˚˖𓍢ִ໋🪞˚. 𝟎𝟏.

𝟎𝟏: Lama e chocolate.

eu consigo ver você sozinha
aí embaixo, você não vê que
estou bem aqui? girando esperando
você me puxar. ❜

ℰnquanto uma névoa suave e envolvente cobria a cidade, avisando os habitantes do frio eminente que enfrentariam aquela noite, a jovem Tulipa Duvall estava presa na lavanderia mal iluminada, com as mãos se movendo diligentemente sobre roupas úmidas que causavam rugas em seus dedos finos pelo tempo passado esfregando. O costume criado a pouco mais que um ano dava razão ao ritmo tranquilo de sua tarefa, essa criou uma cadência calmante que ecoou suavemente contra as paredes de pedra desgastadas. Olhando pela janela, os olhos cansados alcançaram o vislumbre de um navio se aproximando constantemente do cais, sua silhueta emergindo através da névoa rosada pela luz do sol se pondo como um arauto silencioso. Por alguma razão que sua mente curiosa não saberia lhe explicar, a visão despertou-lhe um lampejo de expectativa, um descanso momentâneo da rotina monótona.

Mordendo o lábio inferior enquanto um sorriso travesso enfeita o rosto pálido, Tulipa cuidadosamente se desvencilha das roupas molhadas, suas mãos ainda cheias de sabão que escorrem entre seus dedos enquanto ela se apoia contra a porta. Pressionando a orelha contra o carvalho e ouvindo pequenos chiados antes de empurrar apenas o suficiente para poder espreitar pela porta entreaberta, assim certificando-se de que a Srta. Scrubitt ainda está imersa em sua novela favorita, chorando quando o mocinho de cabelos ruivos pede a protagonista em casamento com um belo anel decorado com um enorme diamante.

Tulipa cobre os lábios rosados com a mão, tentando conter o risinho ao observar a cena, tão silenciosamente quanto pode ela se esquiva rapidamente pela porta dos fundos aproveitando-se do fato que o escuro já vem vindo, o que significa que o cão de guarda não está em casa, assim como o Bleacher. Em sua única chance naquela noite, a garota desaparece coberta no nevoeiro espesso rosado, enquanto tenta se manter invisível ao envolver-se em seu capuz de tom amarelado, escondendo seu cabelo castanho.

Seus pés faziam marcas na calçada mesmo quando ela pisava com cuidado entre as sombras das ruas empedradas, usando atalhos que descobriu quando criança, Tulipa se aproxima do cais, seu passo ligeiramente apressado. O cheiro salgado do mar invade suas narinas à medida que ela se aproxima da beira d'água, tirando a capa ao se colocar entre alguns pescadores que observam a ponte, onde o navio misterioso continua se aproximando lentamente.

━ Sabe quem é que está vindo? ━ A garota pergunta afastando a franja castanha do rosto ao dirigir-se a um dos pescadores.

━ É só um navio de descarga, Srta. Duvall. ━ Respondeu o Sr. Tompson, um velho homem de cabeça lisa. ━ Não vem ninguém.

Tulipa, porém, sentia por alguma razão, que havia algo ali, alguma coisa que ninguém mais estava dando atenção. Ela sentou-se sobre as roxas, as botas azuis balançando com a falta o chão enquanto ela observou o navio se aproximar cada vez mais. Enquanto esperava a garota jogava amendoins de chocolate aos lábios, um dos muitos que ganhou de presente do pai, que não a visitava na lavanderia, ou fazia qualquer esforço para tirá-la de lá.

Passaram-se alguns minutos enquanto o grande e barulhento navio a vapor deslizava sem esforço pelo ar enevoado, seu casco polido cortando o mar como uma faca. Tulipa pula das rochas baixas quando o navio finalmente para, a âncora cai com estrondo e a prancha é baixada, fazendo caminho entre o navio e o cais abaixo. A jovem prende a respiração enquanto corre para seu esconderijo entre alguns barris e caixotes, com o coração batendo forte no peito enquanto observa os passageiros começarem a desembarcar.

Uma figura entre todas as outras, chama atenção ao sair do navio, fazendo com que os olhos de Tulipa se arregalem de descrença. Willy Wonka, vestido com uma cartola elegante que mais parecia feita de chocolate e um casaco longo magenta, sai do navio com seus olhos curiosos brilhando ao olhar ao redor. Quando Wonka pisa no cais, ele faz uma pausa para respirar fundo o ar salgado do mar uma última vez antes de se virar para continuar observando os arredores.

Tulipa não entende direito porque faz, mas segue o garoto conforme os passos dele se tornam um caminho conhecido por ela. A garota mantém distância entre os dois, se escondendo atrás de flores e caixotes de açúcar enquanto o escuta cantarolar sobre suas doze moedas. Seus olhos atentos assistem quando as 12 rapidamente se tornam 11 e então 10, 09, 08, 07...

Não nota quando a noite cai completamente, embora passe a perceber que o único som ecoado pelo silêncio noturno é o de suas botas batendo suavemente no calçamento, acrescentando um elemento de expectativa ao cenário enquanto ela continua em sua perseguição inexplicável, novamente o capuz amarelado volta a cobrir seus cabelos enquanto ela se detém no topo das escadas ao assistir Wonka entregar a uma mulher com um bebê sua penúltima moeda. O nobre gesto faz o frio da noite parecer mínimo para Tulipa, que tira o capuz e desce as escadas ao ver Wonka se afastar, dessa vez na tentativa de alcançá-lo e aconselhar sobre o lugar em que conseguiria dormir com aquela última moeda.

Enquanto Wonka está ocupado procurando jogando para cima seu último trocado, Tulipa não consegue parar a si mesma enquanto caminha na direção dele, o que ela descobriria mais tarde ser inútil visto que ele não consegue fazer com que a moeda caia em seu bolso, ao invés disso o círculo valioso escapa de seu alcance escorregando entre as frestas de um ralo da calçada com um pequeno tinido metálico, se perdendo para sempre. Tulipa dá um passo adiante, mas, com a pressa e o choque causado pela razão tão estúpida pela qual Willy perdeu a moeda, ela tropeça em uma pedra solta na calçada. Seu equilíbrio se perde e ela cai com um baque surdo na poça de lama que se formou ainda naquela tarde por conta da constante neblina.

Tulipa permanece sentada na poça de lama, seu cabelo castanho geralmente arrumado está agora encharcado e completamente coberto de barro enquanto ela está envergonhada e molhada pela sujeira. A jovem olha para as próprias roupas, estremecendo com a sujeira e a lama coladas em seus tecidos. Levando as mãos aos cabelos, ela tenta em vão remover a sujeira grudada em seus fios. Ao invés de se levantar rapidamente para alcançar Wonka, ela fica paralisada no lugar, a indignação e a frustração começando a crescer dentro dela.

━ O que eu estava pensando? ━ Tulipa murmurou irritada batendo as palmas das mãos contra a lama, se arrependendo um segundo mais tarde quanto o líquido pastoso se derrama mais sobre suas roupas.

Não demora até que ela escute um suave ruído de passos se aproximando. Olhando para cima, ela vê Willy Wonka parado diante dela, seu nariz coberto de pequenas sardas e seus olhos verdes observando-a com um estranho brilho indecifrável para ela de início, mas muitos chamariam de; diversão.

━ Então era você quem estava me seguindo esse tempo todo? ━ Ele diz arqueando uma das sobrancelhas grossas, uma expressão desconfiada aparecendo em seu rosto.

A jovem garota se levanta, o capuz amarelo caindo de seus ombros, inútil visto que não a protegeu em nada da sujeira que agora a cobria. Fingindo ignorar a lama, Tulipa franze a testa, surpresa de que Wonka a tivesse notado sua perseguição que ela pensou ser tão discreta, as bochechas coradas embora ela tentasse não parecer culpada.

━ Eu… eu não estava te seguindo. ━ Mentiu a garota passando os dedos pelos cabelos castanhos tentando desembaraçar seu cabelo empapado de lama.

O jovem ri suavemente sentando-se Wonka ri suavemente, sentando-se ao no banco vazio da praça e começando a tirar alguns objetos da maleta que carregava consigo. Tulipa notou o bule de leite e o chocolate colocado em duas canecas enquanto ele suavemente bateu a mão duas vezes contra o banco a convidando a se juntar a ele.

━ Ah, não minta. ━ Ele diz, olhando diretamente para ela quando a garota senta ao lado dele encarando curiosa. ━ Eu notei você me seguindo desde minuto que saí do navio, Tulipa.

A jovem garota sente o rosto esquentando quando a onda de vergonha toma conta de seu corpo, a de cabelos sujos desvia o olhar para as próprias botas. ━ Eu só queria saber... Espere. O quê?! ━ Tulipa ergueu a cabeça novamente, suas sobrancelhas finas se erguendo em surpresa. ━ Você lembrou.

Tulipa não pensou que ele faria, o conheceu aos quinze anos, o viu uma única vez em uma aula de pintura para qual se inscreveu. Lembrava-se bem dele, sua peculiaridade exuberante não poderia ser apagada em décadas, muito menos em quatro anos, ela, porém não era como ele, tinha uma aparência e comportamento completamente comum, exceto quando fazia coisas esquisitas e inexplicáveis como seguir por todo um fim de tarde o garoto que viu uma única vez em sua vida.

Os dois estão sentados no banco frio e duro na praça pouco iluminada, cercados pela neblina cinzenta que cerca a cidade fazendo Tulipa estremecer embora Wonka não pareça sentir o frio que paira ao sobre eles. A jovem se move levemente ao ouvir passos a lama ainda está colada em seu vestido e cabelo, ela passa os dedos pelo cabelo em uma nova tentativa se livrar da sujeira, sem sucesso. Wonka separa os lábios, abrindo a boca em uma tentativa de responder à pergunta dela. Antes, porém, que possa dizer qualquer coisa, um cachorro cinzento e bem grande emerge das sombras, revelando ser o dono dos passos leves que a garota ouviu, o animal passa por ela como se não a visse, indo direto para as pernas de Wonka.

━ Ah, olá! ━ Willy cobre os pelos do cachorro com a mão enquanto o animal o cheira, parece uma cena tranquila até que a criatura comece a rezingar e agarre o tecido, tentando rasgar suas calças com os dentes. ━ Ei! Pare!

━ Já chega! Sente! ━ Uma terceira voz se fez ouvir, mais profunda e com certa amargura que os dois jovens não obtinham mesmo em seus piores dias. Tulipa se virou e então encolheu-se no banco, como se pudesse fugir dos olhos de Bleacher. ━ Desculpe pelo Tiddles. ━ Começou o homem com o sorriso de falsa simpatia que a garota já conhecia bem. ━ Ele parece ter um interesse especial nas suas pernas.

━ Ah! Devem ser essas calças. ━ Willy responde inocentemente ao colocar a cartola novamente, agora que o cachorro estava calmamente sentado longe dele. ━ Eu as ganhei de um carteiro.

━ Deve ser isso, Tiddles passa o dia correndo atrás do carteiro. ━ Concordou Bleacher sorrindo de uma maneira que irritava Tulipa, que bufou chamando a atenção do homem para ela. Ele a encarou com o nariz franzido ao notar como ela estava suja e desarrumada. ━ Que é que aconteceu com você?

━ Uma boiada me atropelou. ━ Mentiu Tulipa de braços cruzados e nariz arrebitado para o lado contrário do rosto rechonchudo de Bleacher.

O homem apertou as mãos em punhos, parecia apto a esganar a garota, embora soubesse que nunca poderia fazer, sua raiva, porém se perdeu ao lembrar-se da terceira presença. O garoto que ainda olhava entre os dois com uma curiosidade que beirava a ingenuidade. Bleacher gargalhou como se estivesse apenas atrasado ao entender a piada, ele se aproximou do banco, colocando Tulipa de pé com um puxão, ele a cobrou com o próprio casaco visto que a garota parecia a ponto de se tornar uma escultura de gelo e isso significaria que sua lavanderia perderia a quantia que lhe era pago por mês pela prefeita.

━ Por que não me apresenta seu amigo? ━ Bleacher era como um ímã para os desamparados, ele os encontraria em qualquer da cidade assim que eles desembarcassem de seus navios, com Wonka não foi diferente.

━ Não o conheço. ━ Disse Tulipa desviando o olhar novamente fingindo não notar como o sorriso de Willy fraquejou e seus ombros caíram levemente ao ouvir as palavras dela.

Bleacher não duvidou, Tulipa não era do tipo de muitos amigos, principalmente da sua idade, ela preferia a comunicação amistosa que tinha com velhas floreiras e pescadores, do que a fraternidade onde se encontravam os jovens de sua idade, os quais ela considerava muito estúpidos para conseguirem dialogar. O homem voltou sua atenção para o garoto que sorriu educadamente ao notar ser o centro das atenções novamente.

━ Você não está planejando passar a noite aí, está, criança? ━ Perguntou Bleacher apontando para o banco duro e frio sobre o qual a neve caia.

━ Bem, só por uma noite. ━ Explicou-se Willy, seu sorriso voltando aos lábios quando ele completa. ━ Amanhã a essa hora eu já terei minha fortuna.

Bleacher e Tulipa se entreolharam por um instante, ambos já haviam ouvido o mesmo discurso várias vezes e eram muito mais do que descrentes comparados ao garoto sentado à frente deles.

━ Amanhã a essa hora você já vai estar congelado. ━ Disse Tulipa ao olhar novamente para Willy. ━ Você deveria ir à Madame Mar-...

Bleacher cobrou a boca da garota a empurrando para trás de si enquanto mantinha um sorriso cheio de dentes em sua face, disfarçando a maneira abrupta que calou a garota.

━ Ah! Não seja ridícula. ━ Teimou Wonka, sem prestar atenção no comportamento estranho dos dois a sua frente. Tulipa e Bleacher observaram enquanto o garoto tentava misturar o achocolatado que antes preparava, ao puxar a colher o que deixou a xícara mais parecia um picolé de chocolate do que um chocolate quente. ━ Bem, talvez esteja um pouco frio para acampar. ━ Concordou baixinho observando as expressões certeiras dos outros dois. ━ Bem, infelizmente, não estou em posição de pagar por um quarto.

Tulipa abriu a boca para avisar, mas novamente foi calada por Bleacher que voltou a escondê-la atrás de seu corpo, com um largo sorriso o homem começou. ━ Ah eu sinto muito por ouvir isso. ━ E então deu um passo a frente ainda usando uma das mãos para cobrir os lábios de Tulipa. ━, Mas para sua sorte eu conheço alguém que pode te ajudar.

Sério? ━ Willy perguntou esperançoso.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top