⁴⁷|Para sempre na nossa alma
— Se você fosse para uma ilha deserta, o que você levaria com você? — A voz de Pax alcança meus ouvidos. Ele parece distante, mas eu sei que está deitado ao meu lado na cama. É apenas o efeito da maconha nublando meus sentidos.
— Eu nunca iria para uma ilha deserta — respondo sem muito ânimo. Sinto Pax se mover ao meu lado, mas não abro os olhos para olhar.
— É uma situação hipotética.
— Ainda assim, eu não iria.
— Foda-se. Você é chato. Se eu fosse para uma ilha deserta, levaria muita maconha porque qual a graça de estar em uma ilha deserta se você não está chapado? — Concordo com ele, mas não digo nada. — Segundo, protetor solar.
— Que porra?
— Não quero pegar uma insolação. Aquela merda é horrível. Já tive uma vez quando era criança. Passo. A terceira coisa… — Faz uma pausa. Ele demora tanto tempo para falar de novo, que abro os olhos para ver se ainda está aqui.
— Qual a droga da terceira coisa? — pressiono. Por algum motivo, ele me deixou curioso com isso.
Seus olhos azuis parecem quase cristalinos agora quando a luz que entra pela janela, reflete em seu olhar. E de alguma forma, quando ele sorri, fica ainda mais intenso.
— Você — responde então.
— Eu disse a você: não irei pra porra de ilha nenhuma. — Reviro os olhos.
— Mas é a minha situação hipotética, você não pode opinar.
— Foda-se.
Pax não fica irritado com minha falta de emoção. Ele me conhece o suficiente para saber que eu não dou a mínima para essa porra de sentimentos. Para qualquer pessoa, significaria algo especial o fato de ser escolhido pra uma merda de situação hipotética numa ilha hipotética de merda. Mas eu não ligo. Eu não preciso dessas declarações. Eu não preciso que ele diga que me ama. Talvez o ame também. Quem se importa?
É para isso que servem a maconha e a vodka: você não precisa se preocupar com a porra dos sentimentos delas.
— Eu sei que estou na sua lista de três coisas também — Pax se gaba.
— Não, você não está.
— É claro que estou. Sou a única pessoa que te suporta.
— Eu te fodo muito bem para que você me suporte, não se esqueça.
Em vez de ficar ofendido, ele sorri. Viu só? Fodidos pra caralho.
— Você é tão romântico — ironiza, se aproximando para me beijar. Eu espalmo minha mão em seu rosto e o afasto.
— Saia daqui. — Não é um pedido verdadeiro. Pax também sabe disso, porque ele me beija mesmo assim.
Fácil e descomplicado. Foda-se os "eu te amo". Nós não precisamos disso aqui.
Talvez um dia.
Talvez um dia eu diga ele. Ainda temos muita vida pela frente.
️☠️
Ele dormiu. Sinto um enorme alívio quando percebo sua respiração mais profunda. Ele precisa desse descanso, mesmo que ao acordar, as coisas possam não estar muito melhores.
Com cuidado, consigo sair dos seus braços. Eu não quero deixá-lo realmente, mas prometo que será apenas por alguns minutos e deixo um beijo em seus cabelos.
Vou ao banheiro primeiro, aproveitando para levantar a poltrona que estava no meio do caminho. Quando entro no cômodo e encaro meu reflexo, estremeço ao ver meu olho vermelho. Um tom profundo de roxo também se formou na minha têmpora esquerda, onde seu cotovelo me acertou. Espero que eu consiga cobrir com um pouco de maquiagem. Não quero que Khalil acorde e veja isso.
Depois de usar o banheiro, dou batidinhas leves em meu rosto com as mãos molhadas. Isso não faz nada para melhorar minha expressão, mas pelo menos me acorda um pouco.
Encontro Eros na cozinha. Ele parece estar fazendo algo comestível. Seu terno se foi, e pelas mangas arregaçadas da sua camisa, eu diria que ele teve um pouco de trabalho para limpar a bagunça na sala.
— Ele dormiu — aviso, ocupando um banco na ilha da cozinha. Eros anue e depois de um minuto, empurra uma tigela com macarrão para mim. — Não estou com fome.
— Você precisa comer. E colocar gelo nesse olho também. — Sem minha permissão, ele segura meu queixo, virando meu rosto para avaliar o estrago.
— Tá bom, pai. — Afasto sua mão, rolando os olhos. O que ele diria se soubesse que levei um tiro nem duas semanas e meia atrás?
Sinceramente, não quero saber.
Para que ele pare de me encher, enfio algumas garfadas de marcação na boca. Sinto gosto de cinzas. Nunca comi cinzas, é claro, mas deve ter um gosto tão ruim quanto esse macarrão.
Pegando o pano de prato que graças a Deus estava próximo, cuspo a comida.
— Eca. O que você colocou nisso? — Faço uma careta, afastando o prato.
— Eu não tinha certeza se não estava passado da validade.
Lhe dou um olhar. Ele só pode estar brincando.
Meu amigo dá de ombros.
Eu jogo o resto fora e depois bebo água para tirar o gosto ruim da boca. Eros me entrega uma bolsa de gelo também. Eu não recuso, porque minha cabeça está a ponto de explodir.
— Você precisa voltar para a empresa — digo a Eros. Ele franze as sobrancelhas e sei que está pronto para argumentar, então continuo: — Não tem ninguém comandando a empresa agora. Anthony não está lá. Genevieve poderia fazer isso, mas ela está fazendo o trabalho de vocês dois já que você está aqui. A não ser que você queira contar a Carlota e a Enrico sobre isso.
Eros tensiona e relaxa a mandíbula por um minuto inteiro antes de suspirar.
— Ele teve uma recaída, Kate — comenta, sua voz quase um sussurro. — O melhor amigo dele morreu. Ele estará imprevisível.
— E eu cuidarei dele — garanto a Eros, porque eu ouvi a pergunta não feita. Ele está em dúvida se serei capaz de lidar com Khalil no estado que ele está. Eu me sentiria ofendida, mas isso não é sobre mim. Além disso, Eros está certo: Khalil como está agora é impossível de prever o que ele fará.
— Ele vai te machucar — sussurra. Eu sei que ele não está falando fisicamente. — Vai tentar afastar você. — Abro a boca para dizer que posso lidar com isso, mas Eros me surpreende ao completar: — E eu sei que não tenho o direito de te pedir isso, mas… Não deixe que ele te afaste. Eu não sei exatamente o que está acontecendo entre vocês, mas eu conheço meu irmão. Ele é intenso demais para o próprio bem. E se você o deixar… Eu não sei… Não sei se vamos conseguir trazê-lo de volta.
Olho para o final do corredor como se eu pudesse vê-lo. Quero voltar correndo para o quarto e envolvê-lo em meus braços para ter certeza que nada irá atingi-lo. Mesmo que isso signifique que quem se machucará sou eu.
E é por isso que eu sei que mesmo antes de Eros pedir, eu já estava disposta a ficar e ser machucada, apenas para garantir que não iremos perdê-lo.
Eu farei isso. Mesmo que sobre apenas pedaços de mim no final.
☠️
Encontro Khalil curvado sobre a privada, vomitando. Sem pensar duas vezes, me aproximo dele e me ajoelho ao seu lado, acariciando suas costas.
Eros foi embora há mais ou menos três horas. Eu voltei a deitar com Khalil e peguei no sono, acordando apenas agora. Quando percebi que Khalil não estava na cama, fiquei desesperada. Foi tão repentino que quase vomitei. Só depois que acalmei meu coração, ouvi barulhos vindo do banheiro.
Pego uma toalha do armário do banheiro e entrego a Khalil quando ele dá descarga. Depois de um momento observando sua respiração acalmar, tomo coragem para tocar no assunto. São quase quatro da tarde.
— Eu falei com Bree mais cedo — conto baixinho. Ele ainda não olhou para mim. — Ela me ligou para saber se você… — Engulo em seco, tendo certeza que a próxima a vomitar será eu. — Se você vai ao enterro.
Khalil fecha os olhos e eu me preparo para qualquer que seja sua reação.
E quando ele os abre… Não há nada lá. Nenhuma emoção. É como se ele tivesse apenas… desligado. E isso com certeza me preocupa mais do que quando ele estava sorrindo mais cedo. Aquilo ainda era alguma coisa. Ele está em negação. Agora? Eu não faço ideia.
Khalil está olhando para mim. Seus olhos se detêm no meu olho esquerdo. Deve estar pior agora que passou mais algumas horas. Tenho esperança de ver alguma reação sua, então. Talvez arrependimento, mesmo que não tenha sido sua culpa. Mas ele não me dá nada mais do que um piscar de olhos e um aceno de cabeça que demoro um segundo para perceber que é para a pergunta que eu fiz anteriormente. Certo. O enterro. O fato de ele querer ir é algo… né?
Engulo em seco novamente e aperto sua mão, esperando demonstrar minha solidariedade.
— Ok. Vamos tomar banho, então.
Fico de pé, estremecendo com a dor em meus joelhos doloridos. Toco minha barriga, sentindo o ferimento. Não está sangrando, então é um bom sinal.
Mais uma vez, Khalil me observa, mas não diz nada. Seu silêncio não é algo novo para mim, por isso não levo para o pessoal.
Enquanto ele tira o resto das suas roupas, eu ligo a torneira da banheira, pois o banheiro tem tanto uma banheira quanto o box, ambos separados. E nesse momento, acho que um banho de banheira será melhor para ele.
Khalil não reclama da minha escolha, entrando na banheira quando ela está quase cheia. Ele não tem óleos nem sais, então ficaremos apenas na esponja e sabonete.
Prendi meu cabelo e dobrei as mangas da minha camisa para não me molhar. E pelos próximos minutos, ajoelhada ao lado da banheira, eu lhe dou banho. Khalil fica sentado, abraçando seus próprios joelhos enquanto esfrego suas costas, e depois que esfreguei a maior a parte do seu corpo, quando lavo seu cabelo.
Quando ele está limpo, pego sua toalha e me levanto.
— Pode sair — aviso.
Khalil obedece e eu enrolo a toalha na sua cintura.
— Me espera no quarto, eu já vou.
Novamente, sem hesitar, ele faz o que eu mandei. Eu deveria estar grata que ele está me ouvindo neste momento, mas acontece que só sinto um aperto no peito.
Quando ele passa pela porta e desaparece da minha vista, me seguro no mármore da pia, me curvando para frente enquanto levo minha mão a barriga e respiro fundo. Eu não sabia que era possível sentir dor na alma, mas vê-la desse jeito… Isso está me matando. Como é possível que eu tenha enfrentado tantas coisas, mas a cada segundo que passa e Khalil continua assim, um buraco negro se abre cada vez mais na minha alma?
Eu me recomponho, respirando fundo outra vez e engolindo o nó na minha garganta. Quando me olho no espelho, enxugo os cantos dos meus olhos e ajeito minha postura.
Você não pode desabar também. O que você está sentindo não é nada comparado ao que está se passando com ele. Respire fundo e aguente. Ele precisa de você.
É isso. Eu me dou mais três segundos. Quando acaba, sou uma mulher controlada outra vez, pronta para ser o que Khalil precisa.
Depois de tirar o ralo da banheira e enxugar minhas mãos, vou para o quarto. Khalil está sentado na cama, olhando para a parede, seu olhar perdido. O aperto em meu coração se intensifica, mas me obrigo a respirar fundo e continuar.
No seu closet, pego um terno preto – é a única cor predominante aqui, de qualquer forma – e começo a passar na tábua dobrável que tem no closet. Quando está perfeito, trago para o quarto, com a gravata e os sapatos.
— Vamos vestir você — anuncio.
Khalil fica de pé. Eu termino de secá-lo para que eu possa vesti-lo.
— Pés — peço. Ele põe um pé no buraco da cueca e depois o outro. Fazemos isso de novo com a calça, as meias e os sapatos. Pego a camisa branca de botão e o desodorante. — Braços. — Abotoo cada botão depois de passar desodorante e de vesti-lo, então ponho a gravata. Mesmo de frente para ele, seus olhos estão longes de encontrar os meus. Eu lido com isso, me concentrando em colocar sua camisa por dentro da calça, em pôr o seu cinto e em fazê-lo vestir o terno. — Você quer o sobretudo e as luvas?
Dessa vez, ele demora para acenar, olhando primeiro para suas mãos como se buscasse resposta. Quando as encontra, ele assente.
Corro para pegar e ao voltar, fazemos o mesmo processo de vestir.
Fico na ponta dos pés para pentear seu cabelo com o pente. Quando termino, ele está pronto.
— Me dê dois minutos — peço.
Volto para o banheiro, trazendo minha bolsa comigo dessa vez. Sempre trago maquiagem na minha bolsa, então com um pouco de base e pó compacto, consigo esconder um pouco do roxo horrível que se formou em meu olho e na minha têmpora. Solto meu cabelo e jeito minha roupa também.
Ao retornar ao quarto, lembro de pegar os óculos de sol para Khalil. Não lhe entrego de imediato, guardando na minha bolsa. Lembrei de pegar porque vi os meus na minha bolsa.
Estamos prontos para sair, mas lembro de outra coisa. Vou até a cozinha buscar um pouco de água, e ao retornar, pego meu frasco de Ibuprofeno. Faz algumas horas que Khalil bebeu e se drogou, então não acho que seja tão ruim assim lhe dar um. Tenho certeza que ele está com dor de cabeça, como eu – e por isso já tomei um.
— Aqui. — Pego sua mão aberta e deixo um comprimido nela. Ele olha para a bolinha branca e depois para o fresco na minha mão. Khalil o pega. Fico tão surpresa que demoro para reagir. E quando faço, é tarde demais, ele já despejou boa parte do que tinha no frasco, na boca. Não sei quantos foram, mas me desespera mesmo assim. — O que você fez?! — Avanço, pegando o fraco de volta, mas o estrago já foi feito.
Eu olho dentro do recipiente. Sim, com certeza há menos aqui do que quando eu peguei para lhe dar. Meu coração bate na minha garganta quando olho para Khalil.
— Quantos você pegou? — pergunto calmamente. Eu sei que não foi o suficiente para… para que algo ruim acontecesse, mas…
Khalil abre a boca, me mostrando sua língua. Há cinco comprimidos lá. Jesus.
— Cospe — mando, peço, imploro. É impossível que ele não perceba o desespero na minha voz.
Mas se percebe, não se importa, porque ele começa a mastigar os cinco comprimidos.
E nesse momento, eu sinto medo.
Medo que eu não seja o suficiente para trazê-lo de volta. Ou pior. Medo que já o tenhamos perdido.
☠️
Khalil não se importou quando peguei seu celular para ver o endereço de onde seria o funeral. Meu coração doeu quando ao ligar o aparelho, vi nossa foto, aquela que tirei no restaurante, como tela de bloqueio. Meus olhos se encheram de lágrimas, mas respirei fundo e me forcei a continuar novamente.
Agora estou fazendo a mesma coisa quando saímos do carro. Khalil deixa eu pegar sua mão. Pela primeira vez desde a hora que falei sobre o enterro, ele demonstra alguma coisa: aperta minha mão conforme adentramos a funerária. Eu aperto de volta, dizendo silenciosamente a ele que estamos juntos nessa.
Quando adentramos o local, sinto o suave cheiro de flores ao mesmo tempo que percebo quão poucas pessoas há aqui. Por sempre mostrado nas manchetes em festas, achei que Pax seria uma pessoa popular e haveria mais pessoas aqui. Mas o que encontramos são no máximo dez homens e mulheres.
Uma delas, em particular, se levanta de onde estava sentada na cadeira, quando nos vê. Bree Abernathy é alta para os padrões de uma modelo, com mechas rosas no cabelo loiro e impressionantes olhos azuis. Nas fotos que muitas vezes vi em sites de fofocas, a herdeira de um dos maiores investidores de Chicago, tinha sempre um sorriso no rosto. No entanto, neste momento, não há nenhuma felicidade em seu semblante. Seus olhos estão vermelhos, mas ela se esforça, abrindo um pequeno sorriso ao se aproximar de nós, seu foco em Khalil.
— Ei, você veio — diz ao homem ao meu lado. Eu dou um passo para trás, dando privacidade aos dois quando Khalil solta minha mão para abraçá-la.
Busco pelo ciúmes, mas… Não seria certo. Além disso, Khalil parece sentir mais carinho por ela do que atração.
O que me surpreende, no entanto, é o seu sussurro rouco.
— Como isso aconteceu, Bree? Como ele pôde fazer isso? — pergunta. Minha garganta se fecha com a dor em sua voz.
Ouço Bree fungar um segundo antes de responder:
— Eu não s-sei. Nós não estávamos nos falando. Ele estava me afastando. Mas ele me ligou ontem, pedindo que eu fosse a sua casa. — Seu choro se intensifica. — Eu não cheguei a tempo o suficiente, K. Eu não pude salvá-lo.
Isso significa que… Oh, meu Deus, foi Bree que o encontrou.
Olho para Khalil. E se fosse Khalil no lugar de Pax e eu no Lugar de Bree? E se Eros e eu não tivéssemos chegado a tempo também? Nunca pensei que Khalil fosse suicida, mas hoje, ao tomar aqueles comprimidos, ele plantou esse medo em mim.
Não posso pensar nisso agora. Simplesmente… não posso.
Depois que Khalil consola ela, dizendo que não foi sua culpa, eles se afastam para que Khalil vá até o caixão aberto. Não tinha tido coragem de olhar ainda. E agora que faço, sinto a bile na garganta.
Enquanto Khalil vai até lá, dou um abraço em Bree.
— Sinto muito pela sua perda — digo, minhas palavras sinceras.
— Obrigada.
Ao nos afastarmos, meu olhar já está em Khalil de novo. Ele está de costas para mim, então não posso ver seu rosto, apenas sua mão estendida para tocar o corpo. Dessa vez, desvio o olhar. Me envergonho de dizer que não é apenas para lhe dar privacidade, mas também porque sinto uma pontada ridícula de ciúmes. O homem está morto e Khalil está a beira de um colapso, pelo amor de Deus.
— Irônico, não é? — Bree murmura ao meu lado. Olho para ela, mas a mulher está olhando para onde Khalil está, com dor estampada em seu rosto. — Eu perdi o amor da minha vida… E o amor da vida dele era outra pessoa.
Suas palavras doem por vários motivos diferentes.
— Sinto muito — repito, porque é tudo o que tenho para lhe oferecer.
Bree me encara, assentindo ao forçar um sorriso, lágrimas brilhando em seus olhos.
E eu só consigo pensar em uma coisa: Deus, por favor, não me deixe estar no seu lugar um dia.
O funeral foi curto, celebrado por um padre. Khalil ficou calado o tempo inteiro, mesmo quando o padre perguntou se alguém queria dizer algumas palavras. A única pessoa a se manifestar foi Bree. Eu fiquei emocionada com o seu discurso. Foi uma declaração de amor e uma despedida. Doeu tanto quanto soou.
Depois, seguimos o carro da funerária para o cemitério. Foi uma viagem curta e silenciosa até o Rosehill Cemetery.
Agora que estamos aqui, nenhum de nós desce de imediato. Estou acostumada a vir nesse lugar porque é onde minha mãe – Yuna – está enterrada. Mas faz algum tempo que não venho visitar seu túmulo e me sinto culpada por isso.
Quando avisto Bree parada na frente do cemitério esperando por nós, percebo que a hora passou. Eu coloco meus óculos de sol e deixo Khalil decidir se usará o seu. Ele escolhe usar.
Por fim, saímos do carro. Logo, alcançamos os portões majestosos do Rosehill Cemetery. Khalil é um dos quatros homens a carregar o caixão de Pax, por isso fico mais atrás com Bree.
Apesar de ser o que é – um lugar para enterrar seus familiares e entes queridos –, fico, como sempre, impressionada com sua serenidade e beleza etérea. Caminhamos pelos caminhos sinuosos que se entrelaçam entre árvores centenárias, cujas copas se unem em um dossel verde que filtra a luz do sol, criando um jogo de sombras suaves pelo chão de pedra.
Passamos por monumentos e lápides, erguidos com reverência e arte, que contam histórias silenciosas de vidas que haviam deixado sua marca no tecido de Chicago. À medida que caminhamos, pássaros entoam canções suaves, criando uma trilha sonora sutil que preenche o silêncio da caminhada.
Paramos perto do grande buraco na terra. A cova que Pax será enterrado. Khalil vem para o nosso lado quando uma equipe do cemitério com guinchos fica responsável de colocar o caixão na cova.
Pego sua mão, dando um forte aperto. Ele me responde da mesma forma.
Quando o caixão bate na terra, Bree se aproxima da beirada. Ela tem uma rosa branca na mão, a qual ela deposita um beijo.
— Eu sempre vou te amar — sussurra ao jogar flor.
Chorando, ela dá as costas ao caixão e corre para os braços de Khalil, em prantos. Durante os minutos que a terra é jogada sobre o caixão, ele não a solta. E eu fico feliz que não o faça. Não posso sentir ciúmes de Bree quando ela precisa de tanto apoio quanto ele. Na verdade, me sinto profundamente triste por ela também.
— Vamos fazer uma reunião na minha casa — ela está contando a Khalil. Estão colocando a lápide. — Em memória dele. — Ela ergue o rosto para encará-lo. — Venha, por favor.
Khalil assente sem nenhuma hesitação.
Eu, no entanto, tenho um mal pressentimento sobre isso.
Antes de irmos, dou um último olhar na lápide.
Paxton Doyle
01/04/1987
Amigo querido
"Para sempre em nossos corações, para sempre na nossa alma."
E eu me pergunto… se no coração de Khalil terá espaço para qualquer pessoa além de Pax, seu primeiro amor.
☠️
A casa de Bree, na verdade, é uma casa de construção vitoriana em Old Town, norte de Chicago.
Ao descer do carro e acompanhar Khalil, é impossível não notar a exuberância de detalhes. Passamos pela fachada – uma verdadeira tapeçaria de madeira entalhada, bastante ornamentada com uma torre majestosa que se eleva acima – e pela espaçosa varanda adornada com balaustradas intrincadas.
Todos os outros chegaram antes de nós, então ao adentrar a propriedade e cruzar o limiar, já é possível ouvir as vozes e talvez música clássica tocando. Khalil está liderando o caminho. Claro que ele conhece o lugar. Provavelmente ficava muito aqui com Bree e Pax.
Acabamos em uma sala, com aquelas mesmas pessoas do velório. Khalil não me apresentou a elas, mas também não parecem muito interessados em saber quem eu sou. Por mim tudo bem.
Sigo Khalil até um sofá, sentando ao seu lado. Nós dois ficamos em silêncio até Bree voltar. Meu estômago dá um nó quando vejo o que tem nas suas mãos: três copos de whisky. Para nós.
Abro a boca para dizer que não vamos beber, mas sou totalmente pega de surpresa por outro fator: Bree sentando no colo de Khalil.
Devo deixar algo transparecer em meu rosto, porque Bree olha de relance entre nós dois.
— Tudo bem, certo? — Khalil não responde. Na verdade, ele parece bem confortável ao virar todo o conteúdo do copo que ela lhe deu. — Estou acostumada com relacionamentos abertos. Achei que vocês tinham um, mas pelo visto não. Droga, desculpe, não sei o que estava pensando.
Bree levanta, mudando para o braço do sofá.
Encaro Khalil. Tiramos nossos óculos, ele sabe que eu o estou encarando.
— Podemos conversar? — Quando ele apenas me encara sem expressão, acrescento: — A sós.
Ele não chega a revirar os olhos, mas pelo seu suspiro, sei que ele faz isso mentalmente.
Nós nos levantamos, mas antes de nos afastarmos, Bree chama:
— Espere. Esqueci de entregar isso. — Então tira do sutiã dois comprimidos e põe na mão de Khalil. E eu simplesmente sei: isso não é Ibuprofeno.
Pego o pulso de Khalil e lidero o caminho até o corredor. Parando em frente a uma pintura de uma mulher nua comendo maçã, digo:
— Vamos embora.
— Não — É isso, a sua primeira palavra dirigida a mim em horas.
Respiro fundo, lembrando que ele perdeu o melhor amigo, um homem que ele amou romanticamente. Ele está de luto e eu preciso ser compreensiva.
— Eu sinto muito pelo Pax — digo calmamente. Seu olhar vacila por um mísero segundo, mas só. — Sinto muito que você esteja passando por isso e quero que saiba que não sairei do seu lado. Mas essas pessoas…
— Eles são meus amigos.
Balanço a cabeça, dando um passo à frente e ficando na ponta dos pés para segurar seu rosto.
— Não — sussurro. — Não, são, e você sabe. Todos naquela sala vieram para beber e se drogar. E eu entendo que esse é o modo de escape deles, mas não precisa ser o seu.
Khalil dá um passo para trás, se afastando tão abruptamente que eu tropeço. Mais uma vez, tento não levar para o pessoal e o observo puxar os cabelos, me olhando como se não me conhecesse.
— Você acha que eu gosto disso? — sussurra, raiva enchendo o seu tom. — Acha que eu tenho alguma escolha?
Engulo em seco, lutando contra as lágrimas.
— Encontraremos uma, juntos — digo.
— Eu não quero. E sabe por quê? — De repente, ele avança, me obrigando a recuar um passo para trás até bater na parede. Com seus olhos avermelhados e o olhar duro, ele está com uma aparência sinistra. E mesmo não sentindo medo dele, ainda me causa um arrepio. — Por que eu não quero sentir, Kathryn. Eu não quero sentir a dor. É insuportável — confessa, sua voz tremendo. — Eu não consigo respirar, você entende?
Anuo, sentindo minhas bochechas molhadas.
— Sinto muito — repito. Eu queria dizer a ele que estou sentindo a mesma coisa, e ele está bem aqui na minha frente.
Não sei o que Khalil vê no meu olhar, mas parece derrotá-lo. Seus ombros cedem e ele apoia a testa na minha.
Ficamos assim por um bom tempo, apenas respirando. Até ele quebrar o silêncio.
— Deixa eu mostrar a você como é — sussurra, acariciando minha bochecha. Nós dois olhamos para baixo, para sua outra mão aberta. Os dois comprimidos estão lá. Eu sei que é êxtase. — Deixa eu fazer você entender.
Começo a balançar lentamente a cabeça, mas Khalil encontra meu olhar.
— Por favor. Eu preciso de você comigo, Kathryn… Por favor, não me deixe.
Eu encaro seus olhos… e sei que não posso negar isso a ele. Qualquer coisa que ele me pedir, eu darei, porque ele precisa de mim. E às vezes… Às vezes precisamos nos perder para encontrar alguém.
Khalil vale a pena. Então irei até o fundo do poço com ele, para que eu possa trazê-lo de volta.
— Tudo bem — sussurro.
Ele dá um pequeno sorriso, então cada um de nós engole um comprimido.
☠️
Oi, oi, oi. Desculpem a demora...
O que foi esse capítulo?????? Não tenho nem palavras... Tô destruída pelo Khalil, mas tbm pela Kate. Como lidar com isso?????
Ainda bem que tenho vcs pra sofrer comigo KKKKKKKKKKKKKK.
Enfim, até sexta. Espero conseguir postar. Tô com bloqueio criativo pro capítulo 50, e n gosto de postar sem ter outros reservas... Então vamos ver. Até 💋♥
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2bjs, môres♥
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