𝟎𝟔. EU ESTAVA CEGA
APESAR DE ESTAR sentindo meus nervos a flor da pele, consegui mr manter sob controle durante todo o caminho do meu dormitório até a sala de ressonância que ficava na ala oeste do enorme complexo. Em todo o percurso, não consegui deixar de perceber detalhes que anteriormente não foram notados por mim. Me sinto mal, pensando em como fui capaz de ignorar tantos sinais óbvios.
Entramos na sala e fui imediatamente checar o equipamento, verificar se ele estava pronto para uso. Usá-lo não é exatamente o que pretendo fazer, porém, é necessário encenar tudo com o máximo de veracidade possível. Não sei se algum desses dois homens tem qualquer conhecimento técnico, mas prefiro não arriscar.
Alguns minutos depois, aqui estava ele. O Soldado Invernal cruzou a porta e ali permaneceu. Olhar frio, postura rígida e silenciosa, é como que ele fosse uma máquina, apenas esperando receber algum comando.
- Bem na hora - Sorri levemente para o homem, em seguida me voltei aos outros dois e meu sorriso desapareceu. - Preciso que você saíam. Esse equipamento é sensível e não pode haver qualquer interferência.
Sem pronunciar uma única palavra, ambos trocaram olhares e ainda em silêncio se retiraram. No entanto, eu sabia que nenhum dos dois iria muito longe. Sei perfeitamente que acha estão parados atrás da porta como dois abutres, ouvido tudo o que acontece aqui dentro.
Me virei para o Soldado, fiz uma rápida checagem, fisicamente entre parece bem. Está quieto, como sempre. Estendi em sua direção a roupa leve que ele deveria usar durante o procedimento. Ele encarou minha mão.
- Vista isso - Mandei, fazendo questão de que tudo em um tom de voz alto o suficiente para ouvirem do outro lado da porta.
- Isso não vai acontecer.
Ergui uma sobrancelha, surpresa por sua negativa.
- Farei o que tiver de fazer vestido como estou agora - Ele acrescentou. Sua voz era baixa, porém firme. O tom de voz meio rouco causou arrepios ao longo de toda minha espinha.
- Você deve tirar suas roupas então, não pode fazer o procedimento usando isso. Como eu falei, o equipamento é sensível e você tem metal por toda parte, não vai funcionar - Cedi, descartando a camisola hospitalar de lado. - A propósito, o seu braço, também precisa remover ele... ele sai, não é?
- Por que preciso fazer isso? - Perguntou, e imagino que não estivesse falando simplesmente a respeito das roupas, mas de tudo este procedimento em geral.
Olho para a porta por cima de seu ombro, onde sei que eles estão ouvindo tudo o que conversamos.
- Vejo que está tagarela hoje, Soldado. Só faça o que estou mandando e tudo acabará o quanto antes - Dou um passo em sua direção, fazendo com que minha voz baixasse para um sussurro, fiz assim como ele fez comigo na outra noite: - Confie em mim.
Seus olhos se voltarem para mim. Um misto de desconfiança e confusão não ornes azuis glaciais. Levou alguns segundos até que ele concordasse lentamente com um sinal de cabeça quase imperceptível.
Um raio de alívio percorreu meu peito quando ele aceita, aparentemente de acordo com seguiu meu conselho, pelo menos inicialmente. Meu tom de voz volta a crescer.
- Ótimo, agora você se deitará aqui, vai levar alguns minutos. Não se mexa e não tente sair de dentro da máquina, entendeu?
- Sim, senhora.
Olhei novamente para a porta. Com certeza ele percebeu meu nervosismo.
- Eu estarei na sala atrás daquele vidro.
Quando vejo que Bucky realmente estavam começando a tirar suas roupas, eu o paro com uma mão em seu braço. Peço baixinho que não faça nada e então eu o puxo comigo até a outra sala onde estão os comandos da máquina. Eu a programo, a maca se recolhe para dentro e o que deveria ser o procedimento se inicia, porém sem ninguém ocupando o interior do equipamento.
Me viro para ele.
- Aqui é mais seguro, eles não podem nos ouvir lá fora - Expliquei. - E com o ruído da máquina deve ficar ainda mais difícil.
- O que significa tudo isso?
Ele me pergunta.
- Quero ajudar você - Digo, sentindo minha garganta apertar com a culpa. - Eu... eu sinto muito pelo que aconteceu. Eu não tinha idéia.
- De onde estava se metendo? - Perguntou, ainda parecendo cauteloso demais, desconfiando de minhas verdadeiras intenções.
- Eu estava completamente cega, eu lamento - Afirmei. - Durante toda a minha vida fui subestimada, o meu trabalho foi deixado para trás e tudo o que eu queria era poder provar que eu poderia ser melhor do que aqueles homens arrogantes da Acadêmia de Moscou. Então quando me ofereceram essa chance, eu não...
- Não se importou com nada além dos seus interesses, não foi, doutora? - Sua voz soou cortante, assim como seu olhar que eram como facas em minha direção.
Senti que poderia começar a chorar a qualquer momento. A culpada e arrependimento estavamos me corroendo como ácido. Eu sei, sei que lutar pelo meu sonho e pelo reconhecimento que mereço não é errado, mas a maneira como fiz... isso sim é injustificável. E ele tem toda razão.
- Eu embarquei nisso, me permiti ser enganada. Não vou mentir, não posso dizer que não percebi que haviam coisas erradas, eu apenas... - Apertei os olhos e senti minha voz ficando embargada. Tirei meus óculos e me sentei na pequena cadeira com rodinhas que havia em frente ao painel. - Eles mentiram para mim sobre a verdade origem do projeto Soldado Invernal. Disseram que eram sobre soldados alemães voluntários, mas eu sabia que tinha algo que não fazia sentindo nessa história.
Eu ficava o chão, mas ao ouvir o som de escárnio que ele soltou, ergui os olhos para o homem.
- É serio que foi isso o que te contaram?
Balancei a cabeça positivamente.
- Ver você amarrado naquela mesa, aquilo confirmou o que era apenas especulação em minha mente. Ninguém iria ser voluntário de algo assim.
- É, ninguém faria isso - Confirmou em tom de amargura.- Mas não é como se eu tivesse muita escolha, Doutora.
- Lily, por favor - Falei, secando uma lágrima escorrendo por minha bochecha. - Eles me chamam assim o tempo todo, eu acho que não gosto mais tanto assim do termo.
- Lily... - Ele testou meu nome em sua lingua.
- Sim - Falei ao me levantar novamente. - Eu sei que pareço ser um monstro, e que provavelmente aos seus olhos sou exatamente igual a eles, mas eu nunca quis ferir ninguém. A ciência existe para ajudar as pessoas. Esse era o meu desejo desde que eu era uma criancinha.
- A ciência me transformou em um assassino.
Ele rebateu entre dentes, e havia tanta dor em sua voz, tanto sofrimento, que tudo o que eu queria naquele momento era descobrir uma maneira de tirá-lo desse lugar.
- Eu sinto muito - Afirmei, mordi meu lábio inferior, tentando conter novas lágrimas. Sei que palavras como essa são inúteis considerando a situação em que ele está, mas não ocorre nada além disso. Ele não respondeu imediatamente, ou invés disso ele fez uma longa pausa.
- Percebi que você era diferente deles. Foi por isso que lhe dei aquele aviso.
- De qualquer forma já não tenho mais como voltar atrás - Suspirei derrotada. Então algo me ocorreu: - Você ficou tão estranho depois que me falou aquilo, foi como se estivesse com dor.
- Eu estava com dor - Confirmou. - Eles fazem isso. É como se estivessem dentro da minha cabeça.
Minha mente se iluminou com a resposta que parecia estar alí o tempo todo sem que eu a percebesse antes. Não é como se estivessem dentro da cabeça dele, eles estão de fato. Reprogramação mental.
Olhei meu relógio e resmunguei frustrada.
- Nosso tempo está se esgotando, logo eles devem entrar para verificar se já terminamos com o procedimento. Me escute - Eu segurei em seu braço.- Eu quero ajudar você. Primeiro por sentir que devo me redimir, mas também porque ninguém merece passar pelo que estão fazendo com você.
- Você não ganhará nada além de colocar sua vida em risco fazendo isso. Por que eu confiaria em você?
- Sei que deve ser difícil acreditar, mas tenho limites. Eu vivo pela ciência, mas isso é tortura. Sei que depois que usarem você, definitivamente eles levarão isso para outras pessoas, isso é praticamente uma ameaça nacional, talvez até global. Não posso permitir que isso aconteça.
Ele concordou lentamente com a cabeça, meu argumento parece ser válido para ele, mas não garante sua confiança em mim. Não posso julgá-lo por isso, se estivesse em seu lugar, também não confiaria.
Desliguei o equipamento e retornamos para a outra sala. Antes que ele saísse, eu me aproximei dele, sussurrando novamente para evitar que qualquer um que estivesse do lado de fora fosse capaz de ouvir.
- Como posso chamá-lo, Soldado?
- Eu... não me lembro do meu nome...- Sussurra de volta.
- Bem, vi em alguns lugares que o chamam de James.
- Sim, mas...- Ele balançou a cabeça.- Não importa.
James começou a se afastar em direção a porta, batendo uma vez com o punho de metal, ela foi aberta pelos dois homens que esperavam do lado de fora. Isso apenas confirmou minha teoria de que estavam com os ouvidos grudados na porta.
- O procedimento foi um sucesso - Faço questão de anunciar em voz alta. - Logo poderemos continuar com os testes.
Ambos concordaram com a cabeça e então se foram juntamente com James.
Voltei até a sala onde ficavam os controles do equipamento e me sentei. Aqui, sozinha, depois da curta conversa com aquele pobre homem, me sinto ainda pior do que antes.
Quanto sofrimento ele já viveu nesse lugar? E quanto mais ele está condenado a passar? Deus, ele nem mesmo sabe quem é ou de onde veio!
A única razão pelo qual eles se interessaram no meu trabalho gira em torno da possibilidade de controle mental. Mesmo que esse nunca tenha sido meu objetivo, definitivamente é o deles. Esse é o intuito... apagar a identidade dele e Deus sabe quantas outras pessoas. Reprogramar seu cérebro e torná-lo de uma vez por todas o Soldado Invernal e nada além disso.
Sem nenhuma chance de reversão.
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