𝟎𝟖. FAÇA O QUE TIVER QUE FAZER
EU PRECISO DE uma estratégia. Além, é claro, de uma boa dose de atuação. Fui mais emocional do que racional até agora e isso só me trouxe problemas, me colocou em uma posição frágil diante deles, eles me vêem como uma peça fragil no jogo. Eu preciso mudar esse tabuleiro, para isso devo agir de uma maneira que faça com que eles acreditem que faço parte do plano deles, que eu sou igual. Talvez fazê-los acreditar que meu comportamento até agora se tratou apenas de uma fase, uma crise de consciência passageira, mas que agora eu estou total e inteiramente do lado deles. Eu sei que posso fazer isso.
Na manhã seguinte, levantei cedo como de costume, mas após me aprontar para o dia, tomei um rumo daquele que faço diariamente. Fui até a porta do escritório do Dr. Fuchs e bati devagar, esperando pacientemente para ser atendida. Sei que muito provavelmente ele vai achar minha visita suspeita, mas eu confio na minha capacidade de convencê-lo de que está tudo bem.
A porta foi aberta pelo próprio e eu não o recebi com um sorriso, usando uma expressão séria fiz um leve aceno de cabeça.
- Доброе утро - "Bom dia", eu o cumprimentei utilizando meu idioma nativo. O homem diante de mim sorriu, mas isso não chegou aos olhos.
- Bom dia, Dr. Florence - Respondeu com um aceno de cabeça.
- Tem praticado? - Perguntei, erguendo levemente minha sobrancelha. Não imaginei que ele soubesse russo.
- Conhecimento é sempre bem-vindo.
Concordei com a cabeça e logo prossegui:
- Quero conversar sobre algo que refleti muito durante esta noite. E isso não pode esperar.
Ele assentiu com a cabeça e se afastou da porta dando espaço para que eu entrasse em seu escritório. Fiz uma rápida vistoria no local com meus olhos e então caminhei até uma das cadeiras diante da mesa, sentando-me.
- Julgando pelo horário, de fato suponho que o assunto é sério - Ele falou, caminhando e também sentando-se do outro lado da mesa. - Qual o assunto, Dra. Florence?
- O procedimento da noite passada me levou a refletir sobre a condução do meu experimento - Comecei. - Além, é claro, da minha situação delicada dentro da organização.
- Delicada? - Ele repetiu lentamente, seus olhos fixos em meu rosto.
- Nós já passamos desta fase, senhor - Digo, devolvendo seu olhar. - Ameaças já foram feitas abertamente, nosso relacionamento não está em seu melhor momento.
Ele não respondeu, mas seu olhar falou por ele. Eu continuei:
- Mas eu estou disposta a dar um passo atrás em meus conceitos.
- E o que isso significa? - Ele finalmente demonstrou interesse. Sorri internamente, satisfeita.
- Significa, que estou propondo um acordo que vai beneficiar tanto eu quanto você.
Ele se recostou em sua cadeira e uniu as pontas de seus dedos.
- Eu estou ouvindo.
- Você veio até mim pelo meu intelecto - Não poupei o tom arrogante. - E eu vejo muito claramente tudo o que esta organização pode me oferecer. Enquanto analisava alguns fos resultados obtidos durante os testes, pude constatar que está funcionando. E eu não serei estúpida em parar logo agora, não com a minha pesquisa se realizando diante dos meus olhos.
- Onde está todo aquele discurso sobre ética, Dr. Florence? - Ele demonstrou desconfiança no tom de voz.
- Bem... - Eu ri suavemente, inclinando a cabeça para olhá-lo diretamente nos olhos. - Eu aínda os possuo, é claro. Mas, entre nós, mentes da ciência... eu quero ver a minha pesquisa acontecendo, como qualquer outro da área. E estou com essa oportunidade em minhas mãos. Suponho que posso mantê-los, um bom equilíbrio, sem comprometer os avanços.
- Vejo que finalmente compreendeu que estive certo quanto aos meus métodos o tempo todo.
- Eu duvidei - Admito. - Mas não posso refutar evidências, estão diante dos meus olhos.
Eu percebi um breve esboço de sorriso surgindo no rosto envelhecido dele.
- Eu posso ver... - Ele começou lentamente, movendo as mãos e apontando seu indicador para mim. - Posso ver em seus olhos, senhorita, o mesmo brilho que vi em nosso primeiro encontro.
- Eu estava frustrada - Suspirei. - O atraso nos resultados, as noites em claro, eu admito que isso me fez pensar em desistir.
- Essa deve ter sido uma noite de grandes descobertas.
- Podemos dizer que sim.
Sei que não ganharei a confiança dele da noite para o dia, no entanto estou dando o primeiro passo. Preciso apenas convencê-lo de que estou disposto a permanecer aqui por vontade própria e cooperar sem causar problemas.
Ergui o queixo e continuei:
-- Já estou aqui, não vou recuar logo agora. Também não quero que outra pessoa tome a liderança e o mérito por algo que é meu trabalho. Então se alguém vai dirigir está projeto, serei eu
- Suas razões me soam muito boas, mas também um pouco egocêntricas - Seu lábio se curvou em um pequeno sorriso.
- Não pode me julgar por isso - Eu sorri levemente. - E você me prometeu coisas, Doutor. Eu não irei embora antes de ter o reconhecimento que me prometeu.
Ele assentiu com a cabeça.
- Admito estar surpreso com suas novas concepções, mas vejo nos seus olhos que está mais do que nunca disposta a concluir seu propósito aqui. Admiro isso, doutora, admiro mesmo. Seja bem-vinda de volta inteiramente a nossa equipe.
Eu me levantei e estendi minha mão para ele.
- Tudo pela ciência, doutor.
Sorri minimamente para ele que retribuiu meu sorriso e se levantou, apertando minha mão.
ASSIM QUE MINHA conversa com Fuchs foi encerrada, deixei seu escritório imediatamente, seguindo em direção ao laboratório. Durante o caminho, pensei muito e repassei varias vezes aquela conversa em minha mente. Ele pode duvidar das minhas decisões e desconfiar que eu tenha mudado de opinião, mas eu sei que essa desconfiança passará logo, pelo menos assim que ele ver o quanto sou ambiciosa.
Meu plano é simples, porém prático e articulado, como deve ser. Enquanto faço com que ele acredite que estamos avançando, eu estarei revertendo todo o procedimento. Eu usarei o próprio equipamento dele para voltar atrás na lavagem cerebral que ele tem feito em James durante tanto tempo. No entanto, eu preciso saber quem era James antes de isso acontecer, quem de fato era esse pobre homem antes de toda a lavagem cerebral que fizeram nele.
Não tenho aliados, eu estou sozinha nisso e também não posso confiar minimamente em ninguém desse complexo, talvez nem mesmo no próprio James, afinal como ele mesmo me falou várias vezes, estão dentro da cabeça dele.
No escritório de Fuchs consegui ver um cofre, e eu não acho que ele guarde dinheiro ou jóias nele, definitivamente não. Um homem como ele só guardaria em um cofre coisas que tivessem um valor muito superior a isso, ou seja, informações. Dentro daquele cofre pode conter algo valioso demais para ele ou até mesmo perigoso demais para sua segurança. Documentos, arquivos, provas... tudo. Se existe de fato arquivos reais e sem nenhuma manipulação a respeito da verdadeira identidade do Soldado Invernal... eles estão guardados naquele cofre. Eu só tenho que pensar em uma forma de vasculhar até encontrar.
Entrei no laboratório e cruzei o espaço sem trocar olhares com ninguém ou dar qualquer cumprimento. Sentei-me em minha bancada e apanhei a pequena chave prateada que costumo guardar no bolso do meu jaleco. Abri a gaveta embaixo da mesa e peguei o caderno onde faço relatos diários a respeito do experimento, seus avanços e retrocessos. Não é o mesmo o qual faço meus relatos pessoais, definitivamente não, este fica muito bem guardado, entretanto vi a necessidade de iniciar este novo assim que me dei conta de que arquivos diários estavam desaparecendo sorrateiramente, e eu não poderia me dar ao luxo de acabar deixando qualquer detalhe passar, por isso, tenho tudo registrado apenas para mim e mantenho tudo trancado.
- Dra. Florence.
Meu nome soou através daquela voz enjoativa e arrogante que conheço muito bem, e pensei que nunca mais ouviria. Ergui meu olhar lentamente.
- Stefan? - Seu nome saiu como uma pergunta, apesar se eu ter certeza de que era ele. Foi basicamente o choque de vê-lo.
- Imagino que seja uma surpresa me ver aqui novamente - Ele abriu um sorriso de dentes pontudos, depois puxou uma cadeira e sentou-se ao meu lado.
- Não, não estou - Fechei meu caderno.
Obviamente eles não fariam o que mandei e se livrariam de Stefan, mesmo ele sendo um verme. Esse homem é exatamente como todos os outros desse complexo. Eu deveria ter suposto muito antes que ele retornaria em algum momento.
- Certeza? - Ele questiono com um sorriso malicioso nos lábios. Revirei os olhos e o encarei.
- O que você quer? - Perguntei sendo absolutamente direta e não me preocupando com minha rispidez.
- Somos uma dupla agora - Ele falou.- Dr. Fuchs me informou que a senhorita está de acordo com os termos da organização, então ele me mandou para trabalharmos juntos nisso, já que eu conheço muito bem os métodos que usamos no complexo.
É claro... ele não confiaria totalmente em mim assim tão fácil, disso eu já sabia, mas me forçar a trabalhar com esse crápula? Isso é um absoluto desrespeito.
- Eu não farei nada com você.
Afirmei puxando a gaveta e guardando o caderno, tranquei a gaveta e enfiei outra vez a chave em meu bolso.
- Você não tem escolha.
- Sim, eu tenho - Bufei. - Você é um rato e não é confiável. Eu não tenho razões para concordar com algo assim.
- Posso lhe oferecer algumas razões, Dra.Florence.
A voz do próprio Fuchs se projeta por todo o laboratório quando o mesmo entra. Ele esta acompanhado por dois outros homens que trajam roupas militares e... pelo Soldado Invernal. Desviei meus olhos dele, evitando contato visual com os olhos azuis pálidos dele, e encarei o médico.
- Ele me traiu - Cuspi entre dentes.
- Ele seguiu ordens, só mostra o quanto é fiel e bom no trabalho dele.
- Como posso trabalhar com alguém o qual não confio?
- Ótima pergunta - Ele observou, caminhando em minha direção. - Talvez eu tenha me perguntado exatamente a mesma coisa durante nosso encontro mais cedo.
- Isso é...
- Prove que está do lado certo - Ele me cortou. - Faça isso seguindo minhas ordens e cumprindo sua missão, nem um passo em falso, senhorita. Estou depositando uma confiança em você que nunca fiz com ninguém mais, então não desperdice essa oportunidade novamente.
Me virei na direção do homem ao meu lado, ele ainda estava sentado e ostentava um sorriso tão irritante que se eu pudesse daria um soco exatamente naquele local e quebraria todos os dentes brancos. Travei meu maxilar e então me voltei novamente para frente e por alguns instantes meus olhos caíram sobre a figura de James, e eu soube que ele não estava alí naquele momento. Não era ele... era o Soldado. Meu peito apertou, eu queria abraçá-lo, procurar pelo reconhecimento naqueles olhos, mas eu não posso, não aínda.
Eu aceitarei passar por isso. Eu devo aceitar. Se essa é a única maneira de conseguir ajudá-lo.
- Os fins justificam os meios - Digo em voz alta.- Tudo bem, eu farei o que você quer. Vou provar que estou com vocês, mesmo que pra isso eu deva dividir minha bancada com um червь.
- Do que ela me chamou? - O próprio perguntou para seu chefe. O médico riu baixo e aquele som soou mais como um sibilo de uma serpente do que como uma risada humana.
- É melhor que não saiba, meu caro - Ele fez uma pausa e então começou a se retirar, falando por cima do ombro: - Estarei ocupado o restante do dia, mas lhes desejo um bom trabalho.
Assim que ele deixou o laboratório e James foi com ele exatamente como um robo, eu soltei o ar e meus ombros caíram levemente. Apanhei meus óculos na bancada e os coloquei.
- Por onde começamos, companheira? - Stefan perguntou, apoiando seus braços na bancada.
- Podemos começar com você não me chamando desse jeito.
Resmunguei, indo até o armário e buscando os protocolos dos testes feitos em James nas últimas duas semanas. Coloquei as pastas encima da mesa, ficando do lado oposto ao dele na bancada.
- Vamos avaliar esses resultados e verificar se estão dentro dos parâmetros - Digo.- As regras para nossa consciência são: não fale comigo a menos que seja muito importante e o estritamente necessário, não olhe para mim e não faça barulho.
- Oh, isso soou tão...
- Qual era a segunda regra?
Pergunto, me referindo a não falar comigo.
- Certo, entendido, doutora.
Me sentei de frente para ele e baixei meu olhar para os protocolos, me esforçando ao máximo para ignorar a existência daquela criatura diante de mim. Com a presença dele em meu rastro o tempo inteiro será muito mais difícil do que eu imaginei. Eu preciso ser ainda mais cuidadosa, afinal, presenciei de perto o quão cínico e sorrateiro esse homem pode ser. Ele estará de olho em cada passo meu, eu tenho certeza.
E é exatamente por essa razão que eu devo estar sempre um passo á frente dele.
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