uma fila de armários cheios de panfletos. — Vai fazer um ano que ela foi embora. Ela tem muito para processar.
— É sua filha? Pensei que só tivesse a que destruiu o meu carro. — Johnny provocou, se recusando a aceitar o que tinha visto. — Não sabia que sua mulher tinha te largado.
— O quê? A minha mulher não... Ela não é minha filha, Johnny. — Daniel balançou os braços em negação, travado no lugar.
— Aham, com certeza. — Johnny debochou, desamassando um dos panfletos amassados por Aaron e tentando reutilizá-lo, colando-o na parede com bastante fita adesiva.
— Olha... — Daniel respirou fundo, parecendo cansado da presença de Johnny. — Você sabe de quem ela é filha.
— Sim, eu sei. — Johnny desviou o olhar para os panfletos em sua mão.
— Depois de tudo o que aconteceu com a gente, Johnny, por que trazer o Cobra Kai de volta? Mesmo depois de tudo o que seu sensei fez com você. — Daniel cruzou os braços. — Depois de tudo o que ele fez com a gente.
— Qual o nome dela? A filha. — Johnny perguntou, coçando a nuca, aparentemente nervoso com a rejeição.
— Aaron.
— Por que ela me odeia? — Johnny desviou o olhar de LaRusso, respirando fundo.
— Poxa, Johnny, não é muito difícil odiar você. — Daniel deu de ombros.
Desviando o olhar de LaRusso, Johnny encarou a parede ao seu lado.
— Então aquela vadia fugiu de novo, né? — Johnny murmurou, encarando os cartazes em sua mão enquanto Daniel respirava fundo, seus lábios formando uma linha fina. — Eu te disse que isso aconteceria.
— É, você me disse. — Daniel sibilou, vendo Johnny cortar outro pedaço de fita e encaixar no papel.
— Você perguntou por que trazer o Cobra Kai de volta. — Johnny ignorou o comentário sobre sua ex-namorada, colando mais um panfleto na parede. — Porque eu não sou o Kreese, e as lições funcionam. Eu não posso consertar o que aconteceu, mas eu posso fazer melhor. — Ele deu de ombros, sorrindo de maneira sacana.
— Acerte primeiro, sem compaixão. Lições muito boas. — Daniel riu em escárnio, lendo um dos panfletos. — Não vou deixar você encher a cabeça das crianças com essas bobagens, Johnny.
— É por isso que você tá me seguindo? — Johnny levantou uma sobrancelha, intrigado. — Cuida das suas plantas e para de se meter no meu negócio.
— O quê? Não, eu não tô te seguindo. — Daniel começou a se defender, mas se perdeu nas palavras ao ver sua filha entrar em uma sala vazia aos beijos com o suposto namorado. — V-você tem que sair da escola, está bem? Você não pode ficar aqui. E tire esses panfletos ridículos. — Daniel disse, afastando-se e arrancando um papel da parede mais próxima. — Estou falando sério, hein. — Apontou com o indicador.
— Eu sei que você está. — Johnny riu, descredibilizando Daniel e colando mais um panfleto. — Mas que se foda. — Ele disse com um sorriso cúmplice nos lábios, sabendo que Daniel nunca o amedrontaria.
Olhando ao redor, encarando o ginásio lotado a sua frente, Aaron tentava apagar o último incidente de sua mente, fingindo que o único resquício de Johnny Lawrence permanecesse em uma memória ruim. Uma memória ruim que não parecia ir embora.
O ambiente estava repleto de luzes coloridas e música alta, com adolescentes fantasiados dançando e conversando em grupos espalhados. Eli, Demetri e Miguel estavam próximos à mesa de ponche, discutindo animadamente sobre suas chances com as garotas fantasiadas de Daenerys Targaryen. Eli, com sua fantasia de Doutor, estava particularmente agitado, gesticulando enquanto argumentava. Demetri, vestido de necromante, estava mais cauteloso ao reclamar, segurando um copo de ponche que parecia nunca esvaziar. Miguel, no meio dos dois, gostaria de estar vestido como Jon Snow, segurando uma taça de ponche e observando o movimento com um olhar ansioso. Talvez se estivesse, conseguiria fazer com que aquelas meninas olhassem para ele.
Aaron se aproximou, sentindo a tensão no ar.
— Beleza, estamos prontos? Vamos chegar nas mães de dragões! — Miguel disse, tentando parecer confiante.
— Ah, calma aí. A gente ainda tem tempo. — Demetri disse, virando mais um copo de ponche e limpando a boca com a manga do casaco.
— Aí, não, não! Merda! — Miguel exclamou quando os quatro avistaram um grupo de garotos fantasiados como Doctor Who se aproximando das garotas que eles queriam. — Acabamos de perdê-las para os Doctor Who. — Ele se lamentou, parecendo desolado.
— É, Doctor Who é uma ótima série. Faz sentido. — Aaron afirmou, tentando aliviar a tensão, e os três a notaram pela primeira vez desde que ela se aproximou.
— Aaron! — Miguel a abraçou, ainda com um toque de preocupação na voz. — Pensei que tinha ido embora. Você está bem? — Ele perguntou, os braços ainda ao redor dela, mas Aaron se afastou delicadamente e sorriu, embora seus olhos estivessem tristes.
— Me desculpa. Eu não devia ter saído daquele jeito. Não tenho conseguido me expressar direito. — Ela olhou para Miguel, que assentiu, tentando mostrar que não havia ressentimentos.
— Não, que isso... Eu não tinha percebido que esse assunto te deixava mal. Não vou te pressionar sobre isso. — Miguel tocou o ombro dela, e Aaron sorriu de forma reconfortante.
— Relaxa, depois eu te conto a história, mas não é nada interessante. — Aaron deu de ombros, tentando desviar o assunto. — É desastrosa.
Seu celular bipou, tirando-a momentaneamente da conversa. Ela se abaixou, pegando o aparelho do bolso, e abriu o Snapchat para ver a mensagem. Era um vídeo recente enviado por uma conta anônima.
Era Aisha comendo.
Um vídeo que havia sido gravado a pouquíssimo tempo, mostrando Aisha na mesa de lanches, com sua fantasia, em frente a um mural cheio de morcegos pendurados. O vídeo tinha um sticker horrendo de nariz de porco e uma frase maldosa sobre o corpo da menina, repetindo em loop enquanto ela colocava um lanche na boca. Aaron sabia exatamente quem tinha feito aquilo, e não estava paciente para uma conversa.
Seu olhar recaiu na pista de dança, especialmente na loira que ria ao encarar o vídeo no próprio celular. Samantha estava ao lado dela, parada e quieta como uma marionete, pasma ao ver a amiga se aproximar com um olhar furioso.
Aaron não deu chance de Yasmine se explicar. Tinha sido ela, todos sabiam, e Aaron não suportaria mais uma injustiça com alguém de quem ela se importava. Se Samantha não faria nada, ela faria.
Quando se aproximou o suficiente da loira, deixando a raiva tomar conta de seu corpo, seu punho cerrado voou em direção ao rosto de Yasmine, atingindo especialmente o nariz da garota.
O corpo dela travou no lugar.
— Sua vadia insensível! — Aaron gritou no rosto de Yasmine, descontando toda a sua raiva.
Um amontoado de pessoas começou a se aproximar, empurrando Aaron para trás e socorrendo a loira no chão. Aaron percebeu o que tinha acabado de fazer. Não conseguia se sentir orgulhosa, não conseguia sentir nada, enquanto a adrenalina e a ansiedade eram arrancadas de seu corpo à força.
Ela pensou no próprio pai. Pensou em todas as vezes que ele gritou com ela e perdeu o controle. Ela pensou que estava sendo como ele.
Era isso que ele sentia quando encostava na mãe dela? Ele encostava mesmo nela? Ela tinha alguma memória disso? A mãe dela falava a verdade sempre?
Ela tampou os ouvidos, tentando abafar a música alta e a gritaria das pessoas que entravam no ginásio e viam o que ela tinha feito. Um frio percorreu sua espinha e as luzes pareciam fortes demais para que seus olhos pudessem suportar. Aaron começou a ouvir sua respiração se desregular e não conseguia respirar.
Ela fechou os olhos.
Um zumbido alto tinia em seus tímpanos. Ela apertou suas têmporas com força, sentindo uma lágrima solitária cair por seu rosto. O mundo à sua volta se calou. Naquela fração de segundo, Aaron sentiu paz ao não ouvir ninguém gritando com ela.
Então seus olhos se abriram novamente de forma involuntária. As luzes fortes tinham sumido, e pelo silêncio, as pessoas também. Ela olhou para frente. Entre uma névoa sombria do outro lado do ginásio, pôde ver uma criança. Uma doce e frágil menininha loira, cabelos ondulados e bagunçados, usando um pijama verde oliva números maior que seu pequeno corpo. Entre seus dedos, um pequeno chaveiro com um pingente de pelúcia na forma de um urso polar, que não poderia ser visto, mas Aaron sabia que estava lá.
Ela balançou a cabeça confusa e encarou melhor a garotinha, e quando piscou, a menina tinha crescido e usava o mesmo pijama ao encará-la. Aaron deu um passo à frente para se aproximar da versão holográfica de si mesma, mas não conseguiu sair do lugar. Ela abaixou o olhar para seus pés, que agora estavam presos, se fundindo contra o chão.
Ela tentou puxá-los para cima, em um movimento falho. Quando levantou a cabeça, tudo tinha sumido. Não havia mais ela, não havia mais um ginásio. Encarou o teto, um lustre dourado estava pendurado. Ela desceu seu olhar para o lugar familiar e encarou a própria sala de estar da sua antiga casa. Ela reconheceu o que estava vendo quando reparou que a lua minguante brilhava do outro lado da janela e a chuva se dissipava pelas cortinas. Um ruído.
Ela levantou o pé direito, agora conseguindo se mover, e viu sua própria mãe fechando uma das malas em cima do sofá. A mulher estava ofegante, às pressas para colocar tudo o que podia dentro da segunda mala. Aaron se aproximou dela, ficando rente ao seu corpo, percebendo que podia ver tudo, mas que a mãe não a enxergava.
Um ruído assustou as duas, e ao olhar para o final do corredor, viu a si mesma em seus pijamas, andando devagar em direção à mãe, que envergonhada ficou à frente das bolsas, tentando impedir que as visse. Agora as duas versões de Aaron pareciam distantes dela, e ela era uma simples telespectadora.
— Mãe? — A versão mais jovem de Aaron perguntou, e Aaron, coçando a nuca nervosa, queria sair dali o mais rápido possível para não ter que rever aquilo.
Nervosa, a mulher cruzou os braços, tentando esconder os hematomas.
— O que está fazendo? — A jovem Aaron questionou nervosa, ao encarar o horário no relógio analógico na prateleira atrás dela, ao lado da foto dos seus pais no Halloween de 1984. — Está tarde, vamos voltar para a cama. — Seus olhos fitaram os da própria mãe, e ao ver as lágrimas escorrerem, as duas versões de Aaron sabiam o que estava prestes a acontecer.
Quando não obteve resposta, a jovem Aaron se aproximou mais ainda, e incomodada, Aaron tentou se mexer para alertá-la e impedir que continuasse, mas uma parede de vidro foi posta à sua frente, fazendo-a bater o rosto nela quando tentou interferir.
Volte para o seu quarto, volte para o seu quarto e vá dormir, acorde pela manhã e descubra que sua mãe te abandonou, mas não faça isso.
— Eu preciso ir. — A mãe fungou, sem conseguir controlar a voz. — Pensei que se eu me esforçasse, ficaria tudo bem. — Ela passou as mãos pelos cabelos ondulados da filha. — Mas não é assim que acontece, meu amor. Pensei que com vocês, eu encontraria meu país das maravilhas, mas eu sou fraca demais. Tive compaixão de mais.
— E quanto a mim? — A jovem Aaron questionou, quando a mãe abriu a porta e, com as malas nos braços, passou um pé à frente.
— Você vai encontrar sua felicidade, Aay. Só não vai ser comigo. Eu não posso destruir outra vida, essa é minha última chance. — Disse se referindo a si mesma, com medo de machucar a filha, ou de se machucar.
Naquela noite, Aaron jurou que na manhã seguinte diria ao pai que não sabia onde a mãe tinha ido ou o que tinha ido fazer.
Naquele momento em diante, quando viu a mãe fechar a porta e, pelas cortinas, a ver atravessar o quintal correndo em meio à chuva como se corresse de um crime, como se corresse dela, um vazio se abriu no peito de Aaron. Um vazio que sabia que não poderia ser preenchido novamente.
Alguém puxou seu braço com brutalidade, tirando-a do chão, e ela acordou.
— Aaron? — Miguel disse, em meio à confusão. Ele a havia encontrado embaixo da mesa de bebidas. Ela estava ajoelhada, com as mãos sobre os ouvidos e olhos marejados, como se estivesse arrependida. — Vem comigo, tá tudo bem. — Ele segurou sua mão, fazendo-a levantar, e a levou para longe do ginásio, tentando acalmá-la. — Ela mereceu, Ronnie. Você só estava defendendo a Aisha. — Ele disse, quando estavam parando de andar no corredor vazio. Ele a segurou pelos ombros, fazendo-a encara-lo nos olhos. — Ela não merece a sua compaixão.
Os olhos dela estavam marejados, suas mãos tremiam, e ela tentava ao máximo não encará-lo. Estava visivelmente envergonhada. A frase a pegou de surpresa. Não entendia como os olhos gentis de Miguel podiam dizer algo daquele tipo para ela, tentando consolá-la.
— Ela mereceu aquilo. — Ele repetiu, reafirmando seu ponto, e passou uma mecha de cabelo loiro dela para trás da orelha. Seu sorriso torto fez Aaron sorrir timidamente.
— É, ela mereceu.
Halloween de 1984.
_________
[5000 palavras]
Me digam o que acharam!
Eu amo como a influência do Miguel vai moldar o jeito de pensar da Aaron! Sentiram isso?
Amo vcs,
Back!
central de Atendimento à Mulher - Ligue 180
central de valorização da vida - Ligue 188
{caso você saiba/ conheça outros meios de ajuda, por favor comente aqui, talvez alguém precise de você.}
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top