Tᴡᴇɴᴛʏ sɪx - 𝘘𝘶𝘦𝘦𝘯 𝘊𝘰𝘣𝘳𝘢










Episódio Vinte Seis
𝘘𝘶𝘦𝘦𝘯 𝘊𝘰𝘣𝘳𝘢















A luz fria do monitor iluminava o rosto de Johnny, refletindo em seus olhos cansados. Ele estava sentado em frente a um computador velho, o teclado cheio de marcas de uso. A sala ao redor é um caos de latas de cerveja vazias, roupas jogadas e papéis espalhados.

Na tela, um e-mail não enviado para Ali.

Johnny lê e relê a mensagem que ela mandou dias atrás. Seus dedos pousam no teclado. Ele hesita, mas então começa a digitar com intensidade.

    Ali, eu sou um idiota. Eu sei disso. Passei os últimos 20 anos tentando consertar coisas que eu quebrei e quebrando outras no processo. Eu não sei se ainda faz diferença, mas eu queria dizer que sinto muito. Por tudo. Pelo...

Ele para. Respira fundo. Lê novamente.

O cursor pisca no final do texto. Seu dedo paira sobre o mouse, prestes a clicar em "Enviar".

Mas então, como se acordasse de um transe, ele solta um suspiro frustrado.

Cada palavra desaparece da tela.

Johnny recosta na cadeira e esfrega as mãos no rosto.

— Idiota...

Ele fecha o computador, se levanta e caminha até a geladeira. Puxa uma cerveja, abre com um estalo e dá um longo gole, perdido em pensamentos.














As portas automáticas da delegacia deslizaram para os lados com um som abafado, e Amanda LaRusso entrou pisando firme, seu salto ecoando no chão de linóleo branco.

Ela segurava uma pasta de documentos contra o peito, os dedos crispados ao redor da borda como se estivesse pronta para atirá-la em alguém a qualquer momento. Seu rosto estava tenso, a mandíbula travada, e o olhar afiado como uma lâmina.

Atrás dela, Daniel LaRusso caminhava mais devagar, com os ombros ligeiramente caídos, como se carregasse um peso invisível sobre eles. Seu olhar não era de raiva, mas de algo muito pior: decepção. Os músculos de seu rosto estavam rígidos, mas não em fúria – era dor. Ele sentia como se tivesse falhado, não apenas como pai, mas como mentor, como alguém que deveria ter evitado que aquilo acontecesse.

Amanda parou abruptamente diante do balcão da recepção e bateu nele com a palma da mão, chamando a atenção do policial de plantão.

— Eu quero prestar queixa. Agora.

O policial, um homem corpulento de uniforme azul-marinho, ergueu os olhos do monitor e a encarou com uma sobrancelha arqueada.

— Bom dia pra senhora também. Qual o motivo da queixa?

— Minha filha, Samantha LaRusso, teve o braço quebrado ontem à noite por uma garota chamada Aaron MacGyver — Amanda cuspiu o nome como se fosse veneno na língua. — E eu quero ter certeza de que essa garota enfrente as consequências do que fez. Se possível, quero que seja levada para o conselho tutelar.

Daniel, ao lado dela, abaixou a cabeça e expirou lentamente pelo nariz. Ele sentia um aperto no peito, uma dor silenciosa que queimava como brasas sob a pele. Sua mente estava presa na lembrança da garota, da Aaron.

A mesma menina que ele tentou ajudar. Que ele viu crescer cheia de raiva, de amargura. Ele sabia que havia algo de errado, que ela carregava uma escuridão dentro de si, mas ainda assim... ainda assim, ele não esperava que ela fosse machucar sua filha.

E isso o matava por dentro.

— Senhora, a gente precisa que a vítima esteja presente para formalizar a denúncia — explicou o policial com um tom burocrático, pegando um formulário.

— Ela está em casa, de repouso. Com um braço quebrado. — Amanda rebateu, a frustração evidente em sua voz. — E eu não vou deixar isso passar impune.

O policial suspirou e assentiu.

— Certo, preciso de alguns detalhes. A agressora, Aaron MacGyver... Qual a idade dela?

— Dezessete — Daniel respondeu pela primeira vez desde que entraram. Sua voz saiu grave, cansada.

O policial anotou no formulário.

— E vocês querem solicitar alguma medida protetiva?

— Eu quero que ela fique longe da minha filha — Amanda disse, firme. — Quero que seja responsabilizada por isso.

Daniel permaneceu em silêncio. Seu olhar estava fixo no chão, os pensamentos pesados. Ele queria odiá-la, queria sentir a mesma raiva incandescente que Amanda sentia. Mas tudo o que sentia era um vazio imenso, como se algo tivesse se partido dentro dele.

Ele fechou os olhos por um instante e se permitiu lembrar. Aaron, mais nova, tentando se encontrar no karatê. A garota que ele viu lutar contra seus próprios demônios. Ele tentou salvá-la... mas não conseguiu.

Ele se sentia traído.

O policial folheava os papéis sobre a mesa, procurando o formulário adequado, quando de repente parou. Seu olhar se fixou na tela do computador, a testa franzida em surpresa. Ele alternou o olhar entre o monitor e o casal à sua frente antes de soltar um suspiro pesado.

— Bom... Parece que quem tem que se defender aqui não é sua filha. Na verdade, a garota MacGyver que deve ser defendida da senhora.

Amanda piscou, confusa.

— Como é que é?

O policial entrelaçou os dedos sobre a mesa e explicou com a mesma neutralidade burocrática:

— Ontem à noite, um homem chamado John Kreese veio até a delegacia para prestar uma queixa formal contra a senhora. Um pedido de medida protetiva foi emitido.

O choque percorreu Amanda como uma corrente elétrica. Sua boca se abriu, mas por um momento nenhuma palavra saiu. Ela arregalou os olhos, incrédula.

— O quê?! — Sua voz se elevou, ríspida. — Isso é um absurdo!

Daniel, que até então permanecia em silêncio, ergueu a cabeça, franzindo as sobrancelhas.

— Espera, espera... O Kreese prestou queixa contra a Amanda?

O policial assentiu, impassível.

— Correto. Ele afirmou ter sido agredido pela senhora ontem à noite.

Daniel virou lentamente o rosto para a esposa, os olhos ainda confusos.

— Amanda... você bateu no Kreese?

Ela cruzou os braços e desviou o olhar por um segundo.

— Eu... tecnicamente, sim.

Daniel fechou os olhos e passou a mão pelo rosto, como se tentasse reunir paciência.

— Meu Deus...

— Ah, pelo amor de Deus, Daniel! — Amanda jogou as mãos para o alto, indignada. — Foi só um tapa!

— Um tapa. — Ele repetiu devagar, deixando as palavras pairarem no ar.

— Sim! — Ela insistiu. — E isso não é nem metade do que esse homem pode fazer. Anota aí, ele é perigoso!

O policial pigarreou e endireitou a postura.

— Independente disso, senhora LaRusso, nós agradecemos sua colaboração por ter vindo até aqui. Agora podemos entregar a papelada da intimação diretamente pra senhora.

Amanda bufou, incrédula.

— Isso é ridículo! Eu não vou assinar nada!

— É lei, senhora. — O policial respondeu com paciência forçada. — Se a senhora quiser contestar, a data do tribunal já foi marcada.

Amanda cerrou os punhos, o rosto vermelho de raiva. Daniel, ao lado dela, apenas suspirou e balançou a cabeça, ainda absorvendo a ironia absurda da situação.

Ele havia vindo até ali sentindo o peso do fracasso por não ter conseguido impedir Aaron de machucar sua filha. Agora, estava saindo com a esposa envolvida em uma acusação de agressão contra um homem que ele detestava, mas que, naquele momento, a lei protegia.

O mundo tinha um jeito engraçado de dar voltas.

Amanda apertou os braços ao corpo, os dedos cravando no tecido de seu blazer. Sua paciência estava por um fio, mas ela se recusava a sair dali sem uma resposta.

— E quanto à menina? — Ela disparou, ainda tomada pela indignação. — O conselho tutelar tem que ir atrás dela. A mãe sumiu, o pai é um bêbado infernal e ela agrediu a minha filha! Algo precisa ser feito, algo...

O policial soltou um suspiro contido, como se já esperasse aquela reação.

— Senhora, temos fotos do resultado da agressão da sua filha no nosso sistema.

Ele virou o monitor na direção deles e clicou algumas vezes. Em seguida, a imagem apareceu na tela.

Amanda piscou algumas vezes, confusa, tentando assimilar o que via. Era Aaron. Mas não só isso — era Aaron com um olho roxo, a pele inchada e arroxeada ao redor do osso malar, um corte no lábio inferior. Era uma evidência clara de que ela havia sido ferida em algum momento da noite anterior.

Amanda sentiu um frio subir pela espinha.

— O quê? — Sua voz saiu como um sussurro.

O policial cruzou os braços.

— O ex-fuzileiro John Kreese tem a guarda legal da menina agora. E o caso foi registrado como legítima defesa... Já que ambas são menores de idade.

O sangue de Amanda ferveu.

— Isso é mentira. — Ela bateu as mãos no balcão, inclinando-se para frente. — Eu quero ver essas fotos direito.

Daniel, ao lado dela, levantou a mão em um gesto para acalmá-la.

— Amanda... — Seu tom era mais baixo, quase um pedido.

Mas ela ignorou, levantando-se da cadeira para se aproximar da tela. O policial, sem muito ânimo para discutir, apenas virou o monitor para que ela pudesse olhar de perto.

Amanda sentiu seu estômago revirar. Samantha havia sido clara: ela não revidou. Ela tinha certeza disso. Conhecia sua filha. Entendia o pânico que ela sentiu na hora do ataque. Então como diabos Aaron estava machucada daquele jeito?

A resposta veio como um estalo: manipulação.

Aquilo era um teatro muito bem orquestrado, e Amanda sabia reconhecer o cheiro de sujeira de longe. Kreese não era apenas um monstro; ele era um estrategista. Isso era parte do jogo dele.

Ela rangeu os dentes, segurando sua indignação, enquanto Daniel se mantinha quieto ao seu lado. Mas dentro dele, algo começou a doer. Ele sentia falta de Aaron. Da menina que ele criou, que viveu em sua casa por tanto tempo. Ele queria acreditar que ela não teria agido de má-fé. Mas ele sabia quem agora a influenciava. E ele conhecia bem o Cobra Kai.

Amanda, no entanto, sentia algo diferente: nojo.

Nojo porque Aaron havia desaparecido da vida deles e, desde então, tudo o que restava eram problemas. Era desgosto atrás de desgosto.

Ela cruzou os braços, tentando se recompor.

— E a condicional dela? Essa menina já estava sob vigilância.

O policial deu de ombros, pegando outra ficha sobre a mesa.

— Tudo será avaliado após o processo de reintegração e trabalho voluntário. Até lá, ela fica sob a tutela do senhor Kreese.

Daniel fechou os olhos por um instante. Aquilo era um desastre completo.

O policial, claramente cansado daquela conversa, puxou um documento de intimação e o empurrou na direção de Amanda, junto com uma caneta.

— Assine aqui.

Amanda olhou para a folha como se fosse veneno. Ela não queria assinar aquilo. Não queria ceder a essa palhaçada. Mas a lei estava contra ela naquele momento. Com relutância, pegou a caneta e assinou.

O policial recolheu os papéis e, sem emoção, informou:

— A senhora deve manter uma distância mínima de dez metros do senhor Kreese.

Amanda bufou e empurrou a cadeira para trás, levantando-se.

— Isso é ridículo.

E então saiu, pisando duro, com Daniel logo atrás, sentindo-se mais perdido do que nunca.












O dia amanheceu, mas a sala de Johnny continuava a mesma bagunça. Uma pilha de revistas caídas no chão, um prato com restos de comida em cima da mesa, latas amassadas por todos os lados.

A porta se escancarou de repente.

Johnny se sobressalta, derramando um pouco da cerveja que ainda bebia.

Miguel entra, manobrando sua cadeira de rodas com dificuldade no espaço apertado e caótico da sala.

— Precisamos conversar.

Johnny limpa a cerveja da camisa com um resmungo.

— Tá falando sério? Como é que você chegou aqui?

Miguel suspira, já esperando essa pergunta.

— Summer me trouxe. Ela ta no carro. Mas isso não importa. Eu quero tentar andar.

Johnny encara o garoto por um momento, então um sorriso surge em seu rosto.

— Aí sim, garoto! É disso que eu tô falando.

Ele se levanta de um pulo, deixando a lata de cerveja de lado. Vai até um canto da sala e começa a revirar algumas caixas e sacolas.

Miguel observa, desconfiado.

— O que você tá fazendo?

Johnny se vira segurando um colete acolchoado preso a um sistema de cordas.

— O que acha? Vou te colocar de pé.

Miguel franze o cenho ao analisar o equipamento.

— Isso parece um... sei lá, um negócio de bebê aprender a andar.

Johnny dá de ombros.

— E daí? Bebês aprendem a andar com isso. Você também pode.

Miguel ergue as sobrancelhas.

— Isso é seguro?

Johnny dá um tapinha no colete como se testasse sua resistência.

— Claro. Quer dizer... eu acho. Veio com garantia.

Antes que Miguel possa protestar, Johnny já está ao seu lado, ajustando as alças do colete em volta do seu tronco e prendendo com firmeza.

O material aperta um pouco, mas Miguel não tem tempo para reclamar.

Johnny sobe em uma cadeira e puxa a corda, erguendo Miguel aos poucos.

Os pés de Miguel tocam o chão.

Ele sente a pressão do peso do próprio corpo nos músculos das pernas, uma sensação estranha e ao mesmo tempo familiar.

Mas ainda está suspenso.

— Ah, isso é ridículo.

Johnny olha para ele.

— Por que que é ridículo?

Miguel aponta para o colete e para suas pernas esticadas e penduradas.

— Porque eu tô parecendo um bebê gigante.

Johnny observa por um segundo e dá de ombros.

— É, do jeito que você tá reclamando, você parece um bebê gigante mesmo.

Miguel solta os braços, deixando-os pendurados ao lado do corpo, suspenso pela corda.

— Não tem um jeito mais durão de a gente fazer isso?

Johnny cruza os braços, avaliando a situação.

— Acho que bater um pé num show te deixou pronto pra algum treino mais pesado. Suas pernas estão molengas, estão com medo. A gente tem que dar um jeito nisso.

Ele segura a corda com firmeza e começa a soltá-la lentamente pelos dedos.

— Vamos lá. Pronto pra ficar em pé?

Miguel revira os olhos e solta um suspiro cansado.

— Sim... tô... legal.

Johnny abre um sorriso.

— Um... Dois... Três... Vai!

Ele solta a corda.

Miguel despenca direto no chão.

O impacto é seco.

Ele cai de qualquer jeito, o corpo se espatifando contra o assoalho como um boneco largado.

— Ahhh!

Johnny arregala os olhos.

— Merda!

Ele se abaixa rapidamente ao lado de Miguel, que está estirado no chão, gemendo de dor.

— Você tá bem?

Miguel, ainda no chão, vira a cabeça e olha para Johnny, exasperado.

— Eu caí igual um saco de bosta, Sensei.

Johnny faz uma careta, coçando a nuca.

— É... vamos ter que encontrar outro jeito de te deixar em pé. Agora pausa pro lanche.

Johnny caminhou até a cozinha, abriu a geladeira e pegou uma cerveja. O estalo metálico ao puxar a tampa ecoou pela sala, seguido pelo som de um gole longo. Enquanto isso, Miguel ainda estava no chão, se contorcendo para se livrar do fecho que o prendia à corda.

Com um pouco de esforço, conseguiu destravar a fivela e caiu sentado com um baque seco.

Antes que pudesse sequer recuperar o fôlego, a porta da frente se escancarou de repente.

Summer entrou voando pela sala.

— Miguel?! — a voz dela saiu alta e assustada.

Ela correu até ele, os olhos arregalados.

— Você tá bem?

Agachou-se ao lado dele, segurando-o pelos braços para ajudá-lo a se sentar melhor.

— Eu ouvi um barulho, aí eu...

Johnny, que até então bebia sua cerveja tranquilamente na cozinha, soltou um suspiro impaciente.

— Lá vem a chatonilda... — murmurou antes de dar outro gole. Então, sem tirar os olhos dela, apontou para Miguel com a garrafa. — Ele tá bem.

— É, eu tô bem... — Miguel confirmou, ainda massageando o ombro.

Summer soltou o ar pesadamente, aliviada.

— Que bom. Eu me assustei.

Johnny revirou os olhos.

— Pronto, agora vaza, volta pro seu carro e some. Já me deu muito problema essa semana.

A expressão de Summer mudou na hora. A preocupação se desfez, dando lugar à irritação.

— Eu vim contar pra vocês o que eu descobri. Mas tudo bem, se não querem saber...

Ela cruzou os braços e virou-se, pronta para ir embora.

— Queremos. — Miguel se apressou em dizer, antes que Johnny pudesse abrir a boca para despejar mais um insulto. — Quer dizer, eu quero.

Summer lançou um olhar triunfante para Johnny antes de se jogar no sofá velho e rasgado da sala.

— O Aaron quebrou o braço da Samantha ontem no fliperama.

O silêncio tomou conta do ambiente por um instante.

Os olhos de Miguel se arregalaram.

— O quê?!

Sua boca ficou entreaberta em um misto de choque e incredulidade.

Johnny ergueu uma sobrancelha, agora finalmente interessado na conversa.

— Isso sim é uma fofoca que presta.

— Tão dizendo que a Samantha atacou a Aaron primeiro. Que foi por isso que ela revidou.

Johnny fez uma careta e franziu a testa.

— A Sam? Não acho que ela faria isso... — Miguel, sentado no chão, passou a mão pelo rosto, parecendo ainda mais confuso. — Espero que ela esteja bem...

Summer, agora já confortável no sofá, olhou ao redor sem muito interesse, até que seus olhos pousaram no notebook aberto na mesa de centro.

Ela piscou.

Franziu a testa.

Então se inclinou ligeiramente, os olhos apertados ao reconhecer a interface do bate-papo.

— Espera aí... — Ela inclinou a cabeça, lendo melhor a tela. Então arregalou os olhos e soltou um riso debochado. — Você tá falando com a minha mãe?!

Johnny travou na hora.

Seus olhos se arregalaram e ele fez um movimento brusco, quase derrubando a cerveja. Num pulo, ele agarrou o notebook e fechou a tela com força, como se estivesse escondendo provas de um crime.

— O quê? Não!

Miguel, que estava olhando o computador antes de Johnny fechar, arregalou os olhos ao perceber o tamanho do texto que estava na tela.

— Pera, isso tudo era uma mensagem? — Ele piscou, chocado. — Eu achei que você tava fazendo uma redação.

Summer lançou um olhar mortal para Johnny.

— Você não pode mandar isso pra minha mãe. Eca!

Johnny bufou, se afastando um pouco e segurando o laptop contra o peito, desconfiado.

— Não vem! A culpa é sua que não me disse que era filha da Ali!

— você é filha da Ali? Aquela Ali?

Summer jogou as mãos para cima, indignada.

— Sou.

— Vocês não tem nada a ver. — Johnny indagou.

— Só porque eu sou latina? Racista!

Johnny arregalou os olhos de novo, escandalizado.

— Vai se ferrar, garota! Eu só achei que você seria loira.

Miguel abriu a boca para falar, mas parou, franzindo a testa.

— Sensei, isso continua sendo meio...

— Ok, ok, ok! — Johnny interrompeu, irritado. Ele soltou um suspiro e jogou o laptop de volta na mesa, cruzando os braços. — Eu já respondi. Ela me perguntou o que eu tenho feito e eu respondi. São tipo trinta anos, né? Tem coisa a se dizer.

Summer e Miguel trocaram olhares de puro horror.

— Trinta?! — Summer repetiu, boquiaberta.

— Tudo bem, não é como se você tivesse curtido todas as fotos dela de uma vez. — Summer disse, apontando para ele.

Johnny franziu a testa.

— Por quê? Não pode?

Miguel esfregou o rosto com as mãos, como se estivesse tendo uma enxaqueca.

— Meu Deus.

— Muito pior. — Summer confirmou, balançando a cabeça.

Johnny bufou.

Miguel bateu a palma da mão na mesa de centro e se levantou.

— Tá decidido. Vamos te ajudar a não parecer um maluco. Vamos tirar umas fotos, impressionar a gata.

Johnny cruzou os braços e ergueu uma sobrancelha.

— Credo, Miguel. Não chama a minha mãe de gata.

Summer apontou para o notebook.

— Você escreveu um texto do tamanho da Constituição pra uma mulher que não fala com você há trinta anos.

Miguel acrescentou, com a voz carregada de drama:

— Três décadas, sensei.

Johnny fez uma careta e bufou, jogando-se no sofá ao lado de Summer.

— Tá. Beleza. Então me ajudem, gênios.

Summer pegou o notebook e abriu a tela de novo, analisando a mensagem com um olhar crítico.

— Ok, primeiro de tudo... a gente precisa apagar pelo menos 80% disso.

Miguel assentiu.

— E transformar num texto de uma linha.

Johnny jogou a cabeça para trás e fechou os olhos.

— Merda.

— É isso ou eu mesma envio essa redação. — Summer ameaçou com um sorriso malicioso.

Johnny se endireitou no sofá num segundo.

— Tá bom, tá bom! Só mudem essa merda logo.












vinte horas antes







O cheiro de suor e madeira velha pairava no ar. O chão do dojo estava marcado pelas pegadas dos alunos que treinaram ali o dia todo, mas agora, só restavam dois: Aaron e Falcão.

Ela lambeu os lábios rachados, o rosto já começando a exibir os primeiros sinais da troca de golpes. Um corte pequeno no supercílio, um roxo surgindo no maxilar. Mas nada disso importava. A adrenalina em seu corpo estava elétrica, pulsando forte em cada músculo, em cada fibra.

— Vai, Falcão! Bate com mais força! — Aaron gritou, quase eufórica.

O olhar de Falcão vacilou por um instante. Eles já estavam nisso há um tempo. No começo, ele havia recusado a ideia. Mas Kreese foi persuasivo, como sempre. Um plano simples: eles sairiam na mão, iriam à delegacia e prestariam queixa contra o Miyagi-Do. Se alguém perguntasse sobre o braço quebrado de Samantha, seria legítima defesa. Caso encerrado.

Só que agora, de pé no meio do dojo, os punhos ardendo e os corpos latejando, parecia que a coisa tinha ido além do planejado.

Aaron pulou no lugar, os pés ágeis, um sorriso no rosto.

— Não sei não, Ronnie... — Falcão murmurou, passando a língua pelos lábios cortados.

— Bora! — Aaron insistiu, os olhos brilhando de excitação. — Tenho um monte dessas! No queixo agora!

Ela avançou, o punho disparando contra o queixo dele.

Falcão viu o golpe chegando, mas não recuou. Em vez disso, aceitou o impacto. A cabeça virou um pouco para o lado, um estalo seco soou no dojo.

Ele riu, um riso baixo e quase insano.

— Tá bom então...

E retribuiu o golpe.










O cheiro de salsicha grelhada misturava-se ao ar carregado da cidade, com um leve toque de fumaça escapando da carrocinha de cachorro-quente. A luz amarelada do pequeno letreiro iluminava o rosto de Aaron e Falcão enquanto eles esperavam seus pedidos, o burburinho da rua servindo de trilha sonora para a conversa.

— Aqui tá seu pedido, garoto. — disse Dodge, o velho dono da carrocinha, entregando um cachorro-quente lotado de mostarda e ketchup para Falcão.

Ele pegou o lanche com um aceno de cabeça e, sem esperar, deu uma mordida generosa. Aaron, ao lado, pegou o dela com um pequeno sorriso.

— Valeu, Dodge! — agradeceu casualmente, antes de começar a andar ao lado de Falcão até o meio-fio.

A rua estava movimentada, com carros passando devagar e algumas pessoas perambulando depois de saírem de bares próximos. O neon das lojas refletia nas calçadas molhadas, criando um brilho colorido nas poças espalhadas pelo asfalto.

Falcão olhou de soslaio para Aaron enquanto mastigava, os olhos caindo sobre o roxo que manchava sua bochecha. Ele arqueou a sobrancelha, engolindo antes de perguntar:

— Tem certeza de que isso não tá doendo?

Aaron, que acabava de dar a primeira mordida no lanche, fez uma pausa breve antes de sorrir de canto.

— Tenho certeza.

O latejar sob a pele desmentia um pouco a resposta, mas ela não se importava. A dor era quase um troféu.

Eles se sentaram no meio-fio, lado a lado, apoiando os cotovelos nos joelhos enquanto comiam.

Falcão balançou a cabeça, pensativo, antes de perguntar com um tom casual:

— Você vem sempre aqui?

Aaron virou o rosto para encará-lo, uma sobrancelha arqueada.

Falcão congelou por um segundo ao perceber o duplo sentido do que acabara de dizer. Ele rapidamente balançou a cabeça, corrigindo-se apressado:

— Quer dizer... nessa lanchonete em específico...

Aaron riu baixo, mordendo mais um pedaço do cachorro-quente.

— Muito Eli da sua parte.

Falcão revirou os olhos e chutou uma pedrinha próxima ao pé.

— Cala a boca.

Aaron riu de novo, sacudindo a cabeça.

— Mas sim... eu vinha muito aqui. — Ela olhou ao redor com uma expressão de nostalgia. — Melhor lanche de Reseda.

O silêncio se instalou por um instante. A cidade seguia viva ao redor deles, mas ali, naquele pedaço de meio-fio, parecia que o tempo desacelerava.

Falcão terminou de mastigar e soltou um riso abafado.

— Cara... — Ele balançou a cabeça, se inclinando um pouco para a frente. — Foi insano o que você fez no fliperama. Tipo, você quebrou a Samantha daquele jeito!

Ele riu de novo, como se ainda estivesse revivendo a cena em sua cabeça.

— E ela mereceu.

Aaron continuou mastigando, os olhos presos em um ponto distante da rua.

Era engraçado como a memória daquela noite repercutia de formas diferentes na cabeça de cada um.

Para ele, parecia um feito digno de comemoração. Algo que ficaria marcado como um momento glorioso.

Para ela... era mais complicado.

Ela gostava da glória, sim. Gostava do respeito que aquilo lhe deu, da força que sentiu no momento.

Mas lembrar?

Lembrar fazia seu estômago revirar um pouco.

O cheiro de gordura pairava no ar, misturando-se ao aroma artificial dos condimentos espalhados pelo balcão. As vozes ao redor ecoavam como um zumbido distante, conversas sobre tudo e nada ao mesmo tempo, mas Aaron não estava realmente ouvindo. Seus olhos haviam se fixado em Falcão, e, por alguma razão, ela não conseguia desviar o olhar.

Era estranho. Não deveria ser difícil simplesmente voltar a comer ou retomar qualquer conversa banal que estivesse acontecendo antes. Mas algo nela hesitou. Algo nela parou no instante em que percebeu que ele também não olhava para mais nada.

O tempo parecia ter desacelerado.

Falcão mastigava devagar, a mandíbula trabalhando sem pressa, como se estivesse perdido em pensamentos próprios. Mas Aaron percebeu o momento exato em que ele se deu conta de que estava sendo observado. O modo como sua postura mudou, como o movimento de sua boca pareceu cessar por um segundo a mais do que o necessário. Como seus olhos se fixaram nela, e ele não desviou.

A luz fria dos letreiros piscava do lado de fora, refletindo no metal da mesa entre eles. O neon tingia a pele dele de tons azulados e rosados, um brilho incerto que fazia seu rosto parecer algo entre artificial e fascinante. Aaron viu quando ele engoliu seco, viu a forma sutil com que sua respiração se alterou, viu como os dedos tamborilaram contra a superfície da mesa antes de se fecharem em um punho breve e relaxarem novamente.

Ele estava hesitante. Mas não parecia confuso.

Parecia decidido.

Foi aí que Aaron percebeu.

Ele ia beijá-la.

E ela não sabia o que fazer.

Seu corpo enrijeceu, mas não por medo. Não era exatamente nervosismo, tampouco uma recusa evidente. Era a incapacidade de reagir, de antecipar o que aquilo significava antes que acontecesse. Ela deveria falar algo? Deveria impedir? Mas seus lábios se mantiveram fechados, e seus olhos, imóveis.

E então, o espaço entre os dois deixou de existir.

Os lábios dele tocaram os dela com uma leveza inesperada, um contato que não exigiu nem forçou, apenas aconteceu. O calor foi a primeira coisa que sentiu—o contraste entre o frio da noite e o toque quente de sua boca. Foi um toque hesitante no começo, como se Falcão ainda estivesse testando os próprios limites, como se estivesse pronto para recuar caso ela não quisesse aquilo.

Mas ela não recuou.

Não se afastou.

O cheiro dele se misturou ao da noite, e, de alguma forma, Aaron percebeu que seu coração estava batendo rápido demais.

Os dedos dele roçaram seu rosto, deslizando devagar até segurar sua mandíbula com gentileza. Os polegares roçaram sua pele em um carinho inconsciente, enquanto o beijo se aprofundava, ainda sem pressa, ainda sem urgência. Era estranho e, ao mesmo tempo, não era. Não parecia um erro, mas tampouco parecia algo planejado.

Simplesmente... aconteceu.

E, por um momento, ela deixou acontecer.

Ela sentiu o gosto de mostarda e ketchup, sentiu o calor e a textura, sentiu a pressão controlada dos lábios dele contra os seus. Sentiu a forma como seu próprio corpo relaxou, mesmo sem perceber quando ou por quê.

Quando ele se afastou, Aaron piscou algumas vezes, os lábios ainda levemente entreabertos, enquanto o ar frio voltava a envolver sua pele. A ausência do toque dele pareceu quase abrupta, como se tivesse sido retirada antes que seu corpo tivesse tempo de processar o que tinha acabado de acontecer.

Sua sobrancelha franziu, e seu olhar vacilou.

Ela deveria dizer algo.

Mas não sabia o quê.

Falcão franziu o cenho assim que percebeu a hesitação no rosto dela. Aaron piscou algumas vezes, como se estivesse voltando à realidade, os olhos ligeiramente arregalados, os lábios ainda úmidos do beijo. Ele percebeu a maneira como ela respirou fundo, como sua sobrancelha franziu levemente, e algo dentro dele esfriou.

— Ah... desculpa.

A voz dele saiu hesitante, um tom de incerteza que ela nunca ouvira antes. Era estranho ouvir Falcão pedir desculpas por algo, ainda mais por isso.

Aaron piscou de novo, como se seu cérebro estivesse tentando processar o que acabara de acontecer. Então, balançou a cabeça depressa, afastando qualquer pensamento que pudesse dar a entender que ela não queria aquilo.

— Não, não, não tem problema.

As palavras saíram rápido, quase tropeçando umas nas outras, e sua voz saiu mais baixa do que ela pretendia. Mas foi sincera. Tanto que sentiu necessidade de repetir, de reafirmar:

— Eu gostei.

O alívio foi palpável.

Falcão pareceu prender a respiração por um segundo, como se estivesse esperando uma rejeição que nunca veio. Mas então, devagar, ele sorriu. Um sorriso que não era convencido, nem presunçoso, nem carregado de qualquer tipo de piada. Era um sorriso sincero, genuíno.

E Aaron, por algum motivo, não quis encarar.

Desviou o olhar, os olhos encontrando a carrocinha de cachorro-quente do outro lado da rua. As luzes amareladas piscavam de tempos em tempos, refletindo contra o metal e criando um brilho incerto. Ela ficou olhando para aquilo, mas sem realmente ver.

E, de repente, se lembrou.

Se lembrou do meio-fio. Da noite em que ficou sentada ao lado de Robby, por um tempo que pareceu interminável, reclamando da Samantha. Lembrava da frustração, das palavras cuspidas sem filtro, das confissões ditas como se não importassem, mas que, no fundo, importavam.

Aaron riu.

Baixo. Breve.

Uma risada solitária que escapou antes que pudesse conter.

A ironia daquilo tudo era quase engraçada.

Porque, depois de tanto tempo, depois de tudo que aconteceu, ela ainda tinha aquela foto no bolso da jaqueta jeans. A foto de Robby beijando Samantha.

Ela se lembrou de quando os viu juntos no dojo, do gosto amargo que sentiu na boca. Do momento em que ele disse que Samantha o beijou primeiro. E, mais do que tudo, de todas as vezes em que acreditou nele.

Foi aí que a pergunta surgiu.

Será que esse maluco de moicano vermelho na minha frente me faria de idiota desse jeito?

Aaron não soube responder.

Ficou olhando para a carrocinha por mais alguns segundos, as luzes amarelas ainda piscando, como se estivessem tentando puxá-la de volta para o presente.

E então, sem aviso, disse:

— Sinto falta do Miguel.

Falcão piscou, confuso com a mudança brusca de assunto.

— Ah... — Ele soltou um riso curto, meio desconcertado. — Mas ele tá fazendo fisioterapia, né?

Aaron não respondeu de imediato.

Em vez disso, virou a mão e segurou a dele. Seus dedos eram quentes contra sua pele fria, e ela apertou levemente, como se quisesse dar ênfase ao que estava prestes a dizer.

— Você é o meu melhor amigo.

A respiração de Falcão falhou por um instante.

— E você foi a única pessoa que ficou comigo depois da briga da escola.

Ele piscou.

— Obrigada.

Aaron sorriu. Um sorriso verdadeiro.

E então, sem pensar muito, o abraçou.

Falcão sentiu o corpo dela contra o seu, o calor do abraço que ele não esperava, a forma como os braços dela o seguravam com firmeza. Por um momento, seu cérebro congelou. Não soube como reagir, como processar o que estava acontecendo.

Então, hesitante, ele levantou os braços, sentindo a textura da jaqueta jeans de Aaron sob seus dedos. O moicano dele balançou levemente com o movimento. Ele fechou os olhos por um instante, permitindo-se sentir aquilo, permitindo-se acreditar que aquele abraço significava o que ele queria que significasse.

Ela o chamou de melhor amigo.

Mas, naquele momento, enquanto sentia o cheiro do cabelo dela, enquanto sentia a forma como o coração dela batia forte contra o seu próprio peito, ele quis acreditar que era mais do que isso.

Porque Aaron era a única pessoa que sempre esteve ali.

Quando o Cobra Kai se virou contra ele. Quando Demetri o rejeitou. Quando ele perdeu a identidade, quando ele tentou reencontrá-la. Aaron nunca foi embora. Ela brigava com ele, implicava, discordava. Mas nunca o abandonou.

E agora, ela estava ali, o segurando como se quisesse que ele soubesse disso. Como se precisasse que ele soubesse disso.

O peito de Falcão apertou.

E Aaron, sem perceber, sentiu a mesma coisa.

Porque, enquanto o abraçava, ela percebeu.

Percebeu o que eles eram. O que significavam um para o outro.

Eles eram dois lados da mesma moeda.

Dois garotos que foram moldados pelo Cobra Kai. Que foram transformados, endurecidos, jogados contra os outros como armas. Dois garotos que aprenderam a lutar, mas não aprenderam a recuar. Que machucaram pessoas que amavam porque foi isso que ensinaram a eles.

Mas eles também eram dois garotos que tentaram consertar as coisas.

Falcão foi atrás de Demetri. Aaron quis acreditar que poderia recuperar a amizade de Sam.

Falcão traiu o Cobra Kai. Aaron também.

E ali estavam eles. Dois traidores. Dois ex-Cobras. Dois amigos.

Aaron apertou um pouco mais o abraço, sentindo o peso de tudo aquilo se assentar dentro dela.

Não era romântico.

Não era sobre amor.

Era sobre sobrevivência.

Sobre o fato de que, no fim das contas, quando tudo desabou, quando tudo se quebrou, eles ainda tinham um ao outro.

Mas Falcão não percebeu isso.

Porque, dentro dele, uma pequena fagulha de esperança se acendeu.

E enquanto ela fechava os olhos, sentindo a paz daquele momento, ele desejava, lá no fundo, que fosse algo mais.

— Você também é a minha melhor amiga.














O sol da manhã entrava pelas janelas do dojo, lançando sombras longas pelo tatame. O ar tinha um cheiro misto de cigarro apagado e suor, uma combinação familiar que Aaron já não notava mais. Mas, naquele dia, ela sentia cada detalhe ao seu redor. O peso do kimono branco sobre os ombros, a aspereza do tecido contra a pele, o calor abafado debaixo da maquiagem que tentava – sem muito sucesso – esconder os hematomas em seu rosto.

Ela puxou a gola do kimono para ajustá-lo melhor, prendendo a respiração ao se olhar brevemente no espelho do vestiário. Os roxos ainda estavam ali, mascarados, mas visíveis. Ela passou mais uma vez a mão pelo rosto, como se pudesse apagar as marcas com um simples toque. Suspirou. Não tinha mais tempo.

Com passos firmes, deixou o vestiário e seguiu para o tatame, segurando a bolsa com as roupas normais. Quando chegou perto de um canto discreto, jogou a bolsa no chão sem cerimônia. O movimento chamou a atenção de Tory, que estava terminando de amarrar a faixa preta na cintura.

Os olhos da amiga percorreram seu rosto por um instante, e o cenho dela franziu.

— O que aconteceu com o seu rosto?

O tom dela não foi acusatório. Foi preocupado. Porque Tory sabia. Ela esteve lá na noite anterior. Ela viu cada golpe, cada movimento. E o que sabia com certeza era que Samantha não encostou um dedo em Aaron.

Aaron desviou o olhar rápido.

— Nada.

A resposta saiu curta, seca, quase automática. Mas não enganou Tory.

Antes que Aaron pudesse dar outro passo, a amiga agarrou seu braço e a puxou para um canto do dojo, longe dos outros alunos que esperavam o início da aula. O aperto era firme, mas não agressivo. Era o tipo de firmeza que dizia: não mente pra mim.

— Por que do nada você e o Falcão apareceram com a cara machucada? — Tory estreitou os olhos. — O que aconteceu?

Aaron hesitou.

As palavras formigavam em sua língua, mas não queria soltá-las. Parte dela sentia que, se falasse em voz alta, tornaria tudo real. E ela não queria que fosse real.

Engoliu seco, então desviou o olhar e, em vez de responder, fez o que sabia que funcionaria.

Pegou Tory pelo braço e a puxou junto consigo para o tatame.

O dojo estava em silêncio expectante, os alunos organizados, à espera de Kreese. Assim que as duas entraram no tatame, se curvaram brevemente em saudação, então se misturaram ao grupo.

A conversa entre os outros alunos já estava fluindo, e Aaron sentiu o peso dos olhares sobre si. Bafo de Biga, sempre com seu jeito espalhafatoso, estava contando a história da noite anterior com entusiasmo, gesticulando como se estivesse narrando um evento esportivo.

— Mano, foi épico! Ontem o Falcão acabou com a raça do Demetri, a Tory quebrou o Magdo no meio, e a Aaron, véi... ela pegou o braço da Samantha e tipo, crack!

Ele fez um gesto exagerado com as mãos, simulando algo quebrando, e estalou a língua nos dentes.

— Parecia um biscoito se partindo ao meio!

Algumas risadas surgiram, e alguém estendeu a mão para Aaron em um cumprimento comemorativo. Ela hesitou, mas bateu de leve na mão do colega. Não queria parecer fraca. Não podia.

Mas, por dentro, algo nela encolheu.

Os olhares de admiração, os sorrisos de aprovação, os comentários entusiasmados. Eles estavam comemorando. Comemorando o que ela fez.

Mas ela sabia o que realmente aconteceu.

Sentiu o olhar de Tory sobre si antes mesmo de ouvir a voz dela.

— Foi ótimo — Tory disse, e havia um quê de provocação em seu tom. Como se estivesse testando Aaron. — Pensei que não fosse conseguir.

Aaron ergueu o olhar para a amiga. Algo no jeito que Tory a olhava dizia que ela sabia. Sabia que Aaron estava escondendo algo.

Mas Aaron manteve a expressão neutra, ergueu o queixo e respondeu simplesmente:

— Mas eu fiz. — Foi sutil. Mas estava lá. A afirmação. O recado. Não diga que eu hesitei. Eu sou a rainha cobra aqui. — Ela teve o que mereceu pelo que fez com o Miguel. O Miyagi-Do pagou.

Tory estreitou os olhos, como se analisasse cada centímetro da amiga. E então soltou, sem hesitar:

— Eu não falo essa merda pra me convencer.

Aaron não teve tempo de responder.

Porque, do nada, sentiu um peso ao redor dos ombros.

O braço de Falcão.

O toque foi tão natural, tão casual, que quase passou despercebido. Mas Aaron sentiu cada músculo do próprio corpo se enrijecer. Ele a segurava como se fosse um gesto automático, como se fosse natural que estivessem colados daquele jeito.

E ela não gostou disso.

Não queria que Falcão a agarrasse. Não queria que ele agisse como se fosse algo que não era.

Mas, como se não percebesse seu desconforto, ele apenas sorriu e virou para Tory.

— Você ainda não foi ver ele, né?

Tory endureceu no mesmo instante.

— Não quero falar disso.

A resposta foi seca, cortante, e ela se afastou, movendo-se para o canto do tatame.

Aaron tirou o braço de Falcão de perto dela sem hesitar e foi atrás da amiga.

Ela alcançou Tory antes que ela se afastasse demais e segurou sua mão.

— Amiga — sua voz saiu baixa, sincera. — Ele não vai te tratar do mesmo jeito que me tratou. Ele tava magoado. Tenta.

Por um segundo, Tory hesitou.

Por um segundo, parecia que Aaron tinha conseguido quebrar sua barreira.

Mas então, o olhar de Tory ficou duro outra vez.

Ela puxou a mão de volta e olhou nos olhos de Aaron com frieza.

— Você não sabe do que tá falando.

E então, sem dizer mais nada, virou-se e se afastou.

Aaron ficou ali por alguns segundos, vendo a amiga ir para o outro lado do tatame, sentindo o peso daquela distância crescer entre elas.

Ela sabia que Tory tinha seus próprios demônios para enfrentar.

Mas, no fundo, ela se perguntava se um dia, qualquer uma delas, teria coragem de realmente encará-los.

O passado batendo à porta

O sino soou.

O som metálico cortou o dojo, anunciando o início do treino. Aaron ainda sentia os ecos da conversa com Tory enquanto amarrava seu cinto, tentando afastar da mente qualquer resquício de desconforto. Mas então, um silêncio estranho se instalou.

Foi um silêncio pesado.

Um silêncio que não deveria existir ali.

Ela sentiu antes mesmo de ver. O dojo tinha uma energia crua, uma presença coletiva que vibrava no ar, e agora essa energia estava errada. Ela levantou os olhos, sentindo um peso na boca do estômago.

A porta se abriu.

E então eles entraram.

Kyler.

Os capangas dele.

Todos aqueles rostos que representavam os piores dias do West Valley estavam ali, caminhando para dentro do Cobra Kai como se nada tivesse acontecido. Como se nunca tivessem sido o pesadelo de Falcão. Como se nunca tivessem encurralado Dimitri e jogado comida na cabeça dele. Como se nunca tivessem empurrado Aaron contra os armários, segurado seu rosto com força, rindo de sua impotência.

Ela sentiu os ombros ficarem tensos, o estômago revirando com o peso da lembrança.

Mas então, percebeu algo ao lado dela.

Falcão não estava se movendo.

O corpo dele endureceu de um jeito sutil, mas que ela percebeu de imediato. Ele parecia imóvel, mas não estava parado por escolha própria. Era como se seu cérebro tivesse o prendido ali, forçando-o a reviver alguma memória desagradável.

Aaron virou levemente o rosto para encará-lo.

Os olhos dele estavam fixos na entrada do dojo, na figura de Kyler e seu grupo. Não era um olhar de desafio, de quem está pronto para uma briga. Era um olhar carregado de algo mais profundo.

Ela soube, naquele instante, exatamente o que ele estava lembrando.

A biblioteca.

O cheiro velho dos livros misturado com o azedo do iogurte que haviam despejado na mochila de Dimitri.

O som abafado do riso cruel de Kyler e dos outros.

A humilhação de ser segurado pelo colarinho, de ser arrastado e tratado como lixo.

E, por mais que Falcão tivesse mudado desde então, por mais que fosse agora uma presença dominante no dojo, Aaron sabia que uma parte dele nunca havia esquecido como aquilo doía.

Ela desviou o olhar de Falcão, sentindo a respiração pesar um pouco.

Foi então que viu outro rosto familiar.

Peter Bon.

O ex-treinador dela no Miyagi-Do.

Diferente de Kyler e os outros, Peter não carregava aquela arrogância exagerada. Seu olhar percorria o dojo com um interesse genuíno, como se absorvesse cada detalhe.

Aaron sentiu os dedos se fecharem involuntariamente.

E então, Kreese falou:

— Vamos. Deem boas-vindas aos novos alunos.

Os novos alunos.

Esses putos estavam no Cobra Kai agora.

Ela não gostou.

Mas não demonstraria.

Aaron passou por Falcão e, no último instante, deslizou os dedos de leve pelo braço dele, um toque discreto, mas intencional. Um aviso silencioso: eu vejo você. Eu sei o que isso significa.

Então, focou em Peter.

Se aproximou dele, os braços cruzados e a expressão carregada de ironia.

— Garoto Miyagi-Do, cansou da baboseira de bonsai?

Peter ergueu uma sobrancelha, mas um sorriso preguiçoso brincou no canto dos lábios.

— É... — Ele olhou ao redor, como se estivesse analisando cada detalhe do ambiente. Então, de relance, seu olhar passou por Tory. Foi rápido. Quase imperceptível. Mas Aaron notou. — Tem coisa muito mais interessante por aqui.

Ela abriu a boca para responder, mas não teve tempo.

Falcão atravessou o tatame com passos firmes, o corpo ainda carregado de tensão, e parou na frente do Sensei Kreese.

— Sensei, esses caras não são bons para o Cobra Kai.

O dojo ficou em silêncio. Kreese ergueu levemente a cabeça, avaliando o aluno à sua frente.

— Mas não foi você que falou pra gente ter novos alunos?

Falcão hesitou.

— É, mas... — Ele olhou de relance para Kyler e os outros. — Eu conheço alguns deles. Eles são...

Kreese sorriu. Aquele sorriso frio e calculado que fazia qualquer um se sentir pequeno diante dele.

— Atletas natos.

Falcão piscou, sem saber o que responder. Kreese se virou para os novos alunos e abriu os braços.

— Exatamente o que falta no nosso dojo.

O comando veio firme, sem espaço para contestação:

— Todos em posição!

Os alunos rapidamente obedeceram.

Falcão ficou ali por um segundo a mais.

Aaron percebeu quando ele respirou fundo, os dedos se fechando e abrindo, como se precisasse conter algo dentro de si.

Então, sem outra opção, ele baixou levemente o olhar e fez uma reverência.

Assumiu sua posição no tatame.

Mas ela sabia.

Aquilo não descia fácil.

Kreese caminhava lentamente pelo tatame, as mãos cruzadas atrás das costas, seu olhar severo percorrendo os alunos.

— Fazer parte do Cobra Kai é um privilégio. Não é uma dádiva. — Sua voz soou fria, firme. — Então, todos os alunos devem merecer a posição neste dojo.

Os olhos de todos estavam fixos nele.

— Preparem-se para o combate. Só o mais forte fica.

Os alunos começaram a se dissipar, formando pequenos grupos enquanto se aqueciam e se preparavam. Mas Kyler, em vez de focar no treino, caminhou despreocupadamente pelo tatame, a postura relaxada, os olhos percorrendo o dojo como se já fosse dono do lugar.

— Caralho, agora eu tô do lado que tava sumido, cê tá ligado? — Ele riu, falando com seu amigo gordão.

O garoto riu de volta.

— Pô, mano, corte de cabelo disfarça.

A piada foi dita em voz alta o suficiente para que Falcão ouvisse. Ele endureceu no mesmo instante.

Era um golpe baixo.

Ele podia sentir o sangue esquentando, os punhos fechando involuntariamente. Mas antes que pudesse reagir, Kreese falou alto

— Aos seus lugares. Vamos começar o combate.

Os alunos rapidamente se alinharam. Kreese percorreu os rostos até parar em Tory.

— Você.

Ela ergueu o queixo, pronta.

Então Kreese virou-se e encarou Peter.

— Você.

Peter endireitou os ombros, quase surpreso por ter sido escolhido. Ele lançou um olhar discreto para Tory, e algo brilhou nos olhos dele—mas passou rápido demais para que alguém percebesse.

Os dois caminharam para o centro do tatame, assumindo posição de luta.

— Comecem!

Peter se moveu primeiro. Ele deslizou pelo tatame com agilidade, testando a defesa de Tory com um chute lateral rápido. Ela bloqueou com facilidade, desviando para o lado e mantendo a base firme.

Ele sorriu.

— Vamos, Nichols. Quero ver do que você é capaz.

Ela não respondeu. Apenas avançou.

Com um movimento preciso, desferiu um chute frontal, mirando o abdômen dele. Peter se esquivou por pouco, recuando para evitar o impacto. Mas ele não ficou apenas na defesa—girou o corpo e veio com um mawashi geri rápido, o pé varrendo o ar em direção à cabeça dela.

Tory abaixou-se no último instante, escapando por centímetros.

Então, sem hesitar, contra-atacou.

Ela girou o quadril e disparou um golpe reto com a palma da mão, mirando o peito dele. Peter bloqueou, mas o impacto o fez deslizar para trás. Ele sorriu de novo, com aquele ar meio convencido, meio provocador.

— Você tá pegando leve comigo?

Tory avançou de novo. Dessa vez, ela não parou.

Ela atacou com uma sequência rápida—um soco que ele desviou, um chute baixo que ele conseguiu bloquear, e então um golpe surpresa, um kizami zuki direto no ombro dele. O impacto o fez cambalear um passo para trás.

Mas Peter era rápido.

Ele usou o movimento a favor dele, girando e disparando um chute em gancho. Tory abaixou-se, mas ele já esperava isso. No instante seguinte, ele mergulhou para frente, derrubando-a no chão com uma rasteira rápida.

Ela caiu de costas, mas não ficou ali por mais de um segundo.

Ela usou a queda para impulsionar as pernas, girando no chão e chutando a lateral do joelho de Peter. Ele perdeu o equilíbrio por um instante—e foi o suficiente.

Tory saltou para cima dele.

Antes que ele pudesse se recuperar, ela o derrubou de vez, imobilizando-o no tatame.

O dojo inteiro prendeu a respiração.

Tory estava sobre ele, um joelho fincado ao lado do tronco, e seu pé pressionando o peito dele. A luta estava decidida.

Ela ergueu os olhos para Kreese, esperando a ordem.

O sensei a encarou e assentiu.

— Encerre.

Tory olhou para Peter e sorriu.

— Sem ressentimentos?

Ele riu, ainda deitado no chão, e ergueu uma sobrancelha.

— Nenhum, princesa.

Ela riu de volta.

E então, sem hesitar, ergueu a perna e PÁ—desferiu um chute direto no rosto dele.

Peter caiu para trás, atordoado, enquanto Tory se levantava, vitoriosa.

O silêncio pairava no dojo, denso como fumaça. Os alunos trocavam olhares enquanto os vencidos se afastavam do tatame e os próximos aguardavam o veredicto de Kreese. Ele caminhava devagar, inspecionando os rostos, absorvendo cada tensão no ar, cada respiração contida.

Então, parou.

Seus olhos pousaram sobre Kyler.

— Você.

Kyler sorriu. Arrogante. Confiante. Ele se alongou exageradamente, girando os ombros como se aquilo fosse apenas uma brincadeira. Seus capangas riram ao fundo, ansiosos para ver do que ele era capaz.

Falcão desviou o olhar.

Ele sabia que aquele momento ia chegar. Sabia que, mais cedo ou mais tarde, Kyler entraria no tatame. Só não queria que fosse agora. Não queria ter que enfrentá-lo ainda.

Aaron percebeu. Ela estava ao lado dele, os braços cruzados, o olhar impassível, mas por dentro, reprovava tudo aquilo. O dojo não era um ringue de circo para palhaços como Kyler. Mas Kreese era quem mandava. Kreese sempre soube o que era melhor. Kreese sempre deu um jeito em tudo.

Ela não podia reclamar. Não podia questionar.

Então, ficou quieta.

Mas o que ela não esperava era que Kreese se virasse para ela logo em seguida.

— Você.

Ela revirou os olhos.

— Tsc.

Seu corpo reagiu no mesmo instante. Um passo para trás. Um suspiro carregado. Ela não queria aquilo. Não queria perder tempo com Kyler e sua boca suja. Mas Kreese queria que ela lutasse. Então ela teria que lutar.

O sorriso no rosto de Kyler se abriu ainda mais.

— Qual foi, gatinha? Não fica com medo. — Ele a chamou com a mão, debochado. — Eu pego leve.

O dojo inteiro ficou em silêncio.

Aaron sentiu seu sangue ferver.

O sangue MacGyver dela ferver.

Seus músculos enrijeceram, e sua visão ficou afiada como lâmina. O jeito como Kyler falava, o tom presunçoso, a postura relaxada, tudo nele a irritava. Lembrou-se da biblioteca, da mochila do Dmitri suja de iogurte, das mãos de Kyler segurando o rosto dela no passado, zombando dela como se fosse nada. Como se ela nunca tivesse sido forte o suficiente para revidar.

Isso acabou.

Aaron respirou fundo, cerrou os punhos e deu um passo à frente.

— Não precisa pegar leve. — Sua voz saiu fria, afiada. — Eu também não vou.

O sorriso de Kyler diminuiu um pouco.

Ele ergueu as mãos em posição de luta, tentando disfarçar o incômodo.

— Vamos ver se você fala tanto assim depois de levar uma surra.

Aaron não respondeu.

Ela apenas esperou.

Kreese levantou a mão, esperou um instante, e então a baixou rapidamente.

— Comecem.

O ar no dojo parecia mais pesado. Aaron sentia a pressão sobre os ombros, mas o que a incomodava não era a expectativa dos outros. Não era Kreese esperando que ela destruísse Kyler. Não era o olhar de Falcão, que parecia ansioso e ao mesmo tempo receoso.

Era ele.

Kyler.

O jeito como ele sorria, como se aquilo fosse uma brincadeira. Como se tivesse certeza de que ela não conseguiria enfrentá-lo. O tom de voz dele, debochado, repleto de falsa confiança, despertava memórias ruins. A forma como ele a segurou uma vez, a forma como a tratava antes de ela ser Cobra Kai.

Aaron não piscava, mas seu corpo hesitava.

Um pequeno passo para trás. Um aperto sutil nos punhos.

Kyler percebeu.

Ele avançou sem aviso.

Mas Kyler não sabia lutar karatê. Seu estilo era bruto, direto, o corpo curvado como um lutador de wrestling. Ele tentou agarrá-la pelos quadris, querendo derrubá-la de uma vez. Aaron conseguiu se esquivar no último instante, mas o movimento fez seu coração acelerar. Ele não estava lutando como deveria. Ele queria levá-la ao chão. Ele queria transformar aquilo em algo feio.

Ela recuou. Seu olhar cruzou o de Tory.

A outra garota sibilou, com raiva contida

— Ataca ele.

Aaron respirou fundo.

E atacou.

Ela deslizou para o lado, os pés firmes no tatame, e desferiu um soco seco contra o rosto dele. Kyler cambaleou, surpreso com a velocidade. Ela não parou. Seguiu com um chute lateral nas costelas, sentindo o impacto reverberar pelo corpo dele. Ele bufou, irritado, e tentou agarrá-la de novo.

Mas Aaron era rápida.

Ela girou e desferiu um golpe com a parte de trás do punho no queixo dele, fazendo sua cabeça ricochetear para trás. Antes que ele pudesse reagir, ela se abaixou e chutou a lateral do joelho dele, desestabilizando-o.

Kyler rangeu os dentes e rosnou.

Ele não queria lutar karatê.

Ele queria derrubá-la.

E foi o que tentou.

Ele avançou mais uma vez, agachado, os braços abertos, pronto para agarrá-la. Aaron viu aquilo no último instante. Ela saltou para trás, girando o quadril, e desferiu um chute poderoso no peito dele, jogando-o longe.

Ele caiu de costas, bufando.

Ela apontou para ele, os olhos brilhando de fúria.

— Essa merda não é karatê.

Kyler limpou a boca com as costas da mão, o olhar carregado de ódio.

Aaron virou-se para Kreese, esperando que ele interrompesse aquela luta injusta. Mas ele não disse nada. Apenas desviou o olhar, impassível, e estendeu a mão.

Ela entendeu o recado. Como sempre.

Aaron cerrou os punhos e se preparou.

Kyler também.

Dessa vez, ele foi mais agressivo. Ele tentou cortar a distância de uma vez, e Aaron precisou bloquear um ataque com o antebraço. Sentiu o impacto reverberar, mas não recuou. Respondeu com um golpe de mão aberta no rosto dele e um chute rápido no estômago.

Kyler rangeu os dentes e finalmente conseguiu o que queria.

No instante em que Aaron levantou a perna para um chute frontal, ele agarrou sua coxa e puxou para baixo com força.

Foi como se seu quadril saísse do lugar junto com sua alma.

A dor foi aguda, um choque elétrico percorrendo sua perna. Aaron gritou e desabou no tatame, o corpo tremendo pelo impacto.

— Espera, sensei! Tempo! — Tory correu até ela, tentando ajudá-la a se levantar.

Kreese deu de ombros.

— Não tem tempo. — Sua voz foi fria, sem emoção. — Quem finaliza a luta fica na equipe.

E então seus olhos se fixaram em Aaron.

Esperando que ela decidisse.

A respiração de Aaron estava presa na garganta. O cheiro do dojo era uma mistura de suor seco, madeira envelhecida e o leve toque metálico do sangue que já havia sido derramado ali incontáveis vezes. Mas nada disso importava agora. O que dominava seu olfato era o ódio fervendo dentro dela.

A dor no quadril era lancinante. Uma dor cortante, que pulsava e irradiava pelo seu corpo, como se algo estivesse deslocado, fora do lugar. Mas, naquele momento, não era isso que importava. O que importava era Kyler, de pé à sua frente, com aquele sorriso presunçoso que ela conhecia bem demais. Um sorriso que sempre vinha antes da humilhação, antes das agressões, antes de tudo que a fez sentir-se pequena.

A raiva subiu por sua garganta como bile. Ela gritou.

Não foi um grito normal.

Foi um rugido, um estouro de ódio puro que ressoou pelo dojo, um som que saiu de dentro dela sem que ela sequer percebesse. Seu corpo se moveu antes que sua mente alcançasse. Num segundo, ela estava no chão, sentindo o quadril em chamas. No outro, estava em cima dele.

O impacto foi bruto. Kyler não esperava. Ele tropeçou para trás quando Aaron se lançou contra ele, e os dois foram ao chão. Seu joelho cravou-se no peito dele com força, tirando-lhe o fôlego. Ela viu os olhos dele arregalarem-se por um instante. Ele tentou reagir, erguer os braços para se defender. Mas era tarde demais.

O primeiro soco acertou sua mandíbula. A sensação foi um misto de dor e satisfação.

O segundo acertou a têmpora. A pele do punho de Aaron ardia, mas ela não parou.

O terceiro explodiu contra o rosto dele, e um som molhado preencheu seus ouvidos.

Ela queria que ele sentisse.

Cada golpe era anos de dor sendo devolvidos. Cada soco era uma memória arrancada da sua pele, um trauma que ela exorcizava com os próprios punhos. Ele tentou se debater, tentou agarrá-la, mas ela estava frenética, imparável. Seu coração batia como um tambor de guerra dentro do peito.

Kyler, em um movimento desesperado, conseguiu girar o corpo e rolá-la no tatame. Por um segundo, foi ele quem ficou por cima. Mas Aaron não ia deixar.

O corpo dela reagiu antes mesmo que a mente pudesse pensar. Suas pernas se entrelaçaram no dele, ela usou o próprio peso e virou, prendendo-o de volta contra o chão. Seu antebraço se cravou contra o pescoço dele, imobilizando-o.

Kyler tentou lutar, mas ela era mais rápida.

Ela socou.

E socou de novo.

E mais uma vez.

Então sentiu algo quente e pegajoso escorrer por seus dedos.

Seu olhar foi para a própria mão, e o que viu a fez parar por um instante. Sangue.

Não era dela.

Kyler cuspiu ao lado, e um vermelho vivo manchou o tatame. Ele havia mordido a língua.

Aaron arfava. Seu peito subia e descia num frenesi incontrolável. Sua mão tremia, os nós dos dedos latejavam. O dojo estava em silêncio. Todos olhavam para ela.

Mas apenas um olhar importava.

O de Kreese.

Ele não disse nada. Ele apenas esperou.

E Aaron entendeu.

O sangue ainda escorria quente pela sua mão quando ela ergueu o punho mais uma vez. Kyler tentou mexer a cabeça, mas não havia escapatória. O último soco veio como um martelo, forte, preciso, definitivo.

O corpo dele ficou mole debaixo dela.

O dojo permaneceu em silêncio.

Aaron ofegou, sentindo o gosto amargo da adrenalina na boca.

Ela venceu.

— Relaxa, da próxima vez eu pego leve com você. — ela disse uma ultima vez cuspindo seu ódio esse levantou, fazendo uma reverência ao tatame e o largou ali, mesmo que todos parecessem horrorizados ao redor dela.

Kyler estava no chão, gemendo de dor, o rosto virado de lado, marcado pelo impacto do último soco. O dojo inteiro estava em silêncio. O único som era a respiração ofegante de Aaron, os punhos cerrados ainda latejando. Seu peito subia e descia com força enquanto ela encarava Kreese, esperando seu veredito.

O sensei nem precisou dizer nada. Seu olhar falava por si só. Ele estava satisfeito.

— Alguém tira esse garoto daqui. — Kreese ordenou, sem qualquer resquício de piedade na voz.

Aaron soltou um riso alto e cortante, que ecoou pelo dojo. Havia algo diferente naquele riso. Não era de humor, mas de poder. Um poder que ela sentia crescer dentro de si, quente e intenso.

Quando ela deu o primeiro passo para fora do tatame, os antigos amigos de Kyler, aqueles que antes andavam pelo colégio como se fossem donos do lugar, abaixaram a cabeça ao vê-la passar. Eles não diziam nada. Não ousavam nem respirar alto perto dela. Era respeito. Era medo.

E Aaron adorou.

Eles estavam assustados. Até Tory, sua melhor amiga, parecia hesitante antes de se aproximar. Por um instante, Aaron percebeu o que havia acabado de fazer. O que havia acabado de se tornar.

Ela era exatamente o que Kreese queria que fosse.

A melhor.













A tarde em Reseda estava quente, mas uma brisa ocasional amenizava o calor, fazendo os toldos vermelhos do restaurante balançarem suavemente. O cheiro característico de shoyu, arroz temperado e peixe fresco pairava no ar, misturado ao leve aroma do asfalto aquecido pelo sol.

Johnny encarava o prato à sua frente como se fosse uma armadilha.

— Tá, esse é um jeito de comer? — Miguel comentou, observando o sensei fincar os hashis no sushi e levantá-lo como se fosse um espetinho de churrasco.

Johnny bufou. A luz dourada do final da tarde refletia em seu rosto quando ele girou o sushi no ar, analisando-o com desconfiança.

— Nossa, que fedor. Que que tem nisso aqui?

— É um Dragon Roll, sensei. Tem abacate, caranguejo e, acho, unagi por cima.

Johnny franziu o cenho.

— Que? Unagi?

— Enguia de água doce. — Miguel respondeu com naturalidade, pegando um pedaço com seus próprios hashis e colocando na boca.

Johnny fez uma cara de puro desgosto, afastando levemente a cabeça do prato como se aquilo fosse uma pegadinha.

— Enguia? As pessoas comem isso?

Ele balançou o sushi no ar com os hashis espetados, como se tentasse confirmar se a criatura ainda estava viva.

— É, anda. Só precisa ter a mente aberta. — Miguel incentivou, segurando o riso.

Antes que Johnny pudesse recusar de vez, Summer, que até então só assistia à cena com divertimento, se inclinou para a frente, animada.

— Ah, qual é, Johnny! Minha mãe AMA sushi. Você tem que experimentar direito!

Ela pegou o celular e começou a filmar discretamente enquanto Johnny soltava um longo suspiro resignado e enfiava o sushi inteiro na boca de uma vez só.

No instante em que mastigou, seu rosto se contorceu numa sequência cômica de reações: nojo, surpresa, desgosto e, por fim, pura resignação.

Summer não perdeu tempo. Começou a tirar fotos a cada segundo, registrando desde o momento em que o sushi quase caiu no prato até a careta de desespero de Johnny tentando engolir.

— Isso é horrível. — Ele conseguiu dizer entre mastigadas.

— Você parece que tá comendo um sapo vivo. — Miguel riu, pegando o celular de Summer para ver as fotos.

— Cala a boca, isso aqui é nojento.

— Ah, anda, foi só um sushi. — Summer zombou, rolando os olhos.

Johnny apontou os hashis para ela, ainda mastigando.

— Sushi é pra peixe, não pra homem. — ele disse com a boca cheia sem ter coragem de engolir.

Johnny mastigou o sushi com a cara completamente contorcida de nojo. O arroz grudava na boca, a enguia tinha uma textura bizarra, e o gosto... Meu Deus, o gosto. Ele forçou, tentou engolir, mas seu corpo rejeitou na hora.

Summer, segurando o celular, riu enquanto continuava tirando fotos da cena ridícula à sua frente.

— Tá, já chega, já tirei as fotos! — ela disse, ainda rindo.

Johnny abriu um olhar aliviado e, sem pensar duas vezes, inclinou-se sobre o prato e cuspiu tudo de volta. O problema foi que, na pressa, um pedaço voou direto na Summer.

— Sensei, o meu olho! — ela gritou, arregalando o outro olho enquanto fechava o que tinha sido atingido. Ela se levantou num pulo, sacudindo as mãos no ar, completamente enojada. — Ai, que nojo! Que nojo!

Johnny, completamente indiferente ao sofrimento dela, virou-se para Miguel com a boca ainda cheia do gosto insuportável.

— Eca. Preciso lavar minha boca.

— Sensei! — Summer gritou novamente, os olhos ainda apertados, claramente esperando algum tipo de ajuda, já que estava praticamente cega de nojo.

Johnny bufou, impaciente.

— Tá bom, tá bom, vou levar ela no banheiro! — ele resmungou para Miguel, fazendo uma careta enquanto ainda tentava se livrar do gosto horrível.

Antes de segurar os ombros de Summer e guiá-la para dentro do restaurante, ele apontou para o prato.

— Se quiser comer aí sua parte...

Miguel olhou para o sushi meio mastigado no prato e quase vomitou.

— Não. Eu não... — Ele fez uma careta, se encolhendo na cadeira de rodas — Não vou comer isso aí, não.

Miguel rolava as fotos no celular, um sorriso escapando enquanto revivia o dia que tinha passado com Johnny e Summer. As expressões engraçadas do sensei experimentando sushi, a careta de Summer cheia de nojo... Momentos simples, mas que traziam um conforto imenso. Ele queria andar de novo. Queria tanto que doía. Mas, por mais assustador que fosse, pelo menos ele não estava sozinho. Johnny estava ali. Johnny estava tentando.

Ele suspirou, ajeitando-se na cadeira de rodas, quando sentiu um olhar sobre si.

Ergueu o rosto e, por um instante, não reconheceu a pessoa parada ali, mas logo a surpresa bateu.

— Miguel? — a sua voz saiu como um sopro surpreso

— Tory?

Ela o observava como se não acreditasse que ele estava ali. Miguel também não sabia como reagir. Havia meses que não se viam. Meses que ele se perguntava se, em algum momento, ela tentaria falar com ele.

— Como sabia que eu trabalhava aqui? — Tory perguntou, ajeitando a alça da mochila no ombro. Ela vestia um uniforme asiático tradicional, indicando que provavelmente acabara de chegar para o turno.

— Eu não... eu não sabia. — Miguel respondeu, ainda confuso. Seus olhos desceram para o uniforme antes de ele levantar o olhar novamente. — Pensei que você trabalhasse no ringue de patinação.

— Isso é só à noite. — Ela desviou o olhar, parecendo hesitante. — Tô trabalhando em dois lugares agora. Minha mãe tá muito mal...

Miguel sentiu um aperto no peito.

— Eu sinto muito, Tory.

Ela mordeu o lábio inferior, hesitante. Então, puxou uma cadeira e se sentou à frente dele, como se soubesse que aquele era o momento de terem aquela conversa.

— Não. Eu sinto muito. — A voz dela saiu mais baixa, mas carregada de um peso que Miguel reconheceu. Culpa. — Eu sei que devia ter te visitado. Eu só... não sabia como te ajudar.

Miguel engoliu em seco.

— Você não fez nada.

Tory abaixou os olhos.

— Eu me sinto culpada... por tudo. Eu tenho sonhado com isso, eu não... — Ela hesitou, perdida nas próprias palavras. Como se não soubesse como se desculpar. Como se uma parte dela nem soubesse se deveria se desculpar. Afinal, Miguel também não era inocente. Ele sabia disso. Ela sabia disso. E isso tornava tudo mais confuso.

Ela respirou fundo antes de continuar.

— Mas estamos fazendo o possível pra nos vingarmos do Miyagi-Do. Eles vão pagar pelo o que fizeram com você. Como o sensei Kreese diz: se um dos nossos se ferir, todos se ferem.

Miguel sentiu o estômago revirar ao ouvir aquilo. Ele franziu o cenho, encarando Tory como se visse outra pessoa. Como se a garota que ele conheceu tivesse sido engolida pelo Cobra Kai.

— Ninguém mais se feriu, Tory. — Ele disse, a voz carregada de frustração e descrença. Ele olhou para si mesmo, depois de volta para ela. — Eu estou numa cadeira de rodas. Só eu.

— Só quis dizer que...

— Eu sei o que você quis dizer, Tory. — Miguel interrompeu, sua paciência se esvaindo. Ele passou uma mão pelo rosto, tentando conter a frustração. — Eu só... Eu nunca dei a mínima pro Miyagi-Do ou pro Kreese. Eu só queria entender a gente. Era com isso que eu me importava.

Os olhos de Tory se estreitaram.

— Se importava mesmo? — A voz dela veio cortante, carregada de mágoa. — Ou só tava comigo pra chamar a atenção da Samantha? A mesma LaRusso que também te enrolava, ficando com o babaca que fez isso com você. Que traiu a sua melhor amiga, Miguel.

Miguel sentiu o peito apertar.

— É isso que você acha?

Tory riu sem humor, balançando a cabeça.

— Eu te vi com ela. Eu não tive outra escolha.

Ela parecia desesperada para justificar algo que nem precisava mais de justificativa. Como se tentasse se convencer de que não havia outro caminho, como se tudo tivesse sido inevitável.

— É claro que você teve, Tory! — Miguel exclamou, se inclinando ligeiramente para frente. Seu tom não era apenas irritado, mas decepcionado. — Você não devia ter feito o que fez. Você não... — Ele hesitou, mas logo deixou escapar aquilo que estava guardado dentro dele por tanto tempo. — Eu sei que você ajuda sua mãe. Mas quem precisa de ajuda é você.

A expressão de Tory endureceu.

— Acha que sou louca? — Ela riu, mas o riso era puro escárnio.

— Eu não disse isso.

— Tá tudo bem, todo mundo acha. — Ela o interrompeu antes que ele pudesse dizer mais alguma coisa. Seu olhar ficou frio, distante, como se estivesse se fechando de novo. — Eu não me importo. O que importa é quem vence no final.

Miguel ficou calado. Apenas desviou o olhar e fechou os olhos por um instante, respirando fundo. A decepção pesava em seu peito. Ele via nela apenas palavras vazias, um discurso ensaiado, uma lavagem cerebral que não fazia sentido para ele. Não entendia por que ela se agarrava tanto àquilo, por que acreditava que aquela guerra importava tanto. Para ele, nada daquilo valia de verdade.

Tory esperou, talvez esperando uma resposta, uma discussão, qualquer coisa que mostrasse que ele ainda queria argumentar com ela. Mas Miguel não disse nada. Não havia mais o que dizer.

Ela desviou o olhar, mordendo o lábio, incerta. Então, lentamente, colocou a mochila no ombro e se levantou.

— Bom te ver de novo. — Sua voz soou estranhamente distante, quase mecânica.

E sem mais nada, Tory virou as costas e entrou no restaurante, deixando Miguel para trás.




















No fim da tarde, a luz dourada do sol filtrava-se pelas cortinas da sala de estar de Johnny. O ambiente estava relaxado, com um cheiro leve de cerveja misturado ao couro dos móveis gastos. Miguel, Johnny e Summer estavam jogados no sofá, rindo e conversando. Johnny bebia mais uma cerveja, resmungando sobre alguma banda dos anos 80 que, segundo ele, "acabou com o rock de verdade". Summer, sentada no chão, mexia no celular, enquanto Miguel, distraído, passava a mão nas pernas, sentindo os músculos dormentes.

— Anda, Miguel, tenta de novo — Summer incentivou, levantando o celular para filmar.

Johnny bufou.

— Isso aí, garoto. Levanta logo e cala a boca dessa garota.

Miguel respirou fundo. Com um esforço visível, apoiou-se nos braços e forçou as pernas a sustentarem seu peso. O coração batia acelerado. As pernas tremiam, os joelhos pareciam feitos de areia, mas... ele ficou de pé.

Summer arregalou os olhos e soltou um gritinho animado.

— Meu Deus! Miguel, eu tô filmando!

Johnny apontou para ele com a cerveja, abrindo um sorriso orgulhoso.

— Aí sim! Isso é Cobra Kai, porra!

Summer riu e continuou filmando, capturando cada segundo do momento. E, de repente, tudo mudou.


Aaron piscou algumas vezes. O brilho da tela do computador iluminava seu rosto suado enquanto ela se deitava no tatame. O dojo estava vazio, exceto pelo barulho abafado das discussões nos fundos — Kreese provavelmente brigando com o velho do aluguel outra vez. Ninguém reclamava de ela estar sempre ali, então ela ficava.

Seus olhos focaram na tela. Uma notificação.

— Nossa, nem sabia que o Johnny tinha Facebook.

Curiosa, clicou no perfil.

O vídeo começou a rodar. O coração dela acelerou.

— O Miguel voltou a andar! — a exclamação saiu quase como um grito.

Ao seu lado, Falcão, que estava meio largado no chão, virou a cabeça rapidamente.

— O quê?!

Ele se aproximou, os olhos arregalados enquanto assistiam ao vídeo.

— Porra, Miguel! — Falcão riu, batendo palmas e balançando a cabeça em puro êxtase. — Eu sabia que esse desgraçado ia conseguir!

Aaron sorriu, sentindo uma onda de felicidade genuína percorrer seu peito. Por um instante, o dojo silencioso pareceu menos vazio.

Falcão se levantou primeiro, puxando Aaron pela mão para cima. Os dois riam, empolgados, adrenalina pulsando nas veias com a felicidade inesperada da recuperação de Miguel. Sem pensar muito, Falcão a envolveu em um abraço forte, quase tirando-a do chão, girando levemente.

— Porra, ele conseguiu, Aaron! — ele riu contra o cabelo dela.

Aaron sorriu, o coração ainda batendo acelerado pelo momento. Então, de repente, sentiu a mão dele subir até sua nuca. Antes que pudesse reagir, os lábios de Falcão tocaram os dela.

Foi um beijo curto, quente, mas quando ele tentou aprofundá-lo, puxando-a um pouco mais para perto, ela se afastou, balançando a cabeça devagar.

— Melhor não... — disse suavemente, tentando ser gentil.

Falcão franziu a testa, confuso. A empolgação deu lugar a um desconforto evidente.

— Por quê?

Aaron mordeu o lábio inferior, desviando o olhar.

— Eu te disse que você é meu melhor amigo... — murmurou, escolhendo as palavras com cuidado. — Eu não...

Ela não conseguiu terminar a frase. Mas ele entendeu.

O rosto de Falcão endureceu por um instante. O orgulho ferido borbulhou em raiva mascarada.

— Isso tem a ver com o Robby, né? — ele soltou, ríspido.

Aaron ergueu o olhar na mesma hora, irritada.

— O quê?

— Você ainda tá nessa? — ele riu de canto, mas não havia humor em sua voz. — Pelo amor de Deus, Aaron, o cara tá sei lá onde, e você ainda tá me tratando assim por causa dele?

Ela sentiu um nó apertar sua garganta. O calor da raiva subiu rápido.

— O Robby morreu pra mim, Falcão. — sua voz saiu firme, cortante. — não tem nada a ver com isso.

Falcão piscou, surpreso com o tom.

— Então porque? O que você tem de tanto medo Aaron?

— Para de agir como se fosse culpa dele eu não querer ficar com você! Como se fosse culpa de qualquer um além de mim. Se eu não tô pronta, ou se eu não quero, é culpa minha, Eli. Eu não...

O silêncio caiu entre os dois. A respiração de Aaron estava pesada. Falcão desviou o olhar, cerrando o maxilar.

— Acho que é melhor você ir pra casa. — ela disse, cruzando os braços.

Ele suspirou, passando a mão pelos cabelos curtos, parecendo dividido entre o arrependimento e o orgulho ferido.

— Aaron, para... — disse por fim. — Me desculpa...

Ele deu um passo à frente, tentando abraçá-la, mas Aaron recuou. Sabia que ele não estava tentando consertar a briga, só estava tentando retomar o controle da situação.

Falcão hesitou e então assentiu lentamente.

— Desculpa. — disse, num tom mais baixo.

Sem outra palavra, ele se virou pra sair do dojo

— Eli. — ela o chamou e ele se virou instantaneamente — Ta tudo bem, só me de um tempo.

Aaron ficou ali, sozinha, sentindo o gosto amargo da discussão ainda presa na garganta.

Aaron se jogou no tatame, de barriga para cima, sentindo o peso do dia ainda grudado em seu corpo. O dojo estava silencioso agora. Kreese tinha sumido para os fundos depois de um bate-boca com o velho do aluguel, que havia saído praticamente correndo pela porta da frente. Aaron riu quando viu o homem ir embora apressado. Nunca tinha imaginado que um dia riria de algo assim, de ver alguém fugindo de uma briga, de se sentir bem dentro desse lugar.

O Cobra Kai era tudo menos acolhedor. As paredes escuras, as faixas pretas e vermelhas, a presença constante de Kreese com sua voz cortante e olhar avaliador... Mas, de alguma forma, aquele tatame se tornava cada vez mais um lar. Mais do que sua própria casa. E até a cobra que um dia lhe causara tanto nojo, a mesma que ela viu devorar um rato inteiro diante de seus olhos, agora parecia menos grotesca. O Cobra Kai não era um lugar para os fracos. Mas ela não era fraca.

Com um suspiro, Aaron deslizou os dedos pela faixa em suas mãos, a mesma que usara para enfaixar os punhos antes de soltar Kyler no tatame. Seu olhar vagou pelo teto enquanto sua mente se fixava em apenas uma coisa: o torneio regional. Ele era dela. Ela ia ganhar. Não importava o que precisasse fazer.

Virando-se de lado, pegou o celular e começou a navegar pelo Facebook. O que começou como um simples hábito — vasculhar os dojos locais, ver os possíveis adversários — logo virou algo mais sério. Seus olhos analisavam atentamente as postagens, os nomes, os vídeos de competições. Mas então, entre os resultados, algo chamou sua atenção.

Phoenix Karate Dojo.

O nome fez sua sobrancelha arquear. A logo era uma fênix vermelha, asas abertas em meio a chamas. A princípio, pensou que fosse um dojo exclusivamente feminino, mas, ao abrir a página, percebeu que estava completamente errada.

Aaron rolou a tela e ficou boquiaberta.

Um dos dojos mais premiados do mundo.

Ela nunca tinha ouvido falar. Como era possível? Para ela, o mundo do karatê girava em torno do Cobra Kai e do Miyagi-Do. Mas aquilo ali era um universo inteiro que ela nunca tinha explorado.

Seus olhos varreram a página até encontrar a seção de prêmios. A lista era absurda, cheia de títulos e anos, mas um nome se destacou no meio de todos.

Vice campeão do Sekai Taikai – 2015
Tricampeão do Campeonato de Okinawa

Ela franziu a testa. Japão?

— Sekai Taikai... — murmurou, como se o nome fosse familiar de algum lugar.

Seus dedos pairaram sobre a tela por um instante antes de clicar. Algo dentro dela dizia que precisava descobrir mais.

Aaron não sabia bem por que estava fazendo aquilo. Mas algo na página daquele dojo, na quantidade absurda de prêmios e no nome Sekai Taikai, fazia seu peito vibrar com uma curiosidade incômoda.

Seus dedos deslizaram pela tela até encontrar um perfil.

Cintya Rodrigues.

O nome soava estranho. Gringo, mas não asiático. Parecia deslocado no meio daquele universo de campeões japoneses e medalhistas internacionais. Talvez fosse justamente isso que despertou a curiosidade de Aaron.

Hesitante, clicou no perfil.

A garota era uma máquina do karatê.

Fotos de torneios, troféus brilhando nas mãos, medalhas no pescoço, vídeos de lutas em alta velocidade. Era impressionante. Aaron sentiu um nó apertar no estômago. Esse tipo de gente realmente existia. Pessoas que pareciam ter nascido para aquilo.

Aaron começou a vasculhar. Passou por álbuns de fotos antigas, tentou entender quem era Cintya, onde ela treinava, o que a fazia tão boa. Mas, de repente—

Uma curtida.

Sem querer, seu dedo tocou na tela. Uma foto qualquer de Cintya de kimono, em posição de luta.

— Merda! — ela sibilou para si mesma, arregalando os olhos.

Sem saber o que fazer, abriu a aba de mensagens e começou a digitar desesperadamente algo para se justificar. Mas, no meio do nervosismo, seu dedo escorregou e enviou:

Olou
Olá*

— Merda, merda, merda!

Aaron quis se enfiar num buraco. Um gritinho fino escapou por sua garganta, abafado pelo próprio travesseiro em que ela enfiou o rosto. Então, apressadamente, começou a digitar de novo.

"Desculpa, foi erro de digitação. E também desculpa pela curtida aleatória, não queria parecer estranha. Ja parecendo, desculpa por pedir duas vezes desculpas.

A resposta veio em segundos.

Olou.

Aaron congelou.

A garota simplesmente repetiu o erro dela. Como se estivesse zoando, mas de um jeito leve.

Aliás, você pediu
desculpas três vezes.

Antes que pudesse pensar no que responder, mais uma mensagem surgiu.

Merda.

HAHAHA
Você pelo menos gostou da foto que
curtiu ou foi totalmente sem querer?

No final, um emoji engraçado.

Aaron riu baixinho. Gostou dela no mesmo instante.

A conversa fluiu mais fácil do que imaginava. Cintya era divertida, falava de karatê com paixão e respondia rápido. Como se realmente quisesse conversar. Aaron se pegou relaxando, deixando as palavras saírem sem tanto filtro.

E então, depois de alguns minutos, muita conversa sobre karatê, Aaron finalmente perguntou:

Cintya, o que é um Sekai Taikai?

você não sabe?
eu vou amar ser
sua amiga, MacGyver.




















________________
Treze mil 320 palavras.



omgitsjessy CHUPAAAAAA escrevi muito. Espero q valha seus 10 reais.

Não sei se perceberam, mas a última cena e último diálogo foram um crossover entre a Aaron e a Cintya! A protagonista de Nightmare a nova fanfic da omgitsjessy !!!! Então se vc se interessar pelo oq leu aqui, saiba q tem muito mais no perfil da Lils. Eu amei escrever essa interação e amo como mesmo com pouco a Cintya é importante pra  história da Aaron em relação a s6 e o sekai taikai.

Manip das duas a cima. Elas são meu tudo!

Enfim!!!! Espero q tenham gostado. Pretendo atualizar mais rápido.

Amo vocês comentem muito pra valer a pena esse sacrifício q é escrever mais de de treze mil palavras
E gastar meus dias completos nisso.

Amo vocês
Back!

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