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★┃AUGUST
Desde criança, Cassady Lewis sabia que era diferente. Ver monstros e criaturas em lugares inesperados não é normal para uma criança, certo? Talvez fosse apenas parte da sua imaginação, mas ela sentia que aquelas visões eram reais.
Cassady sempre foi uma criança muito animada e alegre, fazendo novos amigos facilmente. Seus cabelos loiros brilhavam sob o sol, e seus olhos azuis eram cheios de vida e curiosidade. Aos 8 anos, foi diagnosticada com TDAH e dislexia, o que só adicionou mais mistérios à sua já peculiar existência. Sua mãe, sempre tentando acalmar suas inquietações, falava que eram coisas da sua cabeça e que ela deveria ignorar, mas no fundo, parecia que ela estava escondendo alguma coisa.
Naquele verão, quando Cassady já tinha 12 anos, sua mãe finalmente decidiu que era hora de revelar a verdade. Era uma tarde quente de verão, e a luz do entardecer entrava pelas janelas da cozinha, lançando um brilho dourado sobre a mesa de madeira. A cozinha tinha um ar aconchegante, com o cheiro de bolo recém-assado ainda pairando no ar. As cortinas brancas balançavam levemente com a brisa suave, criando uma atmosfera tranquila. A mãe de Cassady estava inquieta, andando de um lado para o outro, como se estivesse tentando encontrar as palavras certas.
Cassady estava sentada à mesa, tentando ler um livro de mitologia grega que havia pegado na biblioteca. As letras dançavam na página, tornando a leitura difícil devido à sua dislexia. Frustrada, ela suspirou e fechou o livro, olhando para a mãe com preocupação.
— Mãe, está tudo bem? Você está agindo de maneira estranha — disse Cassady, curiosa e um pouco apreensiva.
Sua mãe parou, respirou fundo e se sentou à mesa, segurando as mãos de Cassady nas suas. Seus olhos refletiam um misto de apreensão e determinação, como se estivesse prestes a revelar um segredo guardado por muito tempo.
— Cassady, querida, precisamos conversar. Há algo muito importante que você precisa saber sobre você e sobre nosso passado — começou sua mãe, a voz ligeiramente trêmula.
Cassady sentiu um nó se formar em seu estômago. — O que foi, mãe? — perguntou, tentando esconder a ansiedade em sua voz.
Sua mãe apertou levemente suas mãos e olhou nos olhos de Cassady. — Você é especial, Cassady. Não apenas por causa do seu TDAH e dislexia, mas porque... você é uma semideusa. Seu pai é Apolo, o deus grego do sol, da música e da profecia.
Cassady piscou, atônita. — O quê? Isso é brincadeira, não é?
— Não, não é. Eu queria te proteger dessa realidade, mas você já tem idade suficiente para saber a verdade. E há um lugar onde você pode aprender a controlar seus dons e se proteger. É chamado Acampamento Meio-Sangue.
Cassady ficou em silêncio, processando a informação. De repente, todas as visões de monstros e criaturas faziam sentido. Seu TDAH e dislexia não eram defeitos, mas adaptações para ajudá-la a sobreviver nesse mundo de deuses e monstros. Ela lembrou-se das vezes em que sentia uma estranha conexão com a música, como se as notas a acalmassem e a guiassem, e das vezes em que sua intuição a salvou de situações perigosas.
Sua mãe continuou, a voz mais calma agora que a verdade havia sido revelada. — Eu sei que é muita coisa para assimilar de uma vez. Eu mesma levei tempo para entender e aceitar. Mas você precisa saber que não está sozinha. No acampamento, você encontrará outros como você, filhos de deuses, cada um com suas próprias habilidades e desafios.
— Quando vamos para lá? — perguntou finalmente, a excitação crescendo em sua voz.
— Em alguns dias. Precisamos nos preparar — respondeu sua mãe, com um sorriso de alívio. — Há muito o que fazer antes de partirmos. Mas prometo que será uma experiência que mudará sua vida.
︳︳|
Poucos dias depois, Cassady e sua mãe partiram para o Acampamento Meio-Sangue. A manhã estava fresca, o sol brilhava no horizonte, mas Cassady não conseguia afastar o nervosismo crescente. Era uma mistura de ansiedade e medo do desconhecido. Ela sabia que sua vida estava prestes a mudar para sempre, mas não imaginava o quão drasticamente.
Elas viajaram de carro, seguindo por uma estrada sinuosa e isolada, cercada por colinas e florestas densas. O caminho parecia se estender para sempre, com árvores altas formando uma espécie de túnel natural. Cassady segurava firmemente sua mochila no colo, como se aquele gesto pudesse oferecer algum conforto em meio à incerteza. Dentro, ela havia colocado suas coisas mais importantes: roupas, um caderno para anotações, seu arco e flechas, e o pequeno violino que seu pai lhe dera em um sonho, anos atrás.
Enquanto dirigiam, a mãe de Cassady tentava tranquilizá-la, conversando sobre o acampamento e como seria sua nova vida. Havia um sorriso encorajador em seu rosto, mas Cassady podia sentir a preocupação oculta em sua voz. Ela não conseguia evitar a sensação de que algo estava errado, como se o ar estivesse pesado demais, carregado de uma tensão invisível.
— Vai ficar tudo bem, Cassady — disse sua mãe, lançando-lhe um olhar carinhoso. — Esse é o lugar onde você pertence. Onde você vai encontrar pessoas como você, que entendem o que você sente.
Cassady olhou pela janela, vendo as sombras das árvores dançando ao longo da estrada.— Eu só não consigo parar de pensar em tudo o que você disse. Que sou filha de um deus... que monstros são reais. Parece um pesadelo.
— Eu sei que parece assustador agora, mas você é mais forte do que pensa. E o acampamento vai te ajudar a descobrir isso — respondeu sua mãe, mantendo o olhar atento na estrada.
À medida que avançavam, as árvores ao redor se tornavam cada vez mais densas, e uma sensação de perigo iminente começou a tomar conta de Cassady. Algo na atmosfera havia mudado. Ela sentiu um arrepio percorrer sua espinha, como se estivesse sendo observada. Instintivamente, colocou a mão sobre o cabo do arco ao seu lado, seu coração começando a bater mais rápido.
De repente, um som estridente cortou o ar - um uivo grave e prolongado. Cassady se enrijeceu, seus sentidos em alerta. Sua mãe apertou o volante, o olhar fixo na estrada à frente.
Antes que Cassady pudesse perguntar o que estava acontecendo, as sombras ao redor da estrada pareceram ganhar forma. Criaturas enormes, de peles escuras e olhos brilhantes, começaram a emergir entre as árvores, correndo na direção do carro com uma velocidade assustadora. Eram monstros - como aqueles que Cassady só havia visto em visões e pesadelos. Lobos gigantes com dentes afiados e garras que brilhavam à luz do sol.
O carro balançou violentamente quando uma das criaturas saltou na frente, bloqueando a estrada. A mãe de Cassady tentou desviar, mas o carro derrapou e saiu da pista, colidindo com um tronco. Cassady foi jogada para frente, o cinto de segurança segurando-a, enquanto o som de metal rangendo e vidro quebrando enchia seus ouvidos.
— Cassady, saia do carro! Agora!-— gritou sua mãe, lutando para abrir a porta com as mãos trêmulas.
Cassady destravou o cinto e, com o coração disparado, abriu a porta e saiu, caindo de joelhos no chão. Ao se levantar, viu as criaturas cercando o carro. Eram lobos ferozes, mas não como os normais. Suas peles pareciam sombras vivas, seus olhos brilhavam como brasas, e o cheiro de enxofre enchia o ar.
Sua mãe se posicionou ao lado dela, sacando uma adaga de lâmina prateada. — Cassady, corra para o acampamento! Você está perto! O limite de proteção está a poucos metros daqui!
— Não vou te deixar aqui! — gritou Cassady, os olhos cheios de lágrimas enquanto segurava seu arco, as mãos trêmulas de medo e adrenalina.
— Você precisa ir! Eles estão atrás de você, Cassady! Eles querem te impedir de chegar ao acampamento!
Antes que Cassady pudesse responder, uma das criaturas avançou. Sua mãe reagiu rapidamente, bloqueando o ataque com a adaga e empurrando Cassady para trás.
— VÁ, CASSADY!
Desesperada, Cassady se virou e começou a correr, sentindo o vento frio bater contra seu rosto e as lágrimas escorrerem de seus olhos. Ela ouviu os sons de luta atrás de si - os rosnados dos monstros, os gritos de sua mãe - mas não conseguia olhar para trás. Cada fibra do seu ser dizia para continuar correndo, para sobreviver. Mas o medo e a culpa a consumiam a cada passo.
O limite de proteção do Acampamento Meio-Sangue estava à vista, um brilho dourado no ar. Cassady sabia que, se pudesse cruzá-lo, estaria segura. Mas antes de chegar lá, ouviu um grito agonizante - um grito que perfurou sua alma e a fez parar. O grito de sua mãe.
Cassady parou de correr, seus pés presos ao chão. Ela se virou lentamente, o coração batendo tão forte que mal conseguia respirar. Sua mãe estava no chão, os lobos rodeando seu corpo. O sangue manchava o solo, e o brilho em seus olhos começava a desaparecer.
— MÃE! — Cassady gritou, correndo de volta em direção a ela, ignorando o perigo.
Mas era tarde demais. Antes que pudesse alcançá-la, a mãe de Cassady fez um último esforço para levantar a cabeça, encarando a filha com uma expressão de dor, mas também de amor e orgulho. Com sua última força, ela murmurou:
— Corra... Cassady...
As criaturas avançaram novamente, e Cassady foi forçada a recuar. Ela queria lutar, queria ajudar, mas seu corpo não respondia. Tudo o que conseguia fazer era correr, com lágrimas cegando sua visão, até cruzar o limite de proteção do acampamento. Quando o brilho dourado a envolveu, os lobos pararam, rosnando de frustração antes de desaparecerem nas sombras.
Cassady caiu de joelhos ao atravessar o portal, ofegante, o peito apertado pela dor. Ela havia chegado ao Acampamento Meio-Sangue, mas a um custo devastador. As palavras finais de sua mãe ecoavam em sua mente, enquanto ela se perguntava se algum dia conseguiria superar aquela perda.
A sensação de segurança do acampamento era um contraste cruel com o que acabara de acontecer. Mas ali, caída e solitária, Cassady percebeu que, embora estivesse em um lugar destinado a protegê-la, o peso do que havia perdido a seguiria para sempre.
Cassady atravessou o limite de proteção do acampamento, cambaleando, com as pernas fracas e o coração despedaçado. Tudo ao seu redor parecia turvo, como se o mundo estivesse longe e fora de foco. Ela mal sentiu quando seus joelhos cederam e ela caiu no chão novamente, seus dedos cravando-se na terra enquanto soluços sufocados escapavam de seus lábios. A dor da perda queimava em seu peito como uma ferida aberta, e a culpa se misturava com o desespero.
Ela estava a salvo, mas a segurança tinha um gosto amargo. Tudo o que Cassady conseguia pensar era que havia perdido a única pessoa que sempre estivera ao seu lado. E agora, sozinha, cercada por estranhos, ela não sabia como seguir em frente.
O som de cascos galopando pelo chão a fez levantar a cabeça. Quíron, o centauro diretor do acampamento, aproximou-se rapidamente. Seus olhos sábios e gentis imediatamente perceberam o estado de Cassady. Ele desceu até ela, colocando uma mão reconfortante em seu ombro.
— Cassady Lewis, não é? — perguntou ele suavemente, a voz carregada de compreensão. — Sei que sua chegada foi difícil, mas você está segura agora. Ninguém poderá te machucar aqui.
Cassady, ainda ofegante e com lágrimas escorrendo pelo rosto, assentiu fracamente. Mas, apesar das palavras tranquilizadoras de Quíron, ela sentia como se uma parte de si tivesse sido deixada para trás, perdida para sempre.
— Minha mãe... — ela murmurou, a voz fraca e quebrada. — Eles a mataram... Eu... eu devia ter lutado, devia ter feito alguma coisa...
Quíron abaixou-se para ficar na altura dela, seus olhos cheios de tristeza e empatia.
— Não foi sua culpa, Cassady. Às vezes, os deuses e o destino nos colocam em situações impossíveis. Sua mãe sabia que o mais importante era garantir que você chegasse aqui com segurança. E ela conseguiu isso.
Cassady tentou se agarrar às palavras dele, mas tudo ainda parecia tão injusto e cruel. Ela fechou os olhos, sentindo o vazio em seu peito, enquanto Quíron a ajudava a se levantar.
— Venha, Cassady. Vou levá-la ao chalé de Hermes. Você ficará lá até ser reclamada — disse Quíron, guiando-a com cuidado enquanto ela mal conseguia dar passos firmes.
À medida que eles caminhavam pelo acampamento, Cassady mal notou os olhares curiosos dos outros campistas, sussurrando e se perguntando quem era a nova chegada. O lugar era bonito, com chalés alinhados em um círculo, cada um refletindo o deus ou deusa a que pertenciam, mas para Cassady, toda a beleza parecia apagada pela dor.
Quando chegaram ao chalé de Hermes, o local estava repleto de campistas. Era o mais cheio, pois abrigava tanto os filhos do deus mensageiro quanto aqueles que ainda não haviam sido reclamados. Ao entrar, Cassady foi recebida por um grupo de rostos curiosos e acolhedores.
— Bem-vinda ao chalé de Hermes — disse um garoto de cabelo castanho bagunçado, com um sorriso caloroso. — Eu sou Luke Castellan, o líder daqui. Vamos te ajudar a se ajustar enquanto você espera ser reclamada.
Cassady tentou retribuir o sorriso, mas tudo o que conseguiu foi um aceno silencioso. Ela mal conseguia sentir a energia vibrante do chalé, apesar de estar rodeada por tantas pessoas. Tudo parecia distante, como se estivesse envolta em uma névoa. Luke e os outros campistas a conduziram a uma cama improvisada, onde ela finalmente se deixou cair, exausta em corpo e alma.
Enquanto as estrelas começavam a aparecer no céu, Cassady olhou para o teto de madeira simples, tentando absorver o fato de que agora fazia parte daquele lugar, daquele mundo novo e cheio de desafios. Mas em vez de sentir excitação ou curiosidade, tudo o que restava era um profundo sentimento de solidão.
Ela sabia que o acampamento era seu novo lar. Sabia que teria que se fortalecer, aprender a lutar e a sobreviver. Mas, por enquanto, tudo o que conseguia fazer era fechar os olhos e deixar as lágrimas silenciosas escorrerem, enquanto a escuridão da noite a envolvia.
E, naquele momento, em meio ao vazio de sua perda, Cassady fez uma promessa silenciosa: ela se tornaria forte. Forte o suficiente para nunca mais perder alguém que ama. E, de algum modo, encontraria uma forma de honrar o sacrifício de sua mãe.
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