prólogo




A chuva caía incessante, escorrendo como rios de vidro pelas janelas do táxi. No banco traseiro, River observava a paisagem da cidade se transformar em borrões, os olhos castanhos claros fixos no mundo lá fora. Um pequeno bico marcava seus lábios, reflexo de uma inquietação que ele não fazia questão de esconder. Fazia tempo que ele não voltava para casa.

O motor do táxi roncava suavemente, enquanto o cheiro de estofado molhado e gasolina preenchia o espaço. River se perguntou, pela milésima vez, por que seu pai o mandara para aquele internato isolado há anos. A cidade estava tomada por um aumento inexplicável de violência e crimes na época, algo que nunca fora completamente explicado. Noah Stilinski, seu pai e xerife local, era conhecido por todos como um homem firme, respeitado, quase amado. River também o adorava, mesmo que agora esse sentimento viesse com um toque de amargura.

Stiles, seu irmão postiço e mestre do sarcasmo, certamente teria algo ácido a dizer sobre tudo isso. Fazia um ano desde que eles se viram pela última vez, no último verão. A saudade apertava, mas River não era do tipo de admitir sentimentos com facilidade. Em vez disso, ele se concentrava na irritação crescente por ter passado os últimos anos afastado de sua própria vida, preso em um internato que ele apelidara de inferno particular.

— Chegamos! — anunciou o taxista, a voz tirando River de seu torpor.

Piscando rapidamente, ele desviou o olhar para o lado de fora. O grande prédio da delegacia surgia imponente à sua frente, com suas luzes piscando em um contraste estranho com a escuridão da chuva. River pegou sua mochila, pagou o taxista e saiu para o frio da noite. O peso familiar da mochila em um ombro era quase reconfortante, enquanto ele se apressava para escapar da chuva e entrar na delegacia.

Lá dentro, o calor o abraçou imediatamente. Ele sacudiu os cabelos molhados, espalhando pequenas gotas pelo chão polido. O ambiente cheirava a café velho e papel húmido, com um murmúrio constante de vozes preenchendo o ar. River caminhou até a recepção, onde um homem corpulento e de expressão mal-humorada estava sentado atrás de um balcão.

— No que posso ajudar? — perguntou o homem, a voz arrastada e impaciente.

— Procuro por Noah Stilinski — respondeu River, a voz agora mais grave e firme, resultado dos anos recentes e da puberdade. Seu tom carregava um ar de mistério involuntário.

— O xerife está ocupado — foi a resposta seca.

River estreitou os olhos, o maxilar se contraindo.

— Apenas diga que River está aqui. Ele virá.

— Você não ouviu o que eu disse? — retrucou o recepcionista, claramente irritado.

River cruzou os braços, deixando claro que não pretendia sair dali.

— Eu vou esperar. E ele virá.

Resmungando algo incompreensível, o homem se levantou e caminhou até a sala do xerife. Noah estava afundado em uma pilha de papelada, os olhos cansados piscando contra a luz fluorescente.

— Senhor, tem um garoto procurando pelo senhor.

— Por favor, diga que não é um dos meus — murmurou Noah, sem levantar os olhos. Seu filho Stiles sempre estava em algum tipo de confusão, e ele não tinha energia para lidar com mais um problema.

— É um tal de River — informou o recepcionista.

Noah congelou. Então um sorriso largo se abriu em seu rosto.

— É um dos meus! — exclamou, levantando-se de um salto.

Deixando os papéis para trás, Noah caminhou apressadamente até o saguão. Ali estava River, sentado de forma despreocupada, mas com os olhos atentos que sempre o caracterizaram. Assim que seus olhares se encontraram, um sorriso genuíno se formou nos lábios de ambos.

— River! — chamou Noah, os braços abertos.

— Pai! — River respondeu, levantando-se para encontrá-lo em um abraço apertado.

— Senti sua falta, garoto — disse Noah, a voz carregada de emoção contida.

— Eu também senti, pai — respondeu River, o tom mais suave do que antes.

Por um momento, a tensão dos últimos anos parecia se dissipar. Mas ambos sabiam que a cidade não era mais a mesma. E River estava de volta ao epicentro de algo que ele mal começava a compreender.

[...]

A chuva ainda caía quando o carro de polícia de Noah parou em frente à garagem de sua casa. As luzes acesas do lado de dentro revelavam silhuetas familiares projetadas nas cortinas. Stiles estava em casa. River sentiu o estômago revirar em uma mistura de ansiedade e excitação. Fazia um ano que não via seu irmão, e a saudade acumulada parecia atingir seu ápice naquele momento.

Noah desligou o motor e olhou para River, oferecendo-lhe um sorriso acolhedor.

— Pronto para entrar?

River assentiu, mas suas mãos apertavam as alças da mochila com força. Ele respirou fundo antes de sair do carro, sentindo o ar fresco e úmido bater em seu rosto. As botas de ambos produziram pequenos estalos na calçada molhada enquanto caminhavam em direção à porta.

Noah abriu a porta da frente com um gesto familiar, e o calor da casa os envolveu imediatamente. Um aroma leve de pipoca e chocolate quente vinha da sala de estar, misturado com o som distante de uma televisão ligada. E então, ali estava ele.

Stiles, esparramado no sofá, com uma tigela de pipoca equilibrada no colo e o controle remoto na mão. Seus olhos se voltaram para a porta, e por um instante, ele ficou imóvel, como se estivesse tentando processar a figura à sua frente.

— River? — A voz de Stiles saiu meio hesitante, mas logo um sorriso largo e debochado tomou conta de seu rosto. — Ah, meu irmão perdido resolveu aparecer!

River revirou os olhos, mas não conseguiu conter um sorriso. Antes que pudesse responder, Stiles já estava de pé, atravessando a sala em passos rápidos para abraçá-lo.

— Achei que tinha te perdido para sempre naquele internato de horrores! — disse Stiles, apertando o irmão com força exagerada.

— Bom te ver também, drama queen — respondeu River, tentando disfarçar a emoção em sua voz.

Noah observava a cena com um sorriso discreto, o coração aquecido ao ver os dois juntos novamente. Era raro ter momentos como aquele, onde o riso de Stiles e a presença de River enchiam a casa com uma energia que ele quase esquecera como era.

Enquanto o abraço se desfazia, Stiles lançou um olhar crítico para o irmão.

— Você não mudou nada — disse Stiles, mas logo sua expressão mudou para uma provocação divertida. — Na verdade, mudou. Que voz é essa? Comeu toda a puberdade?

— Que isso? — Noah repreendeu, balançando a cabeça, mas não conseguiu conter um sorriso.

— Desculpe, pai — disse Stiles, com falsa inocência. — Ei, River, vem aqui. Estou em uma chamada com Scott.

— Vocês ainda são amigos? — River perguntou, rindo enquanto seguia o irmão escada acima.

— Pra toda vida — respondeu Stiles, o sorriso inabalável no rosto.

Scott e Stiles eram inseparáveis desde crianças, e River sempre se sentira a terceira roda no trio. Ele nunca dissera em voz alta, mas às vezes se perguntava se isso tinha a ver com o fato de ser adotado por Noah, algo que Stiles e Scott sempre negaram fervorosamente.

No quarto de Stiles, a tela brilhante do computador exibia o rosto familiar de Scott, que abriu um sorriso ao ver River.

— Hey! — exclamou Scott. — Não sabia que você voltaria!

— Nem eu — respondeu River com um riso contido. — Queria fazer surpresa.

— O internato não acaba só em março? — Scott perguntou, curioso.

River hesitou por um momento, passando a mão pela nuca.

— Houve alguns problemas lá — respondeu de forma vaga. — Mas não quero falar sobre isso agora. Foi bom te ver, Scott. Vou pro meu quarto.

— Beleza! — disse Scott, acenando.

Enquanto Stiles se acomodava novamente na frente do computador, River seguiu pelo corredor até seu quarto. Ao abrir a porta, foi tomado por uma onda de nostalgia. Tudo estava exatamente como ele deixara: os livros organizados na estante, um urso de pelúcia sobre a cama e os lençóis intocados. Ele sentou na beira da cama, deixando a mochila escorregar de seus ombros para o chão.

Finalmente, ele estava em casa. Mas o peso da sensação de retorno vinha acompanhado de um eco silencioso: o de que, embora a casa fosse a mesma, algo dentro dele havia mudado para sempre.














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