𝟎𝟑. NOX

HAVIAM SE passado por volta de duas horas desde que Sam e Bucky começaram a rever todas as imagens registradas na memória do Asa Vermelha durante a ação de resgate após o atentado.

Sam era atento e cuidadoso enquanto apanhava cada rosto e utilizava a ferramenta de reconhecimento facial. Até agora todos estavam sendo reconhecidos, todos os resgatados tinham seus rostos no banco de dados do governo. É claro que ele não poderia descartar simplesmente nenhum deles, qualquer um poderia ser o causador das explosões e se esconder atrás de uma identidade falsa, mas até então, todos pareciam bem verídicos. Funcionários do Capitólio, seguranças e civis que tiveram o azar de estar no lugar errado na hora errada.

O prédio estava cheio e haviam muitas pessoas no quarteirão no momento da exposição. Haviam tantos rostos para verificar que algo dizia a Bucky que eles estavam longe de terminar.

HORAS MAIS tarde e eles tinham um total de 60 rostos identificados. A maioria funcionários do Capitólio.

Bucky girou a garrafa ainda gelada entre os dedos de metal. Era sua quinta cerveja, mas ele não estava sentindo nem cócegas. Sam estava ao lado dele com os olhos apertados finalizado outra análise, só para que no final soltasse um suspiro descontente e se relacionasse no encosto da cadeira.

- Outro segurança - Resmungou carregado de frustração.

- Quantas pessoas falta identificar?

- Pelo menos mais umas 50, no mínimo.

Ele rastreia mais um rosto em meio a fumaça, essa pessoa estava quase totalmente soterrada sob os destroços. Asa vermelha havia precisado se infiltrar entre duas colunas para encontrá-la. Sam se lembrava dela porque ele havia tido alguma dificuldade para resgatá-la.

- Eu me lembro dela - Ele falou quando a câmera do drone focou no rosto sujo da mulher. - A coluna quase esmagou a cabeça dela.

Bucky estava encarando a mulher naqueles últimos segundos em completo silêncio. Seus olhos estavam estáticos, focados no rosto coberto de fuligem. O homem não ousou pronunciar uma só palavra e isso chamou a atenção de Sam.

- Cara? - Sam chamou a atenção do colega que não moveu um só músculo ou deu sinais de ter ouvido alguma coisa. - Bucky?

Ele chamou de novo, dessa vez em tom preocupado.

- Você pode usar o reconhecimento facial nela? - Finalmente ele foi capaz de falar algo novamente. Sua voz soou baixa, mas firme.

Ele estava tentando esconder a vulnerabilidade a todo custo sem querer permitir expor tudo o que se passava dentro dele para Sam naquele momento. Toda a dúvida, todo o pânico e medo. Talvez até a pitada de esperança.

- Claro... - Sam confirmou, ainda estranhando o comportamento do outro.

Ele escaneou o rosto da mulher e o jogou no banco de dados federal.

SEM IDENTIFICAÇÃO

Sam franziu as sobrancelhas diante da mensagem exibida no visor. Com isso ele teve outra idéia. Mais uma vez recolheu os dados do rosto da mulher e os jogou no sistema de identificação, mas agora ele estava usando a central da S.H.I.E.L.D.

A mesma mensagem brilhou em vermelho. Nenhum reconhecimento, nenhum dado. Era como se a mulher não existisse.

- Pelo que parece não temos qualquer registro dela em lugar nenhum - Sam disse. A frustração era totalmente visível no tom de voz cansado do Capitão.

Bucky aproximou seu rosto do monitor, a imagem estava congelada no rosto dela e ele conseguia ver perfeitamente cada traço. É inegável que seja ela, mas como é possível?

Ele não pode estar louco, ele sabe disso, ele sabia que não estava se confundido também, porque é impossível. Ele via esse mesmo rosto todas as noites, em todos os seus sonhos há mais de 30 anos. Ele jamais deixaria de reconhecer.

James estava tão aprisionado no momento que não se deu conta de que estava se movendo. Ele ergueu o braço, o braço humano, aquele que formigava do ombro até as pontas dos dedos como se estivesse sendo queimados por uma chama lenta, e tocou o rosto dela através da tela.

Ele desviou os olhos do monitor, retomando um pouco do autocontrole e perguntou para Sam:

- Foi você quem a resgatou?

- Sim - Sam confirmou prontamente. Mesmo que não estivesse entendendo totalmente o comportamento de Bucky, ele notou que havia algo alí, algo importante. - E foi exatamente nesse lugar, ela estava em uma área bem perigosa na verdade, foi por muito pouco que essa coisa não desmoronou nela.

Houve um breve período de silêncio. Ele observou Bucky retornar o olhar para o monitor.

- Você a conhece - Não havia julgamento em sua voz, mas também não havia sido uma pergunta. Bucky balançou a cabeça em confirmação.

- Sim, eu... eu conheço.

- Qual a história?

- É complicada.

- Então é melhor descomplicar - Sam diz. - Porque essa garota é como um fantasma. Não tem um único registro dela, eu quero dizer... carteira de motorista, plano de saúde, cartão de biblioteca, nada. É como se ela não existisse. Isso é no mínimo suspeito na minha opinião.

- Para onde você a levou depois? - Bucky perguntou, ignorando praticamente tudo o que Sam havia dito. É claro que ela não teria nenhum registro, Bucky sabe bem o motivo.

- Eu a deixei com os bombeiros, provavelmente a levaram para algum tipo de exame, mas ela não parecia ferida gravemente. Vem cá, você não vai me contar de onde conhece a loirinha?

- Eu a conheci em Berlim, há 55 anos atrás.

Bucky respondeu, mas não olhou para Sam em busca de verificar sua expressão que provavelmente seria de pura descrença.

- Ah, qual é, cara...

- Ela não poderia estar aqui, ela deveria estar morta.

- Concordo com a parte de que ela não deveria estar aqui. E por que ela deveria estar morta?

- Porque eu a matei - E àquelas palavras rasgaram por todo o caminho de saída. Foram as mais duras que Bucky se lembra de ter dito nas últimas décadas. O golpe final veio quando ele acrescentou em tom baixo: - Quebrei o pescoço dela.

Sam pigarreou depois de aguardar um momento.

- Bom... então acho que encontramos o nosso cara, ou... bem, você sabe.

Disse indicando a imagem congelada da mulher no monitor. Bucky virou-se para ele e estreitou os olhos.

- Não, ela não faria isso.

- Ah, sério mesmo? - Sam ergueu uma sobrancelha com um brilho sarcástico nos olhos escuros.

- Não, não a Lilian, ela não.

- Olha, esse quebra-cabeça tá muito confuso e quem começou vai ter que terminar - Sam diz encarando o amigo. - Você conheceu a garota nos anos 70 e diz que a matou quebrando seu pescoço, então como me explica ela estar aqui viva e no meio dos escombros de uma explosão?

- Eu não sei, mas a Lilian que conheci jamais teria feito algo assim.

- Será que você realmente a conhecia? Ou melhor, onde diabos você a conheceu?

Bucky desviou o olhar e se afastou, caminhando pela sala pequena.

- No complexo da H.Y.D.R.A.

- Ótimo, tudo faz muito sentido pra mim agora.

O Soldado virou-se imediatamente para Sam e o encarou irritado. Ele ainda não havia absorvido aquilo, ele ainda não havia processado o rosto de Lilian no meio dos escombros.

Para Bucky é inconcebível que a mesma Lilian que ele conheceu seja a pessoa que provocou àquilo. Ainda mais seguindo todos os padrões da H.Y.D.R.A. Ele podia não se lembrar de tudo, mas dela ele se lembrava. Seu rosto... os olhos lacrimejando, o som dos ossos sendo quebrados sob a força dos dedos de metal.

Aquilo nunca havia deixado sua mente. Nem por um único dia. A H.Y.D.R.A se certificou muito bem disso.

Em todas as lavagens cerebrais depois daquilo, em todas as vezes em que eles violaram sua mente, apagando suas memórias, bagunçando sua cabeça e torturando-o das piores formas possíveis, aquela cena nunca desapareceu. E Bucky sabia o motivo.

Era um aviso. Era um aviso e uma ameaça. Queriam que Bucky sempre se lembrasse de seguir as ordens. Queriam que ele se lembrasse que nunca poderia escapar do controle deles. Queriam que ele sofresse a dor daquela perda até o fim de seus dias e fosse punido por ousar desobedecer. Isso funcionou por muitos anos.

- Parece que vocês tiveram um lance importante.

Sam comentou depois de alguns instantes. Isso desfez o redemoinho de memórias e pensamentos o qual Bucky havia sido sugado.

- Ela era médica... ou algo assim - Ele disse baixo. Seus olhos azuis vividos haviam se voltado novamente para o rosto paralisado da mulher na tela. - Ela não sabia no que estava se metendo quando chegou naquele lugar. Ela não era como eles e nem queria ser, então ela pagou o preço.

- Pelo quê?

- Por tentar me ajudar - Bucky virou-se para Sam. - Ela enganou todos eles. Os fez pensar que estavam desenvolvendo algum tipo de programação cerebral quando na verdade estava descobrindo uma maneira de me libertar. Quando percebeu que eles estavam desconfiados dela, decidiu que iriamos fugir. Eu... não consegui protegê-la, não consegui...

Ele parou de falar. Não por não se lembrar, mas por se sentir um covarde pelo que aconteceu. Bucky se sentía fraco. Ela fez tudo o que podia, se arriscou por ele, mas e ele? O que ele fez por ela?

- Eu posso imaginar como isso deve ter acabado. -
Sam suspirou e esfregou sua barba. - Eu lamento, cara, mas se você tem tanta certeza de que é mesmo ela, então ela sobreviveu de alguma maneira. Ela parece diferente?

- A pele muito mais pálida...- Ele murmurou. Bucky se lembrava das bochechas coradas, mas elas não estavam lá. - Mas fora isso nada, ela não envelheceu um único ano.

- Bom, provavelmente esse buraco é muito mais fundo do que parecia ser. Se ela não está morta e não envelheceu, algo aconteceu e não é o que fizeram você pensar durante tantos anos.

Bucky sentiu-se totalmente tomado pela raiva. É claro que mentiram. É óbvio que o enganaram todos esses anos. Era a porra da H.Y.D.R.A, é isso o que eles sempre faziram!

De repente tudo o que Bucky queria era poder quebrar alguma coisa.

- Se fizeram algo com ela, devem ter algum arquivo ou coisa do tipo sobre isso. Eles pareciam gostar dessas coisas...

Sam resmungou pensativo. Bucky o escutou apesar de toda a revolta que estava sentindo e percebeu que Sam provavelmente tinha razão. A H.Y.D.R.A realmente tinha tudo organizado, cada projeto.

- Eles podem tê-la batizado com o nome de algum projeto, assim tornava mais fácil se comunicar sobre, eles usavam como códigos.

- Difícil vai ser descobrir como eles a chamavam.
Sam suspirou e então se levantou.

- Onde está indo?
Bucky quis saber.

- Primeiro vou atrás dos bombeiros com quem eu a deixei. Talvez eles tenham mandado ela para algum hospital, ou tenham visto para onde ela foi. Depois vou esquadrilhar cada arquivo que a S.H.I.E.L.D possa ter sobre planos e projetos da H.Y.D.R.A. Pelo que lembro Steve tinha recolhido vários em missões um tempo atrás

Bucky sentiu seu sangue borbulhar, parecia correr mais rápido nas veias.

- Certo, vou com você.

Ele afirmou puxando sua jaqueta que estava apoiada na cadeira. Bucky queria agir logo. Ele queria encontrá-la imediatamente se fosse possível.
Ele precisava saber o que aconteceu e não descansaria até conseguir.

A CONVERSA com os bombeiros poderia ser definida como frustante. Eles não tinham nenhuma informação, nem mesmo reconheceram o rosto da mulher quando foi mostrado a eles. Sam compreendia, habia sido um caos, eles tinham resgatado muitas pessoas.

Com as poucas chances de descobrir qual caminho ela havia tomado frustadas, Bucky estava ainda mais ansioso para examinar cada arquivo que pudesse. Ele se lembrava de como as coisas costumavam funcionar no complexo. Os nomes eram substituídos e no lugar eram criadas outras maneiras de como se referir a alguém, tinham nomes de projetos, assim tornava difícil identificar depois. Foi o que aconteceu com ele. O Projeto Soldado Invernal.

Tudo era organizado em pastas, arquivos e mais arquivos. Alguns tinham até foto. Quando Steve recuperou grande parte daqueles arquivos anos antes, ninguém pensou em passar o pente fino neles. Examinar um por um. Em parte por que todos acreditavam que eram projetos já encerrados, ou abortados, ou que jamais chegaram a ser iniciados.

Quando entraram na sala dos arquivos, Sam se aproximou dos armários onde estavam guardados, Bucky percebeu que não haviam sequer sido transferidos para um sistema mais moderno a fim de conservar suas informações.

O Capitão abriu o armário e puxou uma longa gaveta de metal. Nela estavam guardadas todas as pastas. Eles começaram a verificar as datas, havia muitas, mas eles sabiam que precisavam encontrar uma que fosse pelo menos após os anos 70.

Projeto Almanaque.

Projeto Bailarina Vermelha.

Projeto Solar.

Esses eram alguns nomes que Bucky lia enquanto eliminava as pastas. Ele não fazia idéia de que existiam tantos e ao ler, percebeu que eram pessoas cujo a maioria nem havia sobrevivido a primeira missão.

Quase uma hora depois, Sam resmungou alguma coisa.

- Este parece incompleto.

Isso chamou a atenção de Bucky. Ele se aproximou e Sam virou a pasta na direção dos olhos do Soldado. Não estava no mesmo padrão dos outros, não havia nada sobre projetos ou coisa do tipo. Bucky pegou a pasta das mãos de Sam e avaliou.

- Nox? - Murmurou. Era a única coisa escrita na frente da pasta preta. - O que isso significa?

- Abra, talvez a gente descubra.

Bucky abre o documento e imediatamente se depara com uma foto de Lily. Ele quase não a reconheceu na imagem.

- Encontramos o que estávamos procurando - Ele murmurou, mas apesar de ter encontrado, ele não poderia estar pior. O quanto eles a feriram? Com certeza mais do que Bucky pode pensar agora.

- Parece que usaram o próprio experimento dela nela mesma - Sam falou, ele havia passado os olhos pelo resumo do projeto.

- Reprogramação neurológica com eletroconvulsoterapia - Bucky leu o nome.

Sam assoviou.

- É um nome bem longo.

- Eletrochoque - Bucky resumiu. - Eles dão choques na nossa cabeça.

- Ah... - Sam murmurou. - Cara, que droga.

Bucky continuou lendo, mas não havia muita coisa útil. Na verdade não tinha nada de útil além de registros velhos. Nada que realmente o ajudasse a montar este quebra-cabeça.

- Parece que não avançamos muito - O Capitão suspirou. - E a não ser que você tenha alguma idéia, eu terei que mandar o rosto dela para o governo.

- Não! - Bucky praticamente rosnou.- Isso não.

- Bucky...

- Vão caçar ela como um animal, você sabe. Foi o que fizeram comigo quando me acusaram de explodir o prédio das Nações Unidas.

- E o que você sugere? Bucky, olha o que temos. Ela deveria estar morta desde 1970, e ela não está. Ela não envelheceu um único dia sequer. Ela é um tipo de projeto bizarro com nome estranho, e estava no meio de um atentado terrorista. Tudo aponta pra ela.

- Foi exatamente o que aconteceu comigo, Sam - Bucky argumentou. - E não era eu. Zemo armou pra mim, e mesmo que tudo apontasse que eu era o culpado Steve confiou na minha inocência. Eu vou fazer isso por ela, ela merece isso.

Sam respirou fundo. Ele entendia esse lance de gratidão, dívida, culpa e tudo o mais que Bucky provavelmente sentia pela garota, mas algo lhe dizia que não era a mesma coisa que aconteceu alguns anos antes quando Zemo explodiu o prédio das Nações Unidas e culpou o Soldado.

Ele se lembrou de quando retirou a garota dos escombros, se lembrou da expressão dela... era estranha. Não parecia assustada, não parecia em pânico ou coisa assim. Naquele momento ele acreditou que talvez ela estivesse em estado de choque, mas e se não fosse isso?

- Eu vou te ajudar nessa - Sam falou, sua mente e seu sexto sentido o mandando não fazer isso, mas mesmo assim ele fez. - Vou te ajudar a descobrir o que aconteceu, mas eu não prometo livrar a cara dela se for mesmo culpada.

- Ela não é, eu tenho certeza.
Bucky afirmou confiante.

Sam balançou a cabeça, não compartilhando da mesma confiança. Ele guardou as pastas espalhadas e fechou a gaveta de metal. Ele só havia ficado com uma pasta, a única que importava aquele momento, e então começou a se afastar em direção a saída.

- Vamos, eu conheço um cara - Sam falou por cima do ombro.

- Quantos caras você conhece?

Bucky perguntou o acompanhando, percebendo a quantidade de contatos que o outro parecia ter espalhados por ai.

- Muitos - Sam respondeu querendo soar misterioso, mas com um leve sorriso nos lábios.

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