🪖 ⸳ ⤷ 𝗽𝗿𝗼𝗹𝗼𝗴𝘂𝗲



Desde o princípio dos tempos, a humanidade fantasiou sobre como o mundo acabaria. Histórias foram contadas ao redor de fogueiras, profecias foram escritas em textos sagrados, e até a ciência teve seus palpites. Uns imaginavam que seria uma catástrofe cósmica: um meteoro gigantesco caindo na Terra, como aquele que extinguiu os dinossauros. Outros, mais modernos, acreditavam que o apocalipse viria pelas mãos humanas, em forma de guerra nuclear ou colapso ambiental. Existiam ainda os que temiam doenças avassaladoras, vírus que dizimaram a população antes que houvesse tempo de reagir.

Porém, ninguém — nem os mais criativos, nem os mais paranoicos — poderia prever o que realmente aconteceria. Não houve uma explosão, nem um vírus mortal, nem mesmo uma estrela em colisão. O fim começou silenciosamente, nas profundezas de cemitérios esquecidos e criptas seladas. Os mortos, aqueles que há muito haviam descansado, começaram a se erguer. Primeiro, em um vilarejo distante. Depois, em grandes cidades. Logo, não havia canto da Terra onde as pessoas não tremem ao ouvir passos arrastados na escuridão.

Ninguém poderia imaginar que o fim do mundo seria marcado por cadáveres voltando a caminhar entre os vivos, com olhos sem vida e um desejo insaciável que ninguém conseguia compreender... até que fosse tarde demais.

Tudo começou de forma quase imperceptível, como uma notícia estranha no fim de um jornal local: casos de pessoas agindo de maneira violenta e irracional em uma cidade pequena. Era fácil ignorar, fácil atribuir ao uso de drogas ou algum surto de histeria coletiva. Mas, pouco a pouco, os relatos foram aumentando. Em uma cidade vizinha, uma família inteira foi atacada por alguém que todos pensavam estar morto. Em outra, um hospital relatou pacientes que, após declarados clinicamente mortos, simplesmente... levantaram.

No início, os especialistas tentavam manter a calma. Os jornais diziam que poderia ser uma nova doença misteriosa, talvez algum tipo de vírus que afetava o cérebro e provocava comportamentos violentos. Médicos e cientistas começaram a trabalhar freneticamente, buscando explicações e tentando entender o que estava acontecendo. Porém, à medida que os casos aumentavam, os hospitais ficavam superlotados, incapazes de lidar com a crescente onda de pacientes, enquanto as autoridades emitiam alertas cada vez mais sombrios.

Logo, a recomendação era clara: fique em casa. Não saia, não interaja com os infectados. Se encontrar alguém agindo de forma estranha, mantenha distância. E, acima de tudo, não deixe que eles te mordam ou arranhem. Essa última parte parecia vinda de um filme de terror, mas ninguém podia mais ignorar o pânico crescente.

As teorias inundavam as redes sociais. Alguns acreditavam que era o resultado de um vírus altamente contagioso, uma mutação que reanimava o corpo após a morte. Outros diziam que era obra de uma nova droga experimental, tão potente que destruía qualquer vestígio de humanidade em quem a usasse. Mas havia aqueles que começavam a murmurar outra coisa. Algo que ninguém queria acreditar, mas que se tornava impossível de ignorar: os mortos estavam voltando.

Os poucos casos isolados se multiplicaram em questão de dias. O caos tomou conta das ruas, e o mundo parecia desmoronar a cada novo boletim de emergência. Coraline lembrava exatamente daquele dia - o dia que ela, em sua mente, apelidou de Dia 1. O dia em que tudo foi pelos ares.

Ela estava em casa, aproveitando uma rara folga com os filhos, quando o telefone tocou. Era Candice, sua irmã mais velha, a voz tremendo de uma maneira que Cora nunca havia ouvido antes.

── Cora, você precisa sair daí agora. Pegue as crianças, pegue o que puder, e vá para o CDC. Leve seus homens, não importa o que aconteça. Eles estão dizendo que ainda é seguro lá.

Coraline parou, apertando o celular contra o ouvido. Candice nunca falava assim. Sua irmã, uma das poucas pessoas em quem confiava, parecia apavorada, o que apenas confirmou o que ela já temia. As notícias que vinham sendo abafadas, as mensagens vagas que sua unidade recebia... Aquilo não era mais um surto comum.

Cora não era apenas uma soldada; ela era comandante de uma unidade especial do exército, especializada em missões tão secretas que até os superiores dela às vezes desconheciam os detalhes. Essas missões, somadas ao que havia visto ao longo dos anos, já tiravam seu sono há muito tempo. Pesadelos eram sua companhia constante. Mas aquele telefonema, o desespero de Candice, fez o frio que corria por sua espinha ser diferente.

── O que está acontecendo, Candice? ── Cora perguntou, tentando manter a voz firme enquanto olhava para seus filhos brincando no quintal.

── Eles não querem que ninguém saiba, mas já não é mais controlável. Não é uma doença. Não é uma droga. É... ── Candice hesitou, a voz falhando. ── Não sei o que é, mas você precisa se afastar de qualquer um que esteja infectado. Não deixe que toquem você ou os meninos. Cora, pelo amor de Deus, corra.

Naquele momento, Coraline soube que não era mais hora de perguntas. Ela desligou, correu para os filhos e começou a reunir tudo que podia. Enquanto isso, sua mente já trabalhava em modo estratégico, convocando os membros da sua unidade para se prepararem. Não havia tempo para dúvidas ou hesitação.

O Dia 1 não foi marcado apenas pela queda da civilização, mas pelo começo de uma guerra que Coraline sabia que seria a mais difícil de sua vida. Porque desta vez, os monstros não estavam escondidos em laboratórios secretos ou em campos de batalha remotos. Eles estavam nas ruas, nas casas, e, pior, eram pessoas que antes haviam sido... como todos os outros.

Coraline nunca esqueceria os horrores daquele dia, as imagens gravadas em sua mente como cicatrizes que nunca desapareceriam. O caos tomou conta assim que ela saiu de casa com os filhos, tentando alcançar o ponto de encontro onde sua unidade a esperava. Mas o que deveria ser uma operação organizada se transformou em uma batalha desesperada contra algo que parecia interminável.

Os mortos, ou o que quer que fossem, vieram em hordas. Eles eram mais lentos do que um humano normal, mas não importava. Sua quantidade e a pura persistência eram suficientes para fazer qualquer soldado tremer.

Cora e sua equipe se posicionaram no perímetro, protegendo os civis que fugiam, tentando abrir caminho para o CDC. Mas os mortos não paravam. Eles avançaram, rosnavam, caíam e levantavam novamente, indiferentes aos tiros que os rasgavam. O som incessante dos disparos ecoava em seus ouvidos, misturado aos gritos de seus companheiros, e ela só se lembrava de pensar: Isto não está funcionando. Isto nunca vai parar.

Foi naquele inferno que Coraline perdeu quase todos os seus homens. Cada queda foi um golpe, mas ela não tinha tempo para lamentar. Os tiros eram constantes, as ondas gritadas no calor do momento. Um por um, seus soldados, homens e mulheres treinados para enfrentar o impossível, sucumbiram. Quando o silêncio caiu e a fumaça dos disparos começou a se dissipar, apenas ela e Merle Dixon ainda estavam de pé.

Merle era seu braço direito, e se havia alguém que ela confiava completamente, era ele. Um homem robusto, com pouco mais de 40 anos, rosto marcado por cicatrizes e um olhar endurecido pela vida. Merle tinha aquela postura de alguém que já enfrentou mais do que o suficiente, com um sorriso torto que parecia estar sempre no limite entre o sarcasmo e o desprezo. Ele era alto, musculoso, com cabelos grisalhos curtos e um jeito rude que afastava a maioria das pessoas.

Ninguém sabia ao certo o que Merle fazia antes de entrar para a unidade de Cora, mas havia boatos de que ele fora um caçador, um homem que sobrevivia onde ninguém mais conseguiria. Ele era implacável em combate, uma força bruta que compensava qualquer falta de sutileza. O único acessório pessoal que ele carregava era uma faca de caça que estava sempre presa ao cinto, mas, no calor da batalha, parecia que ele podia transformar qualquer coisa em uma arma.

Ele tinha o hábito irritante de questionar tudo, mas, naquele dia, Merle estava ao lado de Coraline sem hesitar, os olhos brilhando de adrenalina e um sorriso quase selvagem enquanto cortava caminho entre os mortos.

── Bem, comandante ── ele disse, limpando o sangue
de sua faca depois que o último cadáver caiu. ── Parece que o inferno chegou mais cedo. E adivinha só? Eu estou adorando o convite.

Cora ignorou o comentário. Ela estava exausta, coberta de suor e sangue, mas não podia parar. Não podia mostrar fraqueza. Eles haviam perdido quase tudo, mas ela ainda tinha seus filhos e a responsabilidade de chegar ao CDC. Olhando para Merle, com aquela mistura estranha de coragem e loucura, ela soube que, se alguém poderia sobreviver ao que estava por vir, seria ele.

Eles seguiram em frente, os passos pesados e os olhos atentos, deixando para trás os corpos de seus companheiros e o eco dos gritos que jamais esqueceriam.

Os passos de Coraline e Merle eram firmes, mas a tensão em seus corpos era palpável. Cada movimento os aproximava mais do CDC, o último refúgio que restava em meio ao caos. Ela sentia o peso da responsabilidade não só por sua unidade, mas também pelos dois filhos que estavam com ela, tentando manter o ritmo da marcha sem mostrar fraqueza.

Owen, seu filho mais velho de 16 anos, seguia ao lado dela, seus olhos azuis fixos à frente, como se tentando ignorar o mundo em ruínas ao redor. Seu cabelo preto, desgrenhado de tanto movimento, caía sobre sua testa, um contraste com a maquiagem que ele insistia em manter: lápis de olho preto ao redor dos olhos, dando-lhe um visual sombrio que estava em total desacordo com sua idade. Ele usava uma camiseta de uma banda de rock, o logotipo desbotado e quase ilegível. As mangas estavam rasgadas de tanto uso, e ele carregava uma mochila pesada, mas, de algum modo, parecia à vontade naquilo tudo. Owen sempre foi do tipo que se escondia atrás do sarcasmo e das ironias, tentando não mostrar o quanto estava assustado.

Liam, seu caçula de 9 anos, seguia um passo atrás, seu rostinho adorável contrastando com o mundo apocalíptico que se desdobrava ao seu redor. Seus cabelos escuros, curtos e bagunçados, e os olhos verdes refletiam a ingenuidade de uma criança que ainda não compreendia a totalidade da situação. Ele usava uma camisa de botão azul-claro, os botões frouxos, e calças que eram ligeiramente grandes demais, provavelmente de algum antigo parente. O conjunto era simples, mas seu olhar doce e curioso parecia buscar o que restava de normalidade. Ele estava visivelmente cansado, mas se esforçava para se manter firme, segurando a mão de Coraline com uma força pequena, mas cheia de determinação.

Merle, ao lado deles, olhava para o horizonte, a expressão dura e implacável. Quando um som distante de passos apressados ecoou atrás deles, ele se virou e fez um sinal silencioso para que todos acelerassem. Eles tinham que chegar lá, e rápido.

Finalmente, depois de cruzarem uma rua destruída e passarem por mais alguns prédios em ruínas, a imponente estrutura do CDC apareceu diante deles, com suas enormes portas de aço sendo fechadas. O vento trazia consigo o cheiro metálico de sangue e o som de vozes apressadas vindas de dentro.

Coraline deu um último olhar para Merle e os filhos, e eles começaram a correr. O peso de seus passos, a adrenalina correndo em suas veias, tornaram o tempo quase irrelevante. Eles chegaram perto da entrada principal, e viu as últimas portas começando a se selar. Com um último esforço, Coraline levantou a mão, acenando para os guardas do lado de dentro.

── Abrace a chance de entrar! ── ela gritou, sua voz cortando o ar.

Os guardas hesitaram por um segundo, e o tempo pareceu se arrastar. Então, como se tivessem ouvido a urgência em sua voz, as portas se abriram lentamente, permitindo a entrada deles, antes que os últimos raios de luz fossem engolidos pela escuridão do lado de fora.

Quando as portas se fecharam atrás deles, o som do metal batendo ecoou como um trovão. Coraline respirou fundo, aliviada por finalmente estarem dentro, mas sabia que isso não significava segurança. A luta estava longe de acabar.

Com Liam agarrado a sua mão e Owen olhando para os outros refugiados com um olhar desconfiado, ela sentiu, no fundo, que o pior ainda estava por vir. Mas naquele momento, pelo menos, estavam vivos. E isso, por enquanto, era o suficiente.

Coraline mal teve tempo de processar o alívio da porta se fechando atrás deles quando, de repente, sentiu um impacto no seu corpo, como se algo ou alguém a tivesse atingido com força. Instintivamente, ela levou a mão à arma, mas antes que pudesse reagir, um abraço apertado a envolveu. O cheiro inconfundível de sua irmã, Candice, tomou conta de seus sentidos - um misto de perfume floral com o leve toque de esterilidade de seu ambiente de trabalho.

── Você chegou! Eu sabia que chegariam a tempo. ── disse Candice, a voz cheia de alívio e um toque de exaustão. As palavras saíam quase em um suspiro, como se ela estivesse segurando a respiração desde o momento em que a porta se fechará.

Coraline, sentindo os braços de sua irmã ao redor dela, fechou os olhos por um segundo, permitindo-se respirar fundo. Foi breve, mas suficiente para perceber a tensão que se desfazia. Candice, apesar de sempre ser a mais pragmática e racional entre elas, agora parecia frágil, como se aquele abraço fosse a única coisa que a mantivesse de pé naquele momento de caos.

── Eu não sabia se conseguiria te encontrar ── disse Candice, os olhos brilhando, mas com a dureza que o apocalipse lhes impusera. Ela então se afastou um pouco e, com um sorriso suave, se agachou para abraçar Liam, que estava ao seu lado, e depois fez o mesmo com Owen. ── Meus amores ── murmurou, a voz cheia de ternura ao segurar os dois. Eles estavam em silêncio, mas a tensão que ainda os envolvia se dissipava aos poucos sob o abraço reconfortante de sua tia.

Coraline, sentindo um peso maior se levantar de seus ombros, virou-se para o lado e viu o cunhado, o Dr. Edwin Jenner, se aproximando. Ele estava em seu traje de laboratório, o rosto um pouco mais cansado do que o normal, mas seus olhos eram os mesmos de sempre - cheios de inteligência e uma preocupação disfarçada por uma calma exterior.

── Edwin ── ela disse com um leve sorriso, estendendo a mão para cumprimentá-lo. ── Eu sabia que vocês estavam aqui, mas... não esperava que fosse assim.

Jenner apertou a mão dela, sua expressão séria. ── A situação está pior do que imaginávamos, Cora. Não posso mentir para você. Mas temos o que precisamos aqui. Até agora, conseguimos manter a maioria segura.

Ele lançou um olhar rápido para as portas, como se esperando que elas se abrissem a qualquer momento e trouxessem mais refugiados ou mais mortos. Não havia tempo para conforto. Mesmo ali, dentro da segurança temporária do CDC, eles sabiam que a verdadeira batalha estava longe de acabar. Mas, por um instante, naquele pequeno espaço entre os horrores que deixaram para trás e o desconhecido à frente, havia um pequeno consolo no fato de estarem juntos.

── Estamos vivos ── Coraline disse, mais para si mesma do que para qualquer um ali. ── E é só isso que importa agora.

Enquanto os dias se passavam dentro do CDC, Coraline não conseguia deixar de lembrar dos primeiros momentos ali. A sensação de que tudo ainda estava se ajustando, de que, apesar da segurança temporária, a tensão estava apenas começando. Ela havia visto muitos daqueles que, como ela, chegaram no último minuto, antes das portas se fecharem, mas ao longo do tempo, muitos começaram a se perder novamente. Tentaram sair em busca de suas famílias, sem esperar que a regra fosse rígida: não se permitia a entrada de ninguém novo. E aqueles que tentaram, quase sempre, não voltaram. O que restou foi um punhado de sobreviventes, uns mais desesperados que outros, e todos com um medo crescente do que viria a seguir.

Ela lembrava-se bem das primeiras semanas. Algumas das pessoas que estavam ali não olhavam para ela com simpatia. Cientistas, médicos, até outros soldados, lançavam olhares tortos, como se questionassem o que ela e sua unidade estavam fazendo ali. O que uma comandante de esquadrão do exército e seus filhos, acompanhados de um homem tão... como Merle, poderiam estar fazendo entre eles? Aqueles olhares a incomodavam no início, mas ela sabia muito bem quem era. Não precisava da aprovação deles para saber seu valor.

Ela, que era uma comandante de um esquadrão especial, alguém que liderava missões secretas e de alto risco, tinha autoridade para estar ali. Ela não se importava com o que os outros pensavam. Ela era do exército, parte de um alto escalão, e seu nome era conhecido. Para muitos, isso era tudo o que precisavam saber. Ela tinha se acostumado a ser a pessoa que comandava, a que tomava decisões difíceis, a que dizia "vá" quando outros diziam "não consigo". Por isso, as palavras sussurradas e os olhares de desconfiança não passavam de ruído para ela. Ela tinha poder. E ela sabia usá-lo.

O que a consumia, no entanto, não era tanto o julgamento dos outros. O que a consumia era o vazio deixado por aqueles que simplesmente desistiram da vida. Ela se lembrava de como viu pessoas perderem a esperança. O medo. A incerteza. A dor. Alguns se trancaram em seus próprios mundos, se isolando, esperando que a morte os encontrasse antes de terem que enfrentar o abismo. Outros tomaram a decisão mais fácil, sucumbindo à depressão e à desesperança. A morte parecia, para muitos, uma fuga mais simples do que a luta pela sobrevivência. E ela viu alguns deles se entregarem.

Coraline sabia que, em algum momento, ela também poderia ter cedido, mas sua natureza era outra. Não era uma questão de coragem ou força - era uma questão de quem ela era, da necessidade de fazer algo, de continuar lutando. Ela se lembrava de Merle, sempre ao seu lado, sempre sem hesitar, mesmo nas horas mais sombrias. E de seus filhos, que a olharam com os olhos inocentes de quem ainda acreditava no futuro. Eles não estavam preparados para esse mundo, mas Cora sabia que precisava ser forte por eles, que não podia permitir que eles se rendessem ao medo que havia consumido outros.

Ela se lembra, especialmente, de um homem - um soldado que ela conheceu logo depois de chegar ao CDC, um homem que estava prestes a se entregar ao desespero. Ele havia perdido sua esposa e filha durante a evacuação, e, durante semanas, viu a dor tomar conta de cada parte dele. Ele já estava começando a esquecer o significado de lutar, até que um dia, Cora, sem palavras, apenas o olhou e disse: "Você não vai se render. Não vai, porque não há mais ninguém para fazer isso por você." Ela não esperava que ele fosse se reerguer no mesmo instante, mas ele fez. Ele deu um passo, depois outro, até que, aos poucos, ele foi encontrando sua coragem novamente.

Esse foi o tipo de luta que a manteve em pé. A luta pela vida não era só sobre enfrentar os mortos, mas sobre se recusar a se entregar aos próprios demônios. O mundo estava caindo ao redor deles, mas Cora não ia deixar que isso a derrubasse. Não enquanto seus filhos e Merle ainda estivessem ao seu lado. Ela não ia parar. E nem todos estavam dispostos a parar, a sucumbir ao desespero. Ela era quem era porque sabia que a luta nunca seria fácil, mas era a única opção. E aqueles que não tinham coragem de lutar... seguiam o caminho mais fácil, a morte. Ela, porém, não escolheria isso. Nunca.

À medida que os dias se passavam no CDC, Cora percebeu que os que não fugiram, os que não se renderam ao medo ou ao desespero, começaram a desaparecer de outra forma. Alguns, sem forças para continuar, se mataram. A dor de perder tudo, de ver o mundo ruir ao seu redor, era uma tortura silenciosa e constante. Ela ouviu os sussurros e gritos abafados nos corredores do CDC, mas, muitas vezes, o silêncio após a tragédia era ainda mais ensurdecedor. Aqueles que não conseguiram encontrar uma razão para seguir em frente se entregaram à escuridão.

Foi nesses momentos, quando a perda estava à vista, que Cora viu o que ninguém queria ver. Um daqueles que havia se matado, que havia se jogado na beira da morte sem hesitar, acabou se transformando. Ela ainda se lembrava claramente do instante em que ele mordeu sua irmã, Candice, em uma tentativa desesperada de atacá-la. O sangue de sua irmã, tão vivo e vibrante, agora manchava o chão, enquanto o corpo dele se contorcia, se transformava.

Cora não sabia o que foi mais difícil de suportar: ver a dor de Candice, que gritou ao sentir a mordida, ou o fato de que sua irmã foi, finalmente, consumida pelaquilo que ela tanto temia. Ela sabia o que estava por vir, mas ninguém estava preparado para isso. Nem mesmo Candice, com toda sua experiência médica e força, poderia evitar o destino cruel que a aguardava. O que aconteceu a seguir foi algo que Cora jamais imaginou ser capaz de suportar. Ela viu sua irmã morrer ali, na sua frente. Ela viu a vida se esvair, o brilho de seus olhos desaparecer, a última respiração sendo tomada.

E, quando Candice morreu, algo dentro de Cora partiu. Ela já havia perdido o marido, o homem que mais amava, na mesma guerra contra os mortos. Ele fora um dos primeiros a sucumbir à infecção, e a dor da sua morte havia sido imensa. Ele morreu nos braços dela, os olhos dele se apagando antes que ela pudesse sequer entender completamente o que estava acontecendo. Ela lembrava da sensação do sangue dele quente em suas mãos e da sensação de impotência que tomou conta dela naquela hora. Ela nunca poderia esquecer aquele momento, nunca poderia esquecer como perdeu a esperança naquele dia.

Mas quando Candice, sua irmã, se foi — de uma forma ainda mais cruel — ela sentiu tudo novamente. A dor era pior, porque não era só o amor que a envolvia agora. Era o peso da responsabilidade. Ela tinha que tomar decisões, tomar uma vida para proteger outras. E ela teve que fazer isso novamente, mas dessa vez, com sua própria irmã.

Horas depois da morte de Candice, ela assistiu, em choque e dor, enquanto o corpo dela começava a se mover, os olhos ainda semicerrados, mas com um brilho maligno que não deveria estar ali. O instinto de Cora dizia para agir, mas o coração dela estava despedaçado. Sua irmã não estava mais ali. Candice não estava mais ali.

Foi ela quem teve que ser a que colocou o fim. Aquela que, por todo o seu treinamento, se tornaria a maior ameaça para aqueles que mais amava. Com o coração pesado e o rosto marcado por lágrimas que ela não conseguia controlar, Cora apontou sua arma para a cabeça de Candice, que agora se erguia como um monstro, uma sombra do que fora antes.

── Eu lhe dou misericórdia ── Cora sussurrou, as palavras saindo com dificuldade, como se cada sílaba fosse uma faca em seu próprio coração.

E, com um disparo rápido e preciso, ela pôs fim ao sofrimento da irmã. O som do tiro ecoou no pequeno quarto, mas nada poderia apaziguar a dor dentro dela. Ela teve que matar a única pessoa que sempre esteve ao seu lado, a única pessoa que sabia o que ela estava passando, a única que a entendia de verdade. Ela teve que tomar essa decisão, para proteger todos ali dentro do CDC, para que a ameaça não se espalhasse.

Cora olhou para o corpo de sua irmã, caído no chão. O peso da responsabilidade e da dor era insuportável. Ela sentiu a dor de perder alguém mais uma vez, mas também a raiva. Raiva da situação, raiva daquilo que se tornará o mundo, raiva da impotência que ela sentia diante disso tudo.

Ela não sabia se conseguiria viver com aquilo. Talvez nunca soubesse. Mas uma coisa ela sabia: ela não podia deixar de lutar. Ela não poderia deixar a dor dominá-la. Porque se o fizesse, o mundo ao seu redor, os filhos que ela tanto amava e o sacrifício de tudo o que ela perdeu, seria em vão.

E, com mais uma lágrima silenciosa, Cora se levantou e seguiu em frente, sem nunca olhar para trás.

🪖 ⸳ ⤷ OO1. . Aqui finalmente se inicia nossa história, espero que gostem e apreciem essa história tanto quanto eu gosto.

4105 palavras.

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