⁴⁶|Não foi sua culpa
Acho que ultrapassei três sinalizações. Não que eu esteja me importando com isso no momento.
Com muita pressa e o coração acelerado, não tenho tempo de levar meu carro para o estacionamento. Eu o deixo na frente do prédio e saio, mal me lembrando de trancar.
Enquanto corro para dentro, repasso minha conversa com Bree.
— A polícia disse que foi overdose. Mas… — Bree faz uma pausa, fungando. — Eles não sabem dizer se foi s-suicídio ou ele apenas injetou demais.
— Eu sinto muito — consegui dizer. Minha cabeça está girando e acho que posso vomitar. — Quando você falou com Khalil?
— Por volta das seis.
Fecho os olhos, suspirando. Eu saí antes de ele acordar. Hoje foi meu primeiro dia de trabalho depois de semanas e eu não tinha nenhuma roupa apropriada no apartamento de Khalil. Achei que iríamos para o meu ontem, mas ele me persuadiu a passar o dia na cama. Então, de manhã cedo, acordei e fui para casa, lhe deixando apenas um bilhete.
Pelo relato de Bree, ela não deve ter ligado muito tempo depois.
— Acha que ele tem condições de ir? Ele e Pax eram muito próximos. Faremos uma reunião depois, em memória de Pax. Tenho certeza que ele gostaria que Khalil estivesse lá.
— Sim… Claro… Eu… — Pigarreio, passando a mão pelo meu rosto. — Falarei com ele.
— Ok. Obrigada.
Isso foi a meia hora, no máximo. E faz quase cinco desde que deixei Khalil. Por que não vim ao seu apartamento antes? Por que não dei ouvidos ao meu pressentimento? Desde que se tornou CEO, Khalil nunca havia se atrasado – tirando as vezes que estávamos juntos – então é claro que eu algo tinha que ter acontecido.
— Estava tentando ligar para você.
Paro, vendo Eros conversando com o síndico.
— Arnold me ligou. Khalil está com o som alto outra vez — explica, assentindo para o outro homem e me seguindo até o elevador. Aperto o botão sem parar. — Sabe o que aconteceu? Estava indo para a empresa depois de deixar Freya com nossos pais.
Continuo apertando o botão. Por que os elevadores sempre demoram quando precisamos deles?
— Kate? — Eros toca gentilmente meu braço para chamar minha atenção. Eu não olho para ele. Não quero que ele veja o quão assustada eu estou.
— Pax Doyle está morto. Overdose. Não sabem se foi proposital ou não. Bree ligou para o escritório. Eu vim imediatamente.
Estava quase desistindo e escolhendo as escadas, quando as portas de metal abrem. Eu corro para dentro. Eros demora mais alguns segundos, provavelmente digerindo a informação, mas consegue entrar antes que as portas se fechem. Eu o deixaria lá se ele não tivesse sido rápido o suficiente.
Aperto o botão do andar de Khalil.
— Você acha que… — começa, mas balanço a cabeça.
— Eu não sei.
A subida é silenciosa, mas tão tensa que daria para cortar o ar. Eu continuo evitando o olhar de Eros, mas o observo pelo canto do olho enquanto ele anda de um lado para o outro, passando a pelo rosto e puxando o cabelo.
— Seja paciente com ele. Por favor — peço baixinho. — Qualquer que seja o estado que nós o encontrarmos, não surte.
Eros para de andar e me encara. Permaneço olhando para frente. Por um segundo acho que ele irá refutar, mas meu amigo apenas anue, respirando fundo uma última vez.
O elevador apita. As portas abrem. E música alta nos alcança.
Está tudo bem. Está tudo bem. Está tudo bem.
A diferença é que não está. Eu sinto. Passei tanto tempo com ele nas últimas semanas, que eu já conheço os sinais. Eu literalmente posso senti-lo através das paredes conforme enfio a chave e giro a fechadura, abrindo a porta.
É pior do que eu pensei. E eu pensei muitas coisas.
A música é apenas um zumbido em meus ouvidos enquanto eu observo os móveis destruídos. Parece que um furacão de categoria cinco passou por aqui. Sua TV está jogada no chão com um enorme amassado; cacos e mais cacos de vidro estão espalhados pelo chão em meio a livros e quadros e toda sua pouca decoração. Completamente diferente de como estava quando saí mais cedo.
Sua mesa de centro – uma nova –, está inteira, no entanto. E é isso que faz meu estômago embrulhar. Porque sobre a mesa de carvalho, estão várias carreiras alinhadas de pó branco. Cocaína. Mas não só isso, mas alguns saquinhos também. Maconha. E para completar o banquete, há as garrafas. Algumas estão cheias, outras lacradas, mas muitas estão vazias. Whisky, vodka, tequila… O que você imaginar, tem ali.
— KIT KAT! — Ouço uma voz animada gritar por cima da música. Eu a reconheço, mas desconheço ao mesmo tempo. E quando olho para a fonte, posso jurar que meu oxigênio é cortado.
Khalil está vindo do corredor da cozinha, uma garrafa de whisky em uma mão e um baseado na outra. Está de jeans, mas sem camisa. A visão dele é muito parecida com uma facada próxima ao meu coração. Seu sorriso me machuca. É estranho. Ele parece feliz, mas eu sei que ele não está.
— Khalil… — Dou um passo na sua direção, mas ele me encontra primeiro, me envolvendo em um abraço apertado. Eu fico sem reação no primeiro momento, deixando minha bolsa cair no chão, mas me recupero rapidamente, lhe abraçando de volta. Ele está suado e com um cheiro forte de bebida e maconha. — Eu sinto… — não consigo terminar de falar porque ele me afasta de repente.
— Você quer um pouco? — Ergue a garrafa que está segurando. Faço que não, engolindo em seco. Deus, eu quero chorar.
— Irmão — Eros diz atrás de nós, chamando a atenção de Khalil. Um sorriso enorme surge na sua boca e ele se afasta de mim para abraçar Eros.
— Meu irmãozinho mais novo — diz, rindo. — Não. Espere. Você é o do meio. Mas foda-se, ainda sou mais velho que você.
Encontro o olhar de Eros pela primeira vez desde que chegamos. Devastação e dor. Essas são palavras que eu usaria para descrever o que eu encontro. Provavelmente é a mesma coisa que ele vê ao olhar para mim.
— E aí, cara — Eros murmura, forçando um sorriso. Eles ainda estão abraçados. — Parece que você quebrou algumas coisas aqui.
O carinho na sua voz parte meu coração e preciso desviar o olhar. Levo a mão à barriga, olhando em volta mais uma vez enquanto respiro fundo. Mas para onde quer que eu olhe, só encontro destruição.
— Vou redecorar — Khalil anuncia. Acho que ele diz mais alguma coisa, porém o barulho da música não me permite ouvir.
Resolvo acabar com isso, então. Sem pensar duas vezes, vou até o aparelho de som e o tiro da tomada. Apesar do alívio de não ter mais meus tímpanos sendo ameaçados, não ajuda em mais nada.
— Kit Kat! Por que você tirou a música? — Khalil se afasta do irmão, me alcançando. Uma carranca domina seu rosto.
— Khalil… — Passo minha mão por seus braços, buscando seu olhar. Ele está olhando para mim, mas não é o meu Khalil ali. Este não é o mesmo homem que cuidou de mim por vários dias, que tem me feito sorrir e ser um boba melosa.
Não sei o que ele vê no meu rosto, mas por um breve momento, posso sentir sua mudança, como se ele tivesse tirado essa máscara que colocou.
— Qual o problema? — pergunta. Seu polegar limpa minha bochecha quando uma lágrima escapa.
— Eu sinto muito — sussurro, minha garganta apertada.
Preciso me controlar. Ele precisa de mim agora e eu não posso surtar. Eu sei lidar com essa situação. Eu posso fazer isso.
O vinco entre suas sobrancelhas relaxa, mas não para dar lugar a qualquer tipo de reconhecimento. Não, Khalil se afasta de mim, balançando a cabeça. Logo depois, ele vira a garrafa na boca, buscando conforto na bebida. Porque ele está em negação. Ele não quer acreditar que seu melhor amigo, uma pessoa que ele amava, está morto. E não podemos nem julgá-lo por isso.
— Vou colocar a música de volta — avisa para ninguém em especial.
— Espere. — Eros entra na sua frente, as mãos erguidas. — Por que você não senta um pouco?
— Eu estou bem. Quero ouvir música. Kit Kat, diga a ele que eu gosto de ouvir música.
— Já falamos sobre isso, lembra? — pergunto com uma calma que eu não tenho. — Você não pode ouvir música alta por causa dos vizinhos.
— Foda-se os vizinhos. — Ele avança, pronto para passar pelo irmão, mas eu agarro seu abraço.
— Khalil, por favor, vamos c…
Eu vejo isso chegando, mas eu não consigo me defender. Estou entorpecida, talvez. De qualquer forma, a dor atinge minha cabeça sem que eu possa fazer nada, além de cambalear para trás.
Khalil me acertou com o cotovelo.
— Porra! Kit Kat… Kathryn, porra, você está bem? — Suas mãos estão em mim no segundo seguinte, segurando meu rosto. — Porra, porra, porra! Desculpe. Eu não… Eu não sei como aconteceu… Desculpe. Eu não fiz de propósito. Sinto muito. Sinto muito, Kate.
Consigo semicerrar os olhos enquanto uma dor insuportável começa a abrir caminho até meu crânio. O golpe foi na minha têmpora esquerda. Irei sobreviver.
— Está tudo bem — garanto a ele ao segurar seus pulsos. Eu sei que ele não fez de propósito. Eu o agarrei e ele tentou se soltar. — Eu sei que você nunca me machucaria de propósito.
— Mas eu fiz. — Quando minha visão entra em foco, eu percebo o que ainda não tinha notado: o horror completo em seu rosto e o puro desespero em seu olhar.
— Eu estou bem. Foi um acidente — digo mais suavemente, esfregando uma mão em suas costas e a outra no seu rosto. — Não foi sua culpa.
Seus olhos se fecham e Khalil apoia sua testa na minha. Um estremecimento percorre seu corpo. Eu sinto e observo um pouco da tensão ir embora. Mas o que fica, no entanto, ainda faz meu coração rachar mais um pouco.
Khalil está chorando. Não sei se ele percebe, mas eu vejo as lágrimas que silenciosamente deixam um rastro pelas suas bochechas. Outro estremecimento o percorre. Eu o seguro com mais força.
— Ele… — começa, fazendo uma pausa para respirar. — Ele se foi. Para sempre.
Um nó se forma em minha garganta.
— Sinto muito — sussurro. Palavras. Meras palavras é o que eu tenho para lhe dar.
Agradeço mentalmente a Eros por estar aqui, porque quando Khalil desaba, eu não sou o suficiente para segurá-lo.
Caímos de joelho. A dor nas minhas articulações não é nada comparado a dor em meu peito conforme Khalil se agarra com força a mim. Eu faço o possível para confortá-lo, murmuro palavras de apoio e deixo ele saber que estou aqui com ele, mas eu sei que não é o suficiente. Queria poder tirar sua dor.
Fui treinada para suprimir minhas emoções, mas dói tanto observá-lo desmoronar, que em algum momento minhas lágrimas se misturam com as suas. Queria poder abrir meu peito e extrair minha força, para depositar em Khalil. Eu faria se fosse possível. Não importa o quanto doesse ou que faria comigo, eu faria qualquer coisa para tirá-lo desse sofrimento.
Beijo sua testa enquanto acaricio seu cabelo e suas costas. Vai ficar tudo bem, meu amor. Vai ficar tudo bem.
Quando olho para cima, encontro Eros sentado no sofá, os cotovelos apoiados nos joelhos e as mãos entrelaçadas pressionadas contra a boca. Ele está nos observando, seus olhos tão emotivos que ele não precisa dizer nada para que eu o entenda: meu melhor se sente tão impotente quanto eu.
Talvez horas ou dias depois, começo a ceder sob seu peso. Meus joelhos doem. Meus braços e pernas estão com câimbras. Mas eu não quero soltá-lo. No entanto, sei que não conseguirei segurá-lo por mais tempo.
Eros deve ver minha luta, porque ele se levanta, vindo até nós.
— Vamos. Vamos colocá-lo na cama.
Anuo e então, começamos um trabalho em equipe. Khalil ainda está consciente, mas está tão entorpecido que deixa seu irmão lhe puxar para cima. Eros é cuidadoso. Não sei por que pensei que ele pudesse surtar. Ele ama o irmão, é claro que ele escolheria ajudá-lo em primeiro lugar.
Depois de me levantar, vou para o outro lado de Khalil para ajudar Eros a carregá-lo. Nós o levamos para o quarto. Como na sala, este cômodo também está uma bagunça. Ele quebrou os dois abajures, e sua poltrona está jogada perto da porta do banheiro. A madeira da porta está amassada, e provavelmente foi feito algum estrago nas dobradiças também porque a porta está pendendo levemente.
Nós o colocamos na cama. Eu vou junto porque não pensei rápido o suficiente e em vez de soltá-lo, continuei lhe segurando. Quando tento me afastar, porém, para ajeitar melhor seu corpo na cama, Khalil se enrosca ao meu redor como uma criança com seu bicho de pelúcia. Seus braços me seguram apertado e ele tem uma perna sobre a minha, seu rosto enterrado em meu peito.
— Estamos aqui com você — sussurro ao beijar sua testa.
Olho para cima, para Eros parado ao lado da cama. Ele se inclina sobre nós, passando a mão pelo cabelo de Khalil. Há tanta dor em seus olhos olhos… Tanta dor… Queria poder consolá-lo, mas não sei o que fazer nem com a própria dor que estou sentindo.
Por fim, Eros se afasta, pigarreando.
— Vou arrumar a bagunça — avisa com a voz rouca. Eu anuo, mas ele ainda permanece aqui por mais um minuto.
Quando vai embora, fecho meus olhos e abraço Khalil com mais força.
— Vai ficar tudo bem… Tudo ficará bem… — prometo a ele.
O problema é que eu não tenho tanta certeza de que essa promessa será cumprida.
☠️
BOA NOITEEEEEE. OBRIGADA PELOS 25K
Vcs chegaram à 95 votos, gente. Não foi 100, mas foi quase. E eu postei mesmo assim por causa do esforço de vcs💫❤️. Obrigada 😣❤️
Oq vc acharam do capítulo??? Chorei um tiquinho escrevendo😣🖤
Eu sei que o capítulo n foi grande, mas dá pra aliviar a ansiedade até terça-feira 🖤✨
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2bjs, môres♥
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