𝟏𝟒. FIM DA LINHA

ALCANÇAMOS o piso térreo através de um acesso lateral. Uma pirta de metal reforçado com tranca biométrica que Bucky arrombou com facilidade.


— O que você quis dizer lá embaixo?

— Não temos tempo para que eu explique tudo agora, mas o que importa é que quando chegar a hora você saberá. Eu meio que gostaria que não chegasse esse momento, mas sei que é inevitável.

Resmunguei comigo mesma algo sobre estar torcendo para que não fossemos pegos enquanto meus olhos corriam pelo espaço aberto buscando por outras pessoas. Com as luzes vermelhas de emergência acesas, nossa vantagem é a falta de visibilidade deles no escuro.

Nos esgueiramos pelo canto do saguão, usando qualquer móvel, coluna e cavidade como disfarce. Eu sei que saindo desse prédio aínda enfrentaremos boa parte do complexo, mas um campo aberto ao ar livre é decididamente mais vantajoso do que uma caixa de concreto e aço, que é basicamente ao que se resumem esse edificios. Me lembrei de que não coloco os pés para fora desse lugar há semanas, só tendo passado pelos portões uma vez, no dia em que cheguei. Me preocupo em não me recordar de como deixar este lugar, mas essa preocupação é varrida da minha mente quando me lembro de algo. Meu diário.

O item ficou no laboratório dentro da minha gaveta. As partes chaves da pesquisa estão simplesmente relatadas nele. É como um quebra-cabeças. Algumas partes do projeto estávam nos documentos que queimei enquanto o restante estão no diário. Estão codificados, escritos de uma maneira que só eu entenderia, mas eu não posso deixá-lo aqui. Não quando Fuchs pode colocar os melhoras cientistas na missão de decodificá-lo. Ele não pode ter acesso a minha pesquisa, não quando isso é o trabalho de toda uma vida.

O alarme não parava um só segundo, balancei a cabeça na esperança de limpar meus pensamentos e traçar um novo plano de fuga. Disparei pelo canto da parede do saguão, Bucky atrás de mim.

— Para onde estamos indo? – Ele perguntou apreensivo.

— Deixei meu diário no laboratório, não posso permitir que Fuchs tenha acesso ao que escrevi – Explico ofegante. Cruzamos vários corredores e quando dobrei o último entrei no laboratório. Parei para recuperar o fôlego, me virei para Bucky e o puxei pela mão para o fundo do laboratório.

O silêncio no lugar era sepulcral, as luzes apagadas. Demorei um pouco até perceber que as sirenes de alerta haviam cessado e que o único som em meus ouvidos eram meu sangue sendo bombeado com força. Talvez se tivesse me dado conta disso antes, perceberia que algo estava muito errado.

— Devo dizer que a sua intuição é mesmo formidável –  A voz que se tornou narrador de meus pesadelos elogiou com cinismo atrás das nossas cabeças.

As portas dos fundos do laboratório se abriram. Fuchs e seus homens entram por ali enquanto diante de nós outra porta também foi aberta com mais agentes aramados. Bucky puxou-me para trás de si imediatamente.

— Quando chegamos já não havia sobrado nada além de cinzas – Acrescentou. Nos viramos para encará-lo, seus olhos faiscaram.

— Eu deveria ter destruído tudo bem antes.

— E agora você é a única que detém todo o conhecimento. Que desperdício... alguém como você com um futuro tão brilhante terminar desse jeito.

— Isso nunca aconteceria aqui, não com vocês – Senti vontade de gritar, Bucky me segurou mais atrás dele. – Você mentiu para mim! Me enganou desde o início. Se eu soubesse do que tudo isso se tratava eu jamais teria aceitado trabalhar aqui.

— Você nunca quis saber! Esse é o ponto. Não haja como se fosse alguém melhor do que nós quando tudo o que importava para você era o seu sucesso

— Eu errei – Admiti. – Mas estou pondo um ponto final nisso agora. Eu vou embora, vou levar minha pesquisa comigo e vocês nunca terão acesso a ela.

Apertei a mão de Bucky, puxando-o para mais perto.

— E ele também. Toda essa crueldade acabou.

Ele riu. Uma risada zombeteira e afetada que me fez sentir meu estômago revirando.

— Você acredita mesmo que vai conseguir sair daqui? – Seu tom era uma ofensa. Ele falava como se eu fosse a criatura mais estúpida do mundo. – E com ele, ainda por cima?

— Não pensaria assim se não tivesse boas razões para isso – Falei, ao mesmos tempo em que examinava o local discretamente, buscando alternativas. Minha mesa não estava longe, a chave estava no meu bolso.

Ele sorriu.

— E quais são, se me permite saber, é claro?

— Tenho um Soldado Invernal, para começar - Olhei para Bucky que se mantinha firme como uma rocha a minha volta. - E você, Fuchs, seu porco nazista, sabe mais que ninguém a vantagem que isso me dá.

_ Você tem um Soldado Invernal? – Perguntou apontando para mim, então moveu o dedo para si mesmo. – Eu tenho um Soldado Invernal.

Seus olhos se voltaram para Bucky tão rápido quanto sua boca começou a falar:

Saudade, Enferrujado, Dezessete...

Percebi a expressão de Bucky mudar. Cada músculo do rosto dele passou a se contorcer e retorcer.

— Lily, sai daqui – Ele praticamente rosnou entre os dentes.

— Não, Bucky! Eu disse que nunca deixaria você, eu tenho um plano. Preciso que ouça cada palavra com atenção... – Falei, segurando seu braço com mais força, eu o puxei para baixo, colando meus lábios no ouvido dele. – Lar, Lírio, Rogers, Esperança...

Bucky arregalou os olhos e se virou para mim, seu rosto perdendo gradativamente a expressão de dor e assumindo uma de compreensão. Eu estava fazendo com ele a mesma coisa que a H.Y.D.R.A, mas as minhas palavras quebravam o controle que as outras exerciam sobre ele.

Fuchs voltou seu olhar furioso para mim, ao notar que seu Soldado não estava mais tão bem controlado como sempre foi.

— O que diabos você fez com ele?

— Como tudo o que você e sua agência sabe fazer, seu método é medíocre e facilmente revertido. Diferente do meu. Infelizmente para você, nunca terá acesso a ele.

O homem gritou de raiva e ordenou em alemão para que seus homens nos atacassem, Bucky estava alerta o bastante para lutar contra eles. Eu corri até a mesa e destranquei a gaveta apanhando o diário. Eu colocaria fogo nisso o mais rápido possível.

— A garota! Eu quero que peguem ela!

Ouvi a ordem de Fuchs e recuei. Havia pelo menos cinco homens segurando Bucky, mas haviam no mínimo uns 12 caídos no chão. A arma que entreguei a Bucky estava caída aos seus pés descarregada.
Recuei novamente, passos lentos e instáveis, acabei ficando encurralada. Não havia mais para onde ir.

— Ora, ora... o que você tem para mim? – Ele perguntou com olhos brilhantes. O homem aproximou-se de mim e arrancou o caderno de minhas mãos. Tentei avançar sobre ele, mas dois de seus soldados se aproximaram e seguraram meus braços, puxando-me para trás.

Ele abriu o diário, não precisando de muito tempo para compreender do que se tratava. Um sorriso diabólico tomou conta de seu rosto envelhecido.

— Você quase me enganou, doutora – Ele apontou para mim. – quase me fez acreditar que você havia simplesmente transformado em cinzas todo aquele precioso conhecimento, mas veja só... é claro que alguém como você, tão apegada a este trabalho, não poderia apenas destruir uma vida inteira de dedicação não é.

Ele aproximou-se lentamente, como se estivesse saboreando cada segundo.

— Você deveria ter queimado tudo muito mais cedo.

— Não faz diferença – Rebati arrogante. – Você não tem a menor capacidade de usar qualquer coisa que esteja escrito nesse caderno.

— Tenho muito tempo para descobrir como usar, além da cobaia perfeita.

Olhei por cima do ombro dele, diretamente para Bucky que havia conseguido se livrar dos homens que o estavam atacando. Ele começou a vir em nossa direção.

— Mais um passo, e a sua namoradinha morre – Fuchs falou calmamente, nem precisando olhar para trás. Seus olhos estavam em mim, como se ele não quisesse perder um único movimento meu. Senti algo frio contra minha têmpora e não precisei conferir para saber que era uma arma.

— Se machucar ela quem morre é você.
Bucky rosnou.

— É, de fato, admirável o quanto você fez bem embaixo do meu nariz - Fuchs disse diretamente para mim, ignorando a ameaça de Bucky. – A maneira como se aproximou dele. Como o atraiu para você.

— Você acha que sabe de tudo o que aconteceu a sua volta, mas não faz idéia de como as coisas acontecem de verdade – Eu ri sem fôlego, o homem pressionou mais a arma contra minha cabeça. – Você não está mais no controle.

— E quem poderia estar? Você? – Perguntou. – Você pode ter suas palavrinhas mágicas, assim como eu tenho as minhas, mas será que as suas são tão mais poderosas como está sugerindo?

— O que isso significa?

Ele não me respondeu, na verdade, Fuchs me deu as costas com apenas uma ordem:

— Certifiquem-se de que a boca dela esteja calada.

Os dois homens que me seguravam se mexeram. Um deles ficou segurando meus braços enquanto o outro se prostrou atrás de mim e tampou minha boca.
Bucky tentou avançar, seu olhar era furioso, porém Fuchs o impediu mais uma vez.

Saudade, enferrujado, dezessete, aurora, forno, nove, benigno, volta para casa, um, vagão de carga.

Comecei a me contorcer, tentando pelo menos libertar minha boca. Bucky estava tentando resistir, mas ele não conseguiria impedir, se não fizesse algo o fim seria inevitável. Mordi a mão do agente, o que não fez nenhuma diferença por ele estar usando luvas grossas.
Antes que eu tivesse qualquer chance, o controle mental se instalou e a expressão dele foi transformada totalmente. Não era mais ele diante de nós. Bucky Barnes estava aprisionado em algum lugar.

— Você esta sozinha agora, Doutora Florence - Fuchs se aproximou de mim.- Perdeu seu amigo judeu, perdeu o seu amante. Sente isso? O medo... a desesperança?

Ele me olhou sorrindo. Eu ainda tinha minha boca tampada, não conseguia nem mesmo responder.

— Você poderia ser uma de nós, poderia ser alguém com relevância no novo mundo – Fuchs balançou a cabeça negativamente.- Infelizmente você optou pelo lado errado da moeda.

Ele recuou alguns passos e sussurrou algo no ouvido de Bucky, imediatamente ele começou a se aproximar de mim.

— Soltem ela.

Ordenou, sendo obedecido imediatamente tive meus braços foram soltos e minha boca liberada.

— Bucky! – Gritei imediatamente tentando chamar sua atenção. – Bucky, sou eu, por favor!

Ele continuou se aproximando, nenhum mísero movimento que sugerisse que ele havia me dado ouvidos.

— O Soldado Invernal não ouve você.

— Não! - Gritei. Eu me virei para Bucky. – Lar, Lírio, Rogers...

Ele era implacável. Bucky me alcançou muito rápido e agarrou meu pescoço. Senti todo o ar deixar meus pulmões e uma dor intensa quando fui empurrada contra a parede.

Esperança... quatro...

O metal frio apertava meu pescoço, me fazendo sufocada e as palavras morrerem em minha lingua. Ele me olhava fixamente, mas era óbvio a falta de reconhecimento. Senti as lágrimas escorrendo por meu rosto, enquanto manchas escuras apareciam em meus olhos, obstruindo minha visão dele.

— Bucky, por favor...

Eu esperava ver ao menos uma pequena brecha. Uma fonte de luz que seria uma porta aberta, mas não habia de nada além da escuridão causada pela H.Y.DR.A.

Fui engolida por essa escuridão poucos segundos depois.

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