⁷|Meu perseguidor

    Ele está atrás de mim.

    Ele quer me pegar.

    Eu não tenho a menor ideia de quem "ele" seja, mas olho por cima do ombro e engasgo com a minha respiração acelerada.

     Lá está ele, vestido de preto da cabeça aos pés, com aquela máscara de caveira cobrindo seu rosto. O que é isso, halloween antecipado? De onde esse doido saiu e por que ele está atrás de mim? Por que eu tive a sensação, quando ainda estava dentro do carro, que ele quer me machucar?

     Claro que ele quer te machucar, ele está seguindo você às duas da manhã numa rua deserta onde você não tem a quem pedir ajuda.

     Isso é verdade. Eu parei para respirar depois de correr por dois quarteirões e perceber que ele não estava me seguindo, mas fui idiota ao começar a caminhar ao invés de correr. E agora ele me alcançou.

     Corra.

    Quase posso ouvi-lo me desafiar porque ele não está diminuindo a distância entre nós e ambos sabemos que ele pode, só não quer. Ele quer brincar comigo? Me assustar?

      Ele não sabe com quem está brincando.

     Não, ele não sabe, mas não posso mostrar a ele agora quando tudo o que tenho é meu par de saltos, porque obviamente eu tinha que esquecer minha bolsa no banco de trás do carro.

     Acelero meus passos, mal sentindo as picadas de dor quando piso em pedras e cacos de vidro porque estou muito ocupada me preocupando se vou morrer hoje à noite para notar pedrinhas no chão.

      Estou olhando para frente, mas não vejo realmente os prédios e estabelecimentos. Eu posso senti-lo mais perto, posso ouvir o barulho das suas botas. Ele vai me pegar.

    Corra.

     Dessa vez, não ignoro e começo a correr.

     Ele corre atrás de mim.

      Eu quero gritar, pedir por ajuda, mas meus pulmões não são capazes de fazer duas tarefas ao mesmo tempo, além de eu estar muito bêbada com a adrenalina. Eu senti isso a noite toda. Senti seus olhos sobre mim.

     De repente, minha mente bêbada faz a ligação quando viro a esquina.

     É ele? É o meu perseguidor?

    Meu coração dispara mais rápido e eu tropeço em meus pés, caindo na calçada.

     Uso meus cotovelos para amortecer a queda e xingo baixinho quando sinto a ardência na minha pele. Porra.

    Inspiro fundo algumas vezes, tentando acalmar meu coração, mas é impossível. Meu perseguidor. Ele é real. Ele vai me matar? Depois de oito anos, ele decidiu que eu não mereço mais viver?

     Levante-se. Corra.

     Eu sei que eu preciso, mas meus membros estão moles. Eu não me sinto assim há tanto tempo que é estranho, estar tão impotente. O que Alexander diria se me visse agora? Ele ficaria tão furioso por eu cair como uma novata, por gastar minhas forças tão rapidamente.

     Inspiro fundo e é como se tivesse ácido nos meus pulmões. Não posso pensar em Alexander.

     Viro de costas e lá está ele. Não Alexander – nunca pensei que desejaria que fosse ele –, mas meu perseguidor.

     Ele é alto e o fato de eu estar no chão, de ser menor que ele, faz eu me encolher por dentro. Seu corpo está escondido sob um moletom e uma calça jeans, mas sei que ele é forte pela forma como ele estava detonando o carro de Niel. Eu sei que ele me conhece. Mas nada disso me diz quem ele é.

    O mais assustador é a sua máscara. É apenas o desenho de uma caveira, simples e bonito, mas assustador. Há dois furos para os seus olhos, mas não consigo ver a cor deles, mesmo agora que o estou encarando por tanto tempo que é como se ele tivesse me enfeitiçado.

    Felizmente, um som ao longe me faz piscar, e eu percebo o horror dessa situação. Por que diabos eu estou aqui parada e largada no chão?

     Você quer que ele a pegue.

     O quê? Não. Porra, não mesmo…

    Me arrasto para trás, pronta para levantar e correr desse psicopata, mas ele se lança em cima de mim antes que eu tenha a chance.

     Eu grito, mas é abafado pela mão que ele põe em minha boca. É grande, quente e calejada, e quase me faz esquecer do fato de ele estar montado em cima de mim agora. O que há com ele que me deixa congelada no lugar?

    Começo a me debater, empurrando seu peito, me contorcendo embaixo dele, mas minha luta acaba quando sinto algo na minha garganta.

    A lâmina é fria contra o meu pescoço, mas afiada. Eu sei disso porque movo minha cabeça, e ela desliza na minha pele. Eu nem mesmo notei que ele pegou o que imagino ser um canivete.

     Congelada novamente, eu observo quando ele inclina a cabeça para cima no mesmo momento que ouço aquele som que ouvi segundos atrás. É um carro.

    Sua mão pressiona mais forte na minha boca quando me mexo um pouco e aquela caveira olha de volta para mim, me… desafiando. Ele acha que nunca tive algo afiado na garganta? Quero rir, mas meu corpo é uma árvore enraizada no lugar agora.

    Na pista ao lado, o carro se aproxima em alta velocidade. É claro que o motorista e mais quem quer que estivesse no carro, não olharia para os lados para ver uma mulher sendo atacada na calçada. Isso é a América, afinal.

    Meu perseguidor espera mais alguns segundos, a lâmina ainda na minha garganta, e meu cérebro acha que esse é um bom momento para apreciar a forma como seu corpo fica sobre o meu. Percebo também, a contragosto, que ele não está colocando todo seu peso em cima de mim, mas aliviando com seus joelhos.

    Sinto seus olhos em mim novamente. Não há mais sinal algum do carro ou de qualquer outro. Ele vai me matar agora? Pior… ele vai me estuprar? É isso que um psicopata tem em mente quando persegue uma mulher às duas da manhã, certo? Ele vai me matar depois e jogar meu corpo em alguma vala?

    Porra, que se foda, eu não vou morrer sem lutar.

     Retomo o controle dos meus membros e agarro seu pulso antes que ele detecte meus movimentos. Eu giro seu pulso, fazendo-o xingar e deixar a lâmina cair. É tudo o que eu preciso para me erguer e bater com a minha testa na sua.

     Meus batimentos cardíacos estão pulsando em meus ouvidos, mas ainda ouço o rosnado que ele dá, como uma besta ou algo assim. Não importa, ele está desnorteado agora. Eu também, mas ainda consigo empurrá-lo e me colocar de pé.

     Então eu corro.

    Dar uma cabeçada em alguém não é tão fácil quanto parece, por isso tropeço algumas vezes com a dor de cabeça surda que começa em meu crânio. Se aquele imbecil psicótico me causou um traumatismo craniano, eu vou matá-lo.

     Eu luto contra a vontade de me jogar no chão de novo apenas para descansar e corro o mais rápido que posso, não olhando para trás uma única vez. Eu não posso ter distrações, não posso pensar em como seu polegar acariciou minha bochecha enquanto ele me mantinha em silêncio para que ninguém ouvisse eu gritar.

    Quase desabo de alívio quando vejo meu prédio. O sentimento é tão real que lágrimas enchem meus olhos e aquecem minhas bochechas ao deslizarem por elas.

     Enxugo meu rosto quando paro no portão de bronze do meu prédio, mas as lágrimas continuam vindo. Eu estou tremendo e seguro o painel com as forças que me restam quando digito o código para abrir o portão, me sentindo grata por ter escolhido um apartamento num prédio que o acesso só é liberado com um código. Se eu precisasse de chaves, estaria morta.

— Porra! — grito, mas sai como um soluço.

    Está errado. O código está dando errado.

     Porra, porra, porra!

— 92279 — sussurro, fazendo mais uma tentativa. Errado. De novo.

     Encosto minha testa no portão e respiro fundo algumas vezes.

    Lembre-se. Você sabe. Lembre-se, Kate.
   
   Eu moro aqui há cinco anos. O código foi trocado algumas vezes por questão de segurança, mas eu sempre decorei sem dificuldade. Talvez seja isso. Eu lembro de todos os códigos que o prédio já teve e agora está tudo embaralhado…

    Ergo minha cabeça quando, de alguma forma, ouço o som das suas botas.

     No fim da rua, meu perseguidor caminha apressadamente até mim.

     Não. Não, não, não.

— Pensa, Kate.  Pensa, porra! — sussurro para mim mesma. Eu poderia tocar a campainha de algum outro apartamento. A Sra Gold com certeza me ajudaria. Mas ela é velhinha e tem um neto. Aquele psicopata há poucos metros pode ficar tentado a matá-la. Eu tenho outro vizinho no meu andar, Brody, mas ele está de plantão no hospital hoje.

   Eu preciso lembrar da porra do código. Não é tão difícil, lembro que achei engraçado porque…

— 963069. — Não perco tempo, batendo meu dedo no painel… Clique.

     Acho que sorrio, mas não tenho certeza, e abro o portão. Quando tento fechá-lo, uma bota aparece, me impedindo e eu dou um passo para trás ao ver a máscara de caveira por trás da barra do portão.

     Meu perseguidor aproveita essa oportunidade para empurrar o portão, fechando atrás de si, antes de… de dar um passo na minha direção.

     Corro para as escadas. Não há chances de eu ficar esperando o elevador.

     Minhas pernas protestam e meus pés doem, mas eu subo cada vez mais degraus. Olho uma vez para baixo, vendo-o subir três degraus de uma vez. Ele vai me alcançar. Ele vai me pegar.

    Só mais três lances.

     Chego a tropeçar e por um momento penso que rolar pelas escadas e ter o pescoço quebrado seria melhor, mas esse pensamento logo se dissolve e eu me recupero.

     Abro a boca para gritar por ajuda quando finalmente chegou no meu andar e abro a porta, saindo no corredor, mas tudo o que deixa meus lábios é um soluço.

     Foda-se.

     Corro até o meu apartamento e caio de joelhos ao lado da planta perto do tapete. Começo a cavar dentro do vaso.

    Terra se espalha para todos os lados, mas não me importo enquanto procuro pela minha chave reserva. Está aqui. Eu sei que está aqui. Eu nunca precisei usá-la, então ela não pode ter sumido…

     Ouço seus passos quando ele chega no corredor.

    Começo a chorar de novo, borrando minha visão.

Por favor, esteja aqui, por favor… — sussurro, virando o vaso de cabeça para baixo e derrubando toda a terra no tapete e em meu colo.

     Ele está tão perto. Quase posso sentir o calor do seu corpo…

    Meu peito treme de alívio quando sinto o formato familiar.

    Limpando sem muito afinco, enfio a chave na fechadura, girando duas vezes. Assim que agarro a maçaneta e torço meu pulso, ele está ao meu lado.

     Caio para dentro do meu apartamento e rastejo, batendo a porta atrás de mim. Graças a Deus eu lembrei de tirar a chave, então tranco a porta. Ele não pode entrar.

     O cansaço faz eu me sentar contra a porta e eu fico aqui, respirando e olhando para o chão, onde a luz do corredor escapa pela fresta da porta. Há um formato dessa vez. Ele ainda está aqui.

      Eu posso senti-lo. É loucura, porque há uma porta entre nós, mas eu posso senti-lo. Está na minha pele, nos meus ouvidos, na minha cabeça.

    Eu escapei dessa vez, mas talvez eu não tenha tanta sorte na próxima.

☠️

    Baque.

    Baque.

    Baque.

     A batida está dentro do meu crânio, me fazendo gemer com a dor lançante que me acerta quando abro os olhos.

    Baque.

    Baque.

    Baque.

    Warrick pula em cima de mim e me usa como escada para cheirar a porta, arranhando a madeira.

     Porta. Porque eu estou deitada no chão do meu apartamento, dormindo contra a minha porta.

    Baque.

    Baque…

— O quêêêêê? — grito, irritada. Que horas são? Seis horas? Que tipo de pessoa bate na porta da outra a essa hora?

— Kate? É o Brody. Sabe, seu vizinho. — A voz abafada de Brody me faz sentir culpada pela minha grosseria.

— Eu sei quem é você, Brody — resmungo, ficando de pé. Afasto Warrick da porta e abro a coisa, dando de cara com Brody.

    Brody Willians é o tipo de vizinho que todo mundo quer: nunca faz barulho, pega minhas correspondências por mim quando não estou em casa, faz uma ótima sopa, é enfermeiro – já me ajudou quando cortei minha mão – e claro, é bonito. Não o meu tipo de bonito, mas com certeza o tipo de alguém. Ele tem aquele jeito de garoto do interior que nunca se acostumou com a cidade grande. Certa vez, quando me ajudou com as compras, Brody contou que cresceu em uma cidadezinha no Texas, o que explica o leve sotaque que ele tem, mesmo morando em Chicago nos últimos dez anos.

    Mas esse não é o motivo de eu não gostar de Brody. Eu até gosto, mas como vizinho. Talvez como amigo. O problema com Brody é que ele é bom. E isso nem deveria ser um problema, mas para mim, é. Então vou continuar ignorando todos os olhares que ele me dá. Estou lhe fazendo um favor.

— Bom dia — digo, dando um sorriso que parece errado.

— Bom… Nossa, você está péssima. — Suas sobrancelha escuras se erguem.

— Obrigada. Eu não tinha percebido. — Me encolho com o meu tom seco. Jesus, eu preciso de um café.

     As bochechas de Brody ganham cor.

— Desculpe, eu só fiquei surpreso. Nunca vi você tão…

— Cuidado com as suas próximas palavras, Brody. Eu ainda não tomei meu café.

    Sabiamente, ele cala a boca e estende sua mão para mim. Não percebi que ele estava segurando algo.

     Meu sangue congela.

— Onde você achou isso? — questiono, dando um passo para trás.

    Porque na mão de Brody, está a minha bolsa.

    Meus olhos dispararam para os seus. É ele? Brody é o meu perseguidor? Ele…

— Estava aqui na sua porta. Eu cheguei do trabalho e vi, então peguei para que ninguém roubasse e planejava te devolver quando você estivesse saindo para o trabalho, mas como você não saiu, achei que era seu dia de folga e vim devolver.

     Meus ombros desabam de alívio. Eu não deveria acreditar nele tão facilmente, mas é o Brody. O cara não faz mal nem mesmo a uma mosca, muito menos iria infligir a lei.

— Obrigada. Deve ter caído. Eu estava muito bêbada ontem. — Pego minha bolsa de volta, abrindo para ver se está tudo aqui. Não que eu ache que Brody roubaria já que ficou estabelecido que ele não é uma ameaça. Mas não posso dizer o mesmo do meu perseguidor.

— Por nada. Está tudo aí?

— Sim… — Calo a boca quando sinto seus dedos na minha garganta. Olho para ele. Brody está franzindo as sobrancelhas, seus olhos castanhos preocupados.

— Você se cortou.

    Droga. Esqueci disso. Será que está muito feio? Não dói, então acho que não, mas é claramente perceptível se Brody viu.

— Pois é. Sabe como é. Nunca beba demais. — Forço um sorriso, me afastando suavemente do seu toque.

— Certo. Tome cuidado da próxima vez. Foi um corte superficial, mas é melhor você limpar direito e passar um pouco de pomada.

    Meu sorriso fica um pouco verdadeiro.

— Entendi, pai.

    Isso o faz rir um pouco enquanto põe suas mãos dentro dos bolsos.

— Enfim, obrigada, mas eu preciso me arrumar para o trabalho agora. — Dou um passo para dentro do meu apartamento.

— Claro. Er… Tenha um bom dia e se cuida.

— Você também.

    Estou quase fechando a porta quando noto algo. Meu tapete e a frente da minha porta estão limpos. Toda a terra espalhada e os pedaços da planta se foram, assim como o vaso.

— Ei, Brody.

— Sim?

— Você não precisava limpar a minha bagunça.

    O homem franze o cenho.

— Eu não limpei nada.

    Meu sorriso cai. Se não foi o Brody…

— Ah. Deve ter sido a Sra Gold. Enfim, tchau. — Fecho a porta e me encosto na mesma.

     Foi ele. Eu sei que sim.

    Eu menti para Brody. Falta uma coisa na minha bolsa.

     Ontem – ou essa madrugada –, eu tirei minha calcinha no banheiro da boate para facilitar as coisas com Niel.

    Mas minha calcinha não está na minha bolsa, onde eu a guardei.

     E eu sei que não foi Brody quem pegou.

☠️


Geeeeeente, o que foi isso, hein??? Estão gostando??????

Amo esse capítulo, vcs já devem imaginar😋🤭. N me internem, mas me escrever essas cenas me dá um prazer💪🏼💪🏼😩.

Gostaram do Brody????

Sempre esqueço de dizer, mas o nome do Warrick, se pronuncia "Uoricki" como o personagem Warrick Brown, em CSI: Las Vegas.

Enfim, é isso. SEXTA-FEIRA tem capítulo.

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2bjs, môres♥

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