𝟎𝟏. BEM-VINDA AO PROJETO

Moscou, Rússia.
1970.

MINHAS MÃOS estavam tremendo, eu também conseguia sentir o suor frio que as empreganava completamente. Eu estou nervosa, mais do que me senti em toda a vida. O frio se estendia até meu estômago, trazendo a sensação de que eu poderia simplesmente desmaiar a qualquer instante. Aínda assim, conseguia manter minha postura e expressão absolutamente impossíveis, não me atrevendo demonstrar a menor perturbação diante dos outros.

Entre os muitos desafios que existem em ser mulher, um dos maiores é lidar com o fato de que demonstrar emoções fazem com que as outras pessoas a vejam como fraca e emocionalmente instável. Crescer no país em que cresci, com a criação que recebi de meus pais, ensinou-me que nunca se deve esboçar qualquer emoção que possa ser remotamente comparada a fraqueza. Sendo assim, meu rosto era uma máscara rígida de ferro e minhas mãos inquietas eram punhos fortemente cerrados em meu colo.

Logo que meu táxi estacionou e dei uma breve examinada no grandio pátio, percebi que estavam em uma pista de pouso e decolagem privada. Não perdi muito tempo pensando nesta questão, porém, tive um vislumbre breve de um pensamento de que a partir deste momento minha vida nunca mais seria a mesma. Me dei ao luxo de respirar profundamente uma única vez, em seguida murmurei um agradecimento educado ao motorista, pagando pela viagem.

Com os pés no chão firme e o carro se afastando, não havia muito o que olhar além do grupo de homens trajando preto que estavam parados alguns metros a frente. Sem hesitar nem por um segundo, caminhei na direção deles. Acenos e leves movimentos de cabeça foram os únicos cumprimentos necessários, nenhum de nós abriu a boca. Logo eu estava sendo guiada em direção ao interior de um dos angares.

Assim que entramos, mais um rosto surgiu de trás de um avião. Ele era desconhecido por mim, apesar de eu ter quase certeza de quem poderia ser.

- Dra. Florence, é um prazer finalmente conhece-la pessoalmente.

O homem mais velho que me aguardava em frente a escada para embarque falou ao me receber. Seu sotaque alemão é tão acentuado que tive alguma dificuldade para compreender as palavras ditas.

- Igualmente, Dr.Fuchs - Respondi cordialmente.

Ele indicou a escada que nos levaria até o interior do jato e se afastou para que eu entrasse primeiro. Embarquei na aeronave e me sentei proximo a porta, ele entrou logo depois e sentou-se diante de mim, por último os dois seguranças com suas posturas inquietantes. Havia uma comissária de bordo nos aguardando do lado de dentro, ela surgiu da cabine do piloto assim que entramos. A porta foi fechada e travada seguramente, em seguida ela se apresentou e verificou se estávamos todos com os cintos corretamente fechados, depois retirou-se novamente.

- Nossa organização está muito satisfeita que tenha aceitado nossa proposta, doutora.

- Eu seria tola se recusasse tal proposta.

- A senhorita definitivamente não é uma tola - Ele balançou a cabeça. - Soubemos que o seu governo recusou seu projeto, eles são os verdeiros tolos.

Seu tom era de reprovação e trazia um toque de complacência. Ergui meu queixo em demonstração de descaso com a situação. Claro que eles saberiam a respeito de todos os "não" que já recebi, e pensar nos homens arrogantes do conselho de Ciências e Pesquisa da Acadêmia de Moscou com todo aquele tom de desdém... isso me enfurece. Em até determinado momento cheguei a pensar que seria o fim para algo que nem havia chegado a começar, até que o telegrama dele chegou em minhas mãos.

- Concordo - Murmurei, meus olhos se concentrando no rosto do homem. - A Acadêmia e o governo Russo estão presos com suas idéias retrógradas, sempre vão se negar a andar para frente, infelizmente não serei eu a mudar isso.

- Compreendo, mas conosco isso será diferente - Ele sorriu, a apesar de ver verdade em seu sorriso, também identifiquei segundas intenções. - Suas idéias vão revolucionar tudo o que sabemos sobre a neurociência até hoje doutora.

Fiquei em silêncio por alguns segundos, apenas lendo sua expressão, me recostei no banco da aeronave que já estava em pleno ar. Seu tom de bajulação está bem mais do que explícito, isso me deixa com ressalvas.

- Do que sua agência se trata, doutor? Creio que ao perguntar isso da última vez obtive a resposta de que era confidencial, e que eu só saberia ao aceitar a proposta que me foi feita. Bem, eu aceitei, estou aqui no completo escuro agora.

Eu havia recebido uma proposta misteriosa e irrecusável. Talvez fosse imprudência aceitar algo cujo eu tinha tão pouco conhecimento sobre, mas era a chance da minha vida. Eu não poderia deixar passar, pelo menos não em um momento em que eu estava prestes a desistir, tão frustrada e revoltada por ser negada, mesmo tendo tanto potencial quanto qualquer um.

- Eu esperava por essa pergunta - Ele espelhou meu movimento, recostando-se em sua poltrona. - Somos uma agência não governamental, uma parceria entre... diversos grupos de diferentes nacionalidades que buscam um só propósito.

- E qual seria esse propósito, se me permite saber?

- A evolução da ciência como conhecemos hoje, disputas políticas, poder... nós não estamos satisfeitos com a forma como as coisas tem sido feitas no mundo, e o motivo de procuramos você, doutora, é saber que a senhora também não está satisfeita.

Mantive meu olhar fixo ao dele, o homem fala com propriedade, isso me passa alguma segurança, mas de certa forma não consigo confiar inteiramente nele. Ainda assim eu já aceitei sua proposta e eu honro meus compromissos, sempre os honrei, não vou abandonar tudo agora. Não quando já foi investido tanto em meu projeto, eu nem mesmo posso flertar com essa idéia.

- Certo - Deixo um leve suspiro resignado escapar entre meus lábios. - Tudo pela ciência.

Ele sorriu mais uma vez.

- Exatamente - Confirmou soando muito satisfeito com algo. - A senhorita aceitaria uma dose de vodka?

Ergui delicadamente uma de minhas sobrancelhas, indagando:

- Vodka?

- Eu tive a cortesia de procurar sobre sua cultura, doutora, e, aparentemente os russos comemoram qualquer coisa com vodka.

- Nisso o senhor está correto.

- E acredito que esse encontro, e os fins dele, devem ser comemorados. Portanto...

Ele acenou para que um dos seguranças chamasse a comissária na cabine do piloto e quando a mesma apareceu, Dr.Fuchs mandou que preparasse a bebida.

- Como você prefere, doutora?

- Puro.

- Uma mulher forte.

- Como uma boa russa.

Ele piscou com um dos olhos para mim e pegou o copo da bandeja que a comissária segurava. Aceitei meu copo e agradeci a moça, em seguida dei um grande gole na bebida que desceu quente por minha garganta.

Depois, optei pelo silêncio. Além de me concentrar em minhas anotações que estava levando comigo. Durante um tempo do vôo, minha mente divagou por uma série de assuntos até esbarrar em um profundamente incômodo; o fato de que eu não sei nada para a organização o qual passarei a trabalhar. E, aparentemente, continuarei sem saber até que esteja de fato dentro dela, totalmente envolvida.

Quando se é uma mulher lutando pelo seu próprio lugar em meio a tantos homens, dificilmente nós seremos a escolhidas, independente de nossa capacidade intelectual. Experimentei o gosto da frustração e da mais pura injustiça quando meu projeto foi recusado, mesmo que fosse brilhante, apenas porquê aqueles idiotas não suportam uma mulher em posição igual ou superior a deles. Isso me deixou desesperançosa, imaginando se era tão capaz quanto realmente achava que era... praticamente desistindo de tudo o que sonhei minha vida inteira.

Então essa proposta apareceu. Uma carta suspeita que foi entregue por um homem misterioso na universidade onde trabalhava. Eu pensei em recusar, mas então vi que era provavelmente minha única chance. Eu não poderia deixá-la ir. E agora estou aqui, prestes a ter minha vida transformada.

Pousamos no aeroporto de Berlim ao anoitecer. Havia um carro esperando por nós com mais seguranças. Não acho isso suspeito, pois pelas informações que tenho até agora, essa agência vai contra grandes governos, então não me parece que seria improvável um atentado. Durante o percurso, até onde eu não faço qualquer idéia, observei a paisagem da cidade. Berlim é linda, está nevando no momento, as ruas brancas e as luzes da cidade são encantadoras. Sai poucas vezes de meu país e dificilmente teria a oportunidade de ver algo assim por lá.

O

carro começou a se afastar cada vez mais da cidade.

- Achei que trabalharia em Berlim.
Falei, com os olhos ainda colados na paisagem.

- Berlim é muito movimentada, não poderiamos fazer metade das coisas que fazemos se estivéssemos estabelecidos na capital.

- Usando esses termos, até soa como se produzissem bombas nucleares.
Ele sorriu e afastou a questão com um aceno de cabeça, como se meu comentário fosse bem humorado.

Eu não estava fazendo nenhuma piada.

O carro só parou quando chegamos em uma grande garagem com acesso a um complexo muito maior. Descemos do carro e fui guiada até a entrada do local, após registrarem minhas digitais e rosto para reconhecimento e me entregarem um cartão de acesso, recebi permissão para ter acesso ao interior do complexo.

- Vocês realmente não conseguiriam esconder isso tudo em Berlim - Observei, levemente atordoada por toda a grandiosidade que via no lugar. O homem riu baixo.

- Temos diversos tipos de projetos em andamento; de engenharia, bioquímica e neurociência, até mesmo com tecnologia alienígena.

- Tecnologia alienígena?

- As conspirações sempre acabam por ter um fundo de verdade - Ele deu de ombros, não acrescentando mais nada.

Ele acionou uma enorme porta que se abriu revelando uma imensa oficina. Haviam jatos, computadores e tantas outras coisas que não consegui registrar tudo de imediato. É como a maior Acadêmia de Ciências que já vi em toda a minha vida e isso fizeram com que meus olhos brilhassem.

- Bem-vinda ao projeto, Dra.Florence.

Suas palavras chegaram flutuando até mim, como se eu estivesse com a cabeça dentro da água. Custei a desviar os olhos de tudo aquilo e olhar para o homem posicionado ao meu lado. Eu estava sem fôlego.

- É grandioso.
Murmurei abismada.

- E estamos apenas no setor de engenharia - Disse orgulhoso. Seu sotaque alemão parece ainda mais acentuado do que antes no avião. - Me siga, lhe mostrarei os laboratórios de neurociência.

Concordei com a cabeça e o acompanhei em silêncio, sentindo meu coração acelerar seus batimentos a cada passo que cada ao cruzar o enorme espaço.

O lugar para o qual ele me levou pode ser perfeitamente equiparado a um sonho. É tudo tão grande e avançado, sem dúvidas eles recebem grandes investimentos. Não duvido que existam muitas pessoas para investir em agências como essa... a ciência ainda vai dominar este mundo e aqueles que forem inteligentes o suficiente para perceber isso primeiro vão estar no topo da cadeia alimentar quando a virada acontecer.

- Este será seu local de trabalho, doutora.

Haviam outras pessoas trabalhando também, pessoas que nem mesmo ergueram a cabeça quando entramos. Olhei em volta, balancei a cabeça lentamente.

- A equipe que lhe prometemos chegará amanhã pela manhã, estamos reunindo os melhores para você - Continuou. - Poderá começar seu trabalho amanhã mesmo.

- Ótimo, eu não gostaria de perder mais tempo.

- E nem nós - Ele balança a cabeça. - O tempo é muito valioso por aqui. Me satisfaz saber que pensa dessa maneira também.

Vi uma série de pastas encima sa bancada, ele percebeu para onde eu estava olhando.

- São todos os registros que temos até hoje com as tentativas anteriores de projetos semelhantes. Temos procurado alguém como você há algum tempo.

- Irei estudá-los essa noite. - Apanhei as pastas em mãos.

Ele assentiu com a cabeça, mas meu olhar já não estava nele. Fitei a primeira pasta e imediatamente me deparei com algo que chamou minha atenção instantâneamente:

"PROJETO SOLDADO INVERNAL."

Franzi minhas sobrancelhas.

- O que isso significa? - Perguntei sem desviar os olhos do arquivo com ar de confidencialidade.

- Esse é o nosso projeto mais importante - Ele Respondeu. - E será o seu a partir de agora. No entanto, fique tranquila quanto as informações. Você irá saber tudo com os mínimos detalhes amanhã em sua primeira reunião. Conhecerá inclusive aquele que é nossa principal estrela, por assim dizer.

Concordei com minha cabeça e voltei a encarar o documento. Eu não estava gostando do tom que ele estava usando para se referir a isto. Para mim era algo quase megalomaníaco, mas eu não o conheço o suficiente para ter qualquer certeza. Posso apenas supor que isso seja tão importante a ponto de gerar um comportamento como esse. Reuni as pastas e as apertei contra o peito, me preparando para deixar o laboratório. Eu seria apresentada ao dormitório agora.

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