Capítulo 21. Acolher
Nos dias que se passaram, a imagem daquela garota continuou recorrente. Entretanto sua presença em meus sonhos, parecia como um encontro inusitado onde apenas conversávamos sobre a vida, sobre coisas nas quais de alguma forma ela conseguia me ajudar... mesmo que sendo apenas fruto da minha imaginação.
A cada sonho, por mais que sua ajuda estivesse me servindo bem. Acordava cada vez pior, como se meu corpo todo estivesse sendo pisoteado a cada sonho, a cada reencontro. Na medida em que o tempo passava, tudo ficava mais difícil. Era difícil esconder de Satoru, e ainda mais difícil lidar com meu velho pai doente.
— Sabe de uma coisa. — Eu disse, ela virou para mim esperando uma explicação. — Nós nos sentamos aqui e olhamos para esta fonte, para as cerejeiras, mas... não me lembro de perguntar o seu nome.
— Faz diferença? — Ela riu, franzi o cenho e descansei o braço no banco.
— Faz total diferença, posso estar falando com algum inimigo mortal. — Brinquei, trocamos risadas sinceras. Ela analisou minhas expressões e então desviou o olhar.
— Pode me chamar como quiser. — Ela disse, continuei sorrindo.
— Como quiser? Não. Eu não me chamo como eu quero, você deve ter um nome.
— Me diga você. — Ela apontou, franzi o cenho novamente e então acordei. Cocei os olhos e me sentei na cama, meus cabelos cobriram meu rosto.
— Você acordou. — Satoru disse da cama, toquei minha cabeça, senti minha mão úmida. — Está bem?
— Acho que sim. — Resmunguei, ele notou meu mal-estar e sentou-se. Satoru segurou meus ombros e sentiu meu corpo fervendo por dentro.
— "Uma professora que enfrenta maldições de nível especial, mas que facilmente pega resfriados." — Ele dizia, me deitei novamente, Gojo tocou minha testa.
— Faz alguns dias, resfriados não passam facilmente. — Respondi, ele me abraçou e beijou o topo da minha cabeça.
— Eu te amo... Kaori Zenin.
— Eu também te amo Satoru Gojo. — O abracei, ficamos mais algumas horas na cama, antes de nos levantarmos.
Me vesti e fui para a Jujutsu, estava com a impressão de que o dia seria normal. Encontrei Maki logo cedo, avisando que Mai já havia ido para o exterior. Os outros alunos foram enviados para missões em conjunto, a escola estava pouco movimentada.
— Você vai vê-lo? Ele está doente. — Maki me perguntou sem fazer contato visual, hesitei.
— Também estou, e sou só eu cuidando deste clã agora. Não tenho tempo para isso.
— E se ele morrer?
— Não há nada que eu possa fazer. — A respondi, Maki riu.
— Vocês brigam feito cães, essa família é uma merda. — Ela me disse, desta vez dei uma risada sincera. — Mas se está doente, deveria ir ao médico.
— Não se preocupe irmãzinha.
— Eu me preocupo, é a única pessoa decente nesta família.
— Você também. — Pisquei, ela revirou os olhos. Fui até a minha sala e fechei a porta, senti um embrulho no estômago, procurei por remédios na gaveta da minha mesa.
Encontrei apenas alguns analgésicos, me sentei e puxei alguns papéis de dentro de arquivos na gaveta. Analisei cada documento novamente, todos com anotações feitas a mão. Suspirei profundamente, joguei meus cabelos para trás com uma das mãos.
— Yuji Itadori, hospedeiro do Sukuna. — Um dos documentos tinha a foto de Itadori, um adolescente órfão de apenas 16 anos, aluno de Satoru. Me senti mal por ele, por ser tão jovem e estar ligado à uma maldição tão terrível. — A vida não deve estar sendo fácil para você...
Meu celular vibrou em cima da mesa, o segurei, o nome do meu pai estava marcado na tela. Era ele quem estava ligando, mesmo depois da briga que tivemos no jantar em família.
— O que você quer? — Atendi, um silêncio tomou conta da linha.
— Querida por favor, precisa vê-lo.
— Mãe. — Me levantei e olhei em volta, ela suspirou. — Eu não posso.
— Por favor. Ele pode... não viver por muito mais tempo. — Ela insistiu. Respirei fundo e fechei os olhos, tentei pensar de forma racional.
— Onde ele está?
*
Mesmo contra minha vontade, me senti na obrigação de vê-lo. Durante o percurso não consegui parar de pensar, que poderia ser uma última vez... que seria um alívio se realmente fosse verdade. Aproveitei para me consultar antes de visitá-lo.
— Você tem sentido tontura? Enjoo? — A doutora disse voltando com uma prancheta com o resultado de alguns exames.
— Um pouco de tudo, dores de cabeça e no corpo todo.
— Entendo. — Ela disse e analisou suas notas, seu silêncio estava começando a me deixar nervosa.
— E então? Tem mais algum exame que eu possa fazer?
— Nenhum que seja seguro para vocês. — Ela disse sem fazer contato visual, ri levemente nervosa.
— Você. — Corrigi, ela olhou para mim.
— O que?
— Para você. — Ri, nervosa. Ela franziu o cenho e olhou a prancheta.
— Mas você está grávida. Não sabia? Um dos motivos do seu mal-estar pode ser o desenvolvimento do feto. — Enquanto ela me explicava, senti um turbilhão de emoções. Me senti sozinha e ao mesmo tempo confusa, não sabia como iria contar ao Satoru ou se era seguro ter uma criança com todos os problemas que precisava resolver em Shibuya.
— E-eu não entendo. Uso anticoncepcional.
— Disse que estava com esse mal-estar já faz um tempo, existem medicamentos, ou chás, que podem cortar o efeito do remédio. Qualquer coisa que pode ter usado para melhorar dos sintomas, pode ter afetado a medicação. — Ela dizia, me levantei e evitei contato visual, não queria demonstrar tanta surpresa. — Vou receitar algumas vitaminas que precisa tomar durante a gestação, volte aqui em duas semanas e faremos novos exames.
— Obrigada.
Com o choque da notícia, caminhei pelos corredores pouco movimentados até o quarto do meu pai. Assim que entrei, o vi deitado na cama com cabos e tubos ligados à sua veia. Haviam dois guarda-costas dentro do quarto, meu pai sentou-se na cama e fez sinal para nos deixarem a sós.
— Então decidiu ver seu velho pai novamente. — Ele disse e tossiu um pouco.
— Parece que você está bem. Eu vou embora. — Dei as costas, ele tossiu novamente.
— Tudo bem, eu entendo.
— Não banque a vítima agora. — Me virei de volta, ele não expressou reação, ou respondeu. — Eu preciso saber se está cuidando da sucessão do clã...
A cobrança repentina me arrepiou a espinha, por um segundo cogitei que meu pai já soubesse da gravidez.
— Pelo amor de deus. — Bufei, ele continuou sério. — Você está morrendo, e é assim que quer lidar com a situação?
— Ele está destruindo nossa família. Não consegue ver?
— Eu pretendo continuar com Satoru, isso não diz mais ao seu respeito. — Retruquei, ele cerrou os punhos na cama. O notei ficando cada vez mais irritado. — Se era isso que queria falar, ótimo. Tenho coisas a fazer.
— Ele matou Toji. — Meu pai disse, hesitei. — O matou para prejudicar nosso clã. Tudo por causa do "casinho adolescente" de vocês.
— Do que está falando?!
— Pouco tempo depois que você deixou Shibuya, ele foi atrás de Toji e o eliminou por vingança.
— É mentira. Toji não era mais Zenin. — Expliquei, por mais que nem eu mesma acreditasse em meus argumentos.
— Toji sempre foi Zenin, não havia ninguém que não o conhecesse como tal. Por mais que tenha optado pelo nome de solteiro. Fushiguro.
— Não vai me colocar contra Satoru. Não agora. — Apontei, ele notou minha postura e hesitação, sabia que conseguira me alcançar apenas com palavras.
— Estou apenas contando a verdade. Se isso gera uma rivalidade entre vocês...
— Seria bom para você, não é? — O respondi antes mesmo de concluir sua fala, ele parecia estar no total controle da discussão.
— Tem algo diferente em você. — Ele me disse, franzi o cenho, tentei não demonstrar hesito. — Uma energia diferente.
— Do que está falando agora?! — O confrontei, ele engoliu em seco.
— Me diga. Se odeia tanto o seu próprio sangue, no fim, pretende exercer o papel de Gojo?
— O-o que? — Recuei, ele não disse mais nada, senti meu coração errar as batidas. — Eu não sei do que está falando.
— Vai saber.
— Venho sendo muito gentil com você velho, não tente entrar na minha cabeça com essa história, tentando me manipular outra vez. — O pressionei, ele me encarou com seriedade.
— Não vire as costas para a sua família, vai precisar dela e o clã Gojo não vai te acolher como um deles.
— Eu não viro as costas para a família, eu viro as costas para você.
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