𝟏𝟏. O AGENTE
FICAMOS encarando um ao outro por breves instantes. Era outro confronto, mas esse tendo uma motivação totalmente diferente. Decidi que eu seria a primeira a falar, recolhendo minhas palavras com cuidado, questionei:
— Você é mesmo Judeu?
— Sou – Confirmou, sua voz inexpressiva, não havia um único toque de sotaque. – Você não poderia ter invadido meu quarto.
— Não vamos discutir bons modos agora, temos coisas mais importantes – Ergui uma sobrancelha. – Como isso em suas mãos.
— O que você estava procurando aqui dentro? – Questionou, ignorando meu comentário.
— A porta estava aberta – Falei, como se isso fosse o suficiente para justificar meu ato impulsivo e intrometido. – Você estava sendo um estranho... quero dizer, muito mais do que o normal para você, e eu sabia que você estava escondendo alguma coisa esse tempo todo. Então acho que eu tinha razão afinal.
— Não sei o que pretende fazer, mas ninguém acreditaria em você.
— Bem, eu tenho provas convincentes aqui.
Seus olhos se ficaram nos meus, escuros e tão profundos que transmitiram arrepios por toda a minha espinha.
— Você não sairia daqui com elas.
Sustentei seu olhar o máximo possível, até desviar, revirando os olhos teatralmente. Soltei um suspiro e então o encarei novamente.
— Eu não sou assim – Murmurei, mais para mim do que para ele. Se o segredo dele fosse literalmente qualquer outra coisa, muito provavelmente eu o chantagearia ou o denunciaria na hora, conseguiria até subir no conceito de Fuchs. Mas eu não entregá-lo por isso.
— O que você está dizendo?
— Não vou entregar você – Afirmei em voz alta.
— Por que você faria isso?
Perguntou soando confuso.
— Eu não sou esse tipo de pessoa.
— O que quer em troca do seu silêncio? – Perguntou desconfiado.
— Só que me diga a verdade.
— Que outra verdade você pode querer? – Ele soou irritado. – Já sabe que sou judeu, já tem meu destino em mãos.
— É exatamente sobre isso – Dei um passo em sua direção. – Por que alguém como você de juntaria a eles. Por que você finge ser um deles?
Ele esfregou o rosto e então deslizou as mãos pelos cabelos, deixando-os totalmente bagunçados.
— Sou um agente infiltrado – Admitiu. – Estou infiltrado há anos. Trabalho para uma agência americana chamada S.H.I.E.L.D.
— Espera, então você... você é americano? – Perguntei em choque.
— Aqui foi onde nasci, mas com pais poloneses não tinha muitas chances. Conseguimos fugir para a América e lá pude crescer – Contou. Stefan balançou a cabeça, sua expressão se tornando cada vez mais frustrada até que ele grunhiu. – Inferno... foram tantos anos de trabalho para conseguir me infiltrar aqui, ter a posição que eu tenho, se algum deles descobrir...
— Isso não vai acontecer – Afirmo, estendendo o colar para ele em sinal de paz. – Eu já prometi que vou manter seu segredo, mas eu também preciso de um favor.
Ele me encarou desconfiado. Stefan se aproximou com cautela e envolveu minha mão para apanhar o colar.
— Um favor? – Repetiu, ainda mantendo sua mão na minha, seu aperto era firme.
— Sim... – Respirei fundo, de repente apreensiva outra vez. – Quero tirar James daqui.
Uma pausa longa demais que só serviu para aumentar minha tenção se seguiu. Ele soltou minha mão, levando consigo o colar.
— Eu quero o mesmo – Finalmente ele falou. – Ele é uma das razões pela qual a S.H.I.E.L.D me enviou nesta missão.
Franzi as sobrancelhas confusa e então balancei a cabeça.
— Não entendo... então, como você pôde machucá-lo daquela maneira? – Ele não respondeu, estava me encarando com os lábios espremidos em uma linha fina. – Você vai me explicar exatamente o que está acontecendo.
Ele fez uma expressão de desdém, mas concordou com a cabeça, indicando a cadeira em frente a escrivaninha. Eu me sentei, enquanto ele ocupou seu lugar na cama, mantendo distância entre nós.
— HIDRA, é assim que eles de chamam – Stefan começou. – Imagino que já tenha percebido o símbolo nos uniformes militares. E também imagino que já tenha se perguntado por qual motivo uma organização científica precisaria de militares.
Ele me encarou com uma sobrancelha erguida e eu assenti. Isso é verdade. Já me fiz essa pergunta algumas vezes.
— A resposta é que esta não é uma organização científica comum. Eles deveriam ter sido eliminados com o fim da 2° guerra, mas são como baratas... estão sempre se multiplicando. Eles são soldados nazistas que continuam tentando estabelecer uma nova ordem mundial, mesmo que tenham perdido seus líderes.
— Por que disse "líderes" no plural? – Perguntei preocupada.
— Porque Hitler não era o único no comando – Respondeu em tom sombrio. – O mais alto no escalão era chamado de Caveira Vermelha. Quando ele foi derrotado, as tropas nazistas se renderam e a guerra acabou.
— Como ele foi derrotado? – Questionei. Eu sempre soube como a vida de Hitler se encerrou, mas o deste novo monstro... Caveira Vermelha? Eu não faço idéia.
— Graças ao Capitão América. Um super soldado americano que se sacrificou para salvar o mundo – Ele faz uma pausa e então continua: – A S.H.I.E.L.D está decidida a impedir de todas as maneiras que a HIDRA retorne ao poder. É esse o principal motivo de eu estar aqui.
Percebi que a mão segurando o colar se fechou com mais força envolta do pingente.
— Aceitei a missão, sabendo dos riscos e sabendo que precisaria fazer coisas... mas é meu dever lutar contra eles – Stefan acrescentou.
Me levantei da cadeira e caminhei até a cama, me sentando ao lado dele.
— Eu não fazia idéia de quem eles eram quando entrei aqui, e mesmo assim tem sido horrível fingir ser conivente, eu mal posso imaginar como tem sido para você.
Ele balançou a cabeça.
— É meu trabalho, mas você tem razão, é horrível – Concordou.
Um silêncio se seguiu, até que limpei a garganta e voltei a falar:
— E James? Qual a relação com ele?
— Ele é Americano, um super soldado, assim como Capitão América foi um dia, antes de desaparecer. James era um soldado que desapareceu e por muitos anos ninguém soube de seu paradeiro ou se ao menos estava vivo... então a agência descobriu da pior forma que ele havia sido transformado no Soldado Invernal. Isso é muito perigoso não só para os Estados Unidos, mas também para todo o mundo, que uma organização nazista tenha o último Super Soldado vivo trabalhando para eles.
— Concordo que é preocupante – Murmurei. – Mas James é o mais prejudicado nisso tudo. Ele está sendo usado da pior forma.
— A S.H.I.E.L.D não sabe disso – Ele suspirou.
Agora que muitas coisas foram explicadas, comecei a me sentir envergonhada e até culpada por todas as vezes em que tratei Stefan tão horrivelmente mal. Todas as acusações e xingamentos.
— Sinto muito por todas as vezes em que gritei com você ou fiz acusações – Falei em voz baixa.
— Não se desculpe – Ele sorriu com seu toque arrogante. – É um sinal de que estou fazendo meu trabalho perfeitamente bem feito.
Eu concordei.
— Definitivamente - Olhei para o caderno. – Sobre isso... eu posso vê-lo?
Ele o entregou para mim. Eu o segurei, sentindo a textura áspera em meus dedos.
— Eu não teria lhe contado tudo se realmente não quisesse fazer – Ele começou, iseo fez com que eu erguesse meus olhos para ele e o encarasse com uma sobrancelha erguida. – Você não é igual a eles, e não faz idéia de quantos monstros já vi passarem por esse complexo, não foram poucos... eles falharam com seus projetos, mas ainda assim eram cruéis.
— Por que você nunca fez nada? – Perguntei, tentando não colocar julgamento em meu tom de voz, mas falhando um pouco.
— A S.H.I.E.L.D é uma agência secreta, para todos os efeitos, nós não existimos. Existem acordos desde o final da guerra que devem ser cumpridos, isso incluí sem invadir outros países. O governo americano nos abandonaria se achassem que fosse manchar sua reputação.
A relação entre meu país e os Estados Unidos não tem sido das melhores desde o fim da guerra. Eles se uniram contra os nazistas, mas depois que acabou, se voltaram um contra o outro. Eu cresci ouvindo que americanos não são confiáveis, e agora veja só isso... nem os americanos confiam nos americanos.
— Como você consegue assistir tudo isso e não fazer nada para impedir? – Perguntei sem tentar esconder a mágoa desta vez.
— Eu estou fazendo àquilo que posso fazer. Se me descobrirem e eu for morto, James não terá mais chance nenhuma.
Engoli suas palavras em seco, sabendo que ele estava certo e então retornei minha atenção para o caderno. Comecei a passar as páginas.
— Como conseguiu pegá-lo?
— Eu estava vigiando o escritório do Fuchs com uma pequena câmera. Já faz alguns dias, eu estava esperando a oportunidade perfeita para entrar e pegar este caderno. Eu estava aqui quando percebi que ele havia deixado a sala e tive que ser rápido.
— E esqueceu a porta aberta – Comentei, lançando a ele um sorriso malicioso.
Ele revirou os olhos, seu rosto se transformando em uma expressão de mau-humor.
— Aínda não acredito que fui tão descuidado.
— Tudo bem, você tem algo a agradecer. Se isso não tivesse acontecido, eu não teria descoberto tudo e ainda odiaria você – Dei de ombros enquanto continuava folheando o caderno.
— Quer dizer que você não me odeia mais – Ele perguntou curioso.
— Oh... bem, eu não poderia odiá-lo sabendo tudo o que sei agora – Falei, meu rosto ficando quente. Ergui rapidamente para ele e percebi o sorriso arrogante nos lábios. – Mas honestamente, você está tornando isso um desafio.
Ele riu suavemente e então parou de sorrir. Voltei para o caderno, enquanto o examinava me lembrei da foto. Era um casal claramente de judeus, desde o cabelo e chapéu até as roupas, e um bebe. Muito provavelmente foi quando conseguiram escapar do regime nazista. Eu não consigo mais ver aquele homem como o verme que sempre achei que fosse depois disso.
— Mas agora você precisa me prometer que será discreta, Lilian – Falou novamente. – Continue agindo como se não me suportasse, está bem? Precisa manter as aparências. Tenho um plano, mas tempo é essencial.
Eu ergui os olhos para ele, sentindo-me estranha ao ouvir meu primeiro nome depois de tanto tempo e ainda mais estranho vindo dele.
— Você viu o que tenho feito nas últimas semanas? Não será problema nenhum continuar fingindo um pouco mais.
Ele concordou.
- Por que resolveu ajudar ele?
Perguntou por fim. – Eu estou fazendo pelo meu trabalho e pela minha família, mas e você?
Meu olhos cairam em um trecho da página onde o caderno estava aberto.
"James Buchanan 'Bucky' Barnes, nascido em 10 de março (1917), Shelbyville, Indiana."
Ele tem um nome. E é claro que isso é óbvio, afinal todos temos um. Mas ele tem nome, sobrenome, um apelido e uma data fe aniversário. Ele tem uma cidade natal onde provavelmente existem parentes e amigos que foram deixados para trás. Ele é uma pessoa e simplesmente teve isso arrancado dele da maneira mais cruel possível.
— Faço isso por ele - Digo. - Por que ele precisa de alguém que faça, alguém que lute por ele.
— É bem nobre da sua parte.
— Talvez, acho que sim.
— E estúpido também.
— Isso eu tenho certeza – Falei com um sorriso tristonho. – E não é tudo só sobre ele. Também faço um pouco por mim.
— Você?
— Nunca fiz nada por ninguém minha vida toda. Eu achava que meu projeto seria o suficiente para salvar vidas, mas agora querem usá-lo para destruír a identidade de alguém, me sinto culpada, como de estivesse sendo corroída por dentro.
— Posso entender isso.
— Eu posso ficar com isto por um tempo? Eu prometo devolvê-lo rápido, só preciso entender quem ele era antes de tudo isso.
— É arriscado andar pelo complexo com isso.
— Certo, então eu posso passar a noite aqui para lê-lo? Se não sair do seu quarto os riscos diminuem pela metade.
— É um idéia melhor – Ele indicou a escrivaninha. - Toda sua.
— Obrigada.
Agradeço ao me levantar e ir até a cadeira exatamente a que tem em meu quarto e me sentar nela de frente para uma mesa também exatamente igual a minha. Respirei profundamente, exalando ar devagar.
Hora de mergulhar de cabeça na verdadeira história de quem está por trás do Soldado Invernal.
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