Prólogo

Dez anos atrás (dezembro de 2013)


    Fecho os olhos com força enquanto tento ignorar os gritos que vem do quarto dos nossos pais. É difícil, no entanto, as palavras atravessam os corredores até chegarem aos meus ouvidos.

— … seu filho, não meu! Por que não o coloca em uma droga de internato se acha que sou tão ruim assim? — Olivia esbraveja.

    Eu me encolho. Não é a primeira vez que ela tenta convencer meu pai a me pôr em um colégio interno, mas ele sempre descartou a ideia. E eu… eu tenho começado a pensar que talvez seja uma boa ideia. Olivia está sempre gritando comigo ou me ignorando, um internato talvez seja bom. Ela mostrou ter um problema apenas comigo, então se eu for embora, ela e meu pai podem voltar a serem felizes.

— Lil, por que eles estão brigando?

     Olho para baixo, para o meu irmão encolhido ao meu lado enquanto eu o abraço.

— É coisa de adulto — respondo a coisa mais fácil ao invés de contar que a nossa mãe me odeia.

— Eu não gosto quando eles brigam. — Suas mãos pequenas apertam o Sr Bubbi, meu boneco preferido e o protetor das crianças tristes. Pelo menos foi o que eu disse a Eros.

— Eu sei. Já vai acabar.

     Meu irmão aceita minhas palavras e volta a brincar com o boneco, fazendo sons baixos como se estivessem lutando.

     Bom. Eu não quero que ele preste atenção na discussão que ainda está acontecendo no outro corredor. Ele é criança e provavelmente não entenderia, mas apesar de Olivia não gostar de mim, ela gosta do Eros, e eu não quero ele veja quem nossa mãe é de verdade.

— … não vai lhe restar nada. — A voz acalorada de meu pai chega em meus ouvidos. — Você é uma bêbada descontrolada e nenhum juíz vai te dar a guarda. Então vá, peça a porcaria do divórcio, mas você não levará os meus filhos!

     As próximas palavras de Olivia, apesar de alteradas, não são altas o suficiente para eu ouvir. Não sei se isso é algo bom ou ruim.

     Depois de alguns minutos, tudo que ouço é silêncio. Eu espero mais um tempo, mas quando não ouço nada, solto um suspiro. Acho que acabou.

      Pego meu irmão, que já está dormindo, e o deito direito na cama. O Sr Bubbi caiu da sua mão, mas não pego de volta para levar para o meu quarto. Eu o coloco na cômoda depois de cobrir Eros com a sua coberta e saio da cama.

     Meus pés descalços são silenciosos e deixo o quarto sem fazer um único barulho.

     Minha barriga ronca e eu faço uma careta. Não comi direito no jantar. Olivia estava bêbada e eu estava tentando distrair Eros, montando torres com os legumes do meu prato.

     Olho para os dois lados e quando não vejo ninguém, corro para baixo, para a cozinha.

    Na geladeira, acho o resto da torta de frango do jantar. Pego também um garfo na gaveta e depois sento no chão.

     Eu já comi metade do que restava da torta quando a cozinha se ilumina do nada. Primeiro acho que há espíritos na nossa casa, mas depois ouço passos. Fantasmas não emitem passos.

     Pai.

     Droga. Rastejo com a minha torta para o outro lado do balcão e torço para ele não me ver. Ele vai brigar comigo por eu estar comendo algo pesado tão tarde e no chão. Eu sei porque ele já me pegou em flagrante uma vez. Foi quando comecei a cogitar deixar armadilhas para me avisar se alguém estivesse vindo. Mas hoje eu esqueci.

     Deixo a torta de lado e espio para ver o que ele está fazendo, mas ao invés de papai, cabelos loiros balançam quando Olivia abre a geladeira. A luz amarelada ilumina seu rosto e eu vejo como a maquiagem em seus olhos está borrada. Ela estava chorando? Eu nunca a vi chorar.

     Eu observo enquanto ela põe os sucos de caixinha de Eros dentro de uma mochila e depois fecha a geladeira, indo até a ilha e pegando várias frutas da cesta, também colocando na mochila. Quando ela começa a olhar em volta, eu volto a me abaixar para que ela não me veja.

     Pra quê ela está pegando todas essas coisas?

     Depois de mais alguns minutos, ouço seus passos se afastando e volto a espiar. Ela está saindo da cozinha.

     Eu a sigo, tomando cuidado para ela não me ver.

     Paro no início do corredor, após subirmos as escadas, e me escondo atrás da parede de uma mesinha com um vaso de flores, observando quando…

    Quando eu empurro o vaso sem querer.

    Não sou rápido o suficiente para pegar a coisa e me encolho com o barulho da porcelana se partido.

    Droga. Agora vou ficar de castigo.

— O que você está fazendo fora do seu quarto?

     Estava tão preocupado em calcular quanto tempo meu pai me colocaria de castigo por isso, que esqueci da mulher no corredor.

     Olivia está furiosa enquanto me encara. Ela sempre está furiosa comigo, até quando eu não faço nada de errado.

— Eu estava com sede — minto.

— Vá para o seu quarto. Agora.

    Eu hesito, observando a mochila pendurada nas suas costas. Esse é o corredor onde fica o meu quarto e o do meu irmão.

— Pra que essa mochila? — pergunto.

— Não é da sua conta. Agora me obedeça. Vá.

     Continuo parado.

     Ela faz um som furioso e avança na minha direção. Olivia é mais rápida que eu e consegue pegar meu braço antes que eu corra.

— Por que você tem que ser tão teimoso, hein? Por que não pode ser bom igual ao seu irmão? Talvez assim eu te amasse, mas você é um bastardo.

     Meus olhos ardem, mas eu luto para não chorar. Olivia não gosta quando eu choro.

— Me leva com você — peço enquanto ela me arrasta até o meu quarto. A mulher para e olha para mim. — Eu vi você na cozinha. Você estava pegando s-suprimentos. Você vai embora e vai levar o Eros. Me leva com você também, mãe.

     Eu percebo meu erro quando ela faz uma careta e me solta, dando um passo para trás.

— Não me chame assim. Por que eu levaria você se não consegue obedecer uma simples ordem?

— Desculpa. Mas se você me levar, eu prometo que…

— Eu não vou te levar, Khalil. Será que você não entendeu? Garoto burro. Eu estou indo embora por sua culpa. Seu pai e eu estamos nos separando por sua causa. Eu vou levar o Eros, mas não vou levar você porque você não é meu filho. Você não é, está me ouvindo?

    Eu não digo nada. Eu não consigo. Às vezes isso acontece. Estamos aprendendo sobre o corpo humano na aula de ciências e a professora explicou como os pulmões funcionam. Eles nos ajudam a respirar, mas às vezes parece que os meus não funcionam. O ar não entra e eu sinto meu coração bater muito rápido. O engraçado é que sempre que isso aconteceu, foi após Olivia me dizer suas palavras preferidas: "Você não é  meu filho". As pessoas dizem que não lembramos das coisas que aconteceram quando éramos bem pequenos, mas quando eu tinha quatro anos, lembro de Olivia me dizendo essas mesmas palavras.

     Irritada com o meu silêncio, ela revira os olhos.

— Você é tão patético. — Ela volta a agarrar o meu braço e me arrasta pelo resto do caminho até o meu quarto. Ela abre a porta e me joga dentro do cômodo escuro antes de fechar novamente.

     Ela não vê quando caio no tapete e me encolho.

     Quando sentir que não consegue respirar, pense em algo que te acalma.

     Lembro das palavras do meu pai quando eu tinha seis anos. Depois de um outro dia, quando Olivia pronunciou aquelas palavras, meu pai me achou escondido no banheiro enquanto eu tentava resolver o problema dos meus pulmões inúteis. Ele chamou de "ataque de pânico" e disse que se ele não estivesse presente para me ajudar, que eu deveria pensar em coisas boas, coisas que pudessem me ajudar a me acalmar.

     Penso numa época que Olivia não estava aqui. Papai, Eros e eu íamos todos os finais de semana brincar no parque. Penso em meu pai e eu montando carrinhos; em Eros me sujando de tinta porque ele achava que vermelho combinava comigo.

     Quando abro os olhos de novo, não sinto mais como se estivesse sufocando. Tenho vontade de continuar deitado ou simplesmente me arrastar para minha cama e tentar esquecer tudo o que aquela mulher disse, mas então ouço um barulho de algo caindo. Parece as peças de Lego do Eros.

     Eros. Olivia disse que vai levá-lo embora.

     Fico em pé tão rápido que tropeço, mas consigo chegar na porta e abrir. Olivia não trancou. Ela ainda está no quarto dele e eu corro pelo corredor, indo para o outro até chegar no quarto dos meus pais.

      A porta aqui também não está trancada e eu entro. Papai está deitado na cama, com os olhos fechados. Vou até ele.

— Pai. Pai, acorda. — Começo a sacudi-lo. — PAI.

     Ouço seu resmungo quando ele finalmente se mexe, acordando e acende o abajur.

— Khalil. O que está fazendo acordado?

— Ela vai levá-lo. Você tem que impedir. Vem, levanta. — Puxo sua mão, mas meu pai é bem maior que eu e mais pesado.

— Do que você está falando?

— A Olivia! Ela vai levar o Eros embora! Ela me disse, e também tava com uma mochila cheia de s-suprimentos.

     Meu pai é contra xingamentos, mas tenho quase certeza que o ouço dizer "porra" quando afasta os lençóis e sai da cama, correndo.

    Eu vou atrás dele e nós ouvimos a voz chorosa de Eros quando ele começa a chamar por nós.

— Papai! Khalil! Pai! Eu não quero ir! Khalil!

     Chegamos na calçada da nossa casa e meu pai grita por Olivia, que está colocando Eros dentro do carro. Um homem está com ela e eu nunca o vi na vida.

    Meu irmão está chorando e começa a gritar quando nos vê, ao mesmo tempo que nosso pai e Olivia começam a discutir. Ele está tentando convencê-la de que isso não é certo, mas Olivia não o escuta, dizendo que vai levar Eros com ela.

     Mas eu não posso deixar. Meu irmão é irritante às vezes, chato e quer que eu brinque com ele o tempo todo, mas ele é meu irmão e irmãos são assim mesmo.

     Por isso, enquanto os adultos estão distraídos, eu vou até o outro lado do carro e abro a porta.

— Vem logo. — Aceno para Eros, chamando-o e fico aliviado quando ele engatinha pelo banco e pega minha mão.

    Nós corremos para longe do carro e de volta para a calçada, perto de nosso pai. Ponho Eros atrás de mim, protegendo-o quando Olivia percebe que eu o peguei e começa a gritar. Ela tenta vir até nós, mas é detida por aquele homem.

— Vá embora, Olívia. E não volte nunca mais. Esqueça que um dia fomos sua família — nosso pai diz.

     Aquele homem a segura com mais força, tentando colocá-la dentro do carro enquanto Olivia chora.

— Eu vou voltar, querido. Eu prometo. Eu amo você, Eros. Eu vou voltar.

     Eros dá um passo para frente, assustado, quando Olivia finalmente entra dentro do carro, mas eu o detenho. Mesmo que ele tenha mudado de ideia e queira ir com ela, eu não vou deixar.

     Mas Eros parece esquecer essa ideia também ao passar seus bracinhos pequenos ao meu redor e começar a chorar. Ele ainda é muito pequeno para entender que é melhor assim.

     Nosso pai pega Eros no colo, e tenta acalmá-lo quando começa a voltar para dentro.

     Eu continuo na calçada, olhando para a rua vazia por onde o carro foi, carregando Olivia. Ela não era uma boa mãe para mim, eu acho até que ela me odiava. Mães não devem odiar seus filhos, principalmente quando eles não fazem nada de errado. E eu não fiz e deveria estar feliz que ela se foi para sempre, mas sinto algo salgado na boca e percebo que estou chorando.

     Se é melhor assim, porque eu estou chorando?

— Khalil. — Ouço a voz do meu pai e enxugo rapidamente meu rosto antes de correr até ele e pegar sua mão estendida para mim.

     É melhor assim.

     Abro os olhos, inspirando tão fundo que começo a tossir quando sinto o cheiro estranho de mofo.

     Pisco algumas vezes, processando que tive outro pesadelo de merda. Ou melhor, uma lembrança. A porra da maconha que Pax me deu não foi tão boa assim se ainda consegui sonhar com essa merda.

      Piscando mais algumas vezes, sento no banco de pedra. Minha cabeça dói e a apoio em minhas mãos enquanto tento processar as últimas horas.

     É inútil, no entanto. Eu devo ter tido outro apagão porque a última coisa que me lembro é de ir para um motel com Pax e uma garota aleatória. A garota queria transar numa cama de motel. Eu não me importo, de qualquer forma. Sexo é sexo. Nem Pax, que também topou e levou algumas drogas.

    Eu sei que provavelmente transamos, mas devo ter feito alguma merda se agora estou numa cela na cadeia.

— Porra, Pax — xingo meu amigo. Ele não deveria ter levado as drogas.

    Não pensei dessa forma na hora, no entanto. Qualquer coisa que tire aquele pesadelo da minha cabeça. É difícil quando eu revivo ele quase toda noite. Meu pai me colocou na terapia quando eu tinha seis – logo após descobrir sobre os meus ataques de pânico –, mas nada foi capaz de apagar aquela noite da minha cabeça. Nem os ocasionais apagões causados pelo meu "consumo excessivo de álcool", como diria a minha psicóloga que parei de ver quando fiquei maior de idade e meu pai não podia mais me obrigar a ir.

      Um barulho me chama atenção e eu ergo o rosto.

     A má iluminação da cela me faz semicerrar os olhos para poder enxergar melhor meu colega de cela. Ele está encolhido no canto, no chão, tremendo, apesar das calças e o casaco com capuz que cobre quase todo seu rosto e me impede de vê-lo corretamente.

— Você — digo, talvez um pouco bruscamente demais já que o garoto se encolhe. — Sabe há quanto tempo eu tô aqui?

     Ele balança a cabeça, negando e nem mesmo olhando para mim.

     Bom. Todas as vezes que eu estive na cadeia, meus colegas de cela nunca calavam a boca. É reconfortante ter um companheiro silencioso para variar.

     Pela janela minúscula logo acima da parede, vejo que ainda não amanheceu totalmente. Meu pai ainda deve estar dormindo, então é melhor esperar um pouco para ligar. Ele vai ficar irritado do mesmo jeito e me dar um sermão, mas pelo menos eu não vou tê-lo tirado da cama.

     O barulho que ouvi antes volta a me chamar atenção e eu encaro o garoto de novo. Ele está tossindo, esse foi o barulho que ouvi. A cela está úmida e fria e ele está sentado no chão. Não é surpresa que esteja tremendo mais que um pinscher com raiva.

— Quantos anos você tem? — pergunto, dando-me conta que ele pode ser menor de idade. É provável que seja. Ele é pequeno.

     O silêncio me responde e deixo pra lá.

     Eu deveria, mas o barulho dos seus dentes batendo uns nos outros está me irritando.

     Fico de pé e tiro minha jaqueta. Depois, me aproximo do garoto, me agachando na sua frente. Seus olhos estão fechados e suas mãos seguram firmemente seus joelhos contra o peito. Eu nem sei porque estou tentando ajudá-lo. Talvez porque eu saiba o que é ser um adolescente na cadeia. O nome da minha família e os privilégios que vêm com ele me livraram de muitas coisas, mas eu ainda lembro de quando fui preso pela primeira vez, quando tinha dezesseis anos. Foi no Halloween e os policiais não deixaram eu fazer uma ligação. Passei a noite tentando parecer invisível numa cela com homens que foram presos por crimes mais graves do que vandalismo.

     Eu claramente não aprendi a lição, mas isso não vem ao caso.

     No entanto, antes que eu possa colocar minha jaqueta no garoto, meus reflexos reagem quando vejo seu punho vindo no meu rosto.

    Eu seguro seu punho e depois o outro quando esse também se ergue para me atingir.

— Não encosta em mim! — grita, agora muito bem acordado… Espera aí…

— Você não é um garoto — contesto.

    Seu capuz caiu, revelando não só fios longos e muito escuros, mas um rosto jovem e delicado e nada masculino. Seus olhos são tão escuros quanto seus cabelos e um pouco puxados, revelando uma descendência asiática. Sua pele clara está um pouco suja, mas eu não esperaria coisa diferente de alguém que está na cadeia.

— Se você não me soltar, eu grito — a garota ameaça. Seu peito se move com respirações ofegantes e meus olhos vão para sua boca pequena e carnuda antes de eu balançar a cabeça, franzindo as sobrancelhas. Eu posso ter confundido seu gênero, mas ela ainda é uma adolescente e estou parecendo um assediador, prendendo-a contra sua vontade e encarando-a.

— Desculpe — murmuro, soltando seus pulsos e me levantando. Ela faz o mesmo, cruzando braços enquanto me observa dar passos para trás com as mãos erguidas. Aponto para a minha jaqueta caída no chão aos seus pés. — Você estava tremendo.

     A garota não diz nada, olhando para a jaqueta com indiferença.

— Seus pais sabem que você está aqui? — questiono, observando-a agora de pé. Eu estava certo, ela não parece ter mais de dezesseis anos.

— A não ser que os espíritos deles estejam aqui comigo, não, eles  não sabe. — Seu tom é seco e tão indiferente quanto o seu olhar, mas alguma coisa me diz que há algo mais por trás dessa reação.

— Que merda. Você tem alguém que…

— Por que você se importa? Minha vida não é da sua conta. E vê se me deixa em paz. — Então ela volta a sentar no canto da cela, mas dessa vez de frente para mim.

     Eu não insisto, então, pois ela está certa: eu não tenho nada a ver com a sua vida. Ela provavelmente não vai ficar presa por muito tempo já que é menor de idade.

     Sabendo que ela está me observando, retomo meu lugar no banco e deixo minhas mãos à vista. Ela não precisa ter medo de mim.

      Depois do que parece ser uma hora, um guarda finalmente passa pela nossa cela e eu decido que já está na hora de ligar para o meu pai. O policial concede o meu desejo de fazer uma ligação e me tira da cela.

     Quando volto, a garota e eu ainda não conversamos, apesar de eu ainda sentir seus olhos em mim. Me pergunto se ela percebe a tensão em meus ombros e em maxilar. Meu pai não quis esperar para me dar um sermão pessoalmente. Talvez tenha sido porque eu contei o motivo que fui preso dessa vez, após o policial me informar: perturbação à ordem pública, desacato e posse de drogas.

      Depois de mais uma hora, o policial volta para me buscar e é a última vez que eu vejo a garota.

     Ou foi o que eu pensei.

☠️

Dois anos depois (dezembro de 2015)


    Foda-se, eu odeio o Natal.

     Para todo lugar que olho, há enfeites, bolas coloridas e decorações extravagantes e idiotas. Inclusive na casa dos meus pais.

     Eu estou agora olhando para a enorme árvore de Natal na sala, tão cheia de enfeites que meus olhos doem só de olhar. Literalmente. É provável que minha dor de cabeça tenha mais a ver com a garrafa de whisky que eu esvaziei ontem do que com essa decoração horrenda, mas também não está ajudando.

— Você trouxe? — Tony se joga ao meu lado no sofá, chamando minha atenção.

— Não sou seu traficante. — Bebo o resto do enérgico, tentando não fazer uma careta. Meu pai acredita que eu estou tentando parar com o álcool, então não posso beber na sua presença. Mais um motivo para eu odiar o Natal.

— Cara, qual é?! Eu preciso disso. A faculdade está acabando comigo. Prometo que não vou contar pro pai e pra mãe.

     Solto um suspiro. Meu irmão adotivo é tão persistente aos dezoito anos quanto era aos dez, quando me chantageava para fazer as tarefas dele quando eu voltava para casa nas férias.

— Cinquenta — digo no fim. Ele pode ser meu irmão, mas não vai ganhar nada de graça.

     Anthony abre um enorme sorriso e tira a carteira do bolso, e dela, uma nota de cinquenta dólares. Eu pego e lhe entrego um pacote que tirei do bolso da minha jaqueta. 

— Não fume de uma vez e não compre na mão de outra pessoa. — Eu deveria dizer para ele não fumar, muito menos vender para ele, mas sei como a faculdade pode exigir muito e é melhor ele conseguir um pouco de diversão comigo do que com outra pessoa, o que pode lhe causar problemas.

— Pode deixar. — Ele rapidamente guarda o saquinho quando ouvimos a porta abrir. Só pode ser o Eros. Ele com certeza me mataria se soubesse que estou fornecendo drogas ao nosso irmãozinho.

— Meninos — minha madrasta, Carlota, entra na sala e sussurra para nós: — Eros está trazendo uma amiga, então sejam gentis com ela. Principalmente você, querido. — Ela diz a última parte para mim, é claro.

— Uma "amiga"? — Anthony murmura quando sua mãe se afasta. — Eros terminou com a Antártica e está trazendo uma namorada nova?

     Ele erra o nome da namorada de Eros propositalmente, que se chama America, a propósito. Nós não gostamos dela e Anthony expressa isso muito bem.

     Eu não digo nada, no entanto, principalmente quando nosso irmão entra na sala. Ele nos daria uma lição de moral, sem dúvidas, se ouvisse a gente falando qualquer coisa da sua amada. Eles me dão vontade de vomitar sempre que sou obrigado a ficar na presença dos dois.

— Boa noite — Eros cumprimenta. Ele e eu somos parecidos com nosso pai e um com o outro. Temos a mesma altura e o mesmo cabelo escuro, mas ele tem os olhos castanhos-esverdeados do nosso pai, enquanto eu tenho os olhos verdes dela. Meu irmão também é mais musculoso – rato de academia, cof, cof –, e sorri com muito mais frequência. Se existisse um Miss Universo para homens – ou já existe? –, meu irmão ganharia.

     A de fato, Miss Universo, America, está com Eros, mas eu não presto atenção nela ou na conversa que se inicia entre meus irmãos.

     Não, minha atenção está na mulher que chega depois, silenciosa e com olhos atentos. Ela não olha para mim, mas eu a observo, algo em mim se agitando. Ela é baixinha, com pele clara e cabelos escuros. Tão escuros que a luz parece fugir deles. Seu corpo pequeno está coberto por um vestido vermelho que só até os seus joelhos. Ela é bonita, isso está óbvio, mas não é com isso que estou intrigado.

    Então nossos olhos se encontram e eu sou atingido por algo desconhecido mesmo que eu reconheça esse olhar misterioso e sombrio. Eu fico imóvel, como um lobo quando vê sua presa, tomando cuidado para não fazer nenhum movimento que a assuste.

     Ela me observa. Eu a observo. E eu percebo que não existe uma presa aqui, porque nós dois somos lobos observando um ao outro. Basta saber se vamos nos devorar.

— Essa é a Kathryn. Ela é minha nova assistente na empresa — Eros apresenta a mulher que conheci há dois anos, naquela cela fria e úmida.

     Kathryn. O nome ecoa por mim enquanto observo o sorriso ensaiado que se forma em seus lábios pintados de vermelho. Ela não se parece em nada com a adolescente suja e raivosa que conheci na cadeia.

     Quantos anos ela tem, afinal?

— Pode me chamar de Kate. Prazer em conhecê-los — ela diz para Anthony e eu, mas aperta apenas a mão do meu irmão.

     Ela quer ficar longe de mim. Escolha inteligente.

— Sou Anthony. Esse é nosso irmão, Khalil.

     Novamente, ela traz seus olhos para mim, mas é rápido e ela logo desvia. Ela não conta que nós já nos conhecemos. Interessante.

     Anthony se oferece para ir pegar bebidas enquanto Kathryn senta com America e Eros, no outro sofá, de frente para mim.

     Eu passo os próximos minutos observando ela interagir com a minha família – meus pais se juntaram a nós há alguns minutos –, e a cada minuto, uma nova pergunta surge na minha mente: como ela conheceu meu irmão? Como ela saiu da cadeia naquele dia? Quantos anos ela tem? Eros não contrataria uma menor de idade para ser assistente dele, mas como eu supus que ela tinha dezesseis naquela época, ela deve ter dezoito agora. Mas sua postura e seu jeito de falar me dizem que ela é mais velha.

     E eu preciso saber. Menos de vinte e um é uma complicação e não importa o quão bonita ela seja, estará fora do meu radar se for mais nova que isso.

     Preciso ficar a sós com ela para descobrir.

     Meu plano era esperar até todos irem para a sala de jantar e eu abordá-la nessa hora, mas dá errado quando meu querido irmão decide ficar por último.

— Nem pense nisso — Eros diz, apontando um dedo para o meu peito.

— Eu não sei do que você está falando. — Tento passar por ele, mas Eros segura meu braço. Seu rosto está sério quando me encara e eu tenho vontade de revirar os olhos.

— Fique longe da Kate. Ela não é mulher para você.

     Olho por cima do ombro e faço um show ao analisar a sua nova assistente.

— Eu discordo. Ela é perfeita pra mim.

— A Kate já passou por muita merda, Khalil, e tudo que ela menos precisa agora é de alguém com a sua bagagem. Além disso, ela irá trabalhar comigo e eu não quero que você estrague isso também. Então fique longe dela, entendeu? Eu estou proibindo.

— Ou o quê? — desafio, me soltando do seu aperto. Eros adora bancar o irmão mais velho quando na verdade ele é quatro anos mais novo que eu.

— Ou eu te mando de volta para a reabilitação. É isso que você quer? Gostou tanto assim da última vez?

    Encaro meu irmão. Ele está falando sério, ele me mandaria para aquele lugar apenas para me manter longe da sua protegida. Ele se importa com ela, com essa garota que ele acabou de conhecer.

     E que se tornou território proibido para mim.

     Eu não sei porque dei ouvidos a ele. Eros não manda em mim, apesar de sempre interferir quando faço alguma merda. Ele nem mesmo é o mais velho.

      No entanto, quando nos juntamos aos outros na mesa, eu mantenho meus olhos longe dela, apesar de estar ciente de cada movimento seu, do timbre da sua voz e da sua risada.

     Eu me afastei, porque meu irmão está certo: eu não posso tê-la.

     Mas ela é minha.


☠️

OI, GENTEEEEEEEEEEEE

Como vcs estão? O que acharam desse prólogo? Curiosxs?

Quero que saibam que estou muito feliz em voltar! Os últimos meses sem escrever foram horríveis para mim e agora as coisas melhoram graças a essa história!

Enfim, é isso. Espero que tenham gostado e que o capítulo tenha deixado um gostinho de "quero mais".

PRÓXIMO CAPÍTULO DOMINGO (excessão)

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AUTORA.STELLA

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2bjs, môres♥

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