ᴏɴᴇ - 𝘳𝘪𝘴𝘦 𝘰𝘧 𝘵𝘩𝘦 𝘤𝘰𝘣𝘳𝘢
episódio um:
𝘳𝘪𝘴𝘦 𝘰𝘧 𝘵𝘩𝘦 𝘤𝘰𝘣𝘳𝘢
A porta amadeirada e gasta do apartamento vinte e três G estava sendo esmurrada às oito e meia da manhã do dia trinta de outubro de dois mil e dezoito.
Aaron correu para abrir ansiosamente ao sentir o desespero da pessoa do outro lado da porta e tropeçou no tapete da sala no mesmo momento que tentava calçar seu par de brincos argolados em formato de sol.
——— Espere! — ela esperneou, enquanto tentava colocar o tênis no pé. Porém, destrancou a porta segundos antes de conseguir sequer vesti-los.
— Bom dia. — Robby Keene disse sorrindo do outro lado do batente da porta. Ele tinha o seu gasto skate em uma das mãos, enquanto a outra segurava sua mochila verde musgo nos ombros.
— Faz o que aqui tão cedo? — a loira franziu o cenho, resmungando de irritação, enquanto ouviu um talher ser derrubado da cozinha, acompanhado de um xingamento.
— Aaron... — o pai dela gritou, meio bambo, e a menina deu um passo para trás para checar se tinha algo de muito errado acontecendo. Ela só encarou um homem de meia-idade completamente de ressaca tentando fazer ovos mexidos.
— Ficou com saudade de mim? — ela perguntou, abaixando um pouco a cabeça, por ser uns dois centímetros maior que o garoto, enquanto ignorava o barulho.
— Com certeza, minhas manhãs não são as mesmas sem conseguir te levar pro ponto de ônibus. Todo dia, sem falta. — Robby sorriu, e antes de colocar as mãos no coração fazendo drama, passou uma das mãos religiosamente ajeitando seu cabelo semi-curto para trás da orelha.
— Fico feliz que eu sou um dos poucos motivos pra você sair de casa. Na verdade, lisonjeada, Keene. — ela balançou a mão na frente dele, que o fez encarar o par de anéis que ela usava, fazendo-o perceber toda a roupa que ela vestia.
— Por que está vestida como a Patricinha de Beverly Hills? — ele questionou, sorrindo de lado e erguendo uma sobrancelha, desconfiado.
— O quê? Eu não estou. — ela disse, franzindo o cenho e se abaixando para amarrar seus tênis.
— Ah, você está. — ele disse, com um tom divertido de provocação.
— Eu deveria trocar de roupa então? — ela levantou a cabeça, arqueando uma sobrancelha.
— Não, não 'tá tão feia assim. — ele deu de ombros e ela riu baixo, antes de se levantar e bater a mão contra as coxas. — Vamos comer alguma coisa?
— Não dá, meu pai inventou que sabia fazer ovos mexidos e está ali há meia hora. — ela soou frustrada, enquanto apontava para trás dela, seu apartamento caído de luz fraca.
— Ronnie, com quem você está... — a voz masculina foi ficando cada vez mais alta até ele ficar atrás dela, como uma enorme muralha — Lawrence. — o homem disse com desgosto na voz.
Jay, seu pai, tinha voltado da reabilitação forçada há algumas semanas. E quando falamos de reabilitação forçada, queremos dizer que ele sumira por semanas, deixando Aaron preocupada, mas não surpresa, e voltara dizendo que estava bem e que fazia tempo que não bebia. O estado de suas roupas dizia o oposto. Ele parecia bem, apesar de tudo.
— Keene. Robby Keene. — o corrigiu pela centésima vez desde que se conheceram e o mais velho tinha descoberto de quem era filho, ao conhecer sua mãe.
Uma tensão se instalou no lugar. Jay tocou no ombro de Aaron, protetoramente, como se fosse um pai coruja e a menina, desconfortável com seu toque surpreso, deu um passo pra frente, tentando se livrar dele. Ela se sentia mal por isso, mas nada a fazia esquecer-se de como ele tinha confundido ela com sua mãe no verão. E nada tirava da sua cabeça o que ele teria feito com ela se a polícia não tivesse chegado.
Mas ela tentava ignorar esses pensamentos. O máximo que podia, sempre. Ela gostava de dizer a si mesma que ele não era tão ruim assim.
— Bom, estou bem atrasada — Aaron disse, com mais uma bela e cotidiana mentira, e correu até o sofá atrás dela e fisgou entre seus dedos sua mochila.
— Mas e quanto ao nosso café da manhã? — seu pai questionou, franzindo o cenho e ficando visualmente incomodado.
— Teremos várias oportunidades para comermos juntos, pai. — ela disse, sendo um pouco passivo-agressiva. Não gostava disso, mas a frase meio que dava a entender "Não suma outra vez, só assim seremos uma família de novo".
O pai não questionou e a deixou ir, fechando a porta na frente dos dois, mas não sem antes lançar um olhar mortal ao Robby.
— Não suporto que as pessoas me odeiem por coisas que eu não fiz. — Robby disse, no segundo em que a luz do corredor se acendeu. Ele estava pensativo, fitando a porta do elevador. Aaron deu um passo à frente, apertando o botão. — Tipo, meu pai é um escroto, mas isso é culpa minha?
— Eu não te odeio. — a loira deu de ombros, antes de dar um soquinho em seu ombro, e atravessá-lo para o outro lado do corredor.
— Bom, você diz isso porque sua mãe também é uma vadia. — ele afirmou, torcendo o nariz, o que a fez soltar uma risada sincera.
— Vem, vamos tomar um café da manhã decente.
— Pensei que eu estivesse atrasada. — ele a provocou, antes de atravessarem o corredor extenso e chegarem à porta do apartamento dele.
— Ele tinha queimado os ovos. — ela deu de ombros, enquanto abria a porta do apartamento de Keene. — E eu sei que você tem guardado um pacote de Cheese-it aqui em algum lugar.
Os dois riram até a porta ser aberta e eles darem de cara com uma mulher loira vestindo somente uma camiseta números maior que ela, com uma feição de cansaço. Robby ficou tenso e travou no lugar. Sua mãe estava à frente dos dois, visivelmente bêbada, e no segundo que percebeu a presença dos dois, ficou mais constrangida. Talvez não mais do que Robby, que virou o rosto.
— Eu não... — ele hesitou, mesclando em olhar para a geladeira atrás dela e olhar para seus olhos perdidos. — Eu não sabia que você estaria em casa agora — ele cuspiu, seco.
— Eu não sei... — ela disse mole, encostando sua mão sobre o balcão. — Eu cheguei ontem à noite, desmaiei no meu quarto — ela riu, o que fez Aaron querer ser simpática e acompanhá-la com um sorriso tímido.
De madrugada, Robby pensou.
— Eu pensei que, não sei... — a mãe dele sorriu — Poderia fazer um café da manhã pra nós hoje. Acho que eu comprei aquele cereal que você gosta. — Robby não percebeu quando segurou a base do braço de Aaron em busca de algum contato. A mãe dele deu um passo à frente e correu para a cozinha acoplada, remexendo as prateleiras.
— Não mãe, aquele cereal acabou há semanas. — Tinha acabado desde a última vez que eles tinham ido fazer compras. Ou melhor, Robby tinha ido fazer compras. O restante de seu dinheiro que ele ganhava com a erva que vendia estava guardado em algum lugar da casa, algum que ela não conseguisse encontrar.
E estranhamente, Aaron se identificava com cada ação dele.
— Ah, Amy querida! Como eu sou rude, como você está? — ela ignorou o que ele dissera, como se Robby fosse uma criança tola, e andou em direção a eles. Robby deu um passo à frente, colocando Aaron um passo atrás, mas a garota o empurrou de leve para o lado.
— Bom dia, senhora Keene. — a garota disse docilmente, dando um passo à frente, deixando o loiro atrás dela.
— É Aaron. — ele a corrigiu, entre dentes. — Não Amy, Aaron. — Robby disse tentando não travar o próprio maxilar para se permitir falar.
— Sim, com certeza. Aaron. A com nome de menino! — ela balançou a mão para ele e abraçou a menina, que retribuiu o afeto. Era estranho, mas era um abraço caridoso. Ela não cheirava a bebida ou cigarros como seu pai; ela tinha cheiro de perfume forte e condicionador de lavanda.
— Eu mesma! — a MacGyver afirmou, como se não achasse tudo aquilo esquisito, e soltou uma risada fraca.
— Então, que tal um café da manhã? — a loira sorriu, esperançosa ao soltar a menina. Pelo contrário, Robby desviou o olhar, de maneira crua e impaciente.
— Não, a gente já estava de saída. — Robby foi até o pé da cômoda e puxou sua mochila preta cheia de broches por cima do ombro.
— O quê? Não! Sem comer nada? — ela questionou, seguindo Robby com o olhar.
— A Aaron 'ta atrasada. — ele deu de ombros, antes de tentar sorrir pra própria mãe. Aaron tomou aquilo como medo de qual seria a reação dela em ver a mãe dele naquele estado. Como se ele não quisesse que ela visse o quão fodido a vida dele estava.
Ela ja tinha sentido a mesma coisa.
Aaron não estava atrasada. Robby não queria que ela tivesse pena dele, algo claro pelas suas feições. Ele não queria que ela visse sua mãe de ressaca. Sem querer forçar a barra, Aaron foi até o armário e pegou um pacote de biscoitos, como se morasse ali.
— Vamos sobreviver. — Aaron riu fracamente, aproximando-se de Shannon. Percebeu a expressão de cansaço na pele envelhecida dela e o resto de maquiagem preta ao redor dos olhos. Sem julgar, a abraçou. — Muito obrigada pela preocupação, Shannon! Tenha uma ótima manhã. — Sorriu e puxou Robby, petrificado de raiva, para fora do apartamento.
No elevador, ninguém disse uma palavra até a metade do caminho, onde Aaron pegaria um ônibus e Robby continuaria de skate até qualquer lugar que não fosse a escola. O pacote de Cheez-it estava quase no fim quando Aaron o ofereceu de novo.
— Você vai mesmo recusar? — Aaron levantou uma sobrancelha, tentando soar gentil. Robby apenas deu de ombros, ignorando-a.
— Vai me ignorar? — Ela parou de andar. Já estavam em frente ao ponto.
— Não. — Ele olhou para o lado, desviando o olhar como uma criança birrenta.
— Eu sei que você não quer falar disso, mas... — Aaron tentou outra vez, respirando fundo, mas ele a interrompeu abruptamente.
— Então é só a gente não falar, eu acho bem simples. — Ele deu de ombros, mexendo a boca sarcasticamente.
— Tudo bem. — Aaron deu de ombros de volta e se sentou no banco. — Eu podia dizer que você não tem por que se envergonhar ou que o que eu sinto por você não é pena, mas pensei que já tínhamos passado dessa fase. — Robby encarou o ônibus que chegava e se sentou ao lado dela, arrependido.
— Me desculpa, não quis me auto depreciar. Sei que sua intenção foi boa. — Ele encostou seu ombro no dela em conforto. — Eu só odeio quando isso acontece. — Robby encarou o céu azul por um segundo, seus olhos claros refletindo quando Aaron observou cada movimento dele.
— Bom, sabe em julho? Quando toda aquela merda aconteceu? — Ela levantou uma sobrancelha e ele afirmou com a cabeça. — Eu senti a mesma coisa, fiquei envergonhada de você ter que aparecer pra me tirar de lá.
— Tudo bem, entendi a lição. Sem nos envergonhar mais um dos outros — Ele sorriu para ela, instintivamente descansando a cabeça no pescoço dela, fazendo-a arfar de vergonha e rir. — Vai fazer o que no Halloween, Aay? — Perguntou antes do ônibus parar.
— Vou a uma festa de Halloween, um baile, eu acho. Na escola. — Ela deu ênfase na última parte, ajeitando-se para se levantar.
— Entendi. — Robby se levantou atrás dela, engolindo em seco e balançando os braços, indeciso.
— E você? — Ela quebrou a tensão.
— Nada, hum... — Ele balançou a cabeça e passou o cabelo liso para trás da orelha. — Você quer fazer alguma coisa depois? Tipo, depois dessa tal festa.
Ele estava convidando ela para sair?
Não que eles não tivessem saído juntos antes, ou até dormido na mesma cama por incidentes, mas o jeito que ele falou daquela vez era diferente. Ela sabia disso só pelo jeito que ele a convidou.
Isso não quebrava a ligação que eles tinham? Chamar ela para sair desse jeito não deixaria tudo estranho? Ela franziu o cenho, surpresa e confusa. Ele pigarreou quando ela demorou para responder.
O ônibus parou no ponto e ela deu um passo à frente.
— Eu tenho que ir. — Aaron puxou a mochila nos ombros, sem saber o que dizer.
— Espera. — Ele segurou sua mão, fazendo-a se virar e arrepiar pelo contato. Ela nunca tinha visto o Robby desse jeito. Ela tinha que ver ele desse jeito? — Isso foi um sim? — Ele sorriu para ela.
Talvez ela o visse desse jeito.
— Não será mais um sim quando você descobrir minha fantasia. — Ela fez cara de desgosto e se afastou para subir no ônibus.
— Jura? Pensei que já estivesse fantasiada. — Ele sacaneou, e ela levantou o dedo médio na direção dele. — Patricinha de Beverly Hills.
— Quase! Líder de torcida. — Ela riu, revirando os olhos enquanto subia os degraus do ônibus.
— Você tem que parar de frequentar esse lado da cidade. — Ele afirmou alto, rindo. — Escola é pra otários.
— Eu sei! — Aaron fez uma careta e a porta do ônibus se fechou atrás dela. Ele foi embora na direção contrária, lançando seu skate no asfalto quente.
Aaron estava sentada em uma das cadeiras frias do refeitório. O barulho fazia seus ouvidos zunirem. Ela se sentou ao lado de Samantha, como de costume, mas odiava o fato de que Aisha estava a metros de distância. Aquilo a incomodava ainda mais, pois Sam não ouvira seus conselhos sobre não excluí-la. De novo.
Aaron estava distraída, desenhando um sorriso com suas batatas fritas, e nem percebeu quando a coordenadora começou a falar. Demorou para entender que não se tratava de avisos sobre o almoço, mas sim de algo sério. Quando levantou os olhos, notou que a mulher ao microfone tinha imposto sua voz de forma mais firme.
— O bullying virtual não é brincadeira. — ela disse, pausando para respirar. — Enviar uma mensagem cruel a alguém pode ser tão prejudicial quanto falar isso na cara da pessoa! — A mulher branca de óculos fundo de garrafa dizia, em pé no meio do refeitório com um microfone enorme à frente dos lábios.
Aaron olhou ao redor para tentar entender do que aquilo se tratava.
— Não irei citar nomes, porém outro dia recebi uma ligação desagradável de uma mãe, reclamando que seu filho estava chorando depois que zombaram de sua deformidade facial na internet.
Eli.
Ao longe, Aaron ouviu murmúrios e risos em direção ao garoto. O menino, constrangido, colocou a mão na boca, tentando tapar sua cicatriz, única marca do lábio leporino. Aaron se sentia mal por ele. Eles foram amigos no fundamental, mas depois de um tempo seus ciclos mudaram e não se falavam mais. Às vezes, Aaron se perguntava se Eli sequer falava.
— Ela tá falando daquele ali, não é? — Yasmine riu e apontou para o menino. — O do lábio esquisito. — Ela puxou o celular e mostrou para as garotas da mesa um post no Twitter feito por uma conta anônima. A cabeça do garoto estava encaixada no corpo de um peixe, caçoando de sua deformidade.
Aaron havia visto esse post dias antes, mas, em vez de rir, denunciou a conta. Ela olhou diretamente para Samantha, questionando silenciosamente se não diria nada, mas a menina ficou quieta, encarando um pedaço de pizza. Samantha nunca tinha rido diretamente sobre aquilo, só fingia que não via.
— Hoje, temos o objetivo de tornar esta escola um espaço mais seguro para todos os alunos... — Aaron voltou a prestar atenção na coordenadora, que continuava falando, na opinião da menina, um monte de merda. Não conseguindo mais engolir a injustiça, ela olhou para sua melhor amiga novamente, que agora trocava mensagens com alguém que ela julgava ser Kyler.
Impaciente, Aaron se levantou, deixando Samantha ciente, e andou em direção à mesa de Eli e Demetri, que estava vazia enquanto eles tentavam se esquivar dos comentários ruins.
— Se estiverem cansados disso, meu dojo de karatê tá recrutando alunos. — Um garoto latino que Aaron não conhecia falava animado e gesticulando, enquanto ela se aproximava com sua bandeja.
— Quem tá recrutando alunos? — ela disse, ao se sentar ao lado do moreno, colocando a mão no queixo para descansar o rosto.
— Uma mulher. — Demetri disse, ofegante, quase engasgando com sua caixinha de leite. — Na nossa mesa.
— O meu, — o moreno se perdeu em palavras. — Meu dojo!
— Jura? Que legal. Você luta o quê? — ela disse, forçando simpatia, mais preocupada em falar com Eli.
— Sou Miguel. — O garoto a interrompeu, lançando um sorriso com aparelho e erguendo a mão. — Digo, eu luto karatê.
— Sou a Aaron. — ela riu, devolvendo o sorriso e apertando a mão dele.
— Oi? — Demetri meteu a mão na frente dos dois, abanando. — Desculpa atrapalhar a cerimônia de vocês, mas, o que tá fazendo aqui? — Demetri disse, franzindo o cenho em uma careta esquisita, como se reprovasse Aaron.
— É, melhor voltar para o seu grupo. Sentar aqui é tipo... — Eli disse, mais baixo do que o necessário, embolando-se nas palavras. — Como você disse mesmo, Demetri?
— Sentar aqui é excluir sua última chance de perder a virgindade antes da faculdade. — Demetri repetiu a piada e os garotos na mesa riram. Isso arrancou um sorriso de Aaron também.
— Tudo bem, com isso eu não preciso me preocupar mais. — Aaron disse, entrando na brincadeira e deixando os garotos boquiabertos.
Especialmente Demetri, que estava prestes a tocar no assunto, mas Aaron se virou para Eli e começou a explicar o que a levou ali.
— Então, — ela disse, mudando de assunto. — Eu vi o post que fizeram. — Ela tocou no ombro do garoto. — Sinto muito, Eli. Eles são ridículos. Sei que minha palavra pode não significar muito porque não somos próximas, mas, de verdade...
— Se você se importa tanto, por que deixou que postassem? Ou melhor, por que anda com esse tipo de gente? — Demetri acusou. — Sua amiga Yasmine que publicou.
— Me desculpem, — Ela disse, a voz falhando um pouco — Eu sei, — ela tentou pensar antes de se explicar para aqueles garotos, na verdade ela mal sabia o porquê de estar ali — eu sei que podem e têm o direito de me achar uma hipócrita, mas, por favor, me desculpem, gente. De verdade.
— Tudo bem. — Eli disse finalmente. — Não foi culpa sua.
— O quê? — Demetri disse dramaticamente.
— Tudo bem, também, se quiser ficar perto da gente. Não tem problema. — O garoto de cabelos loiro-escuro e pele clara mal terminou de falar quando foi agarrado por um abraço por parte da menina. — Na verdade, seria legal.
Ela gostava da ideia de poder andar com alguém que compartilhasse as mesmas coisas que ela. Ela tinha Robby, mas ele era uma exceção. Robby sempre seria uma exceção.
— Será que essa garota é uma deusa? — Demetri sussurrou no ouvido de Miguel, que riu e voltou a apurrinhar os outros com o tópico de karatê.
— É sério, gente, se quiserem, meu sensei até faz um desconto para vocês. Precisamos de alunos.
— Ouviu isso, Eli? — Demetri riu de Miguel. — Olha o seu exemplo, é só você praticar um pouco de karatê e ficar bombado, saindo batendo em todo mundo.
— Você ficaria ótimo bombado. — Aaron continuou a zombar, e Eli ficou vermelho.
— Cara, eu tô falando sério, — Miguel revirou os olhos, tentando ser levado a sério — meu sensei é muito bom!
— Sabe, por mais legal que pareça, acho que preferimos passar a tarde toda jogando no computador do que apanhando por aí. — Demetri parecia entediado ao responder pelos dois.
— Não sabia que ainda tinham escolas de karatê em Valley. — Aaron disse, entretida, roubando uma batata frita do prato de Eli, que riu para ela antes de roubar uma do seu também.
— Ah não, — Miguel sorriu para ela, antes de negar com a cabeça — o meu dojo fica em Reseda.
— Jura? Qual é o nome? — Ela franziu o cenho, confusa e desconfortável. Não queria que ele soubesse que ela morava em Reseda. Só Samantha sabia daquilo.
— Cobra Kai. — Miguel disse com um sorriso vitorioso no rosto.
— O quê? — Aaron riu nervosa, tentando ter certeza de que o que o garoto dissera era apenas uma piada. — Impossível, o Cobra Kai faliu há uns trinta anos. — Ela disse, tensa.
— Não, não faliu, — ele deu de ombros — meu sensei está reabrindo-o.
— Impossível. Ninguém traria o Cobra Kai de volta. — Ela levantou, ficando na defensiva, no mesmo instante em que o sinal tocou, indicando o final do almoço.
— Não, não é impossível. Olha — então ele abriu o celular e, ao se levantar, instintivamente o levou na direção da garota. Ele tinha um panfleto, bem claro, com os horários de treino e a taxa de inscrição. Com a foto dele. Johnny Lawrence.
— Johnny Lawrence. — Os olhos de Aaron se arregalaram, e sua boca se abriu levemente, completamente chocada. Por um instante, sentiu seu corpo enrijecer.
— Você conhece? — Miguel perguntou, tímido, tentando entender se a reação dela era boa ou terrível. A loira parecia ter visto um fantasma e ele temia que fosse sua culpa.
— Droga, eu conheço. Esse cara namorou a minha mãe. — Sua feição se fechou em uma expressão de nojo, lembrando-se das vezes em que seu pai, bêbado, falava com raiva do passado ou acreditava que ainda estava nele.
Miguel semi-cerrou as sobrancelhas.
A mãe de Aaron havia sido do Cobra Kai.
O pai de Aaron havia sido do Cobra Kai.
O pai de Robby era a estrela do Cobra Kai.
Cobra Kai assombrava sua vida desde que ela se lembrava. E agora estava voltando das cinzas?
Segundos depois, o sinal tocou e todos os adolescentes no refeitório começaram a se misturar na multidão como manadas. Aaron tentou fugir de sua própria mente, enquanto os piores pensamentos possíveis assombravam sua mente durante o restante do dia.
No sexto tempo, Aisha parou na porta do armário de Sam e Aaron — que sempre foram um ao lado do outro — enquanto as duas fingiam não terem se desentendido mais cedo. Samantha falava sobre qual seria o jantar na sua casa quando as duas chegassem, e Aaron distraidamente cravava suas iniciais na parte de dentro do armário.
— Por que você resolveu sentar com o Eli mais cedo? — Sam perguntou, despretensiosamente, enquanto fechava seu armário.
— Porque ele é gente boa, — Aaron disse, largando seu livro dentro do armário, junto com a faquinha que usava para cravar suas iniciais — e não merece nada do que esses babacas fazem com ele.
Aisha pigarreou e deu um passo à frente para iniciar a conversa, propondo uma ideia de fantasia de Halloween. Ela tinha as mãos sobre o colo e olhava para cima para encarar Aaron, fazendo com que Samantha engolisse em seco sua resposta ao que a loira dissera.
— Eu estava pensando em me vestir de sódio e vocês de cloreto. — a menina baixinha disse, com um sorriso tímido nos lábios.
— Nossa, essa é uma ótima ideia. — Aaron começou a sorrir, sendo acompanhada por Sam, que parecia concordar. — Mas o problema é que já concordamos em ir de líderes de torcida. — Aaron torceu o nariz.
— Mas talvez a gente possa pedir mais uma fantasia, ainda deve dar tempo de você ir com a gente. — Samantha afirmou, olhando de relance para Aaron, esperando sua aprovação. Ela estava tentando ser gentil.
Quando estavam com Aisha, tudo parecia muito bom. E Samantha sabia disso, mas quando estavam longe da garota, era como se simplesmente a ignorassem.
— As fantasias são tamanho único. E eu acho que a fantasia não vai caber em você. — Yasmine apareceu atrás de Aaron, falando onde não havia sido convidada, destilando seu veneno.
— Nada a ver, a gente dá um jeito. — Aaron começou, mas Aisha a interrompeu.
— Não, tudo bem. A gente se vê na festa. — ela disse e se virou, indo em direção à sua próxima aula. Isso deixou Aaron com o coração apertado.
— Você é horrorosa. — Aaron disse, encarando Yasmine com desgosto antes de bater a porta do armário e ir em direção à sua próxima aula.
Jantar na casa dos Larusso já havia se tornado uma rotina irônica na vida de Aaron, uma MacGyver no mundo pessoal do eterno karatê kid, era loucura. Mas naquela noite estava mais conturbado do que normalmente. À frente de Aaron estava Samantha, tentando se explicar para a amiga e a mãe sobre sua situação com Aisha. Ao lado de Sam, o senhor Larusso se concentrava em suas batatas, enquanto nos lados de Aaron estava Anthony, que mal mexera em seu prato, sua atenção totalmente voltada ao iPad, de onde saíam faíscas e sons de tiro.
Aaron estava quieta, como de costume quando estava ali. Ela não gostava de atrapalhar.
— Tipo, eu me sinto mal pela Aisha, mas eu não quero passar o baile todo vestida de fórmula química. — Sam reclamou, remexendo sua salada.
— Isso não significa que não possamos ser amigas dela. — Aaron alfinetou, desviando o olhar.
— Eu concordo com você, Aay. — Amanda disse, tentando apaziguar a situação, chamando-a pelo apelido pessoal — Irem de fantasias diferentes não as torna menos próximas, vocês podem conversar no baile. — ela sorriu e comeu um pouco do que tinha em seu prato.
Aaron não queria ir de cloreto de sódio, longe disso, mas líder de torcida também era sua última opção de muitas. Ela nem torcia pros Lakers, cansara de assistir partidas no sofá de Robby e as achar entediantes.
Sua primeira opção era ir fantasiada de Marty McFly, mas não suportaria ver o sorriso bobo de Robby quando passasse pelo hall do elevador. Além disso, o custo de uma fantasia dessas era alto, e ultimamente a garota não conseguia nem pagar o aluguel.
Os Larusso pagaram por sua fantasia, foi um presente. Ela não podia simplesmente dizer não.
— Por falar em baile, eu recebi um e-mail da escola, estão precisando de supervisores, devem estar desesperados. — o senhor Larusso finalmente se manifestou.
— Ah, imagino! Quem é que quer passar a sexta à noite fazendo isso? — Amanda riu nervosa.
— Você está dispensada, eu disse que iria. — Daniel afirmou, e Sam deixou o garfo cair no prato, incrédula, fazendo um barulho estridente que ecoou no ambiente quieto da sala de jantar.
Aaron segurou a risada.
— Mãe? — Sam disse, irritada.
— O que foi? A coordenadora Blett era minha amiga, não poderia deixá-la na mão assim. — Daniel continuou, e Amanda se perdeu nas palavras de conforto para a filha.
— Ah, para vai, Daniel. Você gostaria que sua mãe te vigiasse no baile da escola?
— Não, a mãe dele levava ele a todos os lugares, até fliperama. — Aaron se entrometeu no assunto, fazendo uma piada de humor ácido, que só fez Daniel estender a mão para lhe dar um high-five.
— Isso não é justo. — Sam resmungou, e chutou Aaron por debaixo da mesa para que ficasse quieta.
— Você nem vai me notar lá, meu amor. Serei como um fantasma.
— Fantasmas são toscos. — Anthony se manifestou pela primeira vez na noite.
— Não estou falando da fantasia, é só uma expressão.
— Olha, só me promete que não vai me fazer passar vergonha. — Sam disse, derrotada.
— Eu te dou minha palavra, não é, Aaron?
A menina engasgou quando se viu incluída na conversa. Era sempre assim na casa dos Larusso, como se ela sempre tivesse o direito de opinar e decidir as coisas com eles. Como uma família.
Bobagem, eles sentiam pena dela. Pena da menina sem mãe, que perdeu sua casa e agora morava em um apartamento alugado depois da mãe fugir com todo o dinheiro dela.
— Eu não vejo problema nenhum, senhor. — ela sorriu, e olhou para Sam que a lançou um olhar de ódio.
Aaron adorava estar na companhia dos Larusso, mas às vezes sentia que estavam com ela por pena ou educação. E agora, com a incerteza da reabertura do Cobra Kai, os pensamentos intrusivos dominavam sua mente.
A filha de um Cobra Kai falido praticamente se enfiando de favor na vida de luxo da família de Daniel Larusso.
Pela madrugada, uma música baixa ecoava no quarto, enquanto as garotas estavam no quarto de Samantha. Aaron, deitada sobre a imensa cama de casal, ouvia e assistia Sam andar de um lado para o outro, enquanto reclamava do próprio pai.
— Não acredito que você concordou com essa palhaçada. — ela apontou para Aaron.
— Você sabe que a minha opinião não mudaria a dele de jeito nenhum, não é? Ele só perguntou para eu não me sentir excluída. — a garota riu, jogando um travesseiro em Sam.
— Eu sei — ela pareceu desapontada. — Mas ele vai estragar todos os planos que eu tinha para essa noite. — Sam se sentou ao lado da amiga com o travesseiro no colo. — Ele sempre faz isso, ele sempre estraga as coisas.
Ao olhar de Aaron, a amiga lhe parecia um tanto ingrata. O que ela daria para que Daniel fosse seu pai e estragasse a noite daquele jeito era impagável. Mas ela se proibiu de julgar a melhor amiga.
— Falando assim, até pareceu como se você fosse fazer algo tão imprudente, bebendo aquele ponche de frutas. Oh, que situação. Ou vai me dizer que seus planos eram transar com o panaca do Kyler no vestiário. — Aaron riu, e Sam deu um soco em seu braço. — Me desculpa, desculpa. Mas vamos combinar que ele não é lá um príncipe encantado, e nem o tipo de cara com quem você perderia a virgindade.
— Eu poderia transformá-lo em um. — a menina disse baixo e, em um pulo, Aaron estava quase em pé na cama.
— Você não falou sério.
— O quê? — ela deu de ombros, timidamente.
— Você jura que se imagina trepando com Kyler e aquele topete ridículo? Tipo "Awn Kyler..." — a menina começou a imitar sons de gemido e Samantha começou a bater nela com os travesseiros enquanto riam.
A brincadeira virou uma guerra de travesseiros e, quando perceberam, estavam brincando de lutinha. Sam ganhou quase todos os rounds por ter praticado anos de luta.
— Você tá certa, me conhece melhor que eu mesma. — disse a garota, tentando controlar a respiração ofegante. — Eu nunca perderia a minha virgindade com ele. — ela riu.
— Eu sei que não. Sinceramente, não entendo como você deu uma chance para ele. O cara não come sushi. — ao lado dela, Aaron virou o rosto em direção ao da amiga, relembrando o jantar que tiveram na casa dos Larusso uns dias antes, que, mesmo sem ser convidada, roubou o lugar à mesa do Anthony e assistiu de camarote o senhor Larusso passar vergonha.
— Não sei, acho que foi o fato dele ter se interessado por mim, e eu nem tive que fazer muita coisa, já que a Yasmine praticamente armou tudo.
— Eu entendo, mesmo que seja bem esquisito, às vezes pode ser bom para você. Se você tiver certeza, por mim tudo bem. — a morena sorriu. — E se não for, você pode lançar algum daqueles golpes que seu pai te ensinou. — ela riu, e começou a fazer gestos com as mãos como se fossem golpes de karatê.
— Se quiser, eu posso te ensinar alguns golpes. Vem. — Sam puxou o pulso de Aaron, fazendo-a sair da cama e pisar no carpete fofo.
Cobra Kai rondou a mente de Aaron. Ela não queria ficar igual à mãe. Por isso, ela rejeitou o karatê desde que ouviu falar sobre ele. Se tinha tido algumas aulas, foi quando tinha uns dez anos e Daniel Laursso tinha se disposto a levar ela e Samantha a seu dojo.
— Tenta me socar. — ela se ajeitou, levantando os punhos animadamente
— O quê? Não, obrigada. — Aaron deu um passo para trás, insegura, sem saber o que fazer com as mãos.
— Tenta, vai ser legal. — ela disse dando um passo à frente com um sorriso — Você pode se proteger de babacas.
A morena deu de ombros e deu um passo à frente, tentando golpear a amiga. Em um piscar de olhos, ela estava no chão com o braço preso atrás do corpo.
— Puta merda. — Aaron disse, eufórica
— Legal, né? Levanta, vou te ensinar a fazer. — Sam riu e elas continuaram lutando, ensinando golpes fáceis até amanhecer.
E naquela madrugada com a melhor amiga, Aaron não pensou na mãe, muito menos no Cobra Kai. Ela só se divertiu como uma adolescente normal faria.
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5.550 palavras
Primeiro capítulo!
Me digam o que vocês acham 💛
Feliz dia de estreia da quinta temporada,
Ja ja posto o segundo.
Cobra Kai nunca morre.
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